Resumo: O empregado público possui vínculo jurídico com a administração pública de natureza mista, sendo regido em alguns pontos por normas de direito público e em outros por normas de direito privado. Desta feita, o escopo do presente trabalho está assentado em promover uma análise definindo a forma de ingresso, estabilidade e fim do vínculo desse servidor, estabelecendo se as normas aplicadas serão de caráter público ou privado.
Palavras chave: Empregado Público; Estabilidade; Extinção do Vínculo empregatício de natureza mista.
Sumário: 1) Introdução; 2) A Origem da Vinculação do Empregado Público à Administração Pública; 3) Estabilidade do Empregado Público; 4) Extinção do Vínculo Contratual; 5) Considerações Finais.
1) Introdução
O art. 3º da CLT define o empregado como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Assim, o empregado é a pessoa natural que está subordinada ao seu empregador, recebendo ordens, de maneira não eventual, ou seja, trabalha periodicamente, mediante remuneração, não sendo um trabalhador que presta seus serviços apenas de vez em quando ou esporadicamente, nem de forma voluntária. Além de ser um trabalhador que presta pessoalmente os serviços, havendo uma contraprestação, de um lado a venda da mão de obra, do outro lado o salário.
Para comprovação desse vínculo, a lei põe em exame, principalmente, os fatos em caso concreto, não sendo decisivo somente o que tenha sido formalizado por escrito, através do contrato de trabalho. Afinal, os fatos são mais importantes do que os documentos, na relação trabalhista, que busca efetivar o princípio da verdade real.
Essa premissa é feita tendo por base que a relação de trabalho quase sempre trazer uma relação de hipossuficiência, onde de um lado o empregador detém as condições e exigências para o empregado realizar o trabalho. Ficando clara a discrepância na relação entre empregado e empregador, onde por muitas vezes o empregado se permite concordar com ordens que transpassem sua função laboral, e até mesmo assinar documentos com mentiras, a fim de burlar a lei de proteção ao empregado. Não restando alternativa ao empregado, a não ser concordar com tal prática para manter seu emprego.
O ingresso do empregado público deverá seguir alguns critérios que mais se assemelham ao do servidor público do que do empregado no setor privado, apesar do empregado ser regido, predominantemente, pelas normas do direito do trabalho. No setor privado, a escolha é feita através da liberdade do patrão, proprietário do meio de produção. Já no emprego público, por não ter patrão, a escolha do seu pessoal é feita através das normas jurídicas, pois, estamos falando de coisa pública, devendo ser o interesse público predominante na escolha do seu pessoal, não interesse particular.
Neste artigo será explanado se o empregado público terá a cogitada estabilidade do servidor público; se terá somente direito ao FGTS ou quem sabe, as duas opções.
Enfim, será tratado também da extinção do vínculo contratual do empregado público com a Administração Pública, quais as principais formas de desligamento do servidor com o Estado e qual regime jurídico será o adotado ao celetista.
2) A Origem da Vinculação do Empregado Público à Administração Pública
O acesso ao serviço público é o conjunto de normas e princípios que disciplinam o ingresso dos agentes públicos. O processo de seleção de candidatos de maneira impessoal a cargos públicos teve origem na França, com Napoleão.
Na Constituição Federal de 1988, em sua redação originária, delimitava o acesso a cargo, emprego e função pública, apenas aos brasileiros, sem distinção de natos ou naturalizados, no artigo 37, I.
Os parâmetros que conduzem o ingresso ao serviço público causam vinculação para os órgãos administrativos, de modo que a Administração não poderá criar dificuldades maiores nem abrir caminhos de facilidades fora das regras que compõem o sistema. Torna-se verdadeiro direito subjetivo, direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, observadas logicamente as normas aplicáveis em cada tipo de provimento, segundo Filho (2014, p. 653).
Após a Emenda Constitucional n. 11/1996, tornou-se possível a admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros (art. 207), na forma da lei (Lei n. 9.515/1997). Em seguida, com a EC n. 19/1998, os cargos e as funções públicas tornaram-se possíveis aos brasileiros que preenchessem os requisitos legais, assim como os estrangeiros, na forma da lei, segundo o art. 37, I.
É preciso pontuar que o direito de acesso ao serviço público é aferido aos brasileiros que preencham os requisitos legais. Como não há qualquer restrição quanto ao sentido do termo, devemos entender que são titulares do direito não apenas os brasileiros natos como os naturalizados. Essa é a regra geral. A exceção está prevista no art. 12, § 3º, da CF, que elencou alguns cargos privativos de brasileiro nato: Presidente e Vice-Presidente da República; Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; Ministro do STF; membros da carreira diplomática; oficial das Forças Armadas e Ministro de Estado da Defesa.
Lembrando que, em ambos os casos, cada ente da federação que irá disciplinar, mediante lei, a contratação do seu pessoal, que deverá ser de modo impessoal, através de concorrência. A respeito do ingresso do agente público, o STF, na súmula 685, entende que toda forma de provimento sem anterior aprovação em concurso público é inconstitucional.
Dessa forma, o ingresso do empregado público deverá ser através de concurso público. Acertada é a definição de concurso público segundo José Cretella Júnior (apud CAVALCANTE e NETO, 2014, p. 101):
“Concurso é uma série complexa de procedimento que o Estado empreende para apurar as aptidões pessoais apresentadas pelo candidato, submetendo-o ao julgamento da comissão examinadora.”
É de grande valia mencionar que existe o termo “processo seletivo público” como uma modalidade de concurso público. Esta expressão surgiu para mencionar, num passado recente, o concurso para admissão a empregos públicos (agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias), ou seja, quando se tratava de cargos a serem providos. Precisar com detalhes as diferenças desses procedimentos é matéria controversa na doutrina, mas, sabemos que eram mais céleres e menos burocráticos em comparação ao concurso público tradicional, porém, sem fugir dos princípios norteadores do concurso público.
A atual Constituição faz expressa exigência de concursos públicos tanto para cargos quanto para empregos públicos, impondo a necessidade de concursos públicos tanto para administração direta, quanto para a indireta, na qual os empregados públicos fazem parte.
A necessidade do concurso público encontra respaldo, porque esse procedimento:
“[…] é o instrumento que melhor representa o sistema do mérito, porque traduz um certame de que todos possam participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos” (Filho, 2014, p. 634).
Sendo assim, uma das finalidades da Administração ao realizar o concurso público é selecionar os mais aptos ao cargo ou função pública e permitir que os interessados possuam condições idênticas para disputar a vaga. Daí surge os princípios da igualdade, impessoalidade e da eficiência, uma vez que os critérios de seleção dos agentes são objetivos, não se admitindo quaisquer espécies de favoritismo ou discriminações indevidas. Sendo assim, estará em consonância com o princípio da moralidade, que visa acabar com o nepotismo ou a indicação de agentes para pagar dívidas políticas dos gestores eleitos.
Hodiernamente, a obrigação da realização de concurso público envolve tanto os cargos como os empregos públicos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego. O ingresso no serviço público sem aprovação em concurso público implica nulidade do ato e punição da autoridade responsável, por ato de improbidade administrativa, tendo consequências nas esferas civil, administrativa e penal.
3) Estabilidade do Empregado Público
A estabilidade do servidor estatal tem origem nos países da América do Norte, no qual foi concebido, inicialmente, para combater os prejuízos causados em razão da periódica alternância partidária no comando do Estado, uma vez que somente duas classes políticas polarizavam o Governo, a saber, o Partido Democrata e o Partido Republicano. Após cada pleito eleitoral, o partido legitimado eleito realizava as alterações necessárias, a fim de organizar seu corpo pessoal para sua gestão.
Esta conduta antidemocrática, muito usual até os dias atuais, proporcionava demissões em massa daqueles que eram considerados adversários políticos, ideológicos e até mesmo pessoais do partido ou de lideranças deste.
Outro problema surgia também aos servidores do Estado, pois com a expectativa de uma alteração da gestão pública, incertezas e preocupações surgiam por conta da transição de gestor, não importando o quanto o servidor fosse considerado bom. O que ocasionava falta de estímulo para o pessoal aperfeiçoar sua técnica e conhecimento laboral na área pública, devido a grande probabilidade de saída.
Desta feita, a partir destas situações, tornou-se necessária a criação de um instituto jurídico capaz de proporcionar a segurança para o servidor exercer o seu labor da melhor forma possível, com a finalidade de amenizar as influências de circunstâncias alheias à rotina e vontade do agente público.
É neste contexto que a estabilidade ganha importância. Tem como finalidade não só proteger o servidor estatal contra arbitrariedades perpetradas pelos gestores do Estado, mas também gerar um ambiente seguro no qual imperem a harmonia e a previsibilidade da manutenção ao cargo, possibilitando credibilidade à atuação estatal.
A expressão “estabilidade” é originária do latim, tendo por significado etimológico aquilo que é estável, firme, inteiro. Está insculpida há algum tempo em nosso ordenamento, os primeiros vestígios remontam à época do Brasil Império.
Estabilidade pode ser conceituada como uma prerrogativa constitucional atribuída aos servidores públicos, detentores de cargos de provimento efetivo, após aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de permanência no serviço público, desde que não aconteça alguma situação prevista na Constituição Federal. Após a aquisição da estabilidade, o servidor público somente perderá o cargo nas hipóteses taxativas na Constituição, conforme Carvalho (2014, p. 802).
A estabilidade do servidor público está prevista na Constituição Federal, no artigo 41:
“São estáveis, após três anos de efetivo exercício, os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.”
Sendo assim, a estabilidade não poderá ser adquirida ao empregado público, pois esse possui “emprego público” e não “cargo público efetivo”.
Conforme mostra o art. 9°, da Lei 8.112/90, cargo efetivo é aquele intitulado de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira, que se dará quando preenchido os requisitos legais. A efetividade é atributo do cargo público, indispensável para obtenção da estabilidade. Será concedida quando houver aprovação em concurso público, o candidato é nomeado e, com a posse, se tornará efetivo. Ou seja, a estabilidade não é adquirida de forma imediata.
Os celetistas estarão prestando serviços nas entidades da Administração Indireta, não atuando exclusivamente em prol do interesse público, em serviços de caráter público, mesmo que tenha o ingresso ao emprego público semelhante do servidor estatutário, com concurso público. Neste sentido, dispõe a Súmula nº 390, II do TST, que dispõe que mesmo que o empregado seja admitido mediante aprovação em concurso público, isso não garante a estabilidade prevista no art. 41 da CF/88.
Aos empregados contratados para prestação de serviços na Administração Direta e autárquica, o TST firmou entendimento sumulado no sentido de que a estabilidade os alcança, “O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988”.
Entretanto, a referida súmula não merece ser aplicada aos que ingressaram no serviço público, após o advento da EC n. 19/98 que alterou substancialmente as regras de aquisição de estabilidade. Desta feita, os empregados que tiveram o ingresso na Administração Direta, autárquica e fundacional antes de 1998, gozam de estabilidade nos moldes da súmula 390 do TST. Após a vigência da EC n. 19/98, não será mais possível a aquisição de estabilidade pelo celetista.
Conforme o STF, a redação original do art. 41 da CF/88 garantia estabilidade aos empregados públicos, pois, o texto legal não fazia distinção daqueles que seriam beneficiados da estabilidade entre os servidores:
“Constitucional. Administrativo. Agravo regimental em agravo de instrumento. Servidor público. art. 41 da constituição federal. Admissão por concurso público antes do advento da emenda constitucional 19/98. Estabilidade. Reintegração. Precedente do plenário. A jurisprudência desta corte consignou que a estabilidade assegurada pelo art. 41 da constituição federal, na sua redação original, estende-se aos empregados públicos, admitidos por concurso público antes do advento da ec 19/98, pois ‘se refere genericamente a servidores’. Precedente do plenário: ms 21.236/df. 2. agravo regimental improvido. (Stf – ai: 480432 sp, relator: min. Ellen gracie, data de julgamento: 23/03/2010, segunda turma, data de publicação: dje-067 divulg 15-04-2010 public 16-04-2010 ement vol-02397-04 pp-01271)”
Atualmente o entendimento é de que o cargo ou função exercida que define o direito ou não à estabilidade. Conferir estabilidade ao empregado público, regido pela CLT e com a garantia do FGTS, é criar uma categoria especial de servidores públicos, com direito à estabilidade e à indenização, em caso de dispensa por justa causa, prejuízo ao servidor estatutário, portador somente de estabilidade no emprego.
A opção pelo regime do FGTS implica renúncia à estabilidade, porque os dois regimes não coexistem. Nem mesmo a adoção do regime da CLT como regime jurídico único teria o condão de garantir ao empregado público a estabilidade prevista no art. 41 da CF.
4) Extinção do Vínculo Contratual
A extinção da relação jurídica do servidor com a Administração pode se dar de diversas formas. As principais se dão por meio da demissão e exoneração, disciplinadas pelo Direito Administrativo. A primeira forma é em caráter punitivo, em ocorrência de falta grave, já a exoneração é quando a extinção da relação se dá por interesse de uma das partes.
Na seara do Direito do Trabalho, as principais hipóteses de extinção da relação denominam-se demissão, quando a extinção ocorre por vontade do empregado, e dispensa, que se dá por vontade do empregador, podendo ser arbitrária, sem justa causa, ou motivado o ato, tido como justa causa, e ainda por meio da dispensa indireta, quando a justa causa é ocasionada pelo empregador, como ensina Cavalcante e Neto (2014, p. 174)
As principais causas de dispensa motivada do empregado público encontram-se previstas no art. 482 da CLT, que servirá de parâmetro para o ato de demissão. Outra possibilidade é a aposentadoria, considerado como um ato complexo, porque tramita pela conjunção de duas vontades independentes (manifestação do órgão em que o servidor exerce suas atividades e a aprovação do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas).
Dúvidas poderão surgir na possibilidade do empregado público, por ser regido pela CLT, não ser compulsoriamente aposentado quando chegar à data limite do tempo de serviço na Administração Pública, como o servidor público estatutário é. Ocorre que, o termo “servidor público” é amplo e se refere aos servidores estatutários e aos empregados públicos contratados pela Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional.
A aposentadoria compulsória, aos 75 anos de idade, prevista no Lei Complementar nº 152, de 03 de dezembro de 2015, constitui causa legítima de rescisão do contrato de trabalho do servidor público lato sensu da Administração Pública Direta, Fundacional ou Autárquica, independentemente do regime jurídico adotado, se estatutário ou celetista. Desta feita, considerando-se incontestável o fato de que o empregado público já alcançou a idade limite de 75 anos e, ainda, estava a serviço da Administração, a aplicação da disposição contida no art. 40, § 1º, II, da CF é medida que se impõe ao gestor público.
Diverso do setor privado, no qual não existe limite de idade para o trabalho, o empregado poderá exercer suas atividades laborais conforme a vontade do seu patrão, na Administração Pública não existe uma vontade do gestor senão, aquela contida na lei. Mesmo com todas as proteções aos idosos presentes em nosso ordenamento jurídico, não há razão pública que justifique tratar de maneira excepcional um servidor pela vontade particular do empregado ou de seu chefe.
5) Considerações Finais
A relação jurídica entre o empregado público e a Administração Pública é de natureza mista, possuindo assim normas de caráter público, por se tratar da administração pública indireta e normas de direito privado, por diversas vezes atuar no mercado em igualdade com particulares, no qual deverá ser respeitado o princípio da livre concorrência, não devendo o Estado atuar na atividade econômica com prerrogativas que o favoreçam em detrimento aos particulares.
A origem do vínculo se dá através de concurso público, porque assim impõe o artigo 37 da Constituição Federal, para que haja respeito aos princípios administrativos, além da adoção do critério da meritocracia na escolha de seu pessoal, ao invés de livre escolha dos gestores, que culminaria em cabides políticos.
O empregado público não disporá da prerrogativa da estabilidade, pois é ocupante de emprego público, não cargo público, fazendo jus aos direitos e deveres celetistas, mais os princípios administrativos. No entanto, gozará de FGTS e multa por dispensa sem justa causa, além da necessidade de motivação, por se tratar de um ato administrativo.
Sendo assim, essa inclusão de normas de direito público e privado estarão presentes para que possa haver compatibilidade, obtendo prerrogativas somente quando a necessidade demanda interesse público, fora isso, deverá prevalecer a igualdade, diante dos particulares, para não haja um desequilíbrio por parte do Estado quando atuar no cenário econômico.
Informações Sobre o Autor
Filipe Figueiredo de Novais
Advogado. Possui graduação em Direito pela Faculdade do Sul da Bahia 2015. Especialista em Direito Público pela Faculdade Damásio. Especialização em andamento em Gestão Pública pela Universidade Estadual de Santa Cruz UESC Bahia Bras