A expansão da fronteira agrícola e o impacto nos movimentos sociais no campo: Uma abordagem a partir dos fundamentos da questão agrária

Resumo: O presente artigo evidencia o processo de expansão da fronteira agrícola e o impacto nos movimentos sociais no campo, a partir dos fundamentos da questão agrária. Essa abordagem menciona as correntes teóricas que sustentam a expansão da fronteira agrícola, bem como a modernização e transformação capitalista da agricultura. Para tanto, esse trabalho apresenta uma breve noção de como a expansão territorial trouxe escravidão no campo e, por fim analisa a luta pela terra encampada pelo Movimento dos Sem Terras.

Palavras-chave: Expansão, Fronteira agrícola, Movimentos sociais.

Resumen: En este artículo se muestra el proceso de expansión de la agricultura y el impacto en los movimientos sociales rurales, de los fundamentos de la cuestión agraria.Este enfoque se refiere a las corrientes teóricas que apoyan la expansión de la agricultura, así como la modernización y transformación capitalista de la agricultura. Para ello, este trabajo se presenta un breve resumen de cómo la expansión territorial trajo la esclavitud en el campo, y, finalmente, examina la lucha por la tierra expropiada por el Movimiento de los Sin Tierra.

Palabras clave: Expansión, Frontera agrícola, Los movimientos sociales.

1. INTRODUÇÃO

Ao abordar esse estudo, será evidenciado as noções conceituais que caracterizam o processo de expansão da fronteira agrícola, em suas duas modalidades teóricas que justificam a ocupação da terra, ou seja, a frente de expansão e a frente pioneira.

Para tanto, será abordado o modelo mencionado pelo escritor e sociólogo brasileiro José de Souza Martins, que muito contribuiu para os estudos sobre esse processo gradativo de ocupação do solo.

Assim, já se tem uma noção do tema trabalhado nesse artigo, como sendo a caracterização do processo de expansão e sua correlação com as pessoas que buscavam sua vivência no campo, tal como o posseiro, que será conceituado pela brilhante lição de Bernardo Mançano Fernandes e Miguel Carter.

Nesse contexto, será evidenciado o processo de desenvolvimento da fronteira agrícola caracterizada pela modernização tecnológica, grande responsável pela mudança das propriedades de cada solo para torná-los altamente produtivos, bem como as mudanças no campo, como o êxodo rural, disparidade de renda, e aumento da taxa de exploração da força de trabalho dentre outros, resultando em uma problemática social, defendida pelo escritor Moacir Palmeira.

Far-se-á uma análise, a partir das concepções de Miguel Carter, sobre a influência da modernização agrícola nas lutas sociais no campo, tanto pela busca da terra e seus frutos quanto pela forma de subsistência dos camponeses. E por fim, serão demonstrados exemplos do escritor Ruy Moreira sobre desrespeitos ao trabalhador rural, tendo em vista o impacto desse processo expansionista.

2. Da corrente teórica: Frente de Expansão

Para melhorar a compreensão do processo de expansão da fronteira agrícola é importante entender a teoria da “frente de expansão”, caracterizada por uma ocupação de terra baseada em relações não capitalistas sem apego a dinheiro.

Em primeiro plano, verifica-se que esse processo de expansão das fronteiras foi definido por MARTINS (1997), como uma ocupação do espaço vazio baseado em relações não capitalistas. Tudo começava pela apropriação de terras devolutas, onde o ser humano se ruralizava buscando sua própria subsistência. Nesse contexto, aparecia o “posseiro”, ocupante de terras devolutas que procurava se manter por meio do trabalho em família ou agricultura familiar.

Impende salientar, que o posseiro da época era em diversas ocasiões o integrante de movimentos sociais que hoje existe, qual seja o Movimento dos Sem Terras (MST), que será em capítulo próprio estudado, justamente para caracterizar o impacto da expansão da fronteira agrícola nos movimentos sociais.

Sobre o posseiro discorreu de forma coerente FERNANDES (2010, p. 174):

“Os posseiros ocupam terras predominantemente nas frentes de expansão da fronteira agrícola. Com a territorialização do capital, esses camponeses sofrem a expropriação de suas terras por parte dos latifundiários e empresários ligados muitas vezes à apropriação ilegal da terra, ou seja, à grilagem. Por sua vez, os sem-terra ocupam áreas predominantemente em regiões onde o capital já se territorializou. Eles fazem ocupações de latifúndios: propriedades capitalistas do agronegócio, ou seja, terras de negócio e exploração; além de terras devolutas e griladas.”

Esse deslocamento reproduzia uma agropecuária de subsistência, e de acordo com Martins (1997) não se configurava uma relação capitalista, tendo em vista que as condições de vida eram reguladas pelo grau de fartura e não pelo grau de riqueza que cada um possuía.

3. Da corrente teórica: Frente Pioneira

Com o passar do tempo o espaço agrário foi se modificando e proporcionando abertura de outras portas para a denominada “frente pioneira”, definida por Martins (1997, p. 45) como aquela que “(…) exprime um movimento social cujo resultado imediato é a incorporação de novas regiões pela economia de mercado”.

Seguindo-se ao fato da ocupação do espaço vazio, foi surgindo a chamada frente pioneira, que resultou na expansão do capitalismo nessas áreas até então ocupadas, isto é, as relações sociais no campo passaram ao controle de uma economia mercantilista que gerava valor monetário à terra.

Ainda segundo Martins (1997) no período dos anos 60 a 70, houve uma reorganização do espaço produtivo, e as novas conquistas na área da ciência e tecnologia facilitaram o melhor aproveitamento das terras antes consideradas improdutivas. Veja-se que houve uma nova expansão da fronteira por áreas anteriormente ocupadas, todavia essas áreas serviam unicamente a interesses do mundo capitalista.

O que caracteriza a frente pioneira é a apropriação capitalista da terra, já que ela passava a ser adquirida monetariamente e não mais ocupada. Verifica-se, então, que os proprietários de terras destinavam a produção para o mercado e não mais para a subsistência familiar, como acontecia na frente de expansão. Daí se pode afirmar que a propriedade privada do solo e o empreendedorismo econômico foram as características centrais da frente pioneira.

De igual modo, o que fica claro é que o capitalismo foi incorporado ao sistema agrário gerando consequências principalmente para aquelas pessoas que preferiam trabalhar a terra em regime de economia familiar e para a sua própria subsistência.

4. A modernização agrária como fator de mudança no campo

A fronteira agrícola compreende a mudança substancial do padrão tecnológico, bem como da modernização da agricultura que levou a transformação do solo e o seu melhor cultivo.

Assim, as terras antes vistas como ruins e inaptas para o cultivo, foram sendo transformadas por uma série de tecnologias e novos insumos.

Nessa esteira, só transformar a terra em mercadoria não acabava com os problemas da fronteira, tendo em vista que essa mudança carecia de mão-de-obra rural. E nesse passo, onde se alterava a base da agricultura, menciona PALMEIRA (2011, p 01):

“A alteração da base técnica da agricultura, associada à sua articulação "com a indústria produtora de insumos e bens de capital para a agricultura, e por outro, com a indústria processadora de produtos naturais" levou à formação do chamado "complexo agroindustrial" (DELGADO, 1985, p.19; SORJ, 1980, p.29-30) ou à "industrialização da agricultura" (GRAZIANO da SILVA, 1987, p.19). Essa modernização, que se fez sem que a estrutura da propriedade rural fosse alterada, teve, no dizer dos economistas, "efeitos perversos": a propriedade tornou-se mais concentrada, as disparidades de renda aumentaram, o êxodo rural acentuou-se, aumentou a taxa de exploração da força de trabalho nas atividades agrícolas, cresceu a taxa de auto-exploração nas propriedades menores, piorou a qualidade de vida da população trabalhadora do campo. Por isso, os autores gostam de usar a expressão "modernização conservadora".”

Ainda segundo Palmeira (2011, p. 01):

“Em muitos casos, as motivações econômicas dos capitalistas que investem na agricultura, qualquer que seja a origem de seus capitais, residem menos na perspectiva de aí realizar lucros maiores do que em outros setores da economia ou, a exemplo dos rentiers clássicos, de daí retirar uma renda em nada incompatível com os seus lucros, do que na perspectiva de uma aplicação de dinheiro comparativamente vantajosa, dentro dos marcos de uma determinada política econômica e considerada a conjuntura do mercado, a outras aplicações financeiras (DELGADO, 1985, parte II). Já para os trabalhadores rurais, não se trata simplesmente de representar a agricultura (ou a "lavoura", como se dizia numa outra época) mas de acabar com a articulação hierarquizada de interesses que se pensa debaixo desse termo. O projeto em que investem é um projeto de classe, não é um projeto de setor, e a sociedade vislumbrada em suas manifestações não cabe nos limites da agricultura.

Como se observa, a fronteira agrícola entre a década de 60 e 70 com o início da modernização da agricultura provocou uma mudança no campo, com o êxodo rural, disparidade de renda, e aumento da taxa de exploração da força de trabalho dentre outros, resultando em uma problemática social.

Esses fatores caracterizam o que o professor e antropólogo Moacir Palmeira (2011, p. 03) chama de expropriação do campesinato. Vejamos:

“É verdade que a expulsão de trabalhadores dependentes (moradores, agregados, colonos ou semelhantes) também já ocorria no passado, mas o processo a que nos referimos tem características muito peculiares. Se, no passado, o trabalhador expulso encontrava casa e trabalho em condições semelhantes numa outra propriedade, ou mesmo, num momento seguinte, reconstituía a primeira relação, na expulsão recente a saída da propriedade é definitiva e sem substituição ou, dito de uma outra maneira, é o mesmo tipo de contrato tradicional que é liquidado. Não nos parece pois desprovido de sentido falarmos de expropriação do campesinato. Trata-se menos de despojamento dos trabalhadores rurais de seus meios de produção, pois destes, de alguma maneira, já haviam sido ou sempre estiveram expropriados, mas de sua expropriação de relações sociais, por eles vividas comonaturais, que tornam viável sua participação na produção e sobre as quais, por isso mesmo, exercem algum controle que se traduz num certo saber fazer.”

Veja-se que a retirada do camponês nas áreas de expansão da fronteira agrícola revelava uma urbanização precoce, ou seja, um fechamento da fronteira para os trabalhadores, sob o argumento de benefícios econômicos ao Estado.

Um exemplo disso é o que demonstra Graziano da Silva (1982), quando faz alusão à Marcha para o oeste e os benefícios políticos trazidos pela fronteira, em detrimento das tensões sociais, posto que essa expansão impulsionava o crescimento industrial e atendia os interesses capitalistas da burguesia paulista.

Assim, será observado no próximo capítulo como se deu essa expansão da fronteira agrícola e as formas de trabalho utilizadas para o cultivo da terra.

5. A expansão territorial do capital e a escravidão no campo

Ao longo do tempo a fronteira agrícola foi se expandindo em busca do capital, e com ela problemas de ordem social também apareceram. Segundo Martins (1997) a intenção dessa expansão territorial não era a produção pecuária, mas a produção de fazendas.

Nesse contexto, surgiu a peonagem ou escravidão por dívida. E sobre esse assunto menciona MARTINS (1997, p. 11):

“A época de florescimento recente da peonagem, no início dos anos setenta, foi também época do chamado “milagre brasileiro”, época de grande crescimento econômico. A expansão da fronteira coincidiu com a ampliação das alternativas de investimentos em outros setores da economia, onde, aparentemente, a rentabilidade do capital era maior e mais rápida do que na agropecuária. Chegou-se a supor, na época, que havia transferência clandestina dos incentivos fiscais, obtidos pelas empresas, da frente pioneira para a área mais desenvolvida e industrializada do país, o Sudeste, principalmente para aplicações financeiras. A fundação de fazendas (ou de indústrias) na Amazônia era o meio de obter os recursos dos incentivos fiscais. Mas isso dependia de mecanismos atrasados e arcaicos de exploração do trabalho e acumulação de capital, como a peonagem e a expropriação violenta dos ocupantes originais da terra, os índios e posseiros.”

Esse fato foi um fenômeno similar ao da frente pioneira, posto que na medida em que ocorria a implantação de novas atividades econômicas em áreas já ocupadas muitos trabalhadores eram cooptados para o trabalho.

Vejamos o que Martins (1997, p. 11) diz:

“Em atividades permanentes, as da rotina normal das fazendas, tem sido empregados 73,8% dos peões, inclusive na indústria (que tem 4,9% dos peões empregados fora da região amazônica), embora indústria primitiva, como é o caso das olarias. Nas tarefas rotineiras da agricultura, esses trabalhadores tem sido usados sobretudo no corte da cana-de-açúcar, na colheita de café e na colheita de semente de capim para formação de pastos. São atividades sazonais em que normalmente emprega-se o trabalho do chamado bóia-fria, cujas condições de vida tem sido reiteradamente denunciadas pelos sindicatos e outras agências como inferiores às que possam assegurar a mínima sobrevivência ao trabalhador e sua família14. O aparecimento de casos de escravidão nesse tipo de trabalho é indicativo não só de intensificação da exploração dos trabalhadores rurais, mas é indicativo, também, de que a escravidão atual é, no limite, uma variação extrema do trabalho assalariado”

Convém ressaltar, ainda, segundo Martins (1997) que a expansão do capital e a necessidade de mão-de-obra só aparece em consequência da pobreza e da falta de alternativas de emprego. Também, da crônica deterioração das relações de troca caracterizada pelas mercadorias vendidas pelo camponês e as mercadorias que ele precisa ou quer comprar.

Observa-se que, ao final, o capital tira vantagens das diferenças de preços, custos e necessidades, deixando à mercê aquele que utilizou de sua força para impulsionar os objetivos do próprio capital.

6. Do impacto da expansão da fronteira agrícola nos movimentos sociais no campo

O processo de modernização agrícola influenciado pela expansão da fronteira trouxe intensificação das lutas sociais no campo, tanto pela busca da terra e seus frutos quanto pela forma de subsistência dos camponeses.

Nesse passo, também surgiu o desejo de proporcionar a redistribuição das terras, isto é, cumprir a função social pela realização de justiça social no campo através da Reforma Agrária.

Conforme CARTER (2010, p. 162):

“No Brasil, a luta pela terra avança alheia à existência ou não de um plano de reforma agrária. É uma luta popular e a reforma agrária é uma política pública de competência do Estado. A luta pela reforma agrária é compreendida por duas manifestações políticas principais: a ocupação da terra que acontece diariamente e tem sido a principal forma de acesso à terra no Brasil e as mobilizações de diversos movimentos camponeses para pressionar o Estado a adotar políticas de créditos, educação e moradia e outros benefícios públicos. O avanço da luta pela terra tem mantido a reforma agrária na pauta política do Estado.”

Nesse contexto de lutas afirma Carter (2010) que as ações de diversos governos caminham motivados por movimentos camponeses, tendo em vista que o Estado não é competente para efetivar uma política de reforma agrária que desconcentre a estrutura fundiária.

Percebe-se pela visão de Carter (2010) que os movimentos camponeses sempre foram excluídos pelos governos das políticas públicas para o desenvolvimento rural. Isso se deve ao fato de que tais movimentos emcampam lutas por direitos básicos da cidadania, mas nem sempre são priorizados na questão da reforma agrária.

A partir dessa concepção afirma Palmeira (2011) que as transformações ocorridas no campo motivadas pela modernização no setor agrário atraíram capitais das mais diversas origens, mas também resultaram em coalizão de diversos interesses.

Impende observar que na visão de PALMEIRA (2011, p. 18):

“A reforma agrária é posta na ordem do dia pelo primeiro movimento. Não se trata mais de uma política entre outras, que pode ou não ser acionada pelos governantes. É uma demanda social que eles não podem ignorar. É uma questão socialmente imposta. Daí a dificuldade que têm de se livrar do tema, mesmo quando ele se torna politicamente inconveniente. Mas o peso dos interesses agrários no interior do Estado é suficientemente grande para imobilizar qualquer tentativa nesse sentido. O governo da "Nova República" elaborou planos de reforma agrária, arquivou-os e continuou falando de reforma agrária. A Constituinte inscreveu-a no texto da nova Carta, mas a inviabilizou ao introduzir a noção de "propriedade produtiva", isenta de desapropriação. Não se trata, simplesmente, de um problema de governo, nem de um problema que envolva apenas determinados grupos. O que está em jogo na questão da reforma agrária hoje — por força dos processos sociais que vimos — é a oposição entre dois movimentos que envolvem confrontos de interesses diversificados e que, por assim dizer, atravessam toda a sociedade. Nesses confrontos, o que, por sua vez, está em jogo é a própria maneira de operar do Estado. O impasse do Estado em administrar essa questão socialmente construída reflete também aquele da sociedade em escolher o Estado que deseja para gerir os seus próprios impasses.”

Observa-se que esse problema se relaciona ao fato de que o Estado tem o dever de promover justiça social no campo através da Reforma Agrária, com melhor distribuição de terras aos que dela necessitem para subsistência familiar, bem como responsabilidade de equilibrar os interesses dos proprietários de terras e o próprio capital. Sobre esse aspecto será abordado no próximo capítulo a luta dos movimentos sociais pela terra.

7. O MST e a luta pela terra

Ao iniciar esse capítulo é relevante mencionar uma descrição verificada em escritos de MOREIRA (1986, p. 06), sobre o Plano Nacional de Reforma Agrária:

“Anunciado como "Proposta para Elaboração" e em relação ao qual a sociedade teria 30 dias para se manifestar, esse esboço do 1.° PNRA-NR permanecerá nesse impasse por seis meses, ao fim dos quais sofrerá, segundo cobertura da imprensa (ver os números da Folha de S. Paulo da época), doze reformulações até receber a versão final. Esta, assinada com transmissão por TV, é anunciada no exato momento em que a mesma TV estarrece a Nação com as imagens da chacina de cinco posseiros na fazenda Princesa, localizada a 50 km de Serra Pelada e 90 km de Marabá, no sudeste do Pará, em plena área de jurisdição do GETAT (Grupo Executivo de Terras do Alto Tocantins) – órgão de "segurança nacional" criado para administrar militarmente os conflitos da região do Bico do Papagaio – pelo fazendeiro Marlon Lopes Pid-di, com requintes de crueldade: "Piddi contratou o serviço de um grupo de pistoleiros na cidade maranhense de Imperatriz, amarrou os cinco homens aos troncos de duas árvores e espancou-os durante horas antes de ordenar os disparos. O primeiro a ser capturado, Ezequiel Pereira dos Santos, foi amarrado com os pés sobre um formigueiro e ali ficou durante dois dias e duas noites, enquanto os torturadores o espancavam. Por fim, Piddi comandou a chuva de disparos que desfigurou completamente os corpos amarrados e chegou a descascar quase inteiramente o tronco d« uma das árvores". Em seguida, jogou os corpos amarrados nas águas do rio Itacaiúnas, atados a pedras.”

O que se nota inicialmente é que o desrespeito ao trabalhador rural era grande, com toda espécie de tortura e maus-tratos, pois os grandes produtores rurais gerados pelo capitalismo insulflavam a expansão da fronteira, e o trabalhador rural perdia seu espaço no campo, principalmente por tecnologias evidentemente não promovidas pelo camponês.

Todavia, Moreira (1986) quis mostrar a conotação que se adquiria a questão do campo no Brasil, justamente na ocasião de franco desenvolvimento e modernização agrícola, fruto do empreendedorismo do capital.

Para Carter (2010, p. 259), “uma das consequências mais notáveis e trágicas dessa transformação foi a intensificação dos conflitos sociais pela terra.” Analisa esse autor que o grande influxo de ricos e pobres na luta por terras levou a inúmeros conflitos – muitos deles violentos e com a presença do Movimento dos Sem Terras.

Menciona ainda Carter (2010, p. 199), sobre a origem e consolidação do MST:

“Despojados de suas terras, com as casas destruídas, os camponeses afluíram à casa paroquial procurando por ajuda. O padre lhes acolheu. Ele conhecia seus sofrimentos. Em maio de 1978, um grupo de índios Kaingang que buscava recuperar sua reserva no norte do estado do Rio Grande do Sul, expulsou-lhes das suas terras. Cerca de 1.100 famílias de posseiros perderam seus lares e plantações da noite para o dia. Metade dessas famílias foi transferida para a Amazônia em um programa de colonização do governo. Outro grupo foi assentado perto da fronteira com o

Uruguai. Mais de 400 famílias sem-terra permaneceram nas redondezas da

paróquia do padre Arnildo Fritzen, no pequeno município de Ronda Alta.”

Especificamente no Estado do Rio Grande do Sul, o MST nascia e com isso erguia-se a bandeira do ativismo político sustentado em ações promovidas para atrair a atenção pública e influenciar as políticas do Estado por meio da pressão.

As mobilizações, conforme Carter (2010) se resumiam em marchas, petições, reuniões de discussão, greves de fome, acampamentos de protesto e campanhas eleitorais, além de atos de desordem como piquetes, bloqueios de estradas e ocupações organizadas de terras e de prédios públicos.

Outro fundamento importante é o de que o MST luta pela terra para promover a reforma agrária e melhor distribuir o solo para os integrantes que pensam em trabalhar o campo no regime de agricultura familiar. Tal regime move a economia local não com os fundamentos capitalistas, posto que os frutos dela obtidos são para própria subsistência e garantia de recursos financeiros.

Para Carter (2011) houve inúmeras ações e disponibilização de recursos dos últimos governos para a Reforma Agrária, tanto para qualificação dos assentamentos e apoio à agricultura familiar, mas ainda assim, no geral, a reforma agrária no Brasil tem sido restrita e de execução lenta. Afirma também, que o orçamento do Ministério da Agricultura incluir linhas de crédito para a agricultura familiar, todavia esses fundos são pequenos em relação às quantias ofertadas para apoiar o agronegócio de grande escala.

Por essas razões de luta, sabe-se que as abordagens de conflito social orientadas pelo ativismo político do MST proporcionavam um instrumento democrático legítimo para fomentar a mudança social, e isso é o que encampava a luta do movimento.

Salienta Carter (2011, p. 231):

“No interior do MST é possível vislumbrar traços dessa orientação no momento em que suas lutas apresentam uma “fusão do buscar e do atingir”,58 em vez de simplesmente maximizar os resultados. Ela também se apresenta nos fortes sentimentos que surgem e impelem as mobilizações em massa e nas poderosas maneiras em que as interações coletivas alteram o cálculo individual de seus participantes. Os interesses ideais do MST são promovidos em muitas situações por meio de seu considerável repertório simbólico – de canções, palavras de ordem, bandeiras, dramatizações, poesia e discursos instigantes – desenvolvido em encontros rituais que estimulam sentimentos de sacrifício compartilhado, companheirismo e idealismo. Esses e outros momentos de confraternização e luta, servem para animar a coragem, persistência e senso de vitalidade que se pode encontrar na militância do MST.”

Como vimos, a luta do MST se explica no exato momento em que o Estado não promove uma reforma agrária com capacidade de gerar renda para aquele que prefere trabalhar a terra não pelos interesses do capital, mas para uma agricultura familiar fruto da concepção natural e amor à terra.

8. CONCLUSÃO

A análise realizada nesse artigo trouxe à tona uma explicação ou maneira de compreender o processo de expansão da fronteira agrícola e sua modernização como ideologia capitalista, na medida em que o trabalhador rural é expropriado do campo para dar lugar aos grandes proprietários e empreendedores.

Ficou demonstrado que os movimentos sociais do campo, tal como o MST ainda lutam por uma justiça social e reforma agrária efetiva, não só para promover a distribuição de terras a quem precisa, mas também para impulsionar as economias locais através da agricultura familiar.

Observou-se, que a fronteira agrícola compreende a mudança substancial do padrão tecnológico, bem como da modernização da agricultura que levou a transformação do solo e o seu melhor cultivo por tecnologias rurais.

Por essas razões, ficou notório, que os conflitos sociais são caracterizados pela luta do trabalhador pela terra, e que o MST procura estabelecer um modelo de reforma agrária pautado na agricultura familiar e justiça social no campo, ainda que a modernização – fruto da expansão agrícola – tenha fundamentos capitalistas.

  

Bibliografia
MARTINS, José de Souza. A reprodução do capital na frente pioneira e o renascimento da escravidão. In: Martins, José de Souza. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo. Editora Hucitec, 1997.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Formação e territorialização do MST no Brasil. In: CARTER, Miguel. (Org.) Combatendo a desigualdade social: O MST e a Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 161-197.
PALMEIRA, Moacir. Modernização, Estado e Questão Agrária. In: http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n7/v3n7/v3n7a06.pdf. Acessado em 22 de julho de 2012.
SILVA, José Graziano da. A modernização dolorosa: estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
CARTER, Miguel. Origem e consolidação do MST no Rio Grande do Sul. In: _________. (Org.) Combatendo a desigualdade social: O MST e a Reforma Agrária no Brasil. São Paulo. Editora UNESP, 2010. p. 199-235.
MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em Questão. In: Revista Terra Livre. Nº 01, Ano 1. São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1986. p. 06-19.

Informações Sobre o Autor

Hebert Mendes de Araújo Schütz

Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás analista judiciário do Tribunal de Justiça de Goiás e professor da FAR – Faculdade Almeida Rodrigues em Rio Verde-GO


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