Resumo: Danos ambientais causados por disposição irregular de Resíduos Sólidos Urbanos, medida judicial indenizatória para reparar monetariamente danos materiais e ambientais causados em área frágil litorânea. Requerida a adoção de medidas para readequar lixão para Aterro Sanitário utilizado pelo Município de Guaratuba, Estado do Paraná.
Palavras Chave: Dano ambiental, valoração do dano, medidas mitigatórias, região costeira.
Introdução
A sociedade moderna começa a se conscientizar sobre a necessidade de instrumentalizar ações voltadas para a sustentabilidade ambiental, ao mesmo tempo em que vem sendo alvo de mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global que, por sua vez, resultam de ações antrópicas criadoras de passivos ambientais. De outro modo, as comunidades testemunham, cada vez mais, diferentes impactos ao meio em que vivem, deles participam coercitivamente, seja de modo ativo ou passivo, e assim, obrigam-se a forjar pelo caminho da dor a prontidão para enfrentar situações climáticas em face da força reativa da natureza.
Experiências que ficam impregnadas no âmago de suas mentes fazem-nas acionar uma espécie de alarme, transformado em preocupação comunitária, denúncias verbais ou expressas aos órgãos ambientais, dando contas da existência de um dano causado ao meio ambiente.
O meio ambiente preconizado em vários artigos da Constituição Federal Brasileira, com destaque para o Art. 225 que dispõe:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (n/destaque).
Apesar de a Carta Magna destacar a responsabilidade do poder público e do cidadão o dever de defendê-lo e preservá-lo, pouco, ou quase nada se tem feito, por exemplo, com relação ao gerador do lixo urbano, daí resultando em proporções cada vez maiores o cometimento de danos por parte de empresas e da própria comunidade ao meio natural.
Ao se analisar o cenário ambiental existente no entorno das cidades-pólo brasileiras, integrantes das Regiões Metropolitanas e em áreas turísticas com destaque para as aglomerações urbanas litorâneas existentes na costa brasileira, são cidades, que em época de alta temporada recebem o acréscimo populacional até 20 vezes maior ao seu estado original, a dividir o mesmo espaço territorial, daí resultando a geração de impactos danosos causados por resíduos, ruídos, emissões, contaminações, entre outros.
Para se ter idéia da magnitude de um dano concreto ao meio natural, no caso vertente causado por disposição irregular de Resíduos Sólidos Urbanos, o presente trabalho louvou-se no referencial a que deu causa o município paranaense de Guaratuba. Suas características locacionais encontram-se nas coordenadas geográficas a 25° 51’de latitude sul e 48° 34’de longitude oeste em relação ao meridiano de Greenwich. A cidade integra o conjunto de municípios do litoral do Estado do Paraná, ficando, porém apartada das demais cidades por estar situada na Baía do mesmo nome. Seu acesso depende de balsa “ferry-boat”. Limita-se ao norte com os municípios de Morretes e Paranaguá; a leste com o município de Pontal do Paraná e com o Oceano Atlântico; a oeste com os municípios de São José dos Pinhais e Tijucas do Sul (integrantes da Região Metropolitana da Grande Curitiba); e ao sul, com o Estado de Santa Catarina.
A economia do Município tem sua maior força no setor terciário, devido ao movimento turístico, ainda que este se caracterize pela sazonalidade. Desta forma, as demandas geradas pelo turismo alteram fatores culturais, prejudicando a atividade pesqueira mais artesanal, importante como fator de subsistência. Além disso, a valorização das áreas mais próximas às praias expulsou o pescador para o interior do Município, obrigando-o a se integrar ao mercado de serviços, e/ou praticar pequena agricultura de subsistência, apesar da configuração topográfica pouco favorável a essa atividade, tendo em vista a existência de poucas áreas planas.
Guaratuba, como a maioria dos municípios brasileiros de médio e pequeno porte, dificilmente utiliza em sua totalidade instrumentos de planejamento que contemplem temas ambientais, principalmente os relacionados à geração, seletividade, reciclagem e disposição final do lixo urbano. O Planejamento Urbano vinculado ao Ambiental não incorpora metodologias permanentes de caráter participativo, que envolvam a comunidade, tampouco se utiliza na plenitude do respaldado na agenda 21 local, do Plano Diretor Municipal, da Lei Federal n° 10.257 de 10 de julho de 2001 (Estatuto das Cidades) ou mesmo consegue respeitar na integralidade o contido no Decreto Estadual de n° 1.234/92 que criou a Área de Proteção Ambiental – (APA) de Guaratuba. Esse Decreto, objetiva compatibilizar o uso racional dos recursos ambientais da região e a ocupação ordenada do solo, proteger a rede hídrica, os remanescentes da Floresta Atlântica e de manguezais, os sítios arqueológicos e a diversidade faunística, bem como disciplinar o uso turístico e garantir a qualidade de vida das comunidades caiçaras e da população local. Desse modo não pode estabelecer mecanismos que afastem os prejuízos causados pelas mudanças periódicas de prefeitos com a desejada experimentação do que chamamos de desenvolvimento sustentável.
Uma das contradições de Guaratuba é a sua população fixa estimada de 33.058 habitantes IBGE (2005)[1]. Segundo o Ministério da Saúde König (2006), a população salta de 33 mil habitantes para 600 mil, na alta temporada passando de meio milhão de habitantes.
Calcula-se uma geração residual aproximada de 16 t/lixo/dia em meses normais e, no verão gera 533 t/lixo/dia. O destino final se dá atualmente na forma de lixão a céu aberto, de maneira irregular em área esbulhada,[2] Silva (1980), de terceiros no ano de 1989, quando se atribuiu para a área o local de despejos para resíduos sólidos. No ano de 1997, por determinação do Órgão Ambiental Estadual, foi implantado o projeto de engenharia para recuperação da área degradada e enquadramento do lixão como aterro sanitário.
Contudo, depois de inúmeros questionamentos judiciais e administrativos, os legítimos proprietários ficaram revoltados, por terem suas áreas usurpadas pelo poder público constituído, onde se encontra instalado ao arrepio da lei o atual, lixão de Guaratuba. O Município declarou ditas áreas por 03 (três) vezes de “Utilidade Pública para Fins de Desapropriação”. E por aí ficou, sem desapropriá-las “de fato e de direito” ou mesmo indenizar os detentores do domínio daqueles imóveis.
Além de usurpar ditos imóveis, o Município continua tributá-los procedendo o lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano – (IPTU), inscrevendo-os em “Dívida Ativa”, inclusive impondo-lhes o pagamento da parcela referente à coleta de lixo. Por esse motivo, e por outros mais, os proprietários das áreas invadidas e degradas pela disposição de lixo houveram por bem intentar uma ação cível de Indenização por Desapropriação Indireta em data de 20/08/04, através dos autos de Ação Judicial de n° 545/2004.
O trâmite processual de natureza morosa beneficiou os culpados, como acontece em todo o país. O processo foi acompanhado de provas técnicas materiais, em data de 08/12/2005, foi declarado saneado[3], ou seja, o pedido atendeu as condições e pressupostos processuais necessários ao prosseguimento, adentrando assim à fase de produção de prova pericial para apuração do valor indenizatório.
As provas técnicas, pressupostos para estruturar níveis valorativos, constituem-se poderosas ferramentas necessárias ao esclarecimento dos fatos, bem como ao convencimento do julgador. Observa-se, no entanto, que em grande parte dos danos ambientais ocorridos, seus atendentes, autores, vítimas e responsáveis pelo cuidado do ambiente natural, além de residentes na região da ocorrência, não se atentam para conhecer, levantar, dimensionar, caracterizar a causa, pesquisar o histórico temporal do cenário e documentar convenientemente a ocorrência, ou seja, não estruturam através de ações pontuais os pressupostos necessários para a correta valoração do dano ambiental, tampouco, na maioria dos casos, preocupam-se em conhecer métodos para mitigar ou compensar convenientemente o ocorrido.
Contudo, no caso em exame, depois de muitos anos, os autores vêem reconhecidos seus pleitos, os quais tiveram como prova básica, decisiva e incontestável para a compreensão do julgador, um Relatório de Visita Técnica contendo vários elementos técnicos antecedentes ao fato, tratando-se, portanto de uma demonstração inequívoca do esbulho possessório, e da grave agressão ao meio ambiente. Foi, portanto, o pressuposto importante para o entendimento sobre a valoração e dimensionamento do dano causado.
Em síntese, o relatório configurou através de vários elementos de prova, entre estes a Cartografia de Precisão gerada por imagens de satélite, evidenciando: o uso irracional dos recursos ambientais, a ocupação desordenada do solo urbano, a agressão à rede hídrica, a degradação dos remanescentes da floresta Atlântica, dos manguezais, sítios arqueológicos, diversidade faunística e florística, o comprometimento do uso turístico, e finalmente a degradação inconteste da qualidade de vida das comunidades caiçaras e da população local. Observou-se, portanto que as ações do Órgão Municipal, simplesmente agrediram frontalmente o contido no Decreto Estadual n° 1.234/92 que criou a APA de Guaratuba.
Um dos elementos básicos que instruiu o relatório dos autores foi concebido por meio de informações técnicas geradas por imagem de satélite utilizada 220/78, Bandas 3, 4 e 5, fusionadas a Banda Pan, resolução de 15 metros, Projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), Origem da Quilom.: Equador e Meridiano 51°W. Gr., Datum SAD 69, Constantes de Carta Imagem determinando a Localização do Aterro Sanitário de Guaratuba.
O que foi visualizado por alguns legisladores preocupados com a preservação ambiental e pelas populações durante séculos, a qualidade de vida, hoje naquela localidade representa um movimento repulsivo, combatido, fora do contexto sócio histórico em que vivem seus habitantes, tudo conforme se constatou no relatório de visita técnica da lavra dos engenheiros Agrônomo e Ambiental Antonio Villaca Torres Júnior e Letícia Ubá da Silveira.
2. Desenvolvimento
A história do local de disposição final dos Resíduos Sólidos Urbanos do Município de Guaratuba vem registrando ao longo dos anos conturbações e aumento gradativo do passivo ambiental em região de frágil configuração geográfica. Ecologistas ao longo dos anos fizeram inúmeras denúncias junto ao Ministério Público do Meio Ambiente sobre o cometimento de crimes ambientais por parte da administração pública local na baía de Guaratuba, onde se situa a maior cidade do litoral paranaense.
A ação judicial intentada para reparar um crime ambiental e um ilícito civil, deu origem a esse trabalho de pesquisa. É antiga a preocupação pela qualidade de vida no planeta por parte de ambientalistas, juristas e moradores próximos ao entorno do local de disposição de resíduos.
Dos fatos originaram-se ações, visando o ressarcimento pelos danos causados aos imóveis, bem como, ações para estruturar, em curto prazo, métodos mitigatórios aos impactos ambientais causados por produtos orgânicos, e inorgânicos descartados na natureza, e a contenção de vetores de contaminação que se encontram muito próximos da população residente da área impactada.
Com base no Relatório de Visita Técnica e demais documentos comprobatórios que estruturaram pressupostos necessários para valorar os danos sofridos pelos autores e, sobretudo, a requisição da mitigação aos impactos ambientais causados pelo Município Réu ao julgador no petitório inicial, entre eles os de maior destaque foram: PRIMEIRO – seja julgada a procedência da Ação intentada pelos autores, condenando-se o Réu ao pagamento da indenização que for apurada por peritagem, com aplicação dos juros moratórios e compensatórios, assim como da correção monetária, como também, das custas e despesas totais do feito e dos honorários profissionais à base de 20% (vinte por cento) calculados sobre o montante apurado em execução de sentença. SEGUNDO: determinar ao Município-Réu a imediata readequação do lixão para Aterro Sanitário, na conformidade do projeto antes citado, e se não o fizer, imediatamente, seja penalizado com multa diária de R$-5.000,00 (cinco mil reais), enquanto perdurar a desobediência. TERCEIRO: ordenar a intimação do DD. Representante do Ministério Público da Comarca, aos efeitos do art. 82, inciso III, do Código de Processo Civil, assim como determinar que se dê ciência, por Ofício, ao Ministério Público do Meio Ambiente, em face dos fatos narrados, para as providências que entender aplicável. QUARTO: nomear perito para que proceda a avaliação das jazidas de pedras existentes no imóvel, do valor venal das chácaras e dos lotes, em estado comum, isto é, caso não atingidos pelo lixão e por suas conseqüências, assim como do valor dos mesmos, no estado atual de depreciação, facultando aos suplicantes a nomeação de assistente de perito e a formulação de quesitos. QUINTO: apresentação de cópia da primeira e da última “Licença de Operação” expedida pelo Órgão Ambiental. SEXTO a suspensão imediata dos lançamentos tributários relativos ao IPTU, assim como, o cancelamento de quaisquer executivos fiscais ajuizados a partir do esbulho possessório.
Dentro do trâmite processual os autores da ação apresentaram quesitos que foram respondidos pelo perito judicial e assistentes, pertinentes a comprovação dominial do Município, bem como, na área ambiental a devida apresentação de laudos comprobatórios de monitoramento das águas subterrâneas dos últimos 05 (cinco) anos. No projeto original consta a instalação de “apenas” 02 (dois) poços de monitoramento na área de disposição. Na inexistência de ditos laudos, argüiu-se em quesitos, qual o nível de risco de contaminação aos moradores confinantes e qual o percentual de desvalorização das áreas atingidas direta e indiretamente pelos impactos.
Os itens requeridos visaram à devida sensibilização do julgador e do representante do Ministério Público para além do ato ilegal de apossamento, mas principalmente, para os graves riscos de explosões no lixão, uma vez que, de 12 drenos para saída dos gases projetados para o aterro, apenas 01 estava no local. Esse fato, enseja a formação de acúmulos em bolsões e migração descontrolada, pondo em risco eminente a população residente demonstrada na carta imagem de localização do lixão na cota de altitude do ponto 1 (epicentro do lixão), com 48 (quarenta e oito) metros de altitude e distanciamento de 2.600 metros do Balneário Coroados, 3.700 metros do Oceano Atlântico, 415 metros do leito do Rio Federal Saí-Guaçú e 1.230 metros da uma estação de tratamento de águas para consumo dos habitantes do balneário de Guaratuba. Observa-se na Cartografia de Precisão constante do Relatório Técnico, que todos os pontos acima citados estão em quotas inferiores, os quais, fatalmente serão atingidos, caso não sejam imediatamente mitigados os impactos causados por percolados, assoreamento, gases e vetores de contaminação.
Todos os esforços foram concentrados no sentido de mostrar e comprovar, por meio de dados cartográficos de precisão. As imagens demonstram os riscos a que se encontram expostos moradores e veranistas do Balneário Coroados, bem como, dos impactos que assolam o meio natural os quais se não tratados com urgência poderão tornar-se irreversíveis.
3. Considerações Finais
Os problemas que dizem respeito ao direito de propriedade no Brasil precisam ser resolvidos, não é mais possível a tolerância de invasões indiscriminadas até pelo próprio poder público. Esses fatos cooperam para a indústria da invasão, é a lei da força suplantando a força da lei. A geração de lixo precisa ser compreendida dentro de sua complexidade. As relações do homem com a natureza ultrapassam proposições fundadas na racionalidade e irracionalidade da produção urbana. Somos seres racionais e biológicos. Grande parte das pessoas que vivem nas cidades está distante dos problemas ambientais. A natureza está, para as mesmas, restrita apenas às manifestações relativas aos fenômenos climáticos locais. Elas esquecem que quando praticam atos de sobrevivência – comer, dormir, trabalhar, circular, recrear, eles se manifestam nas ações e reações de consumo e produção. É preciso imaginar o ciclo de vida útil e inútil dos produtos descartados, a sua receptividade pelo solo, pelo ar, e pela água, o seu trajeto de viagem e o seu destino final para se chegar a compreender como ocorrem as relações do ser humano com o mundo natural. Todo o consumo gera lixo, seja imediatamente, seja dentro de um prazo de meses, anos e esse descarte por menor que pareça ser sempre causará um tipo de impacto ambiental. Se não for corretamente processado levará as conseqüências para a próxima geração criando um passivo gerador de intermináveis problemas. Por isso, é fundamental e relevante cuidar da ordenação da cadeia residual do lixo para assim reduzir os riscos de perder a capacidade de distinguir o que é um bem de consumo vivo e o que é um bem de consumo morto.
Notas:
Informações Sobre os Autores
Antonio Villaca Torres
Advogado – Especialista em Educação Ambiental e Ecologia, Auditor Ambiental, Consultor Técnico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Mestre em T & D pela UTFPR
Antonio Villaca Torres Júnior
Max Marcel Koerbel Torres
Designer Gráfico – Especialista em Marketing, Auditor Ambiental, Consultor de ONG’s.