Uma análise doutrinária acerca do ato administrativo como categoria jurídica

Resumo: O presente estudo realizará uma análise doutrinária sobre o ato administrativo, delimitando as suas características e atributos que o diferencia do ato jurídico de direito privado, e abordando questões tópicas acerca de seu regime jurídico e efeitos produzidos.

Palavras chave: Ato administrativo. Atributos. Elementos. discricionariedade.

Abstract: This study will conduct a doctrinal analysis of the administrative act, defining their characteristics and attributes that differentiates the legal act of private law, and addressing topical issues concerning their legal regime and produced effects

Keywords: administrative act. Attributes. Elements. discretion

Sumário: 1.conceito, 2.elementos do ato administrativo. 2.1..Competência 2.2.objeto 2.3.validade 2.4.forma 2.5.motivo 3.Teoria dos motivos determinantes 4.mérito do ato administrativo 5.atributos 5.1.presunção de legitimidade 5.2.imperatividade 5.3.autoexecutoriedade 6.classificação 6.1.Atos gerais e individuais 6.2.Atos internos e externos 6.3.Atos de império, de gestão e de expediente 6.4.Atos vinculados e atos discricionários6.5. Atos simples, complexos e compostos 7.invalidade 8.conclusão

1.Conceito

Os atos administrativos são atos jurídicos emanados dos órgãos da administração, e possuem características diversas daquelas atinentes ao ato jurídico do direito privado, em virtude dos princípios de direito público subjacentes àqueles. O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, bem como o princípio da indisponibilidade do interesse público, norteiam todo o regime jurídico administrativo, conformando os atos emanados da administração pública.

O ato jurídico é todo aquele que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. Trata-se da prática de um  ato, que se conforma com a regra jurídica, donde decorre a entrada do ato para o mundo jurídico.

As definições de ato administrativo na doutrina brasileira variam conforme o aspecto ou elemento ressaltado pelos autores que se debruçaram exaustivamente sobre o tema. No dizer de Hely Lopes Meireles, ato administrativo é “toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria” ( Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro,p.150, 33ª Ed, Malheiros).

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o ato administrativo pode ser conceituado como “ a declaração do Estado ( ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público ), no exercício das prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.”( Curso de Direito Administrativo, 25ª edição, p.378, Ed. Malheiros). Daí se extrai as seguintes características deste conceito, a saber, trata-se de declaração jurídica, proveniente do Estado ou de que, lhe faça as vezes, exercidas no uso de prerrogativas públicas, e sujeita-se a exame de legitimidade pelo órgão jurisdicional.

Já para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o ato administrativo consiste na “declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei,sob regime jurídico de direito público, e sujeita a controle pelo poder Judiciário.” (Direito Administrativo brasileiro, p.206, 21ª edição, editora Atlas).

José dos Santos Carvalho Filho, assim distingue o ato administrativo, “ a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público.” (Manual de Direito Administrativo, p.92, 17ª edição, Ed.Lumen Juris).

Percebe-se que o conceito varia pouco conforme o aspecto ou caractere ressaltado pelo autor, mas vale sobressaltar que todos eles fazem menção ao fato de que o ato administrativo é ato jurídico emanado do Estado, que produz efeitos jurídicos imediatos e deve obediência ao regime jurídico de direito público.

2.Elementos do ato administrativo

No que tange aos elementos do ato administrativo, a maioria dos autores também não destoa da pentapartição clássica destes, em que pese a divergência na nomenclatura , alguns autores preferindo usar o termo “elementos”, outros optando pelo termo “requisitos de validade”. Tais elementos são a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto. Constituem assim, tais elementos a estrutura do ato administrativo, e verificada a ausência de qualquer deles, estará o ato contaminado pelo vício da legalidade,  fato que o deixará sujeito á anulação. Analisemos todos eles, um a um .

2.1.Competência

É a conditio sine qua non para a validade de qualquer ato administrativo. Sem ele, nem sequer adentra no mundo jurídico o ato. Hely Lopes Meireles define competência administrativa como sendo “o poder atribuído ao agente da administração para o desempenho específico de suas funções.” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª Ed., p.152, Ed.Malheiros). Assim que o ato emanado de agente incompetente é invalido por lhe faltar um elemento básico de sua  perfeição. O instituto da competência se faz necessário pela necessidade de divisão do trabalho.

A competência possui algumas características que merecem realce.  A primeira é que a competência é inderrogável, é saber, a competência de um órgão não se transfere para outro por acordo entre as partes. Deve a mesma ser rigidamente observada por todos. A segunda é a improrrogabilidade, é saber, a incompetência inicial não se transmuda em competência, se um órgão não possui competência para determinada função, não poderá vir a tê-la supervenientemente.

A definição da competência, doutro lado, decorre dos critérios em razão da matéria, da hierarquia, do lugar e do tempo. No que concerne à matéria, tal critério decorre da necessidade de serem especificadas as funções administrativas para sua melhor execução.No que tange à hierarquia, o critério se refere a atribuições mais complexas aos agentes situados num pano superior.

O critério de lugar está relacionado com a necessidade de descentralização territorial das atividades administrativas.

A lei pode, todavia, determinar que em alguns casos haja a delegação de competência, desde que haja ato específico de delegação no qual esteja indicado com precisão a autoridade delegante, a autoridade delegada, e as atribuições objeto de delegação. A lei 9784/99, que regula o Processo Administrativo Federal, veda a delegação quando se trata de atos de caráter normativo, de decisão de recurso administrativo ou quando as matérias são da competência exclusiva do órgão ou da autoridade.

Já na avocação, o delegante atrai para si a prática de ato objeto de delegação.

2.2.Objeto

Objeto quer significar a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo se propõe a realizar.É o objetivo imediato da vontade exteriorizada do ato. Como exemplo de objeto do ato administrativo, cite-se uma licença para construção, que tem por objeto permitir que o interessado possa edificar de forma legítima; o objeto da multa, que é punir o transgressor da norma administrativa; na nomeação, o objeto é admitir o indivíduo no serviço público, dentre outros.

2.3.Validade

O ato administrativo, para que seja válido, deve ser lícito. A licitude é requisito fundamental de validade do objeto , exigível para todo ato jurídico. Repete-se aqui o requisito da validade para os atos jurídicos de direito privado em geral.

2.4.Forma

A forma é o meio pelo qual se exterioriza a vontade. Esta é o querer interno do agente exteriorizado de um modo estabelecido em lei.A forma, então, integra a própria formação do ato.

2.5.Motivo

Motivo é a situação de fato ou de direito que gera a vontade do agente quando da prática do ato administrativo. Pode vir expresso na lei como pode ser deixado ao critério do administrador. Já por motivação define-se a exposição por escrito dos fatos e fundamentos jurídicos do ato.

3.Teoria dos motivos determinantes

A teoria dos motivos determinantes se refere ao princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que geroua manifestação de vontade, sob pena de considerar-se o ato nulo. Aplica-se tal teoria com mais ênfase nos atos discricionários, pois são aqueles em que se permite ao agente maior liberdade na aferição da conduta.

4.Mérito do ato administrativo

Oportuna se faz a explanação de alguns aspectos quanto ao mérito administrativo, que tem significado diferente do mérito no âmbito processual. O mérito administrativo consubstancia-se na valoraçãodos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela administração, quando autorizada a decidir pela conveniência e oportunidade e justiça do ato a se realizar.

5.Atributos do ato administrativo

Os atos administrativos, como emanações do poder público, possuem alguns atributos que os distingue dos atos jurídicos de direito privado. A doutrina se refere à presunção de legitimidade, imperatividade e auto-executoriedade. Passaremos a discorrer sobre cada um deles.

5.1.Presunção de legitimidade

Os atos administrativos, desde seu nascedouro, possuem a presunção de que são legítimos. Tal presunção decorre do princípio da legalidade da administração (art.37 da CF/88), que orienta todo o agir administrativo. Tal presunção, ademais, existe para que haja celeridade na execução dos atos administrativos, imprescindíveis que são para a satisfação do interesse público. A presunção de veracidade, de outro lado, refere-se aos fatos alegados e afirmados pela administração, os quais são tidos como verdadeiros até prova em contrário.

Outra decorrência importante da presunção de legitimidade é que enquanto não sobrevier pronunciamento de nulidade, os atos administrativos são tidos como válidos, e o ônus da prova da invalidade do ato caberá a quem o invoca. A argüição da nulidade do ato, portanto, caberá ao impugnante, até a sua anulação.

5.2.Imperatividade

É o atributo do ato administrativo que impõe a coercibilidade para seu cumprimento e execução. Por se tratar de ato emanado do poder público, deve ser imposta ao particular a sua obediência. Todo ato dotado de imperatividade deve ser cumprido e atendido enquanto não for retirado do mundo jurídico por revogação e anulação.

5.3.Auto executoriedade

Consiste na possibilidade de certos atos ensejarem a imediata e direta execução pela própria administração, independente de ordem judicial. Trata-se de consectário lógico do encargo imposto à Administração pública para a realização de seu mister; os atos administrativos devem ser postos em execução imediatamente, para atender às peculiaridades do caso concreto. Bem por isso não há como condicionar a atuação da administração pública à prévia sindicância do poder judiciário, sob pena de engessá-la e torná-la inócua e inoperante. Daí decorre a sua principal característica, a saber, que as prestações tipicamente  administrativas, máxime as decorrentes do poder de polícia, podem ser exigidas e executadas imediatamente pela administração, sem necessidade de mandado judicial.

6.Classificação dos atos administrativos

A atividade intelectual de classificar existe para que haja maior coerência no sistema ou ciência que se busca analisar. Em relação à atividade administrativa e o direito administrativo, não é diferente. O ato administrativo, portanto, possui uma classificação própria, em virtude da multiplicidade dos afazeres administrativos. Analisaremos , portanto, as principais classificações do ato administrativo.

6.1.Atos Gerais e individuais

Atos gerais são aqueles expedidos sem destinatários determinados, com finalidade normativa, alcançando todos os sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato abrangida por seus preceitos

Atos individuais são aqueles que se dirigem a destinatários certos, criando-lhes situação jurídica particular.Em geral criam direitos subjetivos para seus destinatários, bem como criam encargos administrativos pessoais.

6.2.Atos internos e externos

Atos internos são aqueles destinados a produzir efeitos no recesso das repartições públicas, e por isso incidem, normalmente, sobre órgãos e agentes da Administração.

Atos externos são todos aqueles que alcançam os administrados, os contratantes, e, em certos casos, os próprios servidores

6.3.Atos de império, de gestão e de expediente

Atos de império são todos aqueles que a Administração pratica usando de sua supremacia sobre o administrado ou servidor e lhes impõe obrigatório atendimento. Ocorre nas desapropriações, interdições de atividades, ordens estatutárias, dentre outros.

Atos de gestão

Atos de gestão são os que a Administração pratica sem usar de sua supremacia sobre os destinatários. Ocorre nos atos puramente de administração dos bens e serviços públicos e nos negociais com os particulares, que não exigem coerção sobre os interessados.

Atos de expediente

Atos de expediente são todos aqueles que se destinam a dar andamento aos processos e papéis que tramitam pelas repartições públicas, preparando-as para decisões de mérito.

6.4.Atos vinculados e atos discricionários

Atos vinculados são aqueles para os quais a lei estabelece requisitos para sua realização. As imposições legais absorvem, por completo, a liberdade do administrador. O poder público se sujeita às emanações legais, de modo que a elas fica jungido e delas não poderá fugir.

Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua convivência. A discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas no poder da Administração de praticá-lo de maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público.

6.5.Atos simples, complexo e composto

Ato simples é o que resulta da manifestação de vontade de um único órgão, unipessoal e colegiado. Não importa o número de pessoas que participam da formação do ato,mas sim a vontade unitária que expressa tal origem

Ato complexo é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo. O essencial é o concurso de vontades de órgãos diferentes, para a formação de um ato único.

Ato composto é o que resulta da vontade única de um órgão, mas depende da verificação por parte de outro.Exemplo: uma autorização que dependa do visto de uma autoridade superior.

7.Invalidade dos atos administrativos

Os atos administrativos devem ser emanados em conformidade com a moldura instituída pela lei, de modo que se acaso o ato for emanado em desconformidade com esta, caberá a sindicância do Poder Judiciário, que poderá declarar a nulidade do ato através da prolatação d sentença. A legitimidade da atividade administrativa somente decorre do respeito á lei. Se acaso, por erro do agente, ou por dolo ou culpa do mesmo, a atividade do poder público se afasta da lei, é dever da administração invalidar o ato administrativo por vício de legalidade. De modo que existem, portanto, duas oportunidades para o controle dos atos administrativos, a saber, uma interna, inerente à própria administração, e outra externa, ínsita ao Poder Judiciário.

No que tange ao desfazimento do ato administrativo pela própria administração, este é bem mais amplo, tendo em vista  que a mesma poderá fazê-lo, seja por motivos de mérito, quando haverá revogação, seja por motivos de legalidade, quando haverá invalidação.

8.Conclusão

Daí podemos concluir o seguinte: a Administração revoga ou anula o próprio ato, já o Judiciário somente anula o ato administrativo. Tal, aliás, é o teor da súmula 473 do STF, quando aduz: ‘’A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo  de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

A revogação do ato administrativo funda-se no poder discricionário de que dispõe a Administração para rever sua atividade. Já a anulação é a declaração de invalidade de um ato administrativo ilegítimo ou ilegal, feita pela própria administração ou pelo Poder judiciário.

Os efeitos da anulação dos atos administrativos retroagem à sua origem, invalidando as conseqüências passadas,  presentes e futuras do ato anulado.O  ato nulo ( ou inexistente),  não gera direitos ou obrigações para as partes,  não cria situações jurídicas definitivas, e não admite convalidação. Excepcionalmente, a anulação poderá ter efeitos ex nunc, quando terceiros de boa fé são alcançados pelos efeitos incidentes.

Uma vez anulado o ato pela própria administração, cessa imediatamente sua operatividade, não obstante possa o interessado pleitear judicialmente o restabelecimento da situação anterior.

Quando é o poder judiciário que anula o ato administrativo, tal controle somente se dá no campo da legalidade, mas nessa hipótese a revisão é ampla, em face de preceitos constitucionais, de que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito ( art.5º, inciso XXXV da Carta Magna).


Informações Sobre o Autor

Guilherme Silva Bastos Malheiro

Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Advogado em Salvador/BA


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