Mateus Eduardo de Oliveira – acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Email: [email protected].
Resumo: A responsabilização da pessoa jurídica no âmbito penal é um tema muito controverso, pois divide os doutrinadores, principalmente os penalistas, diante da interpretação do princípio penal da culpabilidade. Neste sentido, o objetivo do presente trabalho foi a análise da responsabilidade da pessoa jurídica levando em conta os aspectos constitucionais da matéria, como também as considerações do direito ambiental e do direito penal sobre o tema. Desta forma, foi utilizado a metodologia dedutiva. Sendo feita a análise jurisprudencial e doutrinária sobre o tema. Com isso, o resultado foi, que mesmo havendo controvérsias doutrinárias, o princípio da culpabilidade pode ser empregado de maneira a justificar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, e que a superação da teoria da dupla imputação pelo STF, foi importante para a garantia tanto da responsabilização penal da jurídica, como para a garantia do princípio da culpabilidade.
Palavras-chave: Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica. Culpabilidade. Constituição Federal.
Abstract: The liability of legal entities in the criminal sphere is a very controversial issue, as it divides the indoctrinators, mainly the penalists, in view of the interpretation of the criminal principle of culpability. In this sense, the objective of the present article was to analyze the responsibility of the legal entity, taking into account the constitutional aspects of the matter, as well as the considerations of environmental and criminal law on the subject. Thus, the deductive methodology was used. The jurisprudential and doctrinal analysis being made on the subject. As a result, the result was that, even if there were doctrinal controversies, the principle of guilt can be used in order to justify the criminal liability of legal entities, and that overcoming the theory of double imputation by the Supreme Court, was important to guarantee both criminal legal liability, as well as to guarantee the principle of culpability.
Keywords: Criminal Liability. Legal person. Culpability. Federal Constitution.
Sumário: Introdução. 1. Direito penal ambiental. 2. Responsabilidade penal das pessoas jurídica. 3. Eficácia da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
A constituição de 1998 como elucida Zulmar Fachin em seu curso de direito constitucional, assegura tanto direitos individuais como direitos coletivos. Entre os direitos coletivos um dos principais é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como será discutido mais à frente, várias são as formas de meio ambiente, sendo um direito muito amplo, que derivará diversos outros direitos, até mesmo o conceito de meio ambiente, como elucida Solange Teles da Silva, é muito extenso e tem diversas perspectivas, seja biológica, cultural, jurídica ou antropológica. Segundo a autora tal conceito é cultural, visto que o conceito depende da perspectiva de época e local em que se observa tal direito. Em 1988, em meio processo de redemocratização, as discussões em torno do meio ambiente e sua importância foram trazidas à baila, apresentando a constituição diretrizes normativas para um meio ambiente saudável.
Atualmente, dado a importância merecida que a constituição atribuiu ao direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma atividade danosa ao meio ambiente pode gerar responsabilidade civil, administrativa e penal de forma alternativa ou cumulativa.
A responsabilidade penal, como disserta Luiz Regis Prado, está conectada ao dolo e a culpa de um agente humano. Com isso, a legislação pátria adota a responsabilidade subjetiva, afastando a responsabilidade objetiva no campo do direito penal. Porém, com a constituição de 1988, que trouxe a inovação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas em alguns casos, surge a discussão, de como atribuir dolo ou culpa à um ente jurídico, sendo essa umas das principais discussões em torno de tal responsabilidade.
Apesar da constituição de 1988 conter tal responsabilidade, a mesma não é uma inovação no direito comparado, diversos países adotam tal responsabilidade, sendo considerado uma tendência mundial, como demonstra Fernando Antônio Nogueira Galvão da Rocha:
“É inegável a tendência atual do Direito mundial e no seu sentido de admitir a utilização do direito penal contra a pessoa jurídica nos crimes socialmente mais importantes. Nesse sentido, O XV Congresso Internacional de Direito Penal, Realizado no Rio de Janeiro em setembro de 1994, aprovou enunciado segundo o qual “ os sistemas penais nacionais, devem, sempre que possível no âmbito de sua respectiva constituição ou lei básica, prever uma série de sanções penais e de outras medidas às entidades jurídicas e públicas”.”(ROCHA. Pg.2).
Com isso, fica evidente a tentativa da Constituição de acompanhar a tendência mundial de responsabilização da pessoa jurídica, o desafio, no entanto, é de como seria efetivada tal responsabilidade, à título de curiosidade para o presente trabalho, Luiz Régis Prado, cita em sua obra denominada “Direito Penal do Ambiente” alguns dos principais sistemas de responsabilidade penal das pessoas jurídicas, entre eles, o Inglês, Francês e o Espanhol. Porém cabe ao presente trabalho, dissertar como tal responsabilidade foi e vem sendo tratada no Brasil tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência e também elucidar algumas das principais críticas a tal responsabilidade.
- DIREITO PENAL AMBIENTAL
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ganhou com a constituição de 1988 o caráter de direito fundamental, positivado no seu Art. 225 da referida carta Magna, que todos tem direito ao meio ambiente equilibrado e tanto o poder público quanto a coletividade tem deveres de proteção ao meio ambiente, tutelando esse direito não apenas para aos presentes como também para as futuras gerações. Com isso, o constituinte inova tutelando os direitos das futuras gerações, e também impondo deveres ao poder público e a coletividade em matéria ambiental.
Tal garantia constitucional ocorre por conta de algumas necessidades atuais, uma delas está relacionada às mudanças climáticas ocorrida em todo o mundo, o fenômeno mundial do aquecimento global, que como demonstra Maruayama, as ações humanas atuais intensificam a emissão de CO² , com isso, auxiliam para a aceleração do processo de aquecimento do planeta Terra, que pode trazer sérias consequências ambientais, colocando as gerações futuras em risco.
Além desse evento importantíssimo que é o aquecimento global, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, está ligado ao bem-estar, diretamente conectado ao direito fundamental de dignidade da pessoa humana, pois deve ser levado em conta que a vida em um ambiente saudável, livre de poluição, com áreas verdes e ar puro eleva o bem estar de toda a população. Não menos importante, deve ser exaltada a relevância do meio ambiente cultural, ou seja, lutar por meio ambiente ecologicamente equilibrado, também é lutar para que diferentes culturas possam se manifestar, cultivando espaços de importância cultural, obras e formas de expressão da cultura brasileira. Um meio ambiente ecologicamente equilibrado também significa melhores condições de trabalho, um lugar de trabalho saudável e que promova o bem estar ao trabalhador. Desta forma, para garantirmos o direito positivado no Art. 225 da Constituição, é necessário zelar pela vida, fauna, patrimônio genético brasileiro, cuidar da nossa diversidade biológica, o que consequentemente ajuda velar o ecossistema como um todo. E por último, para um meio ambiente saudável é de suma importância cuidar das nossas construções e edificações, preservar o chamado meio ambiente artificial, ou seja, tudo que constitui os espaços urbanos. Visto os diversos primas relacionados ao meio ambiente, e como pode ser analisado, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado engloba uma série de outros direitos, e tem demasiada importância jurídica na atualidade.
Dito a atual e necessária importância dada ao direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devemos a analisar a necessidade do mesmo ser penalmente tutelado e por fim enfocar na responsabilidade penal da pessoa jurídica. Por isso, devemos lembrar agora, de um dos princípios basilares do direito penal, o princípio do direito penal como última ratio ou princípio da intervenção mínima que segundo os ensinamentos de Damásio de Jesus, constitui no princípio que, define que o tipo penal deve obedecer a imprescindibilidade, ou seja, o direito penal só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não forem suficientes para prevenir a conduta ilícita.
O famoso ambientalista Édis Milaré, traz como justificativa da intervenção do direito penal na seara ambiental a urgência e importância do assunto. Segundo o autor, reestabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é questão de vida ou morte, se tratando de algo tão importante que afeta não só a qualidade de vida dos presentes mas também, compromete o direito fundamental à vida das futuras gerações, com isso o autor demonstra com base no princípio da intervenção mínima, o motivo por qual devem ser criminalizadas as condutas antiecológicas, dada a importância, urgência e o caráter fundamental da matéria. Sobre o tema, Édis Milaré cita o grande penalista Luiz Regis Prado, que disserta:
“A orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do meio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa. Não se pode olvidar jamais que se trata de matéria penal, ainda que peculiaríssima, submetida de modo inarredável, portanto, aos ditames rígidos dos princípios constitucionais penais – legalidade dos delitos e das penas, intervenção mínima e fragmentariedade, entre outros -, pilares que são do Estado de Direito democrático. A sanção penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico devendo ser utilizada tão somente para as hipóteses de atendados graves ao bem jurídico ambiente. O Direito Penal nesse campo cinge-se, em princípio, a uma função subsidiária, auxiliar ou de garantia de preceitos administrativos, o que não exclui sua intervenção de forma direta e independente, em razão da gravidade do ataque”. (PRADO. 2013 apud MILARÉ. 2016. Pg. 290.)
A citação é apresentada como uma critica à alguns tipos penais da lei 9.605/1998, conhecida como lei dos crimes ambientais, que visando proteger o meio ambiente, segundo o autor, a referida lei tipificou algumas condutas que poderiam ser solucionadas no meio administrativo ou civil. Porém ambos os autores concordam que lesões graves ao meio ambiente devem ser penalmente tuteladas.
Visto a necessidade de tutelar penalmente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, surge a lei 9.605/1998, que é a principal fonte para o direito penal ambiental. Cabe, apresentar algumas características dessa lei, primeiro temos que a maioria das normas penais ambientais são de tipo aberto e em branco, para exemplificação temos o próprio conceito de ambiente que se encontra em outra lei, na lei 6.938/1981, que conceitua meio ambiente em seu Art. 3°, Inciso I, como: “ O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas suas formas”, em relação a norma ser aberta, deve ser notado que na maioria dos tipos penais, além de necessitar de suporte técnico para sua valoração, deve ser analisado se o agente obtinha autorização para tal ou não, pois como expõe Édis Milaré, o agente geralmente é punido, não por realizar a conduta donosa ao meio ambiente, mas sim por fazer isso sem autorização, sem habilitação, ou quando habilitado e autorizado não observar as normas técnicas, como exemplo temos as atividades de pesca, caça e desmatamento, que podem ou não serem ilícitas, devendo ser observado.
Outra característica, é que a lei 9.605/1998, em consonância com a Constituição Federal, trouxe uma grande especificidade, tema desse presente estudo, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, positivada no Art. 3° da referida lei que dita:
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.” (BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998).
Tal peculiaridade é o tema do presente Estudo, com isso cabe uma analise mais completa sobre tal.
2.RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS
Para compreender o instituto da responsabilidade penal é importante conhecer um princípio do direito penal chamado de culpabilidade, tal princípio norteia a subjetividade da responsabilidade penal, como elucida Nilo Batista em sua obra de introdução crítica ao Direito Penal, não basta que o agente tenha cometido uma conduta punível, é necessário que ele concorra com dolo ou culpa. Além de trazer os elementos de reprovabilidade, Damásio de Jesus ressalta que o princípio também afasta do direito penal a responsabilidade objetiva, ou seja, ninguém pode ser punido objetivamente, por uma condição que seja física, social ou psicológica, mas sim pelo seu comportamento, sob uma análise dos elementos da culpabilidade penal (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).
Dado o princípio da culpabilidade, cabe elucidar sobre o instituto da pessoa jurídica. O conceito de pessoa jurídica é resumido por Carlos Roberto Gonçalves como: “[…] entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações.” (pg. 233). Porém, como é trazido por Gonçalves há uma ambiguidade das teorias a respeito da natureza jurídica de tal instituto. A primeira teoria é a denominada teoria da ficção, desenvolvida por Savigny, consiste em dizer que a pessoa jurídica é uma criação da lei, diferente das pessoas naturais, que existem no plano material e só cabe ao direito reconhecer a personalidade, as pessoas jurídicas são criadas pela lei, não tendo existência real, apenas no plano formal. A teoria que se contrapõe, é a da realidade, que fundamenta que as pessoas jurídicas são realidades vivas, tendo vontade própria, dentro dessa teoria existe várias vertentes, mas segundo Gonçalves a mais aceita e a adotada pelo código civil brasileiro é a teoria da realidade técnica, que consiste em dizer que o direito não cria a pessoa jurídica, apenas reconhece os grupos organizados que já existem no plano material, e que preenchendo determinados requisitos na lei é deferido pelo Estado a personalidade jurídica.
Enfim, embarcamos na responsabilidade penal, que segundo Fernando A. N. Galvão da Rocha, resulta de uma decisão política, que tem por finalidade definir quem deve responsabilizar-se penalmente, como demonstra o autor:
“A responsabilidade penal, do mesmo modo, resulta de um processo político de escolha sobre quem deva suportar a pena a ser imposta pela violação da norma jurídico – penal. As definições de responsáveis, dependem dos interesses, das crenças e política criminal […]” (ROCHA. Pg. 11).
Portanto temos que, a pessoa jurídica no Brasil dado a explicação de Gonçalves, tem natureza jurídica tendenciosa a corrente da realidade, que fundamenta-se em uma vontade real da pessoa jurídica, assim, analisando sob a ótica do princípio da culpabilidade, é possível que um grupo organizado de pessoas devidamente reconhecidos pela lei, agem com dolo ou culpa em suas ações, sendo possível a imputação de culpa. Porém não pode ser relevado que a vontade da pessoa jurídica é representada por agentes, que são pessoas naturais que agem por desígnios próprios, cabendo a discussão sobre quem deve ser imputado a culpa, sobre pessoa jurídica ou se é necessário individualizar as condutas para responsabilizar as pessoas naturais, tal discussão é pacificada no ordenamento jurídico atual, que optou pela segunda opção, ou seja, o direito penal em regra tipifica condutas de pessoas naturais. Porém, determinadas matérias tiveram tratamento diferenciado, podendo haver a responsabilização das pessoas jurídicas, levadas as circunstâncias, sobre a interpretação de Fernando A. N. Galvão da Rocha, cabe ao Estado tomar uma decisão política sobre quem deseja responsabilizar, o que fundamenta a atual Constituição Federal, como é positivado nos artigos 173 §5° e 225 §3°, que responsabiliza as pessoas jurídicas contra os crimes da ordem economia popular, a ordem econômica e financeira e ao meio ambiente. Portando, o constituinte decide penalizar as pessoas jurídicas que infringirem tais matérias por motivação política como foi explanado.
Em resumo, temos que o direito penal em regra é direcionado às pessoas físicas ou naturais, porém o constituinte resolveu criar a possibilidade de imputar criminalmente as pessoas jurídicas em relação aos crimes cometidos principalmente contra o meio ambiente.
Inicialmente tal responsabilização era realizada com base na teoria da dupla imputação, que pode ser analisada a partir do julgado a seguir:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física – quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio. 2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos alternativos prejudicados.” (STJ – RMS: 37293 SP 2012/0049242-7, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 02/05/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2013).
Como pode ser observado no julgado anterior, houve a considerada inépcia da denúncia, pois em conjunto com a pessoa jurídica não estava no polo passivo a pessoa física, e é exatamente nisso que consiste a teoria da dupla imputação, na configuração dupla no polo passivo da ação penal, devendo necessariamente em conjunto com a pessoa jurídica responsável pelo dano ambiental, também deve ser denunciada a pessoa física atrelada à tal dano. Posicionamento consolidado no Supremo Tribunal de Justiça à época.
Porém em agosto de 2013 o Supremo Tribunal Federal, toma posição contraria à aquela até então tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como podemos ver no julgado a seguir:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além reforçar a tutela do bem jurídico ambiental.4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.” (STF-RE: 548181 PR, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento 06/08/2013, Primeira Turma, Data de Publicação. ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).
Nesse julgado é analisado que a teoria da dupla imputação é superada, pois passa o STF determinar que não há necessidade de a pessoa física ser conjuntamente denunciada com a pessoa jurídica. Para uma analise mais profunda, retomo algumas das discussões do início do tópico, primeiramente cabemos analisar que como dito, a teoria que o Código Civil atual adota é a da realidade técnica, com isso os grupos são previamente organizados, capazes de tomar atitudes conjuntas, bastando que o Direito reconheça a personalidade jurídica, assim individualizar tais atitudes em alguns casos pode ser demasiadamente complicado, visto que uma atitude empresarial pode envolver uma série de fatores burocráticos e um conjunto de decisões de algumas pessoas físicas, algumas das quais pode à época de um possível fato danoso ao meio ambiente nem mais integrar o meio empresarial ou corporativo e etc. com isso, se é à uma pessoa física atrelada o conjunto de decisões e fatores de todo um grupo organizacional, poderia haver a responsabilidade penal objetiva sobre determinada pessoa natural, visto que a mesma estaria no polo passivo somente pela necessidade de configuração dupla exigida pela teoria da dupla imputação, o que é inegavelmente inconstitucional. Importante ressaltar, que o julgado não exclui a possibilidade de determinada pessoa física que integra a pessoa jurídica também ser denunciada, muito pelo contrário, é o que ainda acontece na maioria dos casos, porém o STF deixou de lado necessidade da dupla imputação na elaboração da peça acusatória.
Após esse julgado do STF, o STJ abandonou a teoria da dupla imputação, que hoje se encontra superada no nosso ordenamento jurídico, houve casos como RE 628582/RS, julgado pelo STF, em que foram denunciadas tanto a pessoa jurídica quanto a pessoa física, no qual o gerente foi absolvido e a pessoa jurídica atrelada ao gerente condenada, pois foi comprovado que o mesmo não era coautor ou participe do delito. Com isso, pode ser observado a tendência atual de separar cada vez mais os desígnios da pessoa jurídica e das pessoas naturais atreladas a ela.
- EFICÁCIA DA RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS
Como observamos, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma realidade no nosso ordenamento jurídico, exemplificado tal realidade, cabe observar se a escolha de responsabilizar a pessoa jurídica penalmente foi acertada ou não pelo constituinte, e quais penas devem ser aplicadas as pessoas jurídicas para que a mesma seja punida, sem prejudicar a função social da mesma.
Existem alguns argumentos contrários à responsabilização penal da pessoa jurídica, principalmente entre os doutrinadores penais. Sergio Salomão Schecaria elenca os dois principais argumentos contra a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
O primeiro tem base no princípio da culpabilidade, segundo alguns autores como Luiz Regis Prado, o consito sine qua non para tal responsabilidade depende de uma pessoa física, assim a pessoa jurídica por ser desprovida de vontade própria é incapaz de cometer algum crime, sendo o crime cometido pelas pessoas físicas que à representam. Esse argumento está em total consonância com o raciocínio lógico penal brasileiro, visto que no Brasil as pessoas jurídicas em regra não são capazes de cometer nem um tipo de crime, a não ser os ambientais e os contra à ordem econômica e financeira, e com razão, pois em matéria de direito penal para constituir o delito é necessário haver culpabilidade como dito no tópico anterior, afastando a responsabilidade penal objetiva.
Porém, por uma motivação política o constituinte opta por imputar responsabilidade às pessoas jurídicas principalmente na seara ambiental, com isso, como demonstra Gladys da Costa Vasconcelos em seu artigo: “Responsabilidade penal da pessoa jurídica – aspectos pontuais”, a Constituição Federal ao responsabilizar penalmente a pessoa jurídica afasta em tais casos o princípio da culpabilidade. Pois, individualizar uma conduta relacionada a um crime ambiental pode ser muito difícil, como por exemplo em um grande vazamento de óleo que aconteceu no início de 2020 nas praias do nordeste brasileiro, e rompimentos de barragens como infelizmente aconteceu nas tragédias da Cidade de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais. Com isso, mesmo que os desígnios sejam impulsionados por pessoas físicas, muitas vezes o direito penal será mais efetivo individualizando o comportamento somente à pessoa jurídica, do que tentando averiguar um único culpado ou responsabilizando de maneira idêntica todos os membros responsáveis pelos atos empresarias e administrativos da pessoa jurídica. Sempre importante ressaltar que estamos tratando somente dos crimes ambientais.
O Segundo entre os principais argumentos contra a responsabilidade da pessoa jurídica, é em relação a pena, visto que a pena imposta à pessoa jurídica pode transgredir economicamente para pessoas inocentes como sócios minoritários. Porém, tal argumento é inadequado, visto que a pena quando direcionada à pessoa física, também pode transgredir economicamente a quem depende do condenado ou da condenada, por exemplo no caso da pena de multa direcionada à pessoa casada, indiretamente irá prejudicar qual dos cônjuges não cometeu o crime.
No caso das pessoas jurídicas as penas possíveis são apenas: a) multa; b) restritivas de direito; e c) prestação de serviços à comunidade. Entre as restritivas de direito, temos segundo o Art. 22 da lei de crimes ambientais a suspensão parcial ou total das atividades; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como de obter subsídios, subvenções ou doações. Entre as modalidades de prestação de serviço à comunidade temos segundo o Art. 23 da referida lei: O custeio de programas e projetos ambientais; execução de obras e recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. Porém importante ressaltar, como ensina o ambientalista Édis Milaré, que entre as penas cabíveis, sempre deve ser optado, se possível e cabível, pela pena de restauração do dano ambiental, visto ser a mais efetiva.
Dito, o segundo argumento contrário e analisado os tipos de penas cabíveis à pessoa jurídica, temos que para os ambientalistas tal responsabilização é um avanço, visto a dificuldade de separar os comportamentos principalmente dentro do ambiente corporativo atual, também visa responsabilizar de alguma maneira aqueles que são responsáveis na maioria das vezes pelos maiores níveis de poluição.
Um exemplo é o da denúncia da tragédia ocorrida em Mariana em Minas Gerias, tal denúncia elenca diversas pessoas no polo passivo, entre elas três pessoas jurídicas, a SAMARCO MINERAÇÃO S.A, VALE S.A e BHP BILLITON BRASIL S.A. Nesse caso diversas pessoas físicas também foram denunciadas conjuntamente, mas principalmente por crimes elencados no código penal como homicídio e lesão corporal, do qual como dito, pessoas jurídicas não devem ser responsabilizadas. Relembrado tal caso, devemos observar o cenário em que somente as pessoas físicas fossem denunciadas, deixando que a pessoa jurídica ilesas de tal responsabilidade, com isso, acredito que a sensação de impunidade na sociedade poderia ser maior, como também não chamaria tanta atenção para o comportamento corporativo e para a estrutura organizacional da empresa, que pode sim, muitas vezes ser responsável por crimes ambientais. Realizar uma atividade de mineração por exemplo demanda muita responsabilidade, principalmente ambiental, responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas pode voltar a atenção das empresas para tal importância e atentar as mesmas para que tome todos os cuidados, pois um erro que venha cometer, gerando um prejuízo ambiental, pode causar não apenas sanções administrativas e civis, como também ser penalizado por tal ação, demonstrando a eficácia de tal responsabilização.
Depois da tragédia ocorrida na cidade Mariana, infelizmente novamente aconteceu uma enorme tragédia na cidade de Brumadinho que também fica localizado em Mina Gerais, depois de tais desastres, também vale a crítica, para que principalmente as esferas penais e administrativas do Direito devem ser mais céleres, para que medidas como interdição e revisão nas barragens irregulares, fiscalização e multa por exemplo, poderiam ser algumas das medidas que evitariam tais tragédias. Importante ressaltar a falta de relevância dada à matéria ambiental, e falta de incentivo e recursos para que haja a devida fiscalização, motivos que também colaboram para que tragédias ambientais continuam ocorrendo.
CONCLUSÃO
Portanto, concluímos, primeiramente, que a escolha de quem responsabilizar penalmente é uma decisão política, como fundamenta Fernando A. N. Galvão da Rocha. Decisão que divide opiniões, a maioria dos ambientalistas enxergam tal responsabilidade, como um avanço enorme na luta pela satisfação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, já grande parte dos penalistas, criticam a decisão da constituinte em responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas, trazendo como principais argumentos, a violação dos princípios da culpabilidade e do princípio da pessoalidade da pena.
Assim para a aplicação de tal responsabilidade, tese firmada pelo STJ era a teoria da dupla imputação, teoria que consistia na imputação tanto da pessoa jurídica, quanto em pessoa física responsável, necessariamente, portanto uma das condições da ação penal de matéria ambiental era o litisconsórcio passivo necessário. Porém, acertadamente, seguindo as diretrizes da Constituição Federal da República, o STF exclui tal necessidade de dupla imputação, separando e reconhecendo os desígnios independentes da pessoa jurídica e da(s) pessoa(s) física(s) responsável(eis), podendo configurar como polo passivo de uma ação penal que trata de crime ambiental, somente a pessoa jurídica.
Importante ressaltar que a estrutura empresarial, está cada dia mais complexa, com isso, é em muitos casos, praticamente impossível separar os desígnios de cada pessoa em uma estrutura burocrática e complexa. Temos casos, como o do famoso incêndio na estação de metrô de King’s Cross e da calamidade do incêndio no centro de treinamento da base da equipe de futebol do Flamengo, na qual a falta de preparo para situações emergenciais, as normas funcionais e a estrutura empresarial precária, foram os principais motivos para a morte de dezenas de pessoas e outros feridos. Essas tragédias ocorreram, em casos, em que o princípio tutelado era o princípio da vida, um dos mais importantes, se não, o mais importante de toda a Constituição, e aquele que quando violado, causa maior repulsa social, e mesmo assim, a estrutura funcional foi responsável por tirar a vida de várias pessoas. Acertadamente, a constituição não responsabiliza as pessoas jurídicas em casos como esses, porém escolheu responsabilizar nos casos de danos ao meio ambiente, provavelmente por que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos direitos mais prejudicados por essa estrutura corporativista, visto que a atividade empresarial é uma das atividades com maior potencialidade danificar o meio ambiente.
Assim, tal decisão politica de responsabilizar as pessoas jurídicas, divide muitas opiniões, porém o STF já avançou em superar a teoria da dupla imputação, diante da realidade das estruturas empresariais e da importância da preservação do meio ambiente, com isso, a responsabilização penal das pessoas jurídicas em matéria ambiental mostra-se demasiadamente importante.
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