A Defesa da Dignidade da Vida Animal e a Possibilidade de Alteração da Personalidade Jurídica dos Animais não Humanos

Silvia Gomes Rodrigues[1]

Wellington Gomes Miranda (Orientador)[2]

Emanuelle Araújo Corrêa (Orientadora)³

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Resumo: O presente estudo investiga a necessidade do reconhecimento de animais não humanos como sujeitos de direito, a fim de promover o respeito a direitos fundamentais, que, como será demonstrado, ainda reputa-se apenas aos homens. Tal fato, ocorre devido a visão antropocêntrica adotada pelo direito brasileiro, na qual o ser humano é considerado o único ser a quem deve se atribuir a dignidade e fundamentos previstos na legislação brasileira. O resultado obtido foi de que a violência perpetuada e infligida a esses seres é consequência da ausência de interesse do poder público, tanto em relação a ineficiência e escassez de normas, quanto à falta de estrutura em órgãos responsáveis por garantir o bem estar, saúde e integridade física dos animais. Em defesa da tese, utiliza-se de correntes doutrinárias que contextualizam a evolução histórica e veracidade do conteúdo, fazendo abordagem básica-estratégica e qualitativa. Evidenciando, por fim, a necessidade da reformulação de medidas protetivas, de modo a alcançar a adequação da norma para atender o princípio básico de igualdade aos animais não humanos, observando novas práticas e conhecimento científico e social quanto ao tratamento cruel e indigno desses seres para sanar ou minimizar as consequências das mazelas causadas em decorrência da problemática discutida.

Palavras-chave: Proteção à Fauna; Bem-estar Animal; Direito dos Animais; Ineficiência da Legislação Protetiva; Status Jurídico dos Animais.

 

Abstract: The present study investigates the need for the recognition of non-human animals as subjects of law, in order to promote respect for fundamental rights, which, as will be shown, is still regarded only by humans. This fact occurs due to the anthropocentric view adopted by Brazilian law, in which the human being is considered the only being to whom the dignity and fundamentals provided for in Brazilian legislation should be attributed. The result obtained was that the violence perpetuated and inflicted on these beings is a consequence of the lack of interest from the public authorities, both in relation to the inefficiency and scarcity of standards, as well as the lack of structure in institutes responsible for guaranteeing welfare, health and physical integrity of animals. In defense of the thesis, doctrinal currents are used that contextualize the historical evolution and veracity of the content, making a basic-strategic and qualitative approach. Finally, evidencing the need to reformulate protective measures in order to achieve the adequacy of the standard to meet the basic principle of equality for non-human animals, observing new practices and scientific and social knowledge regarding the cruel and unworthy treatment of these beings for remedy or minimize the consequences of the ailments caused as a result of the problem discussed.

Keywords: Fauna Protection; Animal Welfare; Animal Rights; Inefficiency of Protective Legislation; Legal Status of Animals.

 

Sumário: Introdução. 1. Antropocentrismo em detrimento das perspectivas biocêntricas. 2. Ineficácia das leis protetivas em face dos animais não humanos. 2.1. Legislação brasileira protetiva aos animais. 2.2. Omissão do estado em relação à proteção animal. 2.3. Ineficiência da lei de crimes ambientais. 3. A qualidade de sujeitos de direito e titulares de dignidade dos animais não humanos. Conclusão.  Referências.

 

Introdução

A preocupação com o bem estar animal durante muito tempo foi um tema tratado com descaso. No entanto, frente à crescente necessidade de estabelecer práticas de sustentabilidade ambiental e ecológica, a tutela jurídica do animal foi se tornando presente no quadro das preocupações e tendências contemporâneas, de modo que as discussões relativas ao tema se tornaram imprescindíveis.

Isto se deu especialmente após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, cujo texto passou a assegurar a proteção à fauna e à flora. Com isso, a CRFB, modernizou o entendimento, reconhecendo a proteção dos animais apenas com o objetivo  de garantir o equilíbrio ecológico do meio-ambiente. Dito isso, este artigo tem como finalidade analisar a relação jurídica entre animais e humanos, a qual, ainda ocorre maneira muito desequilibrada devido ao paradigma antropocêntrico adotado pelo direito brasileiro.

Contudo, o Código Civil de 2002, optou pela clássica interpretação de natureza jurídica de coisa aos animais, surgindo, a partir desse entendimento, a necessidade de se reconhecer os animais como sujeitos de direito.

Dentro desse contexto, alguns ambientalistas adotam a teoria do paradigma antropocêntrico do artigo 225 da Constituição da República Federativa Brasileira, este assegura o ser humano como destinatário da tutela constitucional e sendo o único com capacidade para resguardar e preservar o meio ambiente. Essa ótica determina ainda, que o bem ambiental possui relevância na medida em que representa alguma utilidade para os homens, se encontrando voltado a satisfazer tudo que se considere necessário ao bem estar humano.

Atualmente, atos cruéis/violentos praticados contra os animais estão tipificados no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9605/98). Todavia, o referido dispositivo aponta como sujeito de direito, a pessoa humana, pois, devido à adoção do antropocentrismo que se baseia o sistema jurídico, a fauna deve ser protegida para benefício da humanidade, e não puramente pelo bem do próprio animal, uma vez que são tratados somente como recurso ambiental.

Observando a Lei 9.605/98, a qual dispõe em seu artigo 32, pena de 3 meses a 1 ano de detenção, e multa, para quem praticar abuso contra os animais, fica evidente que o cometimento desse crime é tratado de maneira branda, classificado como de pequeno potencial ofensivo. Essa classificação abre espaço para utilização de benefícios, tais como o da transação penal que antecede a denúncia, revelando-se vantajosa ao autor do fato.

Diante do acima exposto, a omissão do Estado em relação ao tratamento dos animais, seja na formulação de leis específicas de proteção, seja na criação e ampliação de institutos específicos que garantam os direitos demandados tem consequências devastadoras, por vezes imperceptíveis, como por exemplo, os maus tratos, a violência, o crescente número de cães e gatos abandonados e expostos a doenças que podem, inclusive ser transmitidos à sociedade, exploração destes para comércio de animais e criação para tornarem-se animais de briga, exposição em circos e zoológico, dentre outros.

Percebe-se, desse modo, que a compreensão antropocêntrica do atual paradigma jurídico dominante, vai na contramão da evolução histórica de luta pelos direitos dos animais, pois, de certa forma, admite uma crueldade consentida contra a fauna ao colocar os animais como objetos. Assim, o sistema jurídico brasileiro parece ignorar o destino cruel dos milhões de animais que perdem a vida unicamente com o fim de atender o interesse dos humanos, não podendo ter seus direitos e dignidade sequer cogitados.

Por fim, o método utilizado nesta pesquisa foi a análise da doutrina nacional, da legislação brasileira e da jurisprudência, com enfoque no direito dos animais, buscando uma adequação da norma frente à ineficácia da legislação atual.

 

1. Antropocentrismo em Detrimento das Perspectivas Biocêntricas

Os direitos humanos fundamentais são o meio usado para mitigar as desigualdades que afligem o ser humano em sua dignidade, preservando suas prerrogativas em seu sentido mais abrangente, do valor espiritual ao moral intrínseco à pessoa, provendo proteção quanto ao poder do estado e garantia das condições básicas de vida e desenvolvimento da sociedade.

A dignidade da pessoa humana trata-se de um estado inerente ligado aos seres humanos, sendo uma qualidade essencial, e que define o indivíduo tal qual como é. Assim, não tendo essa dignidade, o ser humano correria sério risco de ser transformado em coisa ou até mesmo de ser objetificado. Assim, quando existe divergências entre os direitos humanos, apoia-se na dignidade para fundamentar alegações a fim de que se dê preferência a um ou outro direito.

O artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, dispõe como princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana. Já no artigo 225, preocupou-se em proteger o meio ambiente, apenas vedando o submetimento do animal a tratamento cruel, adotando, dessa forma, a visão antropocêntrica, a qual, coloca a pessoa humana em uma condição central e superior em relação aos demais seres.

A partir daí percebe-se que o legislador se preocupou somente com relação à preservação da fauna e da flora, preocupação esta, destinada ao benefício primário do homem ao invés dos animais, pois, a perspectiva do artigo dá a entender que a proteção da fauna deve ocorrer em função do homem. Portanto, ao determinar que apenas as pessoas humana e jurídica são titulares dos direitos fundamentais, a Constituição deixou os animais parcialmente desprotegidos, e expostos as mais diversas tentativas e formas de violação da sua dignidade.

Por conseguinte, a expressão dignidade da pessoa humana já há tempos vem sendo utilizada como meio o fim de justificar a defesa dos direitos fundamentais dos seres humanos, porém, é imprescindível situar o entendimento conceitual do que signifique “dignidade”, e, se a aplicação seria viável aos demais seres vivos como por exemplo: animais, plantas, ou inclusive a coisas inanimadas.

Decorrente de concepção antropocêntrica, sob o aspecto jurídico, a dignidade é apenas voltada para o ser humano, entretanto, esse cenário vem sendo desconstruído, visto que as opiniões moral e científica comprovam que existem seres com consciência. Já existem diversos estudos que se dedicam em defesa da senciência animal, argumentando cientificamente que a teoria da dignidade também existe para os animais, pois são detentores de sensações como medo, prazer e felicidade, entre outros sentimentos.

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Dentro dessa perspectiva, conforme explica Fodor (2016, p. 32) esse princípio basilar do Direito, atribuído no ordenamento jurídico pátrio à pessoa humana, pode (e deve) alcançar também os demais seres, pois o que é digno carrega em si um valor próprio de existência, que é facilmente reconhecido, sendo a chave para a proteção da vida como um todo.

Ser digno é a primeira condição para que o direito à vida, assim como os demais direitos fundamentais, sejam tutelados e respeitados, seja na esfera social ou jurídica. Sendo assim, para que a vida dos animais não-humano seja efetivamente protegida, se faz essencial que a sociedade passe a enxergar essas criaturas como detentoras de dignidade.

Para Medeiros (2013, p.165) explica que face da existência do reconhecimento de um valor intrínseco para as demais formas de vida, reconhece-se um dever moral e um dever jurídico dos animais humanos para com os animais não humanos.

Medeiros (2013, p. 114) assevera que tais deveres se descrevem como deveres fundamentais. Portanto, os deveres fundamentais e, em especial, o dever fundamental de proteção dos animais não humanos se consubstanciam na necessidade de limitação e contenção da liberdade de atuação dos animais humanos, quando suas práticas não estiverem pautadas pelo respeito à vida e à dignidade de todos os membros da cadeia da vida.

Antunes (2006, p.20, apud GOMES, 2015, p. 186) faz referência à evolução antropocentrista ao mencionar que a questão que se coloca, contudo, é a de não confundir a pretensa superação do antropocentrismo com uma modalidade de irracionalismo, muito em voga atualmente, que, ao ser posto em pé de igualdade o Homem e os demais seres vivos, de fato, rebaixa o valor da vida humana e transforma-a em algo sem valor em si próprio, em perigoso movimento de relativização de valores.

Assim sendo, levando em consideração a importância dos direitos básicos para a defesa de valores fundamentais, busca-se neste estudo demonstrar que o Estado precisa tutelar também os direitos dos animais não humanos, bem como, sua dignidade. Essa proposta significa um avanço no campo de proteção aos animais, pois um direito fundamental é mais do que uma norma jurídica, é um princípio que carrega a importância da proteção ao direito à vida digna, servindo de base para a interpretação de todo o ordenamento jurídico.

Nesse sentido, torna-se imprescindível superar a visão do antropocentrismo clássico e progredir em direção à construção de um modelo de antropocentrismo alargado, no qual o homem seja considerado parte da natureza. Nesse sentido, “pela visão antropocêntrica alargada, tutela-se o meio ambiente pelo seu valor intrínseco e não apenas pela utilidade que os recursos naturais podem ter para o homem. O homem passa a figurar como o guardião da biosfera e não mais como o seu dono” (GOMES, 2015, p. 186, apud, LEITE, 2000, p. 78-79).

 

 

2. Ineficácia das Leis Protetivas em Face dos Animais não Humanos

2.1  Legislação Brasileira Protetiva aos Animais

No panorama brasileiro, a primeira norma legal que veio regulamentar a proteção aos animais foi o Decreto 16.590/1924, o referido decreto regulamentava os chamados clubes e casas de diversão pública, que na época, promoviam competições e rinhas que maltratavam os animais. Atualmente, vigora a Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1995), juntamente com o Decreto-Lei 3.688/1941 que trata das Contravenções Penais (REGIS A.H.P., CORNELLI G. 2016, p. 193).

No campo da utilização de animais em pesquisas, após décadas de lacuna legal e anos de tramitação legislativa, no ano de 2008, com a edição da Lei 11.794 (Lei Arouca), finalmente houve normatização específica sobre a matéria. Criou-se então, regulação própria de análise ética de projetos envolvendo animais, configurando-se como importante marco da nova estrutura legal, que está em constante evolução pela edição de normativas pelo instituído Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) (REGIS A.H.P., CORNELLI G. 2016, p. 193).

Apesar dessas iniciativas, no campo jurídico, a legislação brasileira vigente ainda interpreta animais silvestres como bem de uso comum do povo (inciso VII, § 1º, do artigo 225 da Constituição Federal), e os domésticos como bens semoventes (artigo 82 do Código Civil). Essa abordagem antropocêntrica demonstra a visão que o Estado tem dos animais, o que na maioria das vezes, prejudica a defesa dos seus direitos, pois, são vistos como propriedade.

Assim, embora a normas jurisdicionais brasileiras incorporem a proteção ao meio ambiente na legislação, e a CRFB, assegure o direito um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a forma como o meio ambiente é abordado é vista com um bem, incluindo aí os animais. O fato de o atual Código Civil Brasileiro classificar os animais como coisas, salienta um ponto de vista simplesmente material, aparenta um conceito pertencem a um patrimônio qualquer devido ao fato de serem meros objetos, não lhes garantindo um caráter mais igualitário em relação aos seres humanos.

Com o intuito de mudar esse entendimento, atualmente tramita o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 27/2018, que visa alcançar o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito, os quais, devem passar a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.

O Texto do referido dispositivo, acresce ainda à Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998), a determinação para que os animais não sejam mais considerados bens móveis, como outrora previa o Código Civil (Lei 10.406, de 2002). Por consequências dessas modificações na legislação, os animais ganhariam mais uma defesa jurídica em situações de maus tratos, já que, seriam considerados criaturas passíveis de sentir dor ou sofrimento emocional, não lhes cabendo mais a atribuição de coisa.

Desta forma, os princípios contidos na Constituição da República Federativa Brasileira, tais como o da igualdade liberdade, solidariedade e dignidade podem ser estendidos ao direito dos animais. Para tanto, a proteção aos animais, abarcada pela legislação ambiental como um todo, deve ser respeitada para a idealização de uma sociedade livre e segura (CASTRO, 2006, p. 41).

 

2.2  A Omissão do Estado em Relação à Proteção Animal

Para a defesa dos direitos de proteção dos animais, além das normas vigentes no país, o Estado dispõe de instituições como IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e Centro de Controle de Zoonoses. No entanto, a falta de estrutura desses estabelecimentos alimenta ainda mais as demandas quanto a defesa dos animais em casos de maus tratos.

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), principal órgão do Governo Federal, fiscaliza empreendimentos que envolvem criação, venda e exposição de espécies animais quanto sua exploração, cultivo, conservação, processamento, transporte e comercialização, tomando conhecimento da violação dos direitos da fauna por meio de denúncias (Instrução Normativa Ibama nº 07, de 30 de Abril de 2015).

Apesar de sua responsabilidade, ao longo dos anos tem se observado um grande descaso para com a manutenção desse órgão mediante à precariedade de estrutura, bem como, a falta de profissionais capacitados. Fatores que com o passar do tempo tornaram o quadro deficitário ainda mais gravoso, acarretando o sucateamento do instituto, e por consequência sobrecarregando os poucos profissionais que estão na ativa, de modo que isso gera atraso nas operações e abre portas para projetos que podem comprometer o meio ambiente. (GRANDELLE, 2018).

Diante desse cenário destaca-se a importância e necessidade da intervenção judicial para assegurar a manutenção, o fortalecimento e reestruturação da infraestrutura das unidades técnicas para que as ações do órgão sejam efetuadas de maneira satisfatória, visando manter a qualidade de vida e preservação da fauna.

Os centros de zoonoses por sua vez, tem o dever de extinguir do país algumas doenças como raiva e leishmaniose além de proporcionar vacinações de animais e educação populacional, castração, recolhimento de animais, controle da dengue, acompanhamento de acidentes por maus tratos, entre outros. (FUNASA, 2003. p. 10.)

Ocorre que, estas instituições também enfrentam diversas dificuldades quanto à execução de suas responsabilidades. De acordo com a matéria publicada no site do G1 pelo repórter Danilo César, o Centro de Controle de Zoonoses do Cabo de Santo Agostinho, em Recife, que deveria tratar animais abandonados, tem problemas estruturais e de higiene, falta de veterinários e ambiente inadequado para recebimento de animai (CESAR, 2017, on-line).

Em outra matéria, a repórter Carolina Giovanelli, relata na revista Veja São Paulo, que houve denúncia de que gatos estariam sem receber comida adequada em razão de um atraso em licitações, sendo o local mantido por vaquinhas dos próprios funcionários (GIOVANELLI, 2017, on-line).

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, foi levantado pela prefeitura da cidade, que aproximadamente 90% dos bichos resgatados pelo Centro de Controle de Zoonoses voltam às ruas porque o espaço no estabelecimento não é capaz  de comportar toda a demanda que chega diariamente, a pesquisa foi levantada pela prefeitura em conjunto com o G1 (FIUZA, 2019, on-line).

Portanto, a falta de interesse do estado em promover a qualidade de infraestrutura e habilitação de profissionais para atuar na área é o principal fato gerador da decadência do quadro técnico desses institutos que devido a precariedade acabam tendo sua atuação comprometida.

 

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2.3 Ineficiência da Lei de Crimes Ambientais

A Lei Federal 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) definiu que qualquer ato de abuso, crueldade ou lesão contra os animais como ato criminoso, resultando em pena de detenção, multa ou até mesmo reclusão. Tal lei teve grande relevância no cenário jurídico dos animais, pois antes, estes atos eram considerados apenas como contravenção penal.

Entretanto, ainda com as mudanças trazidas pela lei supracitada observa-se na prática que os infratores dificilmente são presos, por dois motivos: Falta de fiscalização ou conversão da pena restritiva de liberdade pela restritiva de direitos. Sendo assim, os próprios infratores não se intimidam perante os crimes, ocasionando uma grande falácia aos direitos dos animais.

Conforme matéria da revista Cada Minuto, realizada pela autoria de Raissa França, após entrevista com o presidente da comissão da Ordem dos Advogados do Brasil do estado do Amapá, o fato da lei ser muito branda, deixa impune quem pratica crime de maus tratos a animais, dando margem para reincidência e consequente aumento dos casos (FRANÇA, 2018, on-line).

Com o advento da internet, as redes sociais se tornaram poderosas armas no combate aos maus tratos de animais, como assim demonstra a matéria publicada no site Jusbrasil, as postagens nas redes sociais tem ampla repercussão e acaba pressionando a ação da polícia (SALLES, 2014, on-line).

Casos de extermínio em massa por envenenamento, cavalos sendo usados a serviço do ser humano até se exaurirem e posteriormente abandonados por não conseguirem mais trabalhar, cachorros acorrentados, expostos ao calor, frio, carentes de necessidades básicas como a fome e a sede, sendo mutilados ou envenenados, bem como animais forçados a procriar de forma desumana em criadouros, aparentemente, tornaram-se mais notáveis, sendo frequentemente expostos em perfis de redes sociais na internet.

Após o surgimento da Lei de Crimes Ambientais em 16 de março de 1998, as condutas de maus-tratos e crueldade passaram de contravenção para crime, isto é, passaram a ter uma punição mais severa (GRIMALDI, 2010, op. cit p. 98, on-line).

Entretanto, cumpre ressaltar que nos crimes que possuem pena máxima inferior a dois anos, está prevista alternativas à pena restritiva de liberdade, aplicando-se neste caso, o artigo 76 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Cíveis e Criminais Nº 9.099, de 26 de setembro de 1995).

O artigo 76 da mencionada lei prevê que existindo aceitação do réu, o Juiz poderá aplicar a pena restritiva de direitos ou multa, independente da sua reincidência. Assim sendo, conclui-se que tão logo as penas que foram atribuídas objetivam conter-se comportamentos de maus-tratos de agressores, estas mostram-se insuficientes, porque na prática, não possui a apropriada punição.

Mesmo com a impunidade que assola a sociedade, é imprescindível a fiscalização de toda a coletividade, seja denunciando por meio do Disque-Denúncia ou indo até a delegacia para lavrar um boletim de ocorrência a fim de que haja a instauração de um inquérito policial, ou ainda, caso a autoridade policial não o faça, levando o caso ao Ministério Público (GRIMALDI, 2010, op. cit p. 99, on-line).

Portanto, tornar as leis que buscam proteger os animais mais rígidas, seria prevenir que crimes mais graves acontecessem. Assim, conclui-se que a Lei atual brasileira que tutela os animais é muito insuficiente, em virtude de que gera uma sensação de impunidade, além de incentivar a prática de maus-tratos.

É necessário admitir que a questão da impunidade é apenas um dos fatores que colabora com a ocorrência de crimes de maus-tratos contra animais. A desordem no sistema prisional, a vagarosidade da justiça, a corrupção na qual impede que fundos que deveriam ser investidos na formação dos cidadãos, são fatores que, corroboram a ação destes delinquentes.

De tal modo, como a sanção penal das Leis que protegem animais no Brasil não tem caráter inibidor, não gera o efeito esperado, resta que os seres humanos ajam com responsabilidade social, protegendo os animais, tanto ao não se calarem para fazerem denúncias para qualquer tipo de abuso, ou a tempo de ser seletivo, não prestando prestígio a empresas ou eventos que sujeitam os animais a atrocidades.

 

3. A Qualidade de Sujeitos de Direito e Titulares de Dignidade dos Animais não Humanos

Ao observar os seres humanos como apenas uma espécie entre as milhares que habitam o planeta, é possível se deparar com alguns questionamentos. Neste diapasão, através dos fatos narrados é necessário refletir, os animais são sujeitos de direito? Tem personalidade jurídica? Por que é tão importante defender os animais e considerá-los como sujeitos de Direito? Ademais, quem o Direito deve tutelar? Humanos somente, ou todas as espécies?

Embora as normas sejam precisamente criadas para regular a necessidade de convívio social humana, estas, também foram criadas no intuito de tutelar valores e ideais contra as próprias ações destrutivas dos seres humanos. Nessa perspectiva, a espécie humana, na condição de detentora de raciocínio lógico, possui dever moral e jurídico de, não apenas respeitar e agir com boa-fé nas relações entre seus semelhantes, mas principalmente de cuidar e preservar as demais espécies animais as quais coabitam no planeta.

Neste sentido, Naconecy (2006, p. 118-119) dispõe que a ciência humana ainda não foi capaz de entender completamente como funciona a comunicação e a cognição dos animais não humanos, não sendo possível, ainda, que um ser humano consiga se comunicar ou entender como um animal se sente. Contudo, isso não se faz necessário para que o homem possa atribuir um valor moral à vida e à preservação da dignidade desses seres.

Noutro giro, há quem possua entendimento contrário, como por exemplo, aqueles que acreditam nas ideias especistas, os quais, não reconhecem que a dor

Sentida pelos animais é tão cruel quanto a dor sentida pelos seres humanos, pois, defendem ainda que o fator de que espécie humana possui mais consciência do que as demais, faz com que o seu sofrimento seja maior. Alegam ainda que, ao serem feitas as mesmas experiências com animais e humanos, o sofrimento provocado não seria sentido igualmente, isto porque, animais não sofreriam por antecipação, como por exemplo, o medo de serem raptados e submetidos a uma experiência. Segundo eles, a angústia mental é o principal ponto que torna a situação humana mais difícil de ser suportada.

Diante das tradições religiosas e filosóficas antropocêntricas hierarquizantes que se perpetuam até os dias atuais, Singer (2013, p. 3-35) busca uma ética de inclusão dos animais na consideração moral, que possa combater a ideia do especismo, definido como o preconceito contra seres de outras espécies.

Assim, deve se levar em conta que o obstáculo para a concessão de consideração aos animais não pode ser devido à consciência ou não consciência dos seres, pois se assim fosse, deficientes mentais, bebês e idosos senis, que possuem equivalente capacidade mental ou mesmo inferior a muitos animais, também não deveriam ter seus interesses respeitados e considerados, assim como seus direitos efetivados, o que seria algo censurável pela sociedade.

Singer determina que, se um ser não tem a capacidade de sofrer, ou de experimentar satisfação ou felicidade, não há nada que ter em conta. É por essa razão que o limite da senciência é a única fronteira defensável para a preocupação com os interesses dos outros. Seria arbitrário estabelecer esta fronteira recorrendo a características como inteligência ou racionalidade. (Singer, 2002, p. 35 apud Galvão, 2010, p. 52.)

Na visão de Singer (2013, p. 3-35), a defesa em prol dos animais está além da discussão se os mesmos possuem ou não direito, pois a prioridade é a valorização dos direitos morais, visto que quando um determinado sujeito está submetido a um tipo de valor surge o dever moral e, assim, o seu descumprimento se tornará mais difícil, haja vista ser o fator intolerante e injusto não é somente de questão jurídica como também de questão pessoal, como um dever do humano para com o animal.

Para Singer Singer (2013, p. 3-35), deveria haver uma ponderação de interesses, onde seria observada a real necessidade de utilização ou não dos animais e, ainda que haja, que ocorra de forma que não lhe cause tanta dor, procurando por métodos mais humanitários. Isso poderia justificar o uso de animais em determinadas situações, porém somente quando o interesse do ser humano fosse maior e mais significante do que o interesse do próprio animal.

Ainda, segundo essa linha de pensamento de Singer, a extensão do princípio básico da igualdade de um grupo para o outro não implica que tenhamos de tratar ambos os grupos exatamente da mesma forma, ou de atribuir exatamente os mesmos direitos a ambos os grupos. O princípio básico da igualdade, tal como Peter Singer defende é um princípio de “igualdade de consideração” e uma consideração igual por seres diferentes pode levar a um tratamento diferente e a direitos diferentes.

Diante dessa perspectiva, conclui-se que o homem não tem o direito de explorar as demais espécies de seres viventes apenas porque estes não pertencem à raça humana, sobretudo não significa que, por não serem dotados de capacidade racional tal qual a dos seres humanos, não devamos considerar seus interesses.

É importante compreender que, mesmo que seja concedido um código moral aos animais, não significa que todos deveríamos ser veganos, não alimentar o mercado de vestimentas que possuam pele de origem animal e não usar animais como cobaias científicas. Quanto aos interesses, com certeza a empatia por animais domésticos, que gostamos de tê-los conosco. Ainda , não se justifica nenhuma conduta cruel contra os animais.

Apesar disso, é possível perceber que alguns animais não humanos demonstram possuir racionalidade, bem como, consciência própria, concebendo-se como seres únicos e diferentes que possuem compreensão dos que lhes acontece. Portanto, resta evidenciado que as razões contra tirar a vida desses seres, são tão graves quanto as que dizem respeito à eliminação de seres da nossa espécie que possuem nível mental semelhante.

Com o objetivo de esclarecer acerca da senciência animal, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) realizou o III Congresso Brasileiro de Biomédica e Bem-estar Animal (2014), que aconteceu em Curitiba, no Paraná, reuniu renomados cientistas e veterinários nacionais e internacionais, para a redação de uma provável Declaração do evento, nos padrões de uma Declaração antecedente, conhecida também como a Declaração de Cambridge sobre a Consciência Animal, promulgada na Universidade de Cambridge.

Foram realizadas diversas avaliações dos substratos neurobiológicos da vivência, conhecimento consciente e comportamentos pertinentes em humanos e animais não humanos. As evidências foram divididas em quatro categorias, sendo elas, comportamentais, neurológicas, farmacológicas e evolutivas. A partir do resultado destes estudos restou demonstrado que os animais se comportam e possuem sistemas nervosos similares à de seres humanos.

Algumas das semelhanças detectadas nos animais foram, por exemplo, as substâncias metabolizadas quando em momentos de alegria, medo, e ansiedade, as quais também estão presentes nos seres humanos. Desta forma, chegou-se à uma explicação evolutiva, pois, os sentimentos que prevaleceram nos seres humanos e nos demais animais, foram seus auxiliares na sobrevivência das espécies.

A partir do resultado das análises obtidas, os cientistas asseguram que os animais tem sentimentos da mesma maneira que os seres humanos, sendo que essa compreensão engloba mais que só bichos de estimação, também inclui mais animais como cavalos, bois, peixes, porcos e ratos, os quais foram avaliados durante o evento, deixando claro e evidente sua senciência, portanto, dignos de  não serem ser caracterizados, e muito menos tratados como coisa.

Por fim, a Declaração de Curitiba validou esse estudo, com o objetivo de ficar para todos como um resultado concreto do evento para auxiliar no avanço das relações entre seres humanos e animais. Versando sobre a consciência animal, e concluindo que “os animais não humanos não são objetos. Eles são seres sencientes. Consequentemente não devem ser tratados como coisas” (III Congresso Brasileiro de Biomédica e Bem-estar Animal, 2014, p. 462), surgindo assim, a posição científica que os animais possuem sentimentos (LATORRE, 2016, on-line).

Além do posicionamento científico no Brasil, em junho de 2018, em decisão inédita sobre o tema, no julgamento do REsp 1713167/SP, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerou que os animais, tipificados como coisa pelo Código Civil, agora merecem um tratamento diferente devido ao atual conceito amplo de família e a função social que ela exerce. Esse papel deve ser exercido pelo Judiciário, afirmou. Esclareceu ainda que foi levado em consideração o crescente número de animais de estimação em todo o mundo e o tratamento dado aos “membros da família”. Nesse sentido, a jurisprudência:

 

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS.POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art.225, § 1, inciso VII – “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar.5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido.9. Recurso especial não provido. (REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 09/10/2018).”

Não obstante, em outro julgamento histórico, no ano de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) “reconheceu a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e, ademais disso, atribuiu dignidade e direitos aos animais não-humanos e à Natureza”, desta forma, dando mais um passo, rumo ao avanço para um novo paradigma jurídico sob a interpretação biocêntrica (SARLET e FENSTERSEIFER, 2919, on-line):

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. NÃO CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO ART. 1.022/CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. MULTA JUDICIAL POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. INAPLICÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ. MULTA ADMINISTRATIVA. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INVASÃO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. GUARDA PROVISÓRIA DE ANIMAL SILVESTRE. VIOLAÇÃO DA DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. 1. Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pela recorrente no intuito de anular os autos de infração emitidos pelo Ibama e restabelecer a guarda do animal silvestre apreendido. 2. Não há falar em omissão no julgado apta a revelar a infringência ao art. 1.022 do CPC. O Tribunal a quo fundamentou o seu posicionamento no tocante à suposta prova de bons tratos e o suposto risco de vida do animal silvestre O fato de a solução da lide ser contrária à defendida pela parte insurgente não configura omissão ou qualquer outra causa passível de exame mediante a oposição de embargos de declaração. 3. Nos termos da Súmula 98/STJ: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”. O texto sumular alberga a pretensão recursal, posto que não são protelatórios os embargos opostos com intuito de prequestionamento, logo, incabível a multa imposta. 4. Para modificar as conclusões da Corte de origem quanto aos laudos veterinários e demais elementos de convicção que levaram o Tribunal a quo a reconhecer a situação de maus-tratos, seria imprescindível o reexame da matéria fático-probatória da causa, o que é defeso em recurso especial ante o que preceitua a Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” Precedentes. 5. No que atine ao mérito de fato, em relação à guarda do animal silvestre, em que pese a atuação do Ibama na adoção de providências tendentes a proteger a fauna brasileira, o princípio da razoabilidade deve estar sempre presente nas decisões judiciais, já que cada caso examinado demanda uma solução própria. Nessas condições, a reintegração da ave ao seu habitat natural, conquanto possível, pode ocasionar-lhe mais prejuízos do que benefícios, tendo em vista que o papagaio em comento, que já possui hábitos de ave de estimação, convive há cerca de 23 anos com a autora. Ademais, a constante indefinição da destinação final do animal viola nitidamente a dignidade da pessoa humana da recorrente, pois, apesar de permitir um convívio provisório, impõe o fim do vínculo afetivo e a certeza de uma separação que não se sabe quando poderá ocorrer. 6. Recurso especial parcialmente provido. (STJ – REsp: 1797175 SP 2018/0031230-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 21/03/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/03/2019).”

Tratava-se do caso de um papagaio que vivia há 23 anos em cativeiro. Na ocasião, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter a guarda do animal com a pessoa que o mantinha em sua residência, e por consequência entendeu por não acolher o pedido do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA). Entretanto, apenas ficou ressalvado alguns requisitos que deveriam ser cumpridos de maneira regular, a fim de assegurar o bem estar da ave.

Doravante tais posicionamentos, outro ponto fundamental colocado na decisão trata da necessidade de reavaliação das dimensões da relação entre o homem e natureza partindo de um novo marco constitucional com enfoque nessa relação ao invés do antropocentrismo clássico. A decisão adota expressamente a dependência do ser humano com a natureza, abdicando-se da relação de que o ser humano domina sobre as demais formas de vida.

Isso, no que lhe concerne, está ligado a mais um aspecto mencionado na decisão, referente ao reconhecimento da dignidade do animal não-humano e valor inerente do mesmo e da natureza, além disso, quando com animais não-humanos, como superior e mais expressivo desses entendimentos está no reconhecimento de direitos de posse dos animais não-humanos e da natureza, implicando também o reconhecimento do seu status legal como sujeitos de direitos.

A partir da análise dos julgados acima, conclui-se que STJ, ao aderir à atual tendência do novo paradigma jurídico biocêntrico, isto é, reconhecendo a dignidade e direitos para além da “comunidade biótica” e, deste modo, considerando a natureza como um todo ao atribuir-lhes direitos, alinha-se à vanguarda da nova vertente adotada por diversas Cortes de Justiça mundo afora. Exercendo assim, verdadeira governança judicial ecológica, notadamente num dos momentos políticos mais desafiadores para a proteção ecológica no Brasil e no mundo. (SARLET e FENSTERSEIFER, 2019, on-line)

Como por exemplo, no ano de 2015, idealizado pela ONG Fondation 30 Million Amis, a França modificou sua legislação, modernizando seu Código Civil, para conferir aos animais o status de seres sencientes, ou seja, retirando-os definitivamente da condição de coisa. Sendo esta, uma virada histórica, que colocou fim a mais de 200 anos de uma visão arcaica do Código Civil francês em relação aos animais (AVANCINI, 2015, on-line)

Outro fato que merece ser destacado, é que pouco antes da atualização da legislação na França, o Supremo Tribunal de Justiça da Argentina também declarou parecer favorável aos direitos dos animais, vez que concedeu a uma orangotango chamada Sandra, o status de “pessoa não-humana” (AVANCINI, 2015, on-line), “precedentes como estes abrem caminhos enormes. Outras nações podem se espelhar nestas mudanças e desencadear ações que abracem os animais como sujeitos de direitos perante os tribunais” (AVANCINI, 2015, on-line).

 

Conclusão

            No decorrer do presente estudo, foi realizada uma investigação da interpretação antropocêntrica adotada pela legislação brasileira no que tange ao direito dos animais. Assim, foi identificado que devido a essa interpretação, estes seres são objetificado e classificados como coisa. A partir daí, concluiu-se que esse tratamento coisificado causa uma extrema disparidade entre animais e seres humanos, gerando consequências no plano sociais e jurídicas, que por sua vez, acarreta os mais diversos tipos de violência e desrespeito à dignidade da vida animal.

Abordou-se sobre algumas formas de omissão do Estado quanto ao tratamento dos animais, de forma que isso resulta em maus-tratos, falta de estrutura nos estabelecimentos e institutos de proteção á fauna, que por sua vez, permite exploração e propagação de doenças, abandono e etc. Percebe-se que o problema é originado na interpretação desumanizada dos animais que acaba sendo refletida no descaso e negligência do Estado para com o bem estar animal. Temos como a maior consequência disso, a falta de estrutura nos órgãos responsáveis e falta de profissionais capacitados para atender as demandas, bem como, o estímulo à práticas de violência devido a impunidade.

Assim, apesar de já existir leis em vigor para proteger os animais de maus tratos e agressões, devido ao fato destes seres ainda serem classificados como coisa pela legislação brasileira, a impunidade acaba sendo promovida, visto que as penas são brandas e muitas vezes o Estado sequer faz esforços para punir os culpados.

Diante desse cenário, causa-se a impressão de que a dignidade é um direito destinado apenas aos seres humanos, portanto, resta evidente, a necessidade de fazer o reconhecimento de direitos fundamentais aos animais como sendo parte imprescindível para promoção do equilíbrio da coabitação no planeta.

Tornando imprescindível que a legislação brasileira seja aperfeiçoada, com o intuito de aprimorar a maneira como o Brasil lida com a tutela dos animais, uma vez que  o atual cenário gera uma sensação de impunidade por ter penas brandas, que acabam por encorajar ainda mais as práticas de maus tratos, ficando às custas da sociedade, e principalmente de ONGs, a responsabilidade para denunciar tais atos. Daí percebe-se que se faz necessário uma séria análise e discussão acerca da proteção jurídica destes para que o problema possa ser sanado, ou pelo menos minimizado.

Por fim, conclui-se que se faz necessário tomar algumas medidas como por exemplo, o aperfeiçoamento das normas para que se tornem mais rigorosas, bem como, a efetiva implantação de educação ambiental nas escolas em conjunto com campanhas de conscientização social, precisam ser articuladas com cautela e levadas a sério, pois, só assim, alcançaria resultados positivos, tanto para resguardar os animais quanto para a própria humanidade, uma vez que convivem o mesmo ecossistema, e, por conseguinte, qualquer conduta que impacte no desequilíbrio da fauna prejudicará a ambos.

 

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[1] Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. E-mail: [email protected].

[2]. Professor da Unicatólica do Tocantins, Mestre em Direitos Humanos e  Prestação Jurisdicional pela ESMAT/UFT, especialista em Estado de Direito e Combate à Corrupção pela ESMAT/UFT, especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus Brasília/DF. E-mail: [email protected].

³. Professora da Unicatólica do Tocantins. E-mail: [email protected].

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