Diretrizes principiológicas do ordenamento jurídico ambiental

Resumo: O presente artigo possui como objeto principal constituir um estudo detalhado dos princípios que, apesar de uma pequena divergência doutrinária, fundamentam a autonomia do Direito Ambiental, como ramo do Direito que possui sua aplicação e concretização no âmbito do Judiciário ao resolver as lides, no Legislativo ao elaborar as leis de efeitos abstratos, bem como no Executivo quando da aplicação dos mesmos na integralização das políticas públicas.

Palavras-chave: Princípios do direito ambiental – autonomia jurídica – fontes de aplicação pelo Judiciário, Legislativo e Executivo.

Abstract: This article has as main object be a detailed study of the principles that, despite a small doctrinal divergence, support the autonomy of Environmental Law, as a branch of law that has its application and implementation within the judiciary to resolve disputes, in the legislature when drafting laws abstract effects, as well as the Executive when applying them in the payment of public policies.

Keywords: Principles of environmental law – legal autonomy – the sources of the application by the judiciary, legislative and executive branches.

Sumário: 1. Introdução; 2. Princípios gerais; 3. Princípio do direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; 4. Princípio do desenvolvimento sustentável; 5. Princípio da prevenção e da precaução; 6. Princípio do poluidor-pagador (Polluter pays principle); 7. Princípio do usuário-pagador; 8. Princípio da função socioambiental da propriedade; 9. Considerações finais. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Direito Ambiental, considerado um ramo adulto do ordenamento jurídico, que inclusive possui intervenção em vários ramos do direito, detém seus próprios princípios.

A doutrina ainda controverte um pouco a respeito de quais seriam os principais princípios que norteiam o ordenamento ambiental brasileiro. Existindo controvérsias tanto na terminologia quanto entre os posicionamentos dos estudiosos, procuraremos apresentar abaixo os principais princípios e, quando houver divergência terminológica, mencioná-la. Ressalte-se, por fim, que alguns princípios foram inscritos em Tratados e Convenções Internacionais de proteção ao meio ambiente, ratificados pelo Brasil, entre eles, os nascidos da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972), na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD ou ECO-92) e pela Carta da Terra (1997).

Tais princípios circunscrevem uma Política Global do Meio Ambiente, os quais devem ser adaptados às realidades de cada Estado contratante, através de uma Política Nacional do Meio Ambiente. No Brasil, referida política faz-se presente em inúmeros instrumentos normativos, entre eles, além da CF/88, a Lei n. 6.938/81.

2. Princípios gerais

Para podermos discorrer sobre os princípios que norteiam o meio ambiente, faz-se necessário, primeiramente esclarecer a conceituação de princípios de uma maneira geral.

Lançando mão de um vocabulário jurídico, podemos colacionar a definição de princípio trazida por De Plácido e Silva[1], quando afirma que: “no sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. (…) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito.”

Podemos afirmar que os princípios seriam utilizados como alicerce de fundamentação na existência do Direito, possuindo grande importância na seara do ordenamento jurídico ambiental.

3. Princípio do direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado

Referida cláusula, embora não prevista nos direitos e deveres individuais e coletivos constantes no art. 5º da CF, trata-se de um direito fundamental do homem visualizado pelo constituinte originário. Revela que todo ser humano tem um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, fundamental para uma sadia qualidade de vida. Conforme reconhece Edis Milaré[2], “o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência.”

Afirma-se que, do ponto de vista de um ângulo constitucional, o princípio maior do Direito Ambiental está retratado no art. 225 da CF/88, o qual assegura a garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado. A expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” traduz, em síntese, todos os demais princípios do ordenamento ambiental. Possui previsão na Declaração de Estocolmo, e preceitua a finalidade da existência do meio ambiente: ele existe em função do ser humano. Dessa forma, o princípio, presente no ordenamento jurídico brasileiro, indica a adoção pelo Constituinte da concepção antropocêntrica no direito ambiental, em contraste com outras concepções (como a zoocêntrica, que entende que o meio ambiente é direito de todos os seres capazes de sentir – animais; ou biocêntrica, que o vê como direito de todos os seres vivos, incluindo plantas, entre outras teorias). O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é, assim, direito de todos os seres humanos e tem natureza de direito fundamental, oponível ao Estado e a outros indivíduos (dimensões vertical e horizontal).

Há autores que associam a esse princípio ao da natureza publica da proteção ambiental ou princípio da intervenção ambiental obrigatória na defesa do meio ambiente. Tal vetor também tem suporte constitucional (art. 225, ao mencionar que o meio ambiente é “bem de uso comum do povo” e ao impor ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo) e estabelece que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito subjetivo público de cada pessoa. Como conseqüência, a proteção ao meio ambiente deve dar-se em regime publicístico, sendo dever do Estado defendê-lo e promover a qualidade ambiental, podendo-se exigir-se dele seu cumprimento. Daí a alteração no regime de responsabilidade civil, a possibilidade de emprego da ação civil pública para sua defesa, a proteção criminal, etc.

Tal princípio também está contemplado na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, especificamente em seus artigos 2º e 4º.

4. Princípio do Desenvolvimento Sustentável

Referido comando preceitua que o desenvolvimento econômico deve ser compatibilizado com a manutenção do meio ambiente e dos recursos naturais, de modo que a vida humana na terra, com qualidade, possa ser sustentada ao longo do tempo. Assim, no processo de desenvolvimento econômico e social deve-se considerar o meio ambiente como variável na tomada de decisões. Tal desenvolvimento econômico tem como pilares o crescimento econômico, preservação ambiental e a equidade social.

A Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente definiu o desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer aquelas das gerações futuras, levando em consideração os limites de capacidade de suporte dos ecossistemas. Dele decorre, entre inúmeros outros institutos jurídicos, o Estudo de Impacto Ambiental.

Como muito bem nos relata José Francisco Rezek[3] “não se deve buscar o desenvolvimento à custa do sacrifício ambiental, até porque ele assim não será durável; mas é injusto e tendencioso pretender que a preservação ambiental opere como um entrave ao desenvolvimento das nações pobres ou das que ainda não o alcançaram por inteiro.”

Na Conferência de Estocolmo (1972) foi onde se entabulou a idéia que o desenvolvimento econômico teria que entrar em harmonia com a preservação ambiental, sendo que na época foi abordado com o tema ecodesenvolvimento, e posteriormente renomeado para desenvolvimento sustentável.

5. Princípio da Prevenção e da Precaução

Primeiramente vale ressaltar que alguns estudiosos se referem aos princípios da prevenção e da precaução como sinônimos, e outros utilizam somente a expressão prevenção e alguns precaução.

Mas, para elucidar melhor a situação, cita-se o posicionamento de Edis Milaré[4], quando diz:

 “Com efeito, há cambiantes semânticos entre essas expressões, ao menos no que se refere à etimologia. Prevenção é substantivo do verbo prevenir (do latim prae = antes e venire = vir, chegar), e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo  precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados com o desconhecido, cautela para que uma atitude ou ação não venha a concretizar-se ou a resultar em efeitos indesejáveis. No entanto, se, num primeiro momento, malgrado a diferença etimológica e semântica, preferimos adotar princípio da prevenção como fórmula que englobaria a precaução, passamos agora a entender como necessária a distinção entre os dois princípios.”

Ressalte-se que a prevenção faz conectividade com os impactos já conhecidos pela ciência, entabulado em riscos certos e dizem respeito ao perigo concreto, enquanto a precaução faz referência a impactos não conhecidos pela ciência, dizendo respeito a risco incerto que tem como referência um perigo em abstrato. É o entendimento de Ana Maria Moreira Marchesan[5], quando ressalta que “de maneira sintética, podemos dizer que a prevenção trata de riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, ao passo que a precaução se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos. Em outros termos, enquanto a prevenção trabalha com o risco certo, a precaução vai além e se preocupa com o risco incerto. Ou ainda, a prevenção se dá em relação ao perigo concreto, ao passo que a precaução envolve perigo abstrato.”

a) Princípio da prevenção (prudência ou cautela)

A prevenção é orientadora do Direito Ambiental, realçando a prioridade que deve ser dada à medida que previnam (e não simplesmente reparem) a degradação ambiental, tendo como finalidade principal evitar que o dano possa chegar a produzir, sendo que não será aplicável em qualquer situação de perigo de dano, uma vez que ele se apóia na certeza científica do impacto ambiental de determinada atividade, devendo-se tomar as medidas necessárias para evitar o dano ambiental, sendo que as conseqüências de se iniciar determinado ato, prosseguir ou suprimi-lo são conhecidos.  

É um princípio singelo que determina que devam ser tomadas todas as medidas possíveis na finalidade de poder evitar o nascimento de um dano ao meio ambiente. Considera o conjunto de medidas que se sabe serem eficazes para prevenir, se a álea ocorrer, o dano ambiental. Tal comando diz respeito a riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, cujo risco deve ser evitado ou minimizado ao máximo. O princípio é fundamental, pois via de regra o custo da prevenção é menor do que o custo da reparação específica do dano ambiental – às vezes irreparável.

Para Paulo Affonso Leme Machado[6], o principio subdivide-se em cinco itens: “1) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação e inventário das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2) identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 3) planejamento ambiental e econômico integrados; 4) ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com sua aptidão e 5) estudo de impacto ambiental”.

Podemos afirmar como maior concretização do mesmo na esfera ambiental o Estudo de Impacto Ambiental realizados pelos interessados antes de iniciada uma atividade potencialmente degradadora do meio ambiente, bem como outras medidas preventivas a serem exigidas pelos órgãos públicos.

b) Princípio da Precaução

Consiste em evitar que medidas de proteção sejam adiadas em razão da incerteza que circundam os eventuais danos ambientais. Há um dever jurídico-constitucional de tomar em consideração o meio ambiente quando se for implantar qualquer empreendimento econômico. O conteúdo específico do princípio da precaução é o de que, quando exista perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta quanto ao dano não deve ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes em função do custo para impedir a degradação do meio ambiente. Determina, pois, que não se produzam intervenções no meio ambiente, antes de ter a certeza de que estas não serão adversas para o meio ambiente, depois de obedecidas todas as medidas de cautela. A previsão legal e constitucional do EIA, como medida prévia para avaliação dos efeitos da eventual implantação de um projeto, é a materialização do princípio que pode ser extraído do preceito contido no inc. VI do art. 170 da CF.

Nas palavras de Ana Maria Marchesan[7]: “prevenção se dá em relação ao perigo concreto, ao passo que a precaução envolve perigo abstrato ou potencial. A autora menciona três teorias na interpretação desse princípio: a) teoria radical: busca o risco zero, pregando a moratória ou abstenção definitiva da atividade e invertendo o ônus da prova; b)teoria minimalista: requer riscos sérios e irreversíveis, afasta a moratória e não conduz à inversão do ônus da prova; c) intermediária: requer risco científico crível, não exclui a moratória e implica carga dinâmica do ônus probatório.”

Na mesma trilha, percorre Edis Milaré[8], nos seguintes termos:

“A invocação do princípio da precaução é uma decisão a ser tomada quando a informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta e haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível de proteção escolhido. A bem ver, tal princípio enfrenta a incerteza dos saberes científicos em si mesmos. Sua aplicação observa argumentos de ordem hipotética, situados no campo das possibilidades, e não necessariamente de posicionamentos científicos claros e conclusivos. Procura instituir procedimentos capazes de embasar uma decisão racional na fase de incertezas e controvérsias, de forma a diminuir os custos da experimentação. É recorrente sua invocação, por exemplo, quando se discutem questões como o aquecimento global, a engenharia genética e os organismos geneticamente modificados, a clonagem, a exposição a campos eletromagnéticos gerados por estações de radiobase.”

Tal vetor principiológico incorporou-se formalmente no Direito Ambiental em dois principais documentos ratificados pelo Brasil na esfera da Organização das Nações Unidas, por ocasião da ECO 92 e a Convenção sobre a Mudança Climática. No âmbito da Eco 92, o mesmo ficou estabelecido no princípio de n. 15, nos seguintes termos: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Já na Convenção sobre Mudanças Climáticas, ficou assentado no artigo 3º, 3, nos seguintes termos: “As partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas.”

6. Princípio do Poluidor-Pagador (Polluter Pays Principle)

Referido vetor jurídico pode ser entendido como um dos pilares da política ambiental, considerado como um instrumento econômico que obriga o poluidor, uma vez identificado, suportar as despesas de prevenção, reparação e repressão dos danos ambientais. O fundamento do princípio é afastar o ônus do custo econômico de toda a coletividade e repassá-lo ao particular que, de alguma forma, retira proveito do dano. Em razão da limitação dos recursos naturais, entende-se que o mercado deve suportar o encargo, principalmente à custa de quem aufere mais lucros com a exploração da natureza. Vale dizer, que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo precisam ser internalizados, ou seja, os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente assumi-los. Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico, abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos.

Em outro modo de dizer, averba Cristiane Derani[9],

“Durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas ‘externalidades negativas’. São chamadas externalidades porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela coletividade ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e socialização de perdas’, quando identificadas as externalidades negativas. Com a aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por isto, este princípio é também conhecido como o princípio da responsabilidade”

Vale à pena frisar que a Declaração do Rio, de 1992, agasalhou a matéria em seu Princípio 16, dispondo que “as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve em princípio arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais”.

Internamente, em nosso ordenamento jurídico, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, acolheu o princípio do “poluidor-pagador”, estabelecendo, como um de seus fins, “a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” (art. 4º, VII, da Lei 6.938/1981). Coadunando com a legislação anterior, em 1988, nossa Constituição Federal assentou que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (art. 225, § 3º).

7. Princípio do Usuário-Pagador

Traduz uma evolução do princípio do poluidor-pagador, embora apresentem pequenas distinções entre os mesmos.

A regra principal deste princípio estabelece que o usuário de recursos naturais deva pagar pela utilização do mesmo, ou seja, os recursos naturais devem estar sujeitos à aplicação de instrumentos econômicos para que o seu uso e aproveitamento se processem em benefício da coletividade. 

Referido princípio pode ser considerado como um corolário do anterior, pois estipula que os preços devem refletir todos os custos sociais do uso e esgotamento do recurso. O princípio encontra-se na Lei n. 6.938/81 (4.º, VII) bem como, expressamente, na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/94, art. 5.º, IV).

Ressalte-se que o STF já fez pronunciamento sobre tal comando legislativo, segundo as palavras abaixo transcritas, na ADI 3378-6/DF, pelo Min. Aires Britto, retratando-se ao instituto da compensação ambiental:

“Informativo 431 – STF

Compensação por Empreendimentos de Significativo Impacto Ambiental – 2

O relator asseverou que a definição do valor do financiamento compartilhado não é arbitrária, uma vez que o órgão licenciador, cuja atuação está jungida aos princípios elencados no art. 37 da CF, deve estrita observância aos dados técnicos do EIA/RIMA, cabendo ao Poder Judiciário impedir, no caso concreto, os excessos ocasionais quanto à sua fixação. No ponto, destacou que o valor mínimo da compensação foi fixado em 0,5% dos custos totais com a implantação do empreendimento ante a impossibilidade de o legislador ordinário prever o grau do impacto ambiental provocado por essa implantação, restando atendido o que previsto no inciso IV do art. 225 da CF, que exigiu a elaboração de prévio estudo de impacto ambiental para a validade de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente. Também considerou que o dispositivo hostilizado densifica o princípio usuário-pagador, que impõe ao empreendedor a obrigação de responder pelas medidas de prevenção de impactos ambientais que possam decorrer da implementação da atividade econômica, razão pela qual a inexistência de efetivo dano ambiental não exime o empreendedor do compartilhamento dos custos dessas medidas. Por fim, afastou o argumento de desrespeito ao princípio da razoabilidade, dado que a compensação ambiental é instrumento adequado ao fim visado pela CF de preservação do meio ambiente; não há outro meio eficaz para atingir tal finalidade; e o encargo imposto é compensado pelos benefícios que derivam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. Após, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio.”  ADI 3378/DF, rel. Min. Carlos Britto, 14.6.2006.  (ADI-3378)

Vale à pena também frisar as palavras de Edis Milaré[10], ao afirmar que:

“O poluidor que paga, é certo, não paga pelo direito de poluir: este “pagamento” representa muito mais uma sanção, tem caráter de punição e assemelha-se à obrigação de reparar o dano”. Em síntese, não confere direito ao infrator. De outro lado, o usuário que paga, paga naturalmente por um direito que lhe é outorgado pelo Poder Público competente, como decorrência de um ato administrativo legal (que, às vezes, pode até ser discricionário quanto ao valor e às condições); o pagamento não tem qualquer conotação penal, a menos que o uso adquirido por direito assuma a figura de abuso, que contraria o direito. É importantíssimo criar uma mentalidade objetiva a respeito deste princípio do usuário-pagador, porquanto o uso dos elementos naturais e o usufruto do patrimônio ambiental (nacional, estadual ou municipal) podem afetar o interesse: social maior, que é o grande referencial do bem trazido para o uso dos interessados. “Seria supérfluo dizer que, em caso de uso de bens ambientais para fins econômicos geradores de lucro para empreendedores privados, o pagamento não é apenas justo, é necessário e impositivo.”

Portanto, tal princípio não é uma penalidade aplicada ao poluidor, uma vez que mesmo inexistindo qualquer prejuízo ao meio ambiente, ele poderá ser efetivado, ou seja, não é obrigatório ser provado que o usuário está cometendo infrações.

8. Princípio da Função Socioambiental da Propriedade

Vale a pena frisar que a propriedade, mesmo ainda sendo privada, se socializou tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. A CF de 1988 condicionou o direito de propriedade à sua função social, de sorte que, não cumprida a mesma, o proprietário se vê impedido do livre exercício de sua propriedade, conforme podemos observar no art. 5º, XXII e XXIII.

Nosso atual Código Civil também trouxe a previsão expressa do mesmo, de acordo com o art. 1.228, vinculando a propriedade ao respeito ao meio ambiente: “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

O direito, principalmente após a promulgação de nossa CF, perdeu seu caráter absoluto, ilimitado e inatingível, qualificados pela concepção individualista do Código Civil de 1916, obtendo, atualmente, uma modulagem social como fator de progresso e bem-estar de todos.

Válidas são as palavras Álvaro Luiz  Valery Mirra, sobre a função socioambiental da propriedade, citadas na obra de Édis Milaré[11], que diz: “a função social  e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direto de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamento positivos, no exercício de seu direito, para que sua propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente.”

9. Considerações finais

Chegando ao final deste artigo constatamos que ainda existem certos doutrinadores que ainda não aceitam a autonomia do Direito Ambiental como ramo do ordenamento jurídico brasileiro, como Toshio Mukai.

Após a explanação acima detalhada, pelo rol de princípios expostos, consideramos que existem motivos suficientes para se afirmar a autonomia do Direito Ambiental, conforme já é defendida maciçamente pelos estudiosos de tal ramo jurídico.

Os princípios exercem funções importantes na concretização do Direito Ambiental, uma vez que constituem vetor jurídico de aplicação, interpretação e até mesmo de integração neste ramo do Direito, sendo observado pelo Judiciário nas resoluções das lides submetidas à apreciação, pelo legislador ao exercer sua função legiferante, bem como pelo Executivo, quando da aplicação das políticas públicas.    

 

Referências bibilográficas
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 1ª ed., São Paulo: RT, 2000.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão Ambiental em foco. Doutrina.Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. e ampl., São Paulo: Editora RT, 2007, Capítulo III – O Direito do Ambiente; itens: 3. Conceito de Direito do Ambiente e 4. Princípios Fundamentais do Direito ao Ambiente, pág 758 a 780. Material da 3ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP|REDE LFG.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Direito ambiental. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2007.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico, 3 ed,. São Paulo: Saraiva, 2009.

Notas:
[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.447.
[2] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 1ª ed., São Paulo: RT, 2000. p.96.
[3] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002. p. 237.
[4] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão Ambiental em foco. Doutrina.Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. e ampl., São Paulo: Editora RT, 2007, Capítulo III – O Direito do Ambiente; itens: 3. Conceito de Direito do Ambiente e 4. Princípios Fundamentais do Direito ao Ambiente, pág 758 a 780. Material da 3ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP|REDE LFG
[5] MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Direito ambiental. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005, p. 30.
[6] MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2007.
[7] Ana Maria Moreira Marchesan et alii. Direito ambiental. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.
[8] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão Ambiental em foco. Doutrina.Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. e ampl., São Paulo: Editora RT, 2007, Capítulo III – O Direito do Ambiente; itens: 3. Conceito de Direito do Ambiente e 4. Princípios Fundamentais do Direito ao Ambiente, pág 758 a 780. Material da 3ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP|REDE LFG.
[9] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico, 3 ed,. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 158.
[10] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. e ampl., São Paulo: Editora RT, 2007, Título II – A base constitucional da Proteção do Ambiente; item 4. A Constituição de 1988, pág 147 a 177. Material da 1ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós- Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG
[11] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 1ª ed., São Paulo: RT, 2000. p. 96


Informações Sobre o Autor

José Eliaci Nogueira Diógenes Júnior

Procurador Federal Membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Ambiental e Urbanístico. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Trabalho. Pós-graduado em Direito Constitucional. Professor Universitário.


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