Recursos hídricos: a cobrança fundamentada no princípio do usuário-pagador e sua implantação em âmbito federal

Resumo: A cobrança pelo uso de Recursos Hídricos tem sido a tônica de juristas e estudiosos do direito há décadas. Tema positivado pela Lei nº 9.433/97 – Lei das Águas, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SNGRH. Mas qual a finalidade e natureza jurídica da cobrança hídrica? Qual o papel do SNGRH nessa cobrança?  O objetivo desse trabalho é demostrar o fundamento jurídico pela cobrança de Recursos Hídricos e o modus operandi do SNGRH à luz da Lei das Águas. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com fundamentação teórica a partir da avaliação atenta e sistemática da legislação, periódicos, textos, e, até mesmo, de material disponibilizado na internet. Dos indicadores, destacam-se as Políticas Públicas que vem sendo introduzidas no ordenamento jurídico. No estudo foi possível notar que tal indicador leva em consideração as parceiras entre o Poder Público e as sociedades, criando órgãos que irão gestioná-los. A comunicação desses órgãos está diretamente envolvida na PNRH com a cobrança hídrica e estruturação funcional do SNGRH nos rios. Verificou-se que a cobrança pelo uso da água não tem natureza tributária, embora seja um bem-dotado de valor econômico e que sua cobrança será efetuada ocorrendo a implantação de Comitês de Bacias Hidrográficas por todos os rios brasileiros.  

Palavras-chave: Direito Ambiental; Água; Política Nacional; Recursos Hídricos; Cobrança;

Abstract: The charge for the use of Water Resources has been the tonic of lawyers and law scholars for decades. Theme positived by Law No. 9.433 / 97 – Water Law, which instituted the National Water Resources Policy (PNRH) and created the National System of Water Resources Management (SNGRH). But what is the purpose and legal nature of water collection? What is the SNGRH's role in this charge? The objective of this work is to demonstrate the legal basis for the collection of Water Resources and the modus operandi of SNGRH in the light of the Water Law. It is a bibliographical research with a theoretical basis based on an attentive and systematic evaluation of the legislation, periodicals, texts, and even of material made available on the Internet. Of the indicators, the Public Policies that are being introduced in the legal order stand out. In the study it was possible to note that this indicator takes into account the partnerships between the Public Power and the companies, creating bodies that will manage them. The communication of these organs is directly involved in the PNRH with the water collection and functional structuring of the SNGRH in the rivers. It was verified that the charge for the use of the water is not tributary nature, although it is a well-endowed with economic value and that its collection will be effected occurring the implementation of Committees of Hydrographic Basins by all the Brazilian rivers.

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Keywords: Environmental Law; Water; National Policy; Water resources; Collection;

INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro, de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SNGRH, conhecida no âmbito jurídico como Lei das Águas, novos conceitos e mecanismos de gestão foram introduzidos no ordenamento jurídico, promovendo uma relevante descentralização da gestão da água, como a outorga dos direitos de uso e a cobrança pelo uso de recursos hídricos, como instrumentos da PNRH.

Nesta conotação, levanta-se subsídios acerca da cobrança de recursos hídricos, lastreados no Princípio do Usuário-Pagador, qual seja a contribuição onerosa àquele quem detém a outorga pelo uso e exploração da água.

A água é um direito fundamental pela sua inegável vitalidade na manutenção da vida no Planeta Terra. Por tal razão, a multiplicidade do uso desse bem, é explorada tanto como forma de manter a vida, como de exploração humana por potenciais de energia elétrica, depósito de esgotos domésticos, industriais, dentre outros.

Dada à necessidade humana da procura pela água, esta se transformou em um bem de valor econômico, ou seja, em recurso ambiental. Desta forma, o Estado criou mecanismos de contraprestação pecuniária para sua utilização.

Neste contexto, torna-se objetivo desse trabalho demostrar o fundamento jurídico pela cobrança de recursos hídricos e o modus operandi do SNGRH à luz da Lei das Águas como mecanismos de gestão hídrica.

O presente estudo está organizado em seis seções, além do atual. O próximo capítulo trata da revisão bibliográfica de usos da água, aspecto jurídico da cobrança, sujeitos de outorga, critérios de fixação de valores, aplicação dos valores arrecadados, princípios basilares e a implantação da cobrança no âmbito federal.

Na seção seguinte são discutidos os procedimentos metodológicos usados para a compilação do tema. O quarto capítulo é destinado à descrição e análise dos resultados que formam a Lei das Águas, o caráter jurídico normativo da cobrança hídrica, lastreada em princípios pertinentes e a função político – administrativa do SNGRH, no âmbito federal. No item seguinte são apresentadas as principais conclusões e, por fim, são apontadas as referências bibliográficas utilizadas neste trabalho.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Nesta seção serão apresentadas as principais concepções acerca do tema cobrança hídrica nos moldes da Lei das Águas.

Do uso múltiplo da água

Estabelece o Código das Águas – Decreto/Lei nº 24.643, de 10 de julho de 1934, que a água é considerada patrimônio da Nação, periférica de regulamentação e gestação da União (BRASIL, 1934).

Consoante González e Torres (2012), discorrendo a respeito, dada a multiplicidade do uso da água, cumprem aos órgãos públicos federais ou estaduais sua outorga, ressalvando as hipóteses do art. 15, V, da Lei das Águas, in verbis:

“Art. 15. A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias: V. necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas” (BRASIL, 1997).

Ao consumo humano é assegurado reserva legal a sua sobrevivência. Ao ser humano deve ser assegurada água para beber, para comer e para higiene, sem utilidades supérfluas. E aos animais o mínimo para sua dessedentacão (BRASIL, 1997).

A Constituição Federal de 1.988, que será tratada ao longo do trabalho por CF/88, prescreve a União, Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o dever de proteger o meio ambiente em todas as suas formas (art. 23, VI), legislando sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI) (BRASIL, 1998).

Assim, incumbiu ao Estado assegurar regras que preserve o meio ambiente, como a distribuição de competência para legislar.

A exploração dos potenciais de energia hidráulica é um exemplo dos muitos usos múltiplos da água. Prescreve o art. 143 do Código das Águas que em todos os aproveitamentos de energia hidráulica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses gerais da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas, da salubridade pública, da navegação, da irrigação, da proteção contra as inundações, da conservação e livre circulação do peixe e do escoamento e rejeição das águas (BRASIL, 1934).

Outro exemplo e que degrada diretamente a água é o lançamento de esgotos domésticos e industriais sem tratamento em afluentes de águas. Em 2007, após décadas de discussões e diferentes projetos de lei, a Lei Federal nº 11.445 foi sancionada e estabelece as diretrizes nacionais e a política federal ao saneamento. A partir da nova Lei ficou definido que o planejamento do saneamento básico está a cargo do município, e a prestação dos serviços pode ser feito pelo ente público municipal ou por concessionária pública e/ou privada.

 González e Torres (2012) destacam ser de suma importância ao bem-estar das pessoas, o direito a ter acesso a esse benefício e usufruí-lo.

Pelos argumentos apresentados, percebe-se que a água é um recurso natural limitado. Lado outro, a água não deve ser encarada por condutas que permitem a alguém o pagamento de um preço a usar-lhe a seu próprio critério, sem nenhuma finalidade.

Ao longo da história os recursos hídricos eram tratados como finitos, o que nos últimos ficou explícito que não o é. Fatores como o crescimento das populações e o uso irracional desse bem levaram o Brasil e outros países a estabelecer limites ao consumo da água. Por uma questão cultural, tudo que gera custo financeiro é melhor cuidado e valorizado pela sociedade.

Assim, a cobrança pelo uso de recursos hídricos é uma forma de conscientizar e de estabelecer controle sobre os excessos e desperdícios de todos os usuários desse bem limitado, que o usam em todas as atividades humanas, e ainda, na exploração para geração de energia elétrica, processos industriais, navegação, higiene entre outras tantas finalidades.  Portanto, sua valoração econômica deve tangenciar o preço com sua conservação, recuperação e distribuição (MACHADO, 2011).

O aspecto jurídico da cobrança pelo uso de recursos hídricos

Dada à necessidade humana pela procura de água, está transformou-se em um bem de valor econômico.

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Com a promulgação do Código de Águas, já era possível visualizar resquícios de uma contraprestação pecuniária pela utilização da água. Seu art. 36, § 2, diz:

“Art. 36. É permitido a todos usar de quaisquer águas públicas, conformando-se com os regulamentos administrativos.  § 2º O uso comum das águas pode ser gratuito ou retribuído, conforme as leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que pertencerem” (BRASIL, 1934).

No ano de 1981, a Lei nº 6.938 definiu os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA. Merece destaque aqui, o art. 4, VII, que impõe ao poluidor e ao predador, a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e, ao usuário, a contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (BRASIL, 1981).

Todavia, a CF/88 destacou no art. 200 ser atribuição do SUS – Sistema Único de Saúde, formular políticas de saneamento básico e colaborar na proteção do meio ambiente, nos termos da Lei, provando ser a questão de recursos hídricos fundamentais a vida sadia (BRASIL, 1988). Mas somente com o advento da Lei das Águas, que instituiu a PNRH é que critérios modernos foram introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecendo entre outros fundamentos, que a água é um recurso natural limitado e dotado de valor: econômico, social e ecológico, indicando aos usuários o seu real valor. A cobrança carrega o conceito de que a água é um bem econômico público e é necessário incentivar a racionalização de seu uso.

Passemos a análise do instrumento jurídico da PNRH usados para aferir a água o valor econômico que enseja seu uso racional.

Relaciona o art. 5º da Lei das Águas, ser a cobrança pelo uso de recursos hídricos um dos instrumentos da PNRH. Os demais instrumentos são: os Planos de Recursos Hídricos; enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a compensação a municípios e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos (BRASIL, 1997).

Destaca-se os Planos de Recursos Hídricos os quais “visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos” art.6 da Lei das Águas (BRASIL, 1997). São planos estratégicos das bacias hidrográficas, unidade onde se dá a cobrança Malan (2008), possuem questões de ordem pública que disciplinam os programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados. A longo prazos seus programas e projetos deverão ter conteúdo mínimo de diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

Denota-se Milaré (p. 911, 2013) que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, vem ser “os conflitos de interesse imanentes ao uso da água, em razão do risco de escassez e da crescente demanda, tornam-na um bem de valor econômico, cuja utilização enseja em contraprestação pecuniária”.

A natureza jurídica do produto da cobrança é preço público, pago pelos usuários de um bem público. “É preço público, pago pelo uso de um bem público, no interesse particular, como ocorre, por exemplo, com o estacionamento em vias públicas de intenso tráfego” (MIRALÉ, p. 913, 2013) apud GRANZIERA (2014).

Granziera (p. 224, 2014) leciona que “a cobrança pode ser entendida, além de um instrumento econômico, como instrumento de controle, na medida em que consiste em um preço público, imposto aos usuários da água”.

O preço do uso dos recursos hídricos, para Miralé (2014) não tem natureza de imposto, pois o valor pago tem destinação especifica e nem mesmo de taxa, porque não se relaciona com a prestação de serviço público.

Ressalta do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM, que não se trata de taxa ou imposto, mas sim de um preço público que visa incentivar os usuários a utilizarem a água de forma mais racional, garantindo, dessa forma, o seu uso múltiplo para as atuais e futuras gerações. Objetiva também arrecadar recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenções previstos no Plano de Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica, voltados para a melhoria da quantidade e da qualidade da água (IGAM, 2016).

O art. 19 da Lei das Águas define os objetivos da cobrança:

“Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:

I – reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;

II – incentivar a racionalização do uso da água;

III – obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos” (BRASIL, 1997).

Há ainda outros objetivos, de cunho voltado às questões ambientais, introduzidas pela Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, nº 48, de 21-3-2005:

“(…) IV – estimular o investimento em despoluição, reuso, proteção e conservação, bem como a utilização de tecnologias limpas e poupadoras dos recursos hídricos, de acordo com o enquadramento dos corpos de águas em classes de usos preponderantes; e,

V – induzir e estimular a conservação, o manejo integrado, a proteção e a recuperação dos recursos hídricos, com ênfase para as áreas inundáveis e de recarga dos aqüíferos, mananciais e matas ciliares, por meio de compensações e incentivos aos usuários” (BRASIL, 2005).

Incentivar o uso racional da água é financiar uma boa gestão das águas, de modo, que a cobrança compactuada seja suficiente para manter os programas previstos nos planos de recursos hídricos, incentivando o uso racional e preservação desse bem.

O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA, estimula que a racionalização dos usos que são feitos de um determinado corpo hídrico, a cobrança incentiva a melhoria das práticas de captação, consumo e dos níveis de qualidade dos efluentes lançados nos mananciais.

O mesmo ocorre com os lançamentos em corpos hídricos que devem atender aos padrões de qualidade e quantidade estabelecidos em lei. Posiciona Miralé (p. 913, 2013) que “a cobrança é feita tendo em vista o lançamento permitido; porém, deverá incentivar o lançamento de qualidade superior à permitida, com redução sobre o valor unitário do lançamento”.

Sujeito de outorga

Até o momento foram demonstrados a natureza jurídica e finalidade da cobrança pelo uso de recursos hídricos. Entretanto, gera-se a dúvida, a quem pode o Estado, como detentor e garantidor da água, cobrar pelo seu uso?

Está sujeito à cobrança pelo uso da água aqueles usuários (empresas de saneamento e distribuição de água, indústrias e irrigantes que captam água diretamente de um corpo hídrico) que utilizam para consumir ou poluir recursos hídricos em quantidades consideradas significativas.

“Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:

I – derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

II – extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;

III – lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

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IV – aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;

V – outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água” (BRASIL, 1997).

Assim, a outorga dos direitos de uso das águas é ato exclusivo do Poder Público, condicionada a cobrança à outorga dos direitos. Machado (2013) sintetiza a respeito que não poderá haver cobrança de atividades e obras clandestinas ou cujos usos não tenham sido outorgados.

O posicionamento jurisprudencial é claro a respeito onde para toda exploração de recursos hídricos, o Poder Público deverá conceder outorga de direitos de uso e exploração, de acordo com previsão legal:

“Esta Corte possui posicionamento no sentido de que "o inciso II do art. 12 da Lei nº. 9.433/97 é claro ao determinar a necessidade de outorga para a extração de água do subterrâneo. Restrição essa justificada pela problemática mundial de escassez da água e que se coaduna com o advento da Constituição de 1988, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico" (SANTA CATARINA, 2014).

ÁGUA. POÇO ARTESIANO. OUTORGA. PODER PÚBLICO. RESTRIÇÕES. 1. É ilegal a exploração de água subterrânea sem prévia outorga do Poder Público. Constatado o uso ilegal, é de ser ordenado o tamponamento do poço artesiano. 2. Existindo a rede pública de abastecimento, a ligação a esta é obrigatória, sendo vedada a exploração de outras fontes de captação de água. Art. 45 da Lei nº 11.445/2007. 3. São legais as restrições ao uso dos recursos hídricos subterrâneos constantes do artigo 96 do Decreto Estadual nº 23.430/74. Embargos infringentes acolhidos” (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Há casos, no entanto, que a própria legislação ambiental não exige outorga (art. 12, § 1º, da Lei das Águas):

“§ 1º Independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em regulamento:

I – o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;

II – as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;

III – as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes” (BRASIL, 1997).

A Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas – AGB Peixe Vivo (2016), explica que para ser detentor de uma outorga, documento que confere direito para utilizar a água, é mister levar em consideração, depois de uma série de estudos técnicos, as características de cada bacia hidrográfica e submeter aos órgãos de gestão das águas locais. Um cadastro dos usuários de água é então realizado em toda a bacia para medir quanto cada um retira de água dos rios e quanto devolvem com poluição. Depois deste cadastramento, os usuários considerados significativos recebem a outorga pelo direito de uso e exploração da água.

A água é inalienável, o que implica como outorga o simples direito de uso e exploração por prazo determinado, que não pode exceder a trinta e cinco anos, renováveis, podendo sofrer suspensão total ou parcial, a luz do art. 15 da Lei das Águas, quando:

“I – não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;

II – ausência de uso por três anos consecutivos;

III – necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas;

IV – necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental;

V – necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas;

VI – necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de água” (BRASIL, 1997).

Critérios utilizados na fixação dos valores

“Art. 21. Na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros:

I – nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação;

II – nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente” (BRASIL, 1997).

O aludido artigo traz critérios fundamentais para a fixação dos valores a serem cobrados. Referem-se tanto as águas subterrâneas e superficiais. Demonstrou-se ao longo do presente estudo que água é um bem ambiental finito e, por usa vez, dotado de valor econômico. Dessa forma, a de se ater ao volume de água captado de um corpo hídrico, para não o ver desfalecer.

Os lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos em corpos hídricos, também podem apresentar variação no volume e regime de variação. Assim, como o lançamento de esgotos.

Machado (2013) lembra que todos os lançamentos devem ser cobrados, estando ou não dentro dos limites de normas de emissão. Desse modo, todos os emissores pagaram pelo uso do corpo hídrico, seja no mínimo ou máximo de poluição autorizado pela legislação.

Aplicação dos valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos

Aplicação dos valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos é disciplinada pelo art. 22 da Lei das Águas. O caput do aludido artigo aduz que o valor arrecadado pela cobrança do uso de recursos hídricos, deverá preferencialmente ser aplicado na bacia hidrográfica que foram gerados.

No entanto, há duas exceções, apontadas pelo acendrado Édis Miralé. A primeira delas refere-se que a prioridade da aplicação dos recursos na mesma bacia hidrográfica, não é exclusiva. Miralé (2013, p. 913) entende “que a utilização desses recursos em outra bacia deva ser decidida pelo Comitê da Bacia Hidrográfica” e de forma modesta. Na mesma posição Machado (2013, p.547) “para aplicarem os valores referidos fora da bacia hidrográfica em que foram gerados é necessária à inclusão dessa anuência prévia nos Planos apontados”. Tal plano apontado por Machado, diz respeito aos Planos de Recursos Hídricos, que já foi apreciado nesse trabalho.

Todavia, é possível a aplicação de recursos arrecadados noutra bacia hidrográfica se assim for pré-estabelecido. Todos os posicionamentos apontados vertem como disposto no art. 44, XI, “c” da Lei das Águas (BRASIL, 1997).

Na segunda exceção, Miralé (2013, p. 913) vê que se admite “a aplicação dos recursos arrecadados no custeio dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, limitada a 7,5% do total arrecadado”.

A cobrança pelo uso de recursos hídricos deve ser implantada de forma gradativa a não recair sobre os usos considerados insignificantes, conforme definido pela legislação, nos incisos do art. 22, da citada lei:

“I – no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;

II – no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos” (BRASIL, 1997).

Logo, os valores arrecadados “poderão ser aplicados a fundo perdido em projetos e obras que alterem, de modo considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade e o regime de vazão de um corpo de água” (art. 22 § 2º, da Lei em questão) (BRASIL, 1997).

Miralé (2013) questiona que tal permissão é muito aberta e que cabe aos Comitês de Bacia Hidrográfica regular esse fundo perdido.

“Por imposição do legislador constituinte, nos termos do art. 20, § 1º da CF/88, é assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica ou compensação financeira por essa exploração” (MIRALÉ, p. 913, 2013).

A primeira Lei Federal decorrente do artigo constitucional ora em análise foi a Lei nº 7.990 de 28 de dezembro de 1989, que definiu se daria a compensação financeira aos entes federados brasileiros (BRASIL, 1989).

Princípios

É sabido que a ciência do direito é ciência epistemológica fundada em leis, costumes, jurisprudência, doutrina, tratados e convenções internacionais e princípios jurídicos.

O Direito Ambiental é um ramo novo e autônomo do Direito por possuir seus próprios princípios diretores. Para Sirvinskas (2012, p. 137), no direito “o princípio pode ser considerado como o valor fundamental de uma questão jurídica”.

Os princípios são extraídos do sistema jurídico pelo seu valor, forma de conduzir caminho, constituindo a origem do conteúdo das normas. A importância dos princípios se dá principalmente por sua adoção além das fronteiras, como leciona Fiorillo:

“(…) aludidos princípios constituem pedras basilares dos sistemas político-jurídicos dos Estados civilizados, sendo adotados internacionalmente como fruto da necessidade de uma ecologia equilibrada e indicativos do caminho adequado para a proteção ambiental, em conformidade com a realidade social e os valores culturais de cada Estado” (FIORILLO, p. 28, 2008).

Fundamentando a cobrança pelo uso da água os autores apresentam-nos dois princípios: o do usuário-pagador e poluidor-pagador.

No entanto, conforme já demonstrado o uso de recursos hídricos pode ser gratuito ou pago.

Lecionando sobre o Princípio do Poluidor Pagador – PPP, Antunes (2008), explica que o princípio parte da constatação de que os recursos ambientais são escassos e que seu uso, produção e consumo acarretam na sua redução e degradação, justificando o sistema de preços lado à redução dos recursos.

O PPP foi objeto da Declaração do Rio de Janeiro Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, no princípio 16:

“Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais” (PUC, p. 4, 1972)

No Brasil a questão é objetivo da PNMA, no art. 4, VII, aduzindo que à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (BRASIL, 1981).

Como todos temos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a sadia qualidade de vida art. 225 CF/88, (BRASIL, 1988), torna-se justo o pagamento pelo poluidor que causou o dano ao meio ambiente.

Desta feita, o PPP busca eliminar ou reduzir subsídios a valores insignificantes, com a exploração de recursos naturais sempre que foram prejudicados ou poluídos, cabendo ao Estado e a sociedade suportar tal ônus, ANTUNES (2008).

Vale ressaltar que o pagamento efetuado pelo poluidor ou predador não lhe dá o direito de poluir. Na preleção de Limonad (1997) apud Machado (p. 96, 2013) “o custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado a imediata reparação do dano. O verdadeiro custa está numa atuação preventiva”.

A natureza reparatória e punitiva é nítida na jurisprudência:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA E COMPENSAÇÃO PELOS DANOS AMBIENTAIS. PRIMAZIA DA RECUPERAÇÃO. ASPECTOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS DO DANO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E REPARAÇÃO INTEGRAL. 1 – Cinge-se a controvérsia à possibilidade de cumulação de condenação à reparação da área degradada e à compensação dos danos ambientais. 2 – A recuperação ambiental é medida que melhor atende à conservação do equilíbrio ecológico, teleologia das normas ambientais, razão porque deve ser buscada, em primazia. 3 – A par disso, deve-se ter em conta que o dano ambiental apresenta múltiplas facetas. Além dos danos patrimoniais, há que se considerar os extrapatrimoniais. Em verdade, todos os efeitos provenientes da atividade lesiva devem ser objeto de reparação, pelo que à recuperação do ambiente degradado deve se somar a compensação dos danos ambientais, cuja importância, para além da reparação dos danos extrapatrimoniais, é verificada em sua finalidade pedagógica e preventiva. 4 – A reparação almejada deve ser integral, deve compreender todos os aspectos do dano ambiental, entendimento este que melhor se alinha ao princípio do poluidor-pagador, a partir do qual se tem que o responsável pela degradação deve internalizar todos os custos com a prevenção e a reparação dos danos ambientais. 5 – Os pedidos de condenação em obrigações de fazer e de indenização podem ser cumulados, sendo diverso o fundamento para cada um deles. O pedido de obrigação de fazer cuida da reparação in natura do dano ecológico puro e a indenização visa a ressarcir os danos extrapatrimoniais. 6 – É possível a cumulação do dever de reparar com o dever de indenizar, sendo que este último não se coloca, no caso concreto, como solução substitutiva à reparação, o que somente se admitiria na hipótese de impossibilidade de reconstituição do bem ambiental, mas sim como complemento à reparação necessária, a fim de que essa alcance as diversas faces do dano ambiental. 7 – Apelação provida” (RIO DE JANEIRO, 2005).

Já o Principio o Usuário Pagador refere-se ao uso autorizado de um recurso ambiental, por padrões fixados em lei, Granziera (2014). A faceta mais importante a ser levantada é fazer com que a contribuição financeira seja paga antes que o dano aconteça, (MACHADO, 2013). Assim, não se tratará de uma penalidade, mas do pagamento pela utilização do uso da água.

A legislação aborda no art.4, inciso VII da Lei de PNMA que um de seus objetivos é a “imposição (…) ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (BRASIL, 1981).

Aponta Beltrão (2009) apud Carvalho (p. 2, 2015) que:

“(…) diferentemente do princípio do poluidor-pagador, que tem uma natureza reparatória e punitiva, o princípio do usuário-pagador possui uma natureza meramente remuneratória pela outorga do direito de uso de um recurso natural. Não há ilicitude, infração”.

Os Princípios do Poluidor-Pagador e Usuário-Pagador estão tutelados respectivamente a qualidade e quantidade.

Sendo os bens ambientais de natureza difusa, sua titularidade é imensurável, portanto, quando um usuário (direito ou indireto) o usa de forma a degrada-lo, automaticamente o usuário se torna inadimplente com toda sociedade, tendo o PPP natureza reparatória e punitiva.

Lado outro, o princípio do usuário-pagador possui natureza contratual, sinalagmática causando obrigação ou obrigações entre as partes, através de uma contraprestação, materializada no uso de um bem natural pela outorga do Estado.

Sobre os novos conceitos trazidos pela Lei das Águas, Granziera (2000), aponta a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão e, que a água é um bem econômico passível de ter a sua utilização cobrada com delegação da gestão aos Comitês de Bacias Hidrográficas, com a participação dos entes federados, usuários de recursos hídricos e sociedade civil.

Implantação da cobrança – âmbito federal

Compreender como se dá a cobrança pelo uso da água com respaldo na Lei das Águas é mister perceber que para implantar a PNRH e coordenar sua gestão foi criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SNGRH, com os seguintes órgãos: Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Agência Nacional de Águas, Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal, os Comitês de Bacia, os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito federal e municipais e as Agências de Água (BRASIL, 1997).

De fato, destacando a importância de correlacionar a cobrança pelos recursos hídricos e a implantação da PNRH, a Lei das Águas os definiu como objetivos do SNGRH, além de outros: coordenar a gestão integrada das águas, arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos, planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos (BRASIL, 1997).

O SNGRH é composto por todos os entes da federação, logo, a União através da Lei das Águas pode definir a organização e composição apenas de órgãos federais (MIRALÉ, 2007) apud (MILLAN, p. 543, 2008). 

Regulamentado pelo Decreto n. 4.613, de 11 de março de 2003, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH é o órgão de cúpula máximo do SNGRH que exerce papel normativo e deliberativo, integrante da estrutura do Ministério do Meio Ambiente. “É ele que define critérios gerais para outorga de direito de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso, além de estabelecer os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União” (MILLAN, p. 544, 2008).

Também vinculada ao Ministério do Meio Ambiente a Agência Nacional de Águas – ANA, é uma autarquia, criada pela Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, com atribuições de outorga, fiscalização, pareceres técnicos e gestão das receitas aferidas pelo uso de recursos hídricos. “É ela que implementa, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a cobrança pelo uso de recursos hídricos do domínio da União” (MILLAN, p. 546, 2008).

Os Comitês de Bacias Hidrográficas, são órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas exercidas na sua área de atuação (MALAN, 2008). Por ser colegiado, no âmbito federal, Gomes e Barbieri (2004) é formado pelo representante da União, representantes das unidades federativas banhadas pela bacia hidrográfica (estados, Distrito Federal e municípios localizados na bacia) e representantes de organizações civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia hidrográfica em questão.

A área de atuação dos Comitês é definida no art. 37 da Lei das Águas:

“Art. 37. Os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação:

I – a totalidade de uma bacia hidrográfica;

II – sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou

III – grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.

Parágrafo único. A instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica em rios de domínio da União será efetivada por ato do Presidente da República” (BRASIL, 1997).

Dentre suas competências, estão a de promover o debate sobre as questões hídricas, arbitrar em primeira instância administrativa os conflitos relacionados com o uso da água, aprovar e acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da Bacia e, estabelecer mecanismos de cobrança pelo uso da água, sugerindo valores a serem cobrados e aprovando planos de aplicação de recursos oriundos da cobrança. É também competência dos Comitês aprovar a outorga de direito de uso da água, para empreendimentos de grande porte e com potencial poluidor (PORTAL DOS COMITÊS DE BACIA – MG, 2016).

A contingência dos Comitês não se mostraria tão fugas, sem as Bacias Hidrográficas. Glossários científicos definem Bacia Hidrográfica como a área de drenagem de um curso de água ou lago. O ordenamento jurídico brasileiro, no art. 20 da Lei de Política Agrícola – Lei nº 8.171/1.991, dispôs que “as bacias hidrográficas se constituem em unidades básicas de planejamento do uso, da conservação e da recuperação dos recursos naturais” (BRASIL, 1.991).  O Brasil possui seis Comitês Nacional de Bacia Hidrográfica: Doce, Paraíba do Sul, Paraíba, Piracicaba, Capivari e Jundiaí, São Francisco e Grande (PORTAL DOS COMITÊS DE BACIA – MG, 2016).

As Agências de Água, à luz do art. 41 da Lei das Águas “exercerão a função de secretaria executiva do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica” (BRASIL, 1997). A sua criação será autorizada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos mediante solicitação de um ou mais Comitês de Bacia Hidrográfica. Destarte, sua criação tem que estar condicionada aos requisitos de “prévia existência do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica e viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos recursos hídricos em sua área de atuação”, art. 43 (BRASIL, 1997).

A competência das Agências de Água é assim distribuída no art. 44 da Lei das Águas, in verbis:

“Art. 44. Compete às Agências de Água, no âmbito de sua área de atuação:

I – manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos em sua área de atuação;

II – manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;

III – efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

IV – analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo uso de Recursos Hídricos e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela administração desses recursos;

V – acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação;

VI – gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em sua área de atuação;

VII – celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução de suas competências;

VIII – elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica;

IX – promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos em sua área de atuação;

X – elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica;

XI – propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:

a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes;

b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos;

c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

d) o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo” (BRASIL, 1997).

Dessa forma, aludindo à Lei das Águas, é possível identificar as seguintes etapas no processo de implementação da cobrança dos recursos hídricos de domínio da União, de acordo com (MILAN, p. 552, 2008):

“- Formação do Comitê de Bacia Hidrográfica. A proposta de instituição do Comitê de Bacias Hidrográfica deve ser aprovada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Após a formação do Comitê, este deverá solicitar ao CNRH a autorização para a criação de sua Agência de Água. Caberá à Agência propor ao respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica os valores a serem cobrados e o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos. A proposta deverá estar em consonância com o Plano de Recursos Hídricos elaborado anteriormente pela Agência. – Estabelecimento pelo Comitê de Bacia dos mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugestão de valores a serem cobrados. Esta tarefa é realizada com base nos subsídios fornecidos pela Agência de Águas. – Aprovação pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos dos valores a serem cobrados. “

Até o momento no país, em rios de domínio da União, a cobrança foi implementada somente na Bacia do Rio Paraíba do Sul, nas Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, na Bacia do Rio São Francisco, na Bacia do Rio Doce, na Bacia do Rio Paranaíba e na Bacia do Rio Verde Grande (ANA, 2017)

METODOLOGIA

A metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica, base de material já publicado, com fundamentação teórica a partir da avaliação atenta e sistemática da legislação, periódicos, textos, e, até mesmo, de material disponibilizado na internet.

O acervo virtual pautou-se na colheita de dados exploratórios acerca dos Comitê de Bacias Hidrográficas em diversos órgãos de âmbito federal e estadual. A compilação das noções captadas foi respaldada pela literatura jurídica brasileira.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

 A Lei nº 6.938/81 – Lei de PNMA, estabeleceu princípios, diretrizes e objetivos atinentes à política ambiental, que na preleção de Granziera (2014) devem ser obrigatoriamente considerados no planejamento, desenvolvimento, implantação e funcionamento de quaisquer atividades humanas que se utilizarem dos recursos ambientais.

Esses instrumentos basilares da PNMA, possibilitaram levantar subsídios para a criação da Lei das Águas – Lei nº 9433/97, instituindo a PNRH criando o SNGRH, com o escopo de ampliar a coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos, bem como fatores intervenientes para sua gestão, como a cobrança pelo uso.

A Lei das Águas aferiu que a água é um recurso natural limitado e dotado de valor econômico, como instrumento financiador da política hídrica, sendo fundamental para a manutenção da vida em todas suas formas e vital a existência. Seu uso demasiado em longo prazo pode ser o estopim de guerras mundiais, podendo provocar em extremo o fim da vida no Planeta.

Nesse contexto é que a cobrança pelos usos de recursos hídricos se fez necessária. Com a política hídrica implantada pela PNMA houve a integração entre Poder Público, sociedade civil e usuários, que podem participar para uma forma efetiva na gestão hídrica, a fim de induzir mudanças comportamentais dos usuários visando à racionalização do uso da água e a geração de recursos necessários às obras e serviços para a melhoria das águas nos seus aspectos qualitativos e quantitativos (MACHADO, 2003).

Sobre a finalidade da cobrança hídrica no Brasil, Granziera (2000) aponta três: reconhecer a água como bem público e de valor econômico; incentivo na gestão hídrica, ao argumento que, se pagando gasta menos e buscam-se tecnologias para de diminuir o consumo; e por último, financiamento de programas que estejam contidos no Plano de Recursos Hídricos, com questões de ordem pública que disciplinara os programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, a fim de recuperar o que já se encontra degradado.

Sob essa ótica um dos objetivos da PNMA, previsto no art. 4, VII, aduz imposição, ao poluidor e ao predador, a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, a contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (BRASIL, 1981).

Pode se perceber que através da cobrança pelo uso da água é que se conseguirá manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo, a manter a sadia qualidade de vida a presente e futuras gerações pelo menos.

Convém ressaltar que o pagamento efetuado pelo poluidor não lhe dá o direito de poluir e que o custeio imputado, não tem somente caráter de reparação do dano, mas também de prevenção.

Nesta percepção o Princípio do Usuário-Pagador parte do pressuposto de que deve haver contrapartida remuneratória pela outorga do direito ao uso de um recurso natural. Assim a cobrança daqueles que utilizam em larga escala os recursos naturais em atividades geradoras de riqueza devem contribuir de maneira mais sólida pelo uso do recurso. E em contrapartida, aquele que não o explora economicamente não deverá, por óbvio, arcar com um ônus a que não deu causa, ou seja, não paga.

Superada o arcabouço finalístico da cobrança por recursos hídricos, passa-se ao papel do SNGRH, formado por um conjunto de órgãos que visa dentre outros objetivos correlacionar a PNRH com a cobrança pelo seu uso.

Gomes e Barbieri (p. 10, 2.004), didaticamente elaboraram a seguinte figura com os componentes do SNGRH:


17504a

 

Observa que dessa cúpula o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH é o órgão máximo, enquanto que o Comitês de bacias hidrográficas é o órgão de primeira instancia administrativa que, dentre outras atribuições, arbitra, aprovar e acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da Bacia, estabelecendo mecanismos de cobrança pelo uso da água, sugerindo valores a serem cobrados e aprovando planos de aplicação de recursos oriundos da cobrança.

Paralelo as essas instâncias do SNGRH a ANA implementa com os Comitês a cobrança pelo uso de recursos hídricos do domínio da União, ao lado, da Agencia de Água exercendo função de secretaria executiva, com o apoio administrativo da secretaria executiva.

Diante dessa estrutura complexa do SNGRH o processo de implementação da cobrança dos recursos hídricos de domínio da União deverá passar pela formação de Comitês e ser aprovado pelo CNRH; após solicitação do Comitê ao mesmo conselho – CNRH para criação da Agencia de águas; onde então, deverá propor os valores a serem cobrados e o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos, que deverá estar em consonância com o Plano de Recursos Hídricos

CONCLUSÃO

Aponta-se que o SNGRH tem função político-administrativa de órgãos governamentais ou não, objetivando executar as políticas das águas, inserida nesta a cobrança pelo seu uso. Essa cobrança não tem caráter de tributo, mas sim de um preço público que visa incentivar os usuários a utilizarem a água de forma mais racional, garantindo, dessa forma, o seu uso múltiplo para as atuais e futuras gerações.

Denota-se que a legislação e doutrina brasileira são muito avançadas no cenário mundial em questões ambientais, porém há que se ponderar a necessidade de ajustes quanto a melhorias nos setores de gestão para que mais rios implantem a cobrança pelo uso de recursos hídricos, através do complexo procedimento do SNGRH, para que de fato, a cobrança seja efetivada. Talvez por isso, no país existem apenas seis Comitês de Bacia Hidrográfica implantado nos rios:  Paraíba do Sul, Piracicaba, Capivari e Jundiaí São Francisco, Doce, Paranaíba Verde Grande.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Philipe Stéphano Gonçalves Corrêa

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS e Advogado


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