O princípio da precaução tem sua aplicação com base em dois pressupostos: a possibilidade de que condutas humanas causem danos coletivos vinculados a situações catastróficas que podem afetar o conjunto de seres vivos; e a falta de evidência científica (incerteza) a respeito da existência do dano temido. Lida-se com um risco não mensurável, potencial, não avaliável. Sua aplicação demanda um exercício ativo da dúvida, vez que sua lógica visa ampliar a incerteza, sendo que esta não exonera de responsabilidade; pelo contrário, ela reforça a criação de um dever de prudência.[1]
A aplicação do princípio da precaução, de acordo com MARTINS, gira em torno de sete idéias fundamentais de concretização, sendo elas[2]:
I – Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência.
II – Possibilidade de inversão do ônus da prova, cabendo àquele que pretende exercer uma dada atividade ou desenvolver uma nova técnica demonstrar que os riscos a ela associados são aceitáveis.
III – In dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum.
IV – Concessão de um espaço de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites de tolerância ambiental não devem ser forçados, ainda menos transgredidos.
V – Exigência de desenvolvimento e introdução de melhores técnicas disponíveis.
VI – Preservação de áreas e reservas naturais e a proteção das espécies.
VII – Promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada atividade.
Desta forma, MARTINS, conclui que o princípio da precaução requer que as políticas e decisões que apresentem significativos riscos ambientais sejam precedidas de estudos de avaliação do impacto ambiental, os quais podem constituir um relevante instrumento do princípio da precaução, na medida em que contribuírem para assegurar que as decisões sejam tomadas com base na melhor informação científica disponível.[3]
Portanto, durante a aplicabilidade deste princípio, MACHADO adverte que “A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta. A precaução deve ser visualizada não só em relação às gerações presentes, como em relação ao direito ao meio ambiente das gerações futuras.”[4]
Então “existindo dúvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao meio ambiente, a solução deve ser favorável ao ambiente e não a favor do lucro imediato, por mais atraente que seja para as gerações presentes”.[5]
Para ilustrar o que foi exposto podemos citar o fenômeno do aquecimento da atmosfera previsto pelos cientistas em razão do aumento da quantidade de óxidos de carbono emitidos cotidianamente nos países. Não há, no entanto, precisão científica acerca dos efeitos nocivos desse aquecimento global sobre o clima, o nível dos oceanos e a agricultura, havendo somente suspeitas e preocupações, quanto aos riscos e conseqüências de mudanças climáticas indesejáveis.
No entanto, tal controvérsia no campo científico não afasta a necessidade de decidir e agir para reduzir drasticamente ou até pôr um fim à emissão de substâncias geradoras do crescente aquecimento da atmosfera, pois, conforme já se observou[6], as informações disponíveis atualmente permitem no mínimo antever que quando os efeitos das alterações climáticas temidas se manifestarem concretamente, e se tiver então certeza absoluta da sua realidade, os processos nocivos por eles desencadeados serão já, nesse momento, irreversíveis. Por essa razão a imperatividade da adoção desde logo de medidas preventivas e de precaução.[7]
O que é necessário ser observado na aplicação do princípio da precaução são as conseqüências danosas de uma lesão ao meio ambiente, pois estas em sua maioria, são irreversíveis (não se reconstitui um biótipo ou uma espécie em via de extinção), vinculadas ao progresso tecnológico a poluição tem efeitos cumulativos e cinegéticos, que fazem com que estas se somem e se acumulem, entre si; a acumulação de danos ao longo de uma cadeia alimentaria, pode ter conseqüências catastróficas[8]; os efeitos dos danos ecológicos podem manifestar-se muito além das proximidades vizinhas[9]; são danos coletivos por suas próprias causas e seus efeitos; são dados difusos em sua manifestação (ar, radioatividade, poluição das águas) e no estabelecimento do nexo causalidade; tem repercussão na medida em que implicam agressões principalmente a um elemento natural e, por rebote ou ricochete, aos direitos individuais.”[10]
Diante do exposto é necessário salientar que se existem fundamentos de ordem científica para concluir-se que uma determinada atividade causa degradação ambiental ou é suscetível de causá-la, por força do princípio da precaução torna-se indispensável adotarem-se medidas eficazes para impedir essa atividade, ainda que o seu caráter lesivo seja passível de contestação científica.[11]
4.1. Impacto Ambiental e o Estudo do Impacto Ambiental (EIA)
De acordo com a Constituição da República, impacto ambiental não é qualquer degradação do meio ambiente, mas uma degradação significativa do ambiente. Por outras palavras, considera-se impacto ambiental a alteração drástica e de natureza negativa da qualidade ambiental.[12]
O Impacto Ambiental e seu conceito normativo está expresso no artigo 1º da Resolução n° 1/86, do CONAMA: “Considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, que, direta ou indireta-mente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente, e a qualidade dos recursos naturais.”
Deve ser destacado no conceito de Impacto Ambiental o fato de que este nada mais é do que o resultado da atividade do homem sobre o meio ambiente. A ação humana sobre o meio ambiente produz impactos ambientais benéficos ou negativos, quando resultar na alteração de aspectos físicos, químicos e biológicos do meio ambiente, afetando a qualidade de vida do homem e a qualidade ambiental.[13]
Sueli Amália de Andrade sistematizou as causas de maior impacto ambiental, entre as quais pode-se citar: 1) desequilíbrio entre a população rural e a urbana, provocada, principalmente, pelo êxodo rural; 2) ocupação urbana desordenada, com construções em áreas de preservação permanente; 3) poluição do ar, do solo, da água e dos mananciais; 4) grande desperdício de matéria-prima, especialmente de água e de energia; 5) uso de agrotóxicos na agricultura; 6) buraco na camada de ozônio e ampliação do efeito estufa; 6) perda da biodiversidade, da diversidade genética e da diversidade dos ecossistemas; 7) grande concentração de renda e de riqueza, que aumenta a distância entre ricos e pobres; etc.[14]
A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981[15], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, introduz ao ordenamento jurídico brasileiro a Avaliação de Impacto Ambiental. Este ainda compreende dois elementos fundamentais: o estudo deve ser prévio e realizado nos casos de obras ou atividades que tenham a potencialidade de causar significativo impacto ambiental.
A aplicação do princípio da precaução deve envolver uma parte técnico-científica em que os riscos potenciais gerados por uma determinada atividade são identificados e analisados, e também uma parte política que proporcione a sociedade participar de uma gestão de riscos, desestimulando a irresponsabilidade social na medida em que impeça a difusão de uma idéia totalmente equivocada de que é possível chegar a um dia em que o crescimento econômico não terá nenhum impacto ambiental.[16]
O Estudo de Impacto Ambiental foi regulamentado pela Resolução nº 1/86 do CONAMA, a qual prevê em seu art. 6º, II, que o este desenvolverá:
(…) a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo; temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.[17]
O Estudo do Impacto ambiental é um instrumento para a aplicação do princípio da precaução, na medida em que possibilita critérios estabelecidos para analisar a viabilidade ambiental de um empreendimento ou atividade, considerando-se os riscos que poderão ser tolerados.
Seu objetivo é descrever os impactos ambientais previsíveis em decorrência de referida atividade, apontando a extensão destes impactos e seus graus de reversibilidade, dando alternativas que sejam apropriadas para dirimir impactos negativos sobre o ambiente. Ainda dando a hipótese de não execução do projeto.
Ainda, segundo TOMMASI, para se ter uma melhor percepção dos efeitos perigosos, este estudo deverá ser acompanhado de uma análise de risco que verifique, a probabilidade de ocorrência e a dimensão das conseqüências destes efeitos. Isto requer uma avaliação científica criteriosa, conduzindo a uma conclusão que exprima a possibilidade de ocorrência e a gravidade do impacto de um potencial perigo para o ambiente ou a saúde de uma determinada população, incluindo a extensão dos possíveis danos, a sua persistência, a reversibilidade e os efeitos retardados.[18]
A aplicação do EIA permite afastar o perigo de dano ambiental em situações de incertezas quanto aos efeitos provocados por uma atividade, através de uma atuação preventiva e não reparadora.
A Constituição de 1988, através do Art. 225, §1, IV, adota o estudo de impacto ambiental como instrumento jurídico de prevenção de dano ambiental. O qual incumbe ao Poder Público exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental.[19]
As informações ambientais devem ser transmitidas pelos causadores, ou potenciais causadores de poluição e degradação da natureza, e repassadas pelo Poder Público à coletividade, através do princípio da publicidade.[20]
Todo cidadão deve ter acesso a informações ambientais e participar do processo de tomada de decisões por parte do Estado. Como alerta Paulo Affonso Leme Machado, “a prática dos princípios da informação ampla e da participação ininterrupta das pessoas e organizações sociais no processo das decisões dos aparelhos burocráticos é que alicerça e torna possível viabilizar a implementação da prevenção e da precaução para a defesa do ser humano e do meio ambiente”.[21] É o cidadão, em primeiro lugar, que deve se manifestar se aceita suportar eventual risco que se verifica em determinado empreendimento.[22]
Segundo Machado a aplicabilidade do princípio da precaução está intimamente relacionada ao Estudo de Impacto Ambiental, pois sua concepção baseia-se na prevenção. A partir do diagnóstico da importância e amplitude de um determinado risco, é possível definir os meios para evitá-lo. Destaca o autor que, ao se adotar o conceito de atividade “potencialmente” causadora de degradação, a legislação brasileira incluiu a obrigatoriedade de se analisar o dano incerto e/ou o dano provável.[23]
Sobre o tema, WINTER afirma que durante o processo de avaliação de impacto ambiental e no seu resultado, onde se define a necessidade ou não de realização de determinado objetivo, é preciso que se fundamente a realização dos objetivos em questão. A escolha dos objetivos é deixada à política e ao mercado. Se a política e o mercado estabelecem realmente os objetivos, e como isto ocorre, acaba sendo, posteriormente, uma questão a ser abordada pelo direito. Isto posto, a realização do principio da precaução envolve primeiramente a verificação da constitucionalidade das justificativas dos objetivos da realização de determinado empreendimento antes mesmo de se examinar a relação objetivo-risco, como forma de analisar seu potencial poluidor.[24]
Desse modo pode-se dizer que a Avaliação do Impacto Ambiental tem caráter público e se traduz num dos instrumentos da política ambiental, que tem como pressuposto fundamental o Princípio da Precaução. Assim, o prévio diagnóstico do risco de degradação ambiental está em consonância com a proteção jurídica do meio ambiente, que se encontra voltada à busca do equilíbrio ecológico e do desenvolvimento sustentado.[25]
4.2. A Proteção Ambiental nos Tribunais
Nesta parte, será abordada a jurisprudência ambiental, a qual conjugada com princípios constitucionais, colocam na prática toda a teoria exposta neste trabalho. E através de princípios como o da precaução e outros institutos do direito ambiental é feita à aplicação efetiva da proteção ambiental no Brasil.
É necessário salientar que conforme foi exposto no decorrer do trabalho, a uma infinidade de leis ambientais que vigoram na legislação brasileira. Mas a efetividade de tais normas dependem de sua aplicação no ordenamento jurídico.
Algumas decisões do TJMG:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PICO DO IBITURUNA – DANO AO MEIO AMBIENTE – RISCO DE INCÊNDIO E POLUIÇÃO VISUAL – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
A Constituição do Estado de Minas Gerais, no art. 84 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias tombou e declarou monumento natural, dentre outros, o Pico do Ibituruna, situado em Governador Valadares. Deve ser julgado procedente pedido veiculado em a ação civil pública se os elementos de prova demonstram o risco de incêndio na área e a poluição visual decorrentes da presença de fios elétricos e equipamentos de letreiro luminoso, instalados em área de preservação ambiental, sem o necessário estudo de impacto ambiental e conseqüente licença. O princípio da prevenção está associado, constitucionalmente, aos conceitos fundamentais de equilíbrio ecológico e desenvolvimento sustentável; o primeiro significa a interação do homem com a natureza, sem danificar-lhe os elementos essenciais. O segundo prende-se à preservação dos recursos naturais para as gerações futuras. A “”Declaração do Rio de Janeiro””, votada, à unanimidade, pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992), recomendou a sua observância no seu Princípio 15.
DERAM PROVIMENTO.[26]
AGRAVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONFISSÃO EXPRESSA DA OCORRÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE – AUSÊNCIA DE LICENÇA AMBIENTAL – OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – PRESENÇA DO “”PERICULUM IN MORA”” E DO “”FUMUS BONI IURIS”” – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA – AGRAVO DESPROVIDO. 1 – Não se sustenta à alegação de violação da ampla defesa e do contraditório ante as provas apresentadas em Ação Civil Pública quando o fato a ser provado foi confessado e amplamente admitido pelos representantes legais das empresas. 2 – Não se acolhe a alegação de que a ausência de licenciamento ambiental e de concessão de Alvará de Localização e Funcionamento se deva à morosidade da administração pública se, como se depreende da prova, a agravante deixa claro que ao invés de requerer tais documentos antes do funcionamento de sua empresa, só cuidou de requerê-los quando já em funcionamento. 3 – Na proteção do meio ambiente se impõe a observância do princípio da precaução, que dá abrigo ao direito de todos ou da comunidade, notadamente ante a dificuldade ou impossibilidade de se reparar o dano ambiental, que agride a todos e age em benefício de uns poucos.
NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO. [27]
AGRAVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. PROCESSO DE LICENCIAMENTO. USINA HIDRELÉTRICA. IMPLANTAÇÃO. LIMINAR. DEFERIMENTO. REQUISITOS. PARALISAÇÃO DA OBRA. DESPROVIMENTO. Diante das circunstâncias do caso, a indicarem a presença dos requisitos autorizadores, impõe-se manter decisão liminar que, em ação civil pública ajuizada para defesa do meio ambiente, determinou a paralisação da obra de implantação de usina hidrelétrica, diante do quadro sugestivo de sério impacto ambiental, sobre se apresentando possível contexto de irreversibilidade.
NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO”.[28]
É necessário salientar no que tange o desenvolvimento econômico e meio ambiente o Supremo Tribunal Federal, através de seu Tribunal Pleno, em julgamento de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 3.540/DF, proposta pelo Procurador-Geral da República com a finalidade de ver declarada a inconstitucionalidade do art. 4º, caput e §§ 1º a 7º, da Lei n. 4.771, de 15.09.65, com a redação dada pela Medida Provisória n. 2.166-67, de 24.08.2001, na qual foi relator o Min. Celso de Mello, ocorrido no dia 01.09.2005, já se manifestou sobre essa espécie de conflito de direitos fundamentais, deixando clara a obrigatoriedade de respeitar o meio ambiente e de se aplicar o postulado do desenvolvimento sustentável, na medida em que reconhecido pelo sistema jurídico nacional. Vejamos a ementa:
“EMENTA: MEIO AMBIENTE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) – PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE – direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade – necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais – espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III) – alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente – medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei – supressão de vegetação em área de preservação permanente – possibilidade de a Administração Pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial – relações entre economia (CF, art. 3º, ii, c/c o art. 170, vi) e ecologia (cf, art. 225) – colisão de direitos fundamentais – critérios de superação desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes – os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) – a questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) – decisão não referendada – conseqüente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas. – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A questão do desenvolvimento nacional (cf, art. 3º, ii) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (cf, art. 225): o princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. – O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.”[29]
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já afirmou a existência de um direito ao meio ambiente como de terceira dimensão, através do julgamento do Mandado de Segurança n. 22.164/SP, ocorrido em 30.10.1995, do qual foi relator o Ministro Celso de Mello. Referido caso tratava da possibilidade de desapropriação de imóvel rural situado no Pantanal Mato-Grossense para fins de reforma agrária. Veja-se parte da ementa:
{…} a norma inscrita no art. 225, parágrafo 4º, da Constituição não atua, em tese, como impedimento jurídico a efetivação, pela União Federal, de atividade expropriatória destinada a promover e a executar projetos de reforma agrária nas áreas referidas nesse preceito constitucional, notadamente nos imóveis rurais situados no pantanal mato-grossense. A própria Constituição da Republica, ao impor ao Poder Publico o dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não o inibe, quando necessária a intervenção estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste, precisamente, na submissão do domínio a necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II), sob pena de, em descumprindo esses encargos, expor-se a desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental. A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito de terceira geração – princípio da solidariedade – o direito a integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.[30]
Ainda podemos citar
O STF, de forma tímida, por um julgado do Ministro Francisco Rezek, sinalizou para o entendimento de que, em qualquer hipótese, não era possível se deixar sem valor econômico algo de valor absoluto para a vida. Assim, temos aqui e ali julgados que contemplam a indenização da cobertura florestal nas terras da região amazônica, mesmo quando dificilmente ela possa vir a ser explorada economicamente.[31]
Quanto à responsabilidade pela reparação e indenização decorrente do dano ambiental, é entendimento firme da Corte que há solidariedade entre o Estado e o terceiro que age em seu nome, como, por exemplo, a concessionária de um serviço público. (Recurso Especial 28.222-SP)[32]
Informações Sobre o Autor
Pâmela Oliveira dos Reis
Advogada, especialista em Contratos e Direito Ambiental.