Resumo: O presente artigo analisa a proteção ambiental, sob a perspectiva do direito de vizinhança. O meio ambiente e sua proteção, em regra são estudados, pela tutela coletiva, conquanto, ainda que de forma mais restritiva, essa também pode ser efetivada nas relações particulares. É, nesse sentido, que se mira, nas relações entre particulares, especificamente a de vizinhos, a possibilidade de se ter e exigir a proteção ao meio ambiente.
Palavras-chave: Meio ambiente. Proteção. Propriedade. Direito de vizinhança.
Sumário: Introdução. 1. A conceituação jurídica do meio ambiente e o Direito Ambiental. 2. O direito de vizinhança. 2.1. O uso anormal da propriedade. 2.2. Das águas. Considerações finais.
Introdução
Com o desenvolvimento (desassociado da sustentabilidade) em escala acelerada e a proliferação dos grandes centros urbanos, tendo como consequências mais gravosas as mudanças climáticas, entre outras, tem-se verificado que a sociedade está chegando a limites aceitáveis de sua própria subsistência, eis que já se quantifica os riscos e os danos a natureza, causados pelo desequilíbrio nos ecossistemas e pela ruína dos recursos naturais evidentemente escassos.
Quando se fala nos limites da subsistência se refere as fronteiras existentes entre o desenvolvimento e sustento dos seres humanos, com a necessidade de que possam ser conservados e mantidos de maneira sustentável, diante da escassez dos recursos naturais do planeta Terra, recursos estes que consubstanciam a satisfação da constante e acelerada necessidade de desenvolvimento inerente ao âmago do ser humano.
Fatos estes demonstram que os estados e a população devem atentar para as suas necessidades e para a sustentabilidade de nosso meio ambiente, uma vez que se a necessidade de desenvolvimento é do espírito humano, o meio ambiente é o que dá vida a esse espírito e, portanto, deve ser tratada com especial atenção, pois notoriamente os recursos naturais não são ilimitados, mas a sua utilização pode ser racional, de maneira a garantir a sua conservação e revitalização permanente.
Sob essa perspectiva, importante destacar a proteção ao meio ambiente que abrange o direito de vizinhança, uma vez que os meios que permitem a sustentabilidade não devem se referir somente aos estados governamentais e nem só a coletividade, mas sim na individualidade, na consciência, atitude e relação do particular para com a natureza.
1. A conceituação do meio ambiente e o Direito Ambiental
Para melhor entendimento da proteção ambiental necessária se faz a conceituação jurídica do meio ambiente[1], dessa maneira, traz-se à baila o artigo 3º, inciso I, da Lei n.º 6.938/1981 – norma brasileira que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, dentre outras providências, dando a concepção de aquele compreende o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Nesse mesmo diapasão, urge mencionar o caput do artigo 225, da Constituição Federal de 1988, onde se estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Em relação ao Direito Ambiental, Paulo de Bessa Antunes entende que esse ramo do direito
“(…) pode ser definido como um direito que se desdobra em três vertentes fundamentais, que são constituídas pelo direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito do meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o Direito Ambiental é um direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos direitos naturais. Mais do que um direito autônomo, o Direito Ambiental é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto, tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que se devem harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentado”.[2]
Levantados esses conceitos, pode-se iniciar a delimitação do que se consubstancia o estudo em questão, eis que para a proteção do meio ambiente, de maneira satisfatória, é necessária a sua abrangência em todos os ramos do direito, dentre eles também o direito a vizinhança, que não estão em paralelo ao Direito Ambiental, mas sim estão intrínsecos e análogos aos ideais da proteção ambiental.
2. O direito de vizinhança
Primeiramente, ressalta-se que os direitos de vizinhança, estabelecidos nos artigos 1277 até o 1313 do Código Civil de 2002, estão intimamente ligados a relação existente e criada pela sociedade entre si, de forma coletiva ou individual, e em relação a sociedade e o meio ambiente. É essa proximidade que torna possível verificar a preocupação do legislador civil com a proteção ambiental. Carlos Roberto Gonçalves argumenta que:
“O direito de propriedade, malgrado seja o mais amplo dos direitos subjetivos concedidos ao homem no campo patrimonial, sofre inúmeras restrições ao seu exercício, impostas não só no interesse coletivo, senão também no interesse individual. Dentre as últimas destacam-se as determinadas pelas relações de vizinhança”.[3]
Washington de Barros Monteiro, por sua vez, esclarece que:
“(…) os direitos de vizinhança constituem limitações impostas pela boa convivência social, que se inspira na lealdade e boa-fé. A propriedade deve ser usada de tal maneira que se torne possível a coexistência social. Se assim não se procedesse, se os proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e ilimitado, não poderiam praticar qualquer direito, pois as propriedades se aniquilariam no entrechoque de suas várias faculdades.”[4]
Essa relação demonstra o objetivo do direito de vizinhança de consolidar a paz social, harmonizando o direito ambiental e de propriedade, ambos respaldados pela Constituição da República Federativa do Brasil, garantindo o bem-estar da sociedade e o equilíbrio das relações humanas com o meio ambiente.
Esse objetivo vê o direito ambiental como prioridade, no entanto, sem, em hipótese alguma, desprezar o direito a propriedade, pois tem em vista o bem-estar social, além da proteção ao meio ambiente. Nesse sentido, Ricardo Luis Lorenzetti esclarece que:
“Em outros casos o valor expressa um juízo comparativo (compara um valor com outro), e nisso se diferencia do princípio (mandato de otimização, manda fazer algo na maior medida possível). Esta valoração comparativa surge quando de dois objetos se diz que um tem maior valor que outro, expressando-se juízos de preferência ou equivalência. É neste aspecto que os “valores ambientais” começam a exercer uma função, porque pretendem ser comparados com outros valores e ter prioridade”.[5]
Destarte, as medidas capazes de assegurar uma maior proteção do meio ambiente, como se percebe facilmente, dependem do grau de consciência social em relação à necessidade de que se dê ao meio ambiente uma atenção prioritária.[6]
Consolidado o entendimento de que a proteção ambiental está inerente ao direito de vizinhança previsto em nosso Código Civil, resta agora necessário demonstrar de maneira prática essa relação.
Sendo assim, passa-se a abordar apenas alguns dispositivos legais relativos ao direito de vizinhança que demonstram a referida relação, no entanto, não é demais ressaltar de que todos os artigos apresentam mesmo que de modo indireto o objetivo intrínseco de proteção ao meio ambiente.
2.1. O uso normal da propriedade
Na seção do direito de vizinhança, o art. 1277 do Código Civil assegura expressamente a proteção ambiental, quando determina que “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”
Cabe salientar que a saúde tem como fatores determinantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, e também o meio ambiente, com base na dicção do caput do art. 3º, da Lei 8.080/1990 – que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, dentre outras providências.
Partindo dessa premissa de proteção à segurança, ao sossego e à saúde, em consequência ao meio ambiente, que logicamente está inerente ao direito a saúde, os artigos seguintes do referido dispositivo (art. 1278 até art. 1281) estabelecem os limites, indenizações decorrentes da violação desses direitos (reparação civil), além de garantias e modos de proteção dos mesmos. Nesse ponto, imprescindível destacar a seguinte lição de Patryck de Araújo Ayala:
“(…) os direitos fundamentais de defesa, ou a função defensiva ou negativa dos direitos fundamentais, diferem dos direitos à defesa, que são os direitos de proteção, ou direitos à proteção, pois esta pode dar-se na forma de abstenções ou de ações positivas concretizadoras de níveis de proteção necessários/exigidos. Os direitos de defesa supõem como destinatária, com exclusividade, a função estatal, enquanto os direitos à proteção impõe a obtenção de medidas de proteção através do Estado, também em face de particulares.
Nesse contexto, admitir que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também se manifesta na forma de um direito à proteção, importa considerar que também representa um direito que vincula o Estado a atuar na forma de prestações (medidas) destinadas a proteger o titular do direito fundamental de perigos, ameaças e riscos, sejam quais forem suas qualidades. Compreende, assim, pretensões de obter e receber proteção concreta por meio do Estado, inclusive contra atos de particulares, não sendo possível, por tanto, associar essas prestações ao direito à proteção, aos deveres fundamentais que vinculam os particulares na defesa e proteção do meio ambiente, tampouco aos deveres que sujeitam os particulares ao respeito dos direitos fundamentais em uma relação entre particulares e, por fim, ao direito de relações particulares.”[7]
E continua ensinando que:
“Há ocasiões em que a relação requer do titular o respeito ao livre exercício do direito fundamental ao meio ambiente; em outras, aos recursos naturais, independentemente de se determinar ou especificar o titular.”[8]
Dessa maneira, observa-se que o proprietário, locador e/ou usufrutuário possui o direito a defesa de seus direitos, bem como direito a proteção do meio ambiente contra os particulares ou em face do próprio Estado, respeitando o interesse público (art. 1278, CC), o que não pode caracterizar no repúdio ao bem-estar social.
Ademais, desse argumento extrai-se que o proprietário ou possuidor além de ter o direito de proteção da segurança, sossego e à saúde, possui também o dever de respeito ao exercício e proteção aos direitos fundamentais do meio ambiente, bem como da natureza, em favor do particular, da coletividade ou até mesmo do Estado.
2.2. Das águas
No artigo 1288 e seguintes do Código Civil/2002, constata-se claramente o entendimento acima defendido, eis que determinam e estabelecem que o particular (possuidor ou dono) deverá manter as condições naturais do fluxo da água, de maneira que não realize obstáculos ao seu curso normal, bem como não prejudique direito de terceiros.
O objetivo de garantir a proteção do meio ambiente está ainda mais claro na inteligência do art. 1291, do mesmo dispositivo legal, quando determina que:
“Art. 1291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas”.
Assim, verifica-se, ainda, que a normativa em foco respeita os princípios inerentes ao Direito Ambiental, como, por exemplo, o da prevenção, precaução, equilíbrio e do poluidor pagador, dentre outros, sempre tendo como objetivo central a proteção do meio ambiente, combinado com o desenvolvimento sustentável e as relações e necessidades da sociedade humana.
Considerações finais
Portanto, a proteção ambiental abrange todas as relações entre o particular, a coletividade e ou Estado, dentro do direito da vizinhança como já demonstrado, bem como está atrelado a todos os outros ramos do direito, de forma que assim possa alcançar de maneira satisfatória a proteção ao meio ambiente e a consciência da sociedade humana, em harmonia com o desenvolvimento sustentável.
A proteção ambiental pode e deve também ser voltada para a relação particular, como acontece no direito de vizinhança, eis que essa proteção deve ser realizada não só pelo Estado-Governo, mas também pela sociedade de modo geral e, principalmente, individual, para assim transformar a consciência social e jurídica em favor do desenvolvimento sustentável, bem como da preservação e proteção ambiental.
Aliás, numa estranheza ou dificuldade deve-se ter nesse ponto. Para tanto, bastaria se lembrar de que sobre a propriedade pesa a necessidade de se atender a função social, na qual o componente ambiental é requisito obrigatório.
Desta forma, numa perspectiva mais ampliativa ou mais restritiva, como se pode suceder nas relações particulares do direito de vizinhança, o meio ambiente pode e deve ser protegido.
Informações Sobre os Autores
Carlos Eduardo Silva e Souza
Doutor em Direito pela Faculdade Autnoma de Direito de São Paulo; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso; Líder do Grupo de Pesquisa Direito Civil Contemporneo da FD/UFMT; Sócio-Diretor do Escritório Silva Neto e Souza Advogados
Laelço Cavalcanti Júnior
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Cuiabá, Pós-Graduando em Direito Empresarial, Negocial e Relação de Consumo pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Advogado do Escritório Silva Neto e Souza Advogados