Resolução extrajudicial de conflitos envolvendo a administração pública

Resumo: Os princípios da indisponibilidade de bens e direitos e da supremacia do interesse público são utilizados para justificar um sistema de privilégios processuais concedidos à Administração Pública. Privilégios esses que frustram as expectativas dos particulares em obter a tutela jurisdicional efetiva face aos entes públicos. Fato que é incompatível com o atual cenário de concretização de direitos fundamentais e de reconhecimento do direito ao processo justo. A interpretação constitucional do Direito Administrativo confere maior flexibilidade às relações mantidas entre a Administração Pública e os particulares, configurando um modelo de gestão pública democrático. Diante disto, o presente artigo tem como objetivo central discutir a possibilidade da utilização de métodos alternativos em conflitos envolvendo a Administração Pública. O resultado dessa análise é a apresentação de um suporte jurídico possibilitando a utilização desses métodos alternativos nos conflitos envolvendo à administração pública, bem como apresentar os benéficos proporcionados por esses métodos.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Administração Pública. Resolução extrajudicial de conflitos.

Sumário: 1. Introdução. 2. Garantias processuais face à Pessoa Jurídica de Direito Público. 3. Princípio da Supremacia do Interesse Público. 4. Princípio da Indisponibilidade. 5. Meios extrajudiciais de solução de conflito. 5.1 Mecanismos de resolução extrajudicial. 5.1.1 Mediação. 5.1.2 Conciliação. 5.2.3 Arbitragem. 6. Resolução extrajudicial envolvendo a Administração Pública. Conclusão. Referências.

1 – INTRODUÇÃO

Antes do surgimento do Estado, os conflitos eram solucionados, basicamente, através dos sistemas de autotutela e de autocomposição. Na autotutela o indivíduo mais forte se impõe sobre o mais fraco. Já a autocomposição é caracterizada por três aspectos: desistência, submissão e transação.

Na desistência ocorre a renúncia à pretensão; na submissão o sujeito passivo renuncia sua resistência anteriormente oferecida à pretensão do autor; e, por fim, na transação as duas partes fazem concessões recíprocas acerca do interesse em conflito.

Os Estados assumiram a responsabilidade sobre a solução do litígio. Porém, não dá conta da demanda crescente de processos, o que gerou a crise de efetividade do Poder judiciário. É possível se observar excesso de burocratização dos serviços, morosidade, custos elevados e má qualidade da prestação jurisdicional.

O Judiciário Nacional lida com grande responsabilidade frente sua efetividade. Para Rafael Tadeu Santos de Souza, o processo efetivo é aquele que respeitado o equilíbrio entre os valores de celeridade e segurança, oferece as partes o resultado desejado pelo direito material. Ou seja, há duas condicionantes para que ele seja efetivo: a verdadeira realização da justiça e a celeridade processual.

Em contrapartida aos problemas enfrentados pelo Judiciário surgem formas alternativas de solução de conflitos, proporcionando justiça e celeridade.

Diante dessa realidade a Administração Pública precisa se reestruturar de forma a atuar de acordo com a constitucionalização do direito administrativo e garantir os direitos fundamentais, mesmo diante da crise do Poder Judiciário. Para isso é necessário que ela modifique sua forma de relacionar com o cidadão. É preciso incentivar um espírito de colaboração e de pacífica coexistência e participação.

Propugna-se que à nova Administração Pública cabe o papel de desconstruir dogmas administrativos clássicos para permitir o avanço da gestão estatal consensual, na qual o processo administrativo garanta os direitos fundamentais e atenue a face arbitrária e autoritária da Administração que é incompatível com a nova ordem constitucional.

2 – Garantias processuais face à Pessoa Jurídica de Direito Público

Os processos cujo litígio envolve a fazenda pública carecem de efetividade, porque há um desequilíbrio de forças patente entre os particulares e a Administração Pública, em razão dos privilégios processuais fazendários.

De acordo com Leonardo José Carneiro da Cunha a expressão Fazenda Pública se relaciona com:

“(…) as finanças estatais, estando imbricada com o termo erário, representando o aspecto financeiro do ente público. (…) O uso frequente do termo Fazenda Pública fez com que se passasse a adotá-la num sentido mais lato, traduzindo atuação do Estado em juízo; em Direito Processual, a expressão Fazenda Pública contém o significado de Estado em juízo. Daí por que, quando se alude a Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo do Estado em juízo ou do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo.” (CUNHA, 2006, p. 15)

Na legislação processual pátria é possível identificar diversas prerrogativas do Poder Público no âmbito do processo judicial, tais como, inversão do ônus da prova, em decorrência da presunção de legalidade dos atos administrativos; prazos dilatados (art. 188, CPC e art. 106 do NCPC); reexame necessário (art. 475, CPC e 483 do NCPC); dispensa de preparo ou depósito prévio (art. 488, parágrafo único c/c 511, §1º,CPC e art. 921 do NCPC); possibilidade de condenação do Poder Público abaixo do mínimo legal de 10% sobre a condenação (art. 20, § 4º, CPC); execução de créditos por precatórios ao adversário (art. 100, CR/88). Todas essas prerrogativas foram mantidas no novo Código de Processo Civil.

Esses privilégios são autorizados pela supremacia do interesse público. No entanto, a atual interpretação do texto constitucional impõe à administração pública uma atuação no sentido de promover a democracia e os direitos fundamentais. Para isso é necessário que se garanta os princípios constitucionais processuais, dentre eles da isonomia.

O princípio da isonomia, de acordo com o moderno Direito Processual Civil, deve ser interpretado a luz da Constituição. Assim, mesmos nos processos que envolvam a Administração Pública, a legislação e o juiz no caso concreto devem garantir às partes uma paridade de armas. De forma que o particular não seja prejudicado em nome de um suposto benefício à coletividade.

É importante ressaltar que o Estado Contemporâneo tem como finalidade a promoção e o desenvolvimento dos indivíduos e da própria sociedade, o que não pode ser alcançado sem que se promova a efetividades desses processos. Nesse sentido, Gustavo Justino de Oliveira pondera que:

“[…] o fim do Estado contemporâneo parece ser o de constituir-se em canal e instrumento indispensável para a promoção do desenvolvimento dos indivíduos e da própria sociedade. Eis uma leitura atualizada da consagrada expressão bem comum, entendida pela doutrina clássica como a finalidade a ser perseguida pelo Estado”. (OLIVEIRA, 2005, p. 162)

Para que isso ocorra é necessário equilibrar a relação entre o sujeito público e os direitos dos particulares, reconhecendo que há direitos e deveres tanto para a Administração como para os demais sujeitos. A administração não pode ser alheia nem omissa face aos direitos dos indivíduos, vez que o Estado de Direito Democrático deve proteger os direitos fundamentais dos homens e a dignidade da pessoa humana, verdadeiros substratos que perfazem o núcleo essencial da nossa Constituição da República.

Os conflitos que envolvem a administração devem ser solucionados em simetria com a ordem constitucional, de forma a impedir que prejuízos e danos juridicamente injustos afetem direitos dos particulares.

Nessa linha, como forma de melhorar as relações entre a Administração e os particulares surge a nova face da Administração Pública, a Administração Pública Consensual.

Dessa forma, é tarefa da Administração Pública consensual empregar mecanismos consensuais, tais como a conciliação, a mediação, a arbitragem, como soluções preferenciais aos comandos estatais unilaterais e imperativos que dominavam o Direito Administrativo clássico, de forma a superar o desequilíbrio provocado pelas prerrogativas processuais fazendárias.

3- Princípio da supremacia do interesse público

A doutrina defende que dentre os princípios que sustentam a relação entre o Estado e o particular está o princípio da supremacia do interesse público. Celso Antônio Bandeira de Melo afirma que:

“O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência.” (BANDEIRA DE MELO, 2009, p. 96)

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro tal princípio decorre do antagonismo típico da administração pública, que tutela a liberdade dos indivíduos ao mesmo tempo que deve garantir o bem comum. Assim, para assegurar que a Administração Pública alcance seus fins, são-lhe outorgados prerrogativas e privilégio que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular.

“[…] Ao mesmo tempo que as prerrogativas colocam a Administração Pública em posição de supremacia perante o particular, sempre com o objetivo de atingir o benefício da coletividade, as restrições a que está sujeita limitam a sua atividade a determinados fins e princípios que, se não observados, implicam desvio de poder e consequente nulidade dos atos da Administração.” (DI PIETRO, 2009, p. 61-62)

Essa supremacia decorre do fato de ser o Estado responsável por satisfazer as necessidades concretas e específica da coletividade, o que se denomina interesse público.

Celso Antônio divide o interesse público em propriamente dito ou primário e secundário:

“Interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa, mas que só pode ser validamente perseguido pelo Estado quando coincidente com o interesse público primário.” (BANDEIRA DE MELO, 2009, p. 99)

Mesmo quando o Estado age com a finalidade de atingir um interesse secundário, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público propriamente dito. Assim, o sistema jurídico diferencia o ente público em relação ao particular como forma de garantir a implementação de políticas públicas visando a efetivação do interesse público.

Parte da doutrina moderna entende que o princípio da supremacia não deve prevalecer em todas as situações. Para esses doutrinadores diante do conflito entre direitos fundamentais constitucionais e interesses públicos de envergadura constitucional a eventual vitória do interesse público só seria defensável após se aplicar o princípio da proporcionalidade. Ou seja, a supremacia do interesse público deixa de ser absoluta quando existe direitos constitucionais fundamentais a serem tutelados. Dessa forma, a atuação estatal não pode desrespeitar o princípio da dignidade humana para alcançar uma meta coletiva.

O entendimento mais acertado é no sentido de que a Constituição deve ser compreendida e efetivada a partir dos direitos fundamentais, pois são eles que controlam, limitam e racionalizam o poder do Estado.

Isabelle de Baptista:

“O princípio da supremacia do interesse público adentra o ordenamento jurídico brasileiro nesse espírito de imposição de uma superioridade a priori, não para fins de realização das razões de Estado, mas para o exercício de uma desigualdade frente aos interesses particulares, apenas para a imposição e satisfação dos direitos e garantias fundamentais inseridos na atual ordem constitucional, como legítimos interesses públicos.” (2013, p. 65)

Schier afirma que o interesse em efetivar os direitos fundamentais integra a própria noção de interesse coletivo que requer tratamento diferenciado do Poder Público:

“[…] Assim, os direitos, as liberdades e garantias fundamentais não são compreendidos como “concessões” estatais e nem tampouco podem ser vistos como um “resto” de direitos que só podem ser afirmados quando não estejam presentes outros interesses mais “nobres”, quais sejam, os públicos. Ao contrário, os direitos fundamentais “privados” devem integrar a própria noção do que seja interesse público e este somente se legitima na medida em que nele estejam presentes aqueles, a regra, portanto, é de que não se excluem, pois compõem uma unidade normativa axiológica.” (SCHIER, 2005, p.228)

Em relação ao interesse público secundário, que não efetiva diretamente os direitos fundamentais, a Administração Pública não está constitucionalmente autorizada a se valer das prerrogativas a fim de efetivar interesses patrimoniais do Estado.

4- Princípio da indisponibilidade

O princípio da indisponibilidade parte de premissa de que os bens e interesses públicos não pertencem à Administração Pública nem a seus agentes, sendo a coletividade a titular dos interesses e direitos púbicos.

De acordo com tal princípio, a administração, por atuar em nome de terceiro, não possui livre disposição dos bens e interesses públicos.

É necessário haver flexibilização do rigor do princípio da indisponibilidade do interesse público na versão da doutrina clássica, de modo a aceitar a existência de relações jurídicas horizontais. As prerrogativas especiais do Estado em face do particular somente são legítimas nos casos em que há justa razão para tanto.

5 – Meios extrajudiciais de solução de conflito

O Poder judiciário, a partir de metade do séc. XX, tem enfrentado uma grande crise, que pode ser compreendida sobe dois enfoques: de eficiência e de identidade.

A crise de eficiência é caracterizada pelo contrabalanceamento entre a oferta e a procura judicial, que tem como consequência a acumulação de processos, a morosidade e a ineficácia do sistema. O que, de acordo com Faria (1996, p. 34) acentuou “progressivamente o fosso entre o sistema jurídico e os diferentes interesses sociais e econômicos em confronto”.

Já a crise de identidade é marcada pelo excessivo formalismo dos juízes e o descompasso da atuação do judiciário frente à realidade social.

Essa crise do Poder Judiciário provoca o descontentamento da população, a morosidade na solução dos litígios, alto custo operacional da atividade jurisdicional e a dificuldade do acesso à justiça.

O acesso à justiça, por sua vez, vai muito além do direito de petição perante o Poder Judiciário. É preciso propiciar o acesso a uma ordem jurídica justa, caracterizada por baixos custos, pela rapidez e principalmente por garantir os direitos dos indivíduos.

Capepelletti e Garth ressaltam a importância do acesso à justiça:

“[…] o acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” (Capepelletti e Garth,1988, p. 12)

A fim de consolidar a justiça em sentido amplo esses autores propõem um movimento denominado de “ondas renovatórias”. A primeira onda tem como objetivo propiciar o acesso àqueles que não pode arcar com as custas do processo; a segunda onda trata dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos; a terceira onda denominada de enfoque ao acesso à justiça, detém a concepção mais ampla de acesso à justiça. No contexto da terceira onda encontramos os métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, que têm como objetivo a maior pacificação social e menor judicialização.

Nesse cenário o Poder judiciário não pode ser visto como a única alternativa de solução de litígios. Nesse sentido Cappelletti e Garth defendem a necessidade de se criar:

“[…] Um sistema destinado a servir à pessoas comuns tanto autores, quanto réus, deve ser caracterizado pelo baixos custos, informalidade e rapidez, por julgadores ativos e pela utilização de conhecimentos técnicos bem como jurídicos.” (Capepelletti e Garth,1988, p. 94)

Os mecanismos extrajudiciais de resolução de conflito aparecem como uma opção capaz de proporcionar uma ordem jurídica justa. Para isso é necessária a criação de órgãos e setores, supervisionados pelo Poder Judiciário, capazes de promover a tutela jurisdicional diferenciada.

Também denominados de equivalentes jurisdicionais, os meios alternativos de solução de lides mais conhecidos são “a intermediação (negociação, arbitragem, conciliação e mediação) e a autocomposição.” (TAVARES, 2002, p. 41).

5.1- Mecanismos de resolução extrajudicial

As três técnicas são norteadas pelo princípio da informalidade, da simplicidade, da economia processual, da celeridade, da oralidade e da flexibilidade processual.

De acordo com Gregório Assagra e Igor Lima, na Resolução n.º 125 do CNJ:

“[…] parte da premissa de que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, pois, em programas já implementados no país, a excessiva judicialização dos conflitos de interesses estaria sendo reduzida, assim como a quantidade de recursos e de execução de sentenças.” (2014, p. 80-81)

Paroski declara que:

“Quanto à mediação e a à conciliação, não se trata verdadeiramente de meios que têm o condão de substituir a jurisdição estatal na solução de problemas jurídicos, mas sim, de métodos ou técnicas que podem ser empregados para facilitar a tarefa de se encontrar a solução mais adequada par ao litígio, diretamente pelas partes ou com o auxílio de um terceiro, […] tanto judicialmente quanto extrajudicialmente, trazendo como corolário a pacificação social, quando levam à eliminação do conflito de interesses.” (2008, p. 304)

Esses instrumentos de pacificação social visam a diminuição da judicialização e a solução de litígios de forma adequada.

5.1.1- Mediação

A mediação é uma das técnicas de solução de lides na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, atua de forma a encontrar um ponto de equilíbrio na controvérsia. Ela facilita o diálogo entre as partes para que elas construam uma solução justa, de forma a compatibilizaram seus interesses e necessidades.

Tavares afirma que a mediação é composta de três elementos, a saber:

“a) intervenção de terceiros (pessoa basicamente neutra ou, quando menos, interessada apenas na composição, que é o mediador);

b) disputa (elemento que preexiste à mediação, sendo necessária a presença de duas ou mais pessoas, que precisam estar disputando direitos) e

c) intenção de promover acordo para pôr fim ao litígio (vontade, disposição e esforços, especialmente do mediador, para o interno).” (TAVARES, 2002, p. 67).

Além disso, ele resume os seguintes princípios da mediação:

“- Voluntariedade: aceitação por livre iniciativa ou aceitação das partes. Significa a disposição de cooperação para o objetivo da mediação.

– Não adversariedade: não competição das partes, as quais não objetivam ganhar ou perder, mas solucionar o problema.

– Intervenção neutra de terceiro: terceira parte, catalisadora das soluções.

– Neutralidade: não interferência no mérito das questões.

– Imparcialidade, isto é, ausência de favoritismo ou preconceito com relação a palavras, ações ou aparência, significado, por parte do mediador, um compromisso de ajuda a todas as partes e na manutenção desta imparcialidade no levantamento de questões, ao considerar temas como realidade, justiça, equidade e viabilidade de opções propostas para acordo.

– Autoridade das partes: poder de decisão sobre as questões em disputa, já que são elas as responsáveis pelos resultados e pelo próprio andamento do processo.

– Flexibilidade do processo: a mediação não é um processo rígido, uma vez que não está restrita à aplicação de normas genéricas e pré-estabelecidas e sua estruturação depende, basicamente, das partes e dos procedimentos por elas próprias escolhidas.

– Informalidade, que se caracteriza pela ausência de estrutura e inexistência de conformidade a qualquer norma substantiva ou de procedimento.

– Privacidade: a vontade das partes se manifesta de maneira autônoma, baseada em interesses privados, no âmbito privado.

– Consensualidade, no sentido de não haver uma decisão imposta às partes. Leva-se em consideração o resultado de deliberação das partes e desta vontade é que se extrairá a sujeição ao acordo daí surgido.

– Confidencialidade, que é um dos princípios norteadores da mediação. As informações são restritas ao âmbito das partes e do interventor. Salvo restritas eventualidades (por exemplo, os próprios sujeitos darem publicidade ao processo ou às decisões, visto que têm liberdade para tal), nada pode ser utilizado em juízo ou ter publicidade.” (TAVARES, 2002, p. 67-68).

É importante ressaltar que a mediação é o processo dinâmico que visa ao entendimento, buscando desarmar as partes envolvidas no conflito para que não ocorra a judicialização da demanda. O mediador não tem poder decisório nem influencia diretamente na decisão, que é das partes.

Atualmente a mediação encontra-se regulamentada pela lei 13.140/15, que dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Além de ser prevista na lei 9.099/95 e no novo Código de Processo Civil.

5.1.2- Conciliação

A conciliação é um meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes confiam a um terceiro facilitador a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo. O conciliador pode adotar uma posição mais ativa, influenciando diretamente na decisão das partes por intermédio de uma intervenção mais direta e objetiva, porém deve adotar uma postura neutra e imparcial com relação ao conflito. É um processo consensual breve, que busca uma efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limites possíveis, da relação social das partes.

Está prevista em diversas leis, por exemplo, lei 9.099/95 e o Novo Código de Processo Civil.

5.1.3- Arbitragem

De acordo com Cappelletti e Garth:

“O juízo arbitral é uma instituição antiga caracterizada por procedimentos relativamente informais, julgadores com formação técnica ou jurídica e decisões vinculatórias sujeitas à limitadíssima possibilidade de recurso.” (1988, p. 82)

Trata-se de um mecanismo de heterocomposição, na qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa, que irá certificar o direito, caso existente. A solução do litígio será amigável e imparcial do litígio.

É uma atividade privada que tem como característica o fato de somente se realizar por vontade expressa das partes. Sendo que apenas as pessoas capazes de contratar podem pactuar compromisso arbitral, além disso, os litígios deverão versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. Pode ser determinada na elaboração do contrato, pela cláusula arbitral ou depois do surgimento da questão controvertida, pelo compromisso arbitral, sendo também obrigação das partes a indicação de um ou mais terceiros para serem árbitros

O arbitro deve prolatar a sentença de conhecimento que coloca fim ao conflito. Ele deve observar as regras pactuadas para conduzir o processo e dar a solução adequada.

No Brasil a arbitragem está regulada pela lei 9.307/96, que foi posteriormente alterada pela lei 13.129/15.

6- Resolução extrajudicial envolvendo a Administração Pública.

No Brasil, a atuação extrajudicial da Administração Pública na resolução dos próprios conflitos ainda encontra resistência. O principal argumento é de que a dispensa da decisão do Judiciário ensejaria violação ao princípio da indisponibilidade do interesse público e da sua supremacia sobre os interesses particulares. Para quem defende esse argumento a livre disposição dos bens e interesses públicos afronta as prerrogativas da administração e os direitos da coletividade como um todo.

Essa preocupação se baseia no fato da Administração pública ser a simples gestora dos bens e direitos que pertencem a toda a coletividade.

Ocorre que o modelo de Estado Democrático de Direito baseia-se na ideia de que o exercício do poder deve ser exercido de forma a garantir o respeito aos direitos humanos e às garantias fundamentais. Para isso é necessário a participação dos cidadãos de forma plural, a aproximação do povo aos serviços prestados pelo Estado e a desburocratização administrativa.

O processo de constitucionalização do direito reconfigurou o Estado e exigiu uma reestruturação da Administração Pública. Os princípios da legalidade e o da supremacia do interesse público sobre o privado deixam de ser a ideia central. O objetivo da administração pública é a promoção dos direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos.

A atividade administrativa não está mais “sujeita a uma legalidade-em-si, mas ao Direito construído, desvelado e aberto a partir da pluralidade de indícios formais-constitucionais, materializados em valores, princípios e preceitos constitucionais” (OHLWEILER, 2004, p. 320).

Nesse sentido, Barroso afirma que:

“Supera-se, aqui, a ideia restritiva de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador deve o pode atuar tendo como fundamento direto a constituição e independentemente em muitos casos de qualquer manifestação do legislador ordinário.” (2009, p. 375)

O princípio da supremacia do interesse público também deve ser reformulado no contexto do constitucionalismo contemporâneo. Esse princípio sequer é previsto na Constituição brasileira. Tal princípio não pode ser priorizado a todo custo. Os direitos individuais devem ser igualmente protegidos.

Nesse sentido, Georges afirma que:

“[…] a garantia e o exercício dos direitos fundamentais estão caracterizados por um entrecruzamento de interesses públicos e interesses individuais. A tutela da vida, da liberdade e da propriedade no Estado Constitucional é uma exigência legítima tanto do indivíduo como da comunidade, ou seja, existe no interesse público e no interesse privado. Esta conclusão é de fundamental importância para se impedir que a restrição a direito fundamental possa ser realizada com fundamento no interesse público. Deste modo, se nos direitos fundamentais estão fundidos interesses públicos e interesses privados, disso se obtém que tão logo uma liberdade constitucional seja restringida, é também afetada a coletividade. Tão logo algum direito fundamental seja lesionado também e sempre será afetado o interesse público.” (2011, p. 97)

Nesses termos, não pode a Administração Pública partir da premissa de que o interesse coletivo deve prevalecer diante do interesse individual. Sua atuação deve ser no sentido de garantir os direitos fundamentais e os princípios constitucionalmente consagrados.

Diante da constitucionalização do direito administrativo, a princípio da indisponibilidade do interesse público não pode servir como barreira para evitar a negociação, alienação ou renúncia de bens e direitos pela Administração Pública, que deve ocorrer sempre em respeito aos princípios constitucionais.

Assim, o Estado deve atuar de forma a dar máxima eficácia aos direitos e garantias fundamentais, diante do caso concreto. Não sendo possível declarar, aprioristicamente, a supremacia de alguns bens e direitos.

Todavia, é preciso esclarecer que o Poder Público não tem a mesma liberdade que os particulares, no que diz respeito ao uso e gozo de bens e direitos exclusivamente privados, na gestão dos interesses de titularidade pública.

Em suma, os direitos fundamentais devem prevalecer mesmo diante da supremacia do interesse público. Assim, não há motivos para que o Estado não realize a resolução extrajudicial de seus conflitos.

Marina Santos declara que:

“Nesse contexto, se a busca por soluções mais céleres, autônomas e efetivas dos conflitos é vantajosa aos particulares, para o Estado ela não só não ofende qualquer postulado do direito administrativo como se traduz em mandamento expressamente posto pela Constituição brasileira, que impõe à Administração Pública a moralidade, a eficiência e a juridicidade como parâmetros necessários de sua conduta.” (p.15)

Uma Administração proba e eficiente é aquela que identifica seus erros e atua eticamente no sentido de corrigi-los ou repará-los, quando cabível. Bem como aplica seus recursos da forma mais racional possível.

Nesses termos, o Estado deve atuar de forma a evitar que ocorra lesões a particulares, porém se ocorrer alguma lesão ele deve reparar. Sendo, que o Estado deve sempre buscar, primordialmente, a resolução dos seus litígios fora dos tribunais. Por isso, não pode deixar de oferecer a solução mais eficiente e efetiva para o conflito.

É importante ressaltar que a Administração Pública não pode abandonar seu papel de tutor do interesse público. Motivo pelo qual não pode realizar de acordos e concessões espúrias, ofensivas ao interesse público, não por ser a transação incompatível com a supremacia desse interesse.

Assim, a autocomposição dos litígios no âmbito do direito público apresenta-se em harmonia com um direito administrativo constitucionalizado.

A legislação brasileira evoluiu no sentido de permitir o uso de tais institutos pela Administração Pública. A lei 9.307, foi alterada recentemente pela lei 13.129/15, em seu art. 1º, §1º, permite que a Administração Pública utilize da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Já a Lei 13.140, em ser art. 32 prevê a possibilidade de autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público, porém essa lei ainda não entrou em vigor.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se pela possibilidade e necessidade da utilização destes meios alternativos nos conflitos envolvendo a Administração Pública.

O Poder Judiciário praticamente detém o monopólio e a confiança da sociedade na solução de litígios. Essa cultura de acionar o Estado é um dos motivos do sobrecarga do Poder Judiciário. Entretanto, o problema não é meramente cultural, mas especialmente político e técnico. Porém, é preciso divulgar e estimular a utilização dos meios extrajudiciais de solução de conflitos, de forma a se evitar um processo moroso e desgastante. Desse modo, torna-se mais célere a prestação jurisdicional e dá-se um tratamento mais adequado aos conflitos.

A adoção desses métodos pelo Estado, na solução de seus próprios conflitos, configura a realização do interesse público na promoção da justiça, além de ser um tributo à eficiência, à moralidade e à juridicidade na atuação administrativa. Para isso é necessário a superação da clássica dicotomização entre direitos individuais e coletivos, que contraria o direito administrativo constitucionalizado.

 

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Informações Sobre o Autor

Natália Soares Fuchs

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Graduada em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Continuada – IEC/PUCMINAS e em Direito Público pela FUMEC


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