Recente decisão do STJ que reconheceu o direito à ocupação de vaga reservada ao deficiente físico em concursos públicos por candidato com surdez unilateral

Resumo: O presente artigo aborda pontos de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça que permitiu que candidata com surdez unilateral continuasse em concurso concorrendo às vagas destinadas aos deficientes. Num breve histórico sobre tema, questiona-se a fundamentação jurídica do decisum e sua legitimidade.


Abstract: This article discusses points of recent decision of  Federal Court of Justice that allowed the candidate with unilateral deafness continue competing in a competition for places for disable. In a brief history of subject, questions the legal basis of its legitimacy and decisum.


Palavras-chave: Deficiência auditiva. Recente julgado do STJ. Questões controversas sobre o tema. Necessidade de surdez unilateral ou bilateral. Isonomia.


Keywords: Hearing loss. Recente decision from Federal Court. Controversial issues on the subject. Need for unilateral or bilateral deafness. Equality.


Sumário: 1. Introdução; 2. Breve histórico da legislação afeta aos deficientes físicos. 3. Características da deficiência auditiva; 4. Legislação relacionada ao tema; 5. Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça permitindo à candidata a ocupação de vaga destinada aos deficientes físicos; 6. Controvérsias jurídicas do julgado daquela Corte Superior; 7. Conclusão.


1. Introdução


Consoante recente Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, pessoas com deficiência auditiva unilateral podem concorrer às vagas reservadas aos portadores de necessidades especiais nos concursos públicos.  Essa foi a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso da União contra candidata aprovada em concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), na qual se confirmou por unanimidade entendimento exarado em decisão monocrática anteriormente proferida pela Ministra Laurita Vaz na 5˚ Turma, S3-Terceira Seção.


No caso vertente, a candidata impetrou mandado de segurança contra a União por causa da exclusão de seu nome da lista dos candidatos aprovados que se declararam portadores de necessidades especiais no concurso para técnico judiciário do TJDF de 2007. Ela alegou surdez no ouvido direito, com a apresentação do laudo médico comprovando a deficiência no momento da inscrição no concurso.


O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios concedeu a segurança para determinar a inclusão do nome da candidata na relação dos aprovados. Posteriormente, a União recorreu ao STJ com a alegação de que  para a surdez ser considerada deficiência auditiva  deveria ser bilateral, nos termos do Decreto 3.298/99.


Contudo, a relatora, ministra Laurita Vaz, manteve a decisão do tribunal distrital em consonância com a jurisprudência do STJ que assegura ao portador de deficiência auditiva unilateral a reserva de vagas destinadas aos deficientes nos concursos públicos.


2. Breve histórico da legislação afeta aos deficientes físicos


Há um arcabouço normativo que visa garantir a inclusão dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho e na sociedade. Na Constituição Federal podemos citar os artigos 7º, inciso XXXI;  art. 23, inciso II; art. 24, inciso XIV; art. 37, inciso VIII; art. 40, §4º, inciso I; art. 201, §1º; art. 203, incisos IV e V; art.  208, inciso III; art. 227, § 1º, inciso II; art. 244,grande parte topograficamente localizados no Título VIII- Da Ordem Social.


Há, ainda, a Lei 8853/1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência física, sua integração social etc. Cite-se também as Lei n. 8899/94, 8989/95, 10.845/2004, a Lei n 11.126/2005, dentre outras, que têm como escopo preservar a igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros que visam garantir a inserção social do portador de necessidades especiais através de atitudes positivas do Estado.


3. Características da deficiência auditiva


É característica da perda auditiva a redução da audição em qualquer grau que reduza a inteligibilidade da mensagem falada para a interpretação apurada ou para a aprendizagem.[1], [2]


No que concerne à avaliação e a ordem do grau da perda auditiva, consoante Roeser & Downs[3] (2000), mensurada em decibéis, conclui-se que a audição regular quando a redução é de até 15 decibéis.


Contudo, há anormalidade quando a perda está entre 16 a 40dB (suave), 26 a 40dB (leve), 41 a 55dB (moderada), 56 a 70dB (moderadamente severa) e 70 a 90 dB (severa).


Além desses parâmetros, quando a perda é maior, há uma deficiência auditiva muito grande que obsta o indivíduo de ouvir a voz humana e adquirir o código da modalidade oral da língua, mesmo quando faz o uso de prótese auditiva.


4. Legislação relacionada ao tema


Há especial relevância para se entender o tema a leitura da normatização contida no Decreto n. 3.298/99, em especial os arts. 3º e 4º, no qual há a definição do conceito de deficiência física de portadores de deficiência física, nestes termos:   


“[…] Art.3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:


I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;


II -deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e


III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.


Art.4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:


I – deficiência física -alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;(Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)


II- deficiência auditiva-perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz(Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)


III -deficiência visual -cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)


 IV- omissis […]”


Da leitura do inciso II, do artigo 4º, do Decreto n° 3.298, de 1999  infere-se que a deficiência auditiva com a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB), ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz,  equivale ao patamar considerado moderado, de acordo com os estudos científicos sobre o tema de Roeser & Downs (2000), já mencionado acima.


Nesse ponto, a meu sentir, existe incontestável equivalência entre os trabalhos científicos a respeito do tema e a norma que trata do assunto em âmbito federal.


4. Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça permitindo candidata participar nas vagas destinadas aos deficientes físicos.


Pois bem, no caso concreto julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, a candidata apresentava deficiência auditiva em apenas em um dos ouvidos, em aparente contradição, com a devida vênia, ao art. 4, inciso II, do Decreto n 3298/1999, com as alterações do Decreto n 5296/2004, eis que esse último ato normativo estabeleceu a necessidade da deficiência auditiva ser bilateral.


Logo, a candidata não se enquadrava na bilateralidade da deficiência auditiva e, sim, na deficiência unilateral.


Todavia, aquela Egrégia Corte entendeu, para a concessão da segurança pleiteada, que independe da bilateralidade ou unilateralidade da surdez para que esteja configurada a deficiência a ensejar a participação nas vagas reservadas aos candidatos portadores de necessidades especiais. Ou seja, para o STJ, em seu mais recente julgado sobre o assunto, não coloca a bilateralidade da surdez como requisito essencial à caracterização da deficiência.


6. Controvérsias jurídicas do julgado do STJ


Pensa-se, s.m.j., que o decisum privilegiou o princípio da isonomia, da equivalência das situações de fato, em detrimento da aplicação de uma mera formalidade legislativa, pois não cabe distinguir situações semelhantes, quando não há razão e fundamento idôneo para tal distinção.


Consoante as lições do insigne constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho[4] princípios “são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas


Questiona-se se existindo equivalência do grau da perda auditiva entre 2 (dois) candidatos, um com perda bilateral e outro com perda unilateral, se esse discrimen previsto no Decreto nº 3.298/1999 estaria de acordo com a igualdade material prevista da Constituição Federal?


Nesse ponto, entende-se que o Decreto extrapolou o poder regulamentar, pois foi além do preconizado pela Lei nº 7853/1989. Quanto ao tema do Poder Regulamentar, vejamos as lições da saudosa Lúcia do Valle Figueiredo:[5]  


“[…] É forte a doutrina, e mesmo a jurisprudência, no sentido de não admitir que a Administração possa sem lei impor obrigações ou restringir direitos. Nessa acepção encontram-se os constitucionalistas e administrativistas Celso Antônio Bandeira de Mello, o nosso saudoso Geraldo Ataliba, José Afonso da Silva. Michel Temer, Paulo Bonavides, dentre outros. […]”


Há de se destacar, ainda, que é vedado estabelecer discriminações, quando não há situação fática que legitime o discrimen.


No que versa sobre esse tema, Celso Antônio Bandeira de Melo enuncia:


“o reconhecimento das diferenças que não pode ser feito sem quebra da isonomia, se divide em três questões:


a) a primeira diz com o elemento tomado como fato de desigualação (fator de discríminen);


b) a segunda diz com o elemento tomado como fator de desigualação (fator de discríminen);


c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados[6]


De fato, não há fundamentação (vide alínea “b” supra) para o fator de desigualação entre deficientes auditivos bilaterais e unilaterais, quando esses últimos tiverem nível de deficiência auditiva semelhante à exigida para a caracterização da deficiência auditiva.


Importante transcreve o voto da Exma. Sra. Min Laurita Vaz do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:


“É o relatório. Decido.


De início, cumpre asseverar que a verificação da existência de direito líquido e certo a ensejar a concessão do writ of mandamus, consoante iterativa jurisprudência desta Corte, implica reexame de provas, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça. (…)


No mérito, quanto a suposta ofensa aos arts. 3.º, inciso I, e 4.º do Decreto n.º 3.298/99, que regulamentou a Lei n.º 7.893/89, e ao art. 5.º da Lei n.º 8.112/90, verifica-se que o entendimento do Tribunal local está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que é assegurado a reserva de vagas destinadas a deficientes no certame público ao portador de deficiência auditiva unilateral.


Nesse sentido:


“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – TESE DE INFRINGÊNCIA AOS DEVERES DE FUNDAMENTAÇÃO – ALEGAÇÃO QUE NÃO PROSPERA – DEFICIENTE FÍSICO – CONCURSO PÚBLICO – ALTERAÇÃO DA LEI QUE CONSIDERAVA O CANDIDATO COMO DEFICIENTE, DURANTE O CONCURSO – MANUTENÇÃO DAS REGRAS PREVISTAS NO EDITAL.


1. Diferentemente do que se sustenta no recurso especial, verifica-se que o Tribunal de origem examinou a questão supostamente omitida de forma criteriosa e percuciente, não havendo falar em provimento jurisdicional faltoso, senão em provimento jurisdicional que desampara a pretensão da embargante.


2. Não há como se admitir que o candidato que se inscreveu no concurso público na vaga de deficiente físico, em razão de perda auditiva unilateral, deixe de ser assim considerado porque a legislação posterior ao edital passou a reconhecer a deficiência somente na hipótese de perda auditiva bilateral.


3. O edital não foi publicado novamente para se adaptar ao preceito normativo superveniente, de maneira que a pretensão recursal revela nítido desprezo à publicidade dos atos administrativos, bem como desconsidera avinculação da Administração pública aos preceitos do edital.4. Recurso especial não provido.” (REsp 1.124.595/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe de 20/11/2009; sem grifos no original.)


“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA – RESERVA DE VAGA NEGADA PELA ADMINISTRAÇÃO DEVIDO À COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL – MATÉRIA DE DIREITO –POSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO WRIT – APLICAÇÃO ERRÔNEA DA RESOLUÇÃO Nº 17/2003 DO CONADE – LEI Nº 7.853/89 – DECRETOS Nºs 3.298/99 e 5.296/2004 – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – RECURSO PROVIDO.


1. A matéria de que trata os autos, qual seja, saber se a surdez unilateral vem a caracterizar deficiência física ou não, é matéria de direito, que não exige dilação probatória, podendo, por conseguinte, ser objeto de mandado de segurança.


2. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, em concursos públicos, é prescrita pelo art. 37, VIII, CR/88, regulamentado pela Lei nº 7.853/89 e, esta, pelos Decretos nºs 3.298/99 e 5.296/2004.


3. Os exames periciais realizados pela Administração demonstraram que o Recorrente possui, no ouvido esquerdo, deficiência auditiva superior à média fixada pelo art. 4º, I, do Decreto nº 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto nº 5.296/2004. Desnecessidade de a deficiência auditiva ser bilateral, podendo ser, segundo as disposições normativas, apenas, parcial.


4. Inaplicabilidade da Resolução nº 17/2003 do CONADE, por ser norma de natureza infra-legal e de hierarquia inferior à Lei nº 7.853/89, bem como aos Decretos nºs 3.298/99 e 5.296/2004.


5. Recurso ordinário provido.” (RMS 20.865/ES, 6.ª Turma, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ de 30/10/2006; sem grifos no original.)


No mesmo sentido, confiram-se as seguintes decisões monocráticas: AG 1.310.257/PE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 07/10/2010; e AG 1.192.480/DF,Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 08/10/2009.


Ante o exposto, com arrimo no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO ao recurso especial.


Publique-se. Intimem-se.


Brasília (DF), 19 de maio de 2011.


MINISTRA LAURITA VAZ Relatora”


Relembra-se, ainda, que até a publicação das alterações trazidas pelo Decreto n. 5.296/2004 ao Decreto n. 3.298/99 a deficiência auditiva poderia ser caracterizada como unilateral, senão vejamos:


“(…) Art. 4º  É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:


I – deficiência física – alteração completa ou parcial deum ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;


II – deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:


a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve;


b) de 41 a 55 db – surdez moderada;


c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;


d) de 71 a 90 db – surdez severa;


e) acima de 91 db – surdez profunda; e


f) anacusia;


III- deficiência visual – acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho, após a melhor correção,ou campo visual inferior a 20º (tabela de Snellen),ou ocorrência simultânea de ambas as situações; (…)”


Com a nova redação do Decreto n. 5.296/2004 houve o acréscimo de mais um requisito – a bilateralidade – para configuração formal da deficiência auditiva.


Pergunta-se se o normativo acima extrapolou os limites da Lei n. 7.853/89 ou se o decisum não se fundamentou na norma regulamentadora, que está em vigor desde 2004. Nesse ponto, assiste razão ao Superior Tribunal de Justiça, pois não há nenhuma razoabilidade em tal distinção (surdez unilateral e surdez bilateral), ante a total ausência de fundamento para distinguir a deficiência auditiva em unilateral ou bilateral.


Ainda sobre o julgado, é pertinente a transcrição da votação unânime do Agravo Regimental que acompanhou o voto da Relatora:


“Superior Tribunal de Justiça


AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.150.154 – DF (2009/01407925)


EMENTA


ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. POSSE DE DEFICIENTE AUDITIVO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. SUPOSTA OFENSA AO DECRETO N.º 3.298/99, À LEI N.º 7.893/89 E AO ART. 5.º DA LEI N.º 8.112/90. NÃO OCORRÊNCIA.


1. Nos termos dos arts. 3.º inciso I, e 4.º do Decreto n.º 3.298/99, que regulamentou a Lei n.º 7.893/89, e do art. 5.º da Lei n.º 8.112/90, é assegurada, no certame público, a reserva de vagas destinadas aos portadores de deficiência auditiva unilateral. Precedentes.


2. Agravo regimental desprovido.


VOTO


A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):


As razões expedidas no agravo interno não são suficientes para infirmar as conclusões da decisão agravada, devendo ser mantida pelos seus próprios fundamentos. Isso porque, o entendimento desta Corte é no sentido de que nos termos dos arts. 3.º, inciso I, e 4.º do Decreto n.º 3.298/99, que regulamentou a Lei n.º 7.893/89, e do art. 5.º da Lei n.º 8.112/90, é assegurada, no certame público, a reserva de vagas destinadas a portadores de deficiência auditiva unilateral. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – TESE DE INFRINGÊNCIA AOS DEVERES DE FUNDAMENTAÇÃO – ALEGAÇÃO QUE NÃO PROSPERA – DEFICIENTE FÍSICO – CONCURSO PÚBLICO – ALTERAÇÃO DA LEI QUE CONSIDERAVA O CANDIDATO COMO DEFICIENTE, DURANTE O CONCURSO – MANUTENÇÃO DAS REGRAS PREVISTAS NO EDITAL.


1. Diferentemente do que se sustenta no recurso especial, verifica-se que o Tribunal de origem examinou a questão supostamente omitida de forma criteriosa e percuciente, não havendo falar em provimento jurisdicional faltoso, senão em provimento jurisdicional que desampara a pretensão da embargante.


2. Não há como se admitir que o candidato que se inscreveu no concurso público na vaga de deficiente físico, em razão de perda auditiva unilateral, deixe de ser assim considerado porque a legislação posterior ao edital passou a reconhecer a deficiência somente na hipótese de perda auditiva bilateral.


3. O edital não foi publicado novamente para se adaptar ao preceito normativo superveniente, de maneira que a pretensão recursal revela nítido desprezo à publicidade dos atos administrativos, bem como desconsidera a vinculação da Administração pública aos preceitos do edital.


4. Recurso especial não provido.” (REsp 1.124.595/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe de 20/11/2009; sem grifos no original.)


“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA – RESERVA DE VAGA NEGADA PELA ADMINISTRAÇÃO DEVIDO À COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL – MATÉRIA DE DIREITO – POSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO WRIT – APLICAÇÃO ERRÔNEA DA RESOLUÇÃO Nº 17/2003 DO CONADE – LEI Nº 7.853/89 – DECRETOS Nºs 3.298/99 e 5.296/2004 – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – RECURSO PROVIDO.


1. A matéria de que trata os autos, qual seja, saber se a surdez unilateral vem a caracterizar deficiência física ou não, é matéria de direito, que não exige dilação probatória, podendo, por conseguinte, ser objeto de mandado de segurança.


2. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, em concursos públicos, é prescrita pelo art. 37, VIII, CR/88, regulamentado pela Lei nº 7.853/89 e, esta, pelos Decretos nºs 3.298/99 e 5.296/2004.


3. Os exames periciais realizados pela Administração demonstraram que o Recorrente possui, no ouvido esquerdo, deficiência auditiva superior à média fixada pelo art. 4º, I, do Decreto nº 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto nº 5.296/2004. Desnecessidade de a deficiência auditiva ser bilateral, podendo ser, segundo as disposições normativas, apenas, parcial.


4. Inaplicabilidade da Resolução nº 17/2003 do CONADE, por ser norma de natureza infra-legal e de hierarquia inferior à Lei nº 7.853/89, bem como aos Decretos nºs 3.298/99 e 5.296/2004.


5. Recurso ordinário provido.” (RMS 20.865/ES, 6.ª Turma, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ de 30/10/2006; sem grifos no original.)


No mesmo sentido, confiram-se as seguintes decisões monocráticas: AG 1.310.257/PE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 07/10/2010; e AG 1.192.480/DF, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 08/10/2009.


Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental.


É o voto.”


7. Conclusão


Em síntese, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o caso concreto apresentado, bem como outros semelhantes, tem entendido que não há razão para distinguir deficientes auditivos unilaterais e bilaterais quando os mesmos tenham a mesma graduação de perda auditiva.


De fato, aquela Corte não teria como distinguir situações semelhantes, com base tão-somente na localização da deficiência auditiva (se bilateral ou unilateral), eis que tal distinção afronta completamente o princípio de isonomia resguardado pela Carta Magna.


 


Referências bibliográficas:

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Notas:

[1] Roslyn-Jensen AMA. Importância do diagnóstico precoce na deficiência auditiva. In: Ferreira LP. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1996. p.297-309.

[2] Mondain M, Blanchet C, Venail F, Vieu A. Classification et traitement des surdités de l’enfant. Oto-rhinolaryngologie (traité) 2005; 20:  190C-20C.

[3] Ross J. Roeser,Marion P. Downs. A New Era for the Identification and Treatment of Children with Auditory Disorders

[4] CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1988. p.1123

[5] FIGUEIREDO, Lúcia Valle.Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 69

[6] MELLO, Celso A. Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 1993, p.21


Informações Sobre o Autor

Francisco José de Andrade Pereira

Advogado da União. Coordenador – Geral da Consultoria Jurídica da União no Estado de Sergipe. Especialista em Direito Tributário pela Fundação Faculdade de Direito – Universidade Federal da Bahia – (UFBA).


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