Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar os aspectos da responsabilidade civil do Estado em relação ao dano ambiental decorrente das atividades nucleares. A problemática vislumbrada é expressa no seguinte questionamento: Quanto à responsabilidade civil objetiva do Estado por danos nucleares, dado seu enorme risco ao bem estar humano e ao meio ambiente, seria possível a aplicação da teoria do risco, na modalidade risco integral? Por fim, mostra-se incontroversa a importância de ter sido adotada a responsabilidade objetiva para atender aos reclames ambientais, tendo em vista a dificuldade de comprovação de culpa em virtude das características peculiares do dano ambiental, com enfoque na responsabilidade pelos danos decorrentes das atividades nucleares, fundada na teoria do risco integral.
Palavras-chave: Atividades nucleares.Meio ambiente.Responsabilidade civil do Estado. Direito Público.
Abstract: This article aims to analyze aspects of the liability of the State in relation to the environmental damage resulting from the activities envisioned nucleares. A problem is expressed in the following question: As for objective liability of the State for nuclear damage, given its enormous risk to the well human welfare and the environment, it would be possible to apply the theory of risk, the risk integral mode? regarding methodology, it is a basic qualitative research, exploratory objective, design bibliographic and documentary. Finally, proves the importance of incontrovertible have been adopted strict liability to meet environmental reclames, in view of the difficulty of proof of guilt because of the peculiar characteristics of the environmental damage, focusing on liability for damages caused by nuclear activities founded on the theory of integral risk.
Keywords: Activities nucleares. Environment. Responsibility civil state. Public Law.
Sumário: Introdução. 1. Acidentes nucleares: principais aspectos. 2. Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva: principais características e diferenças marcantes. 3. Aplicação da responsabilidade civil objetiva em relação ao dano ambiental, notadamente decorrente das atividades nucleares. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
As atividades nucleares são grandes vilãs no processo de poluição ambiental. No Brasil, tais atividades somente são permitidas para fins pacíficos, como a produção de medicamentos e produtos agrícolas. Além disso, imperioso destacar que estas atividades devem ser, obrigatoriamente, autorizadas e aprovadas pelo Congresso Nacional. Em virtude da nocividade dessas atividades, a Constituição Federal de 1988 abarcou em seu bojo disposições relativas à exploração e controle das atividades nucleares no território nacional.
Nesses termos, como a fiscalização e regulamentação das atividades nucleares é de competência do Poder Público, os riscos de sua realização também devem ser assumidos pelo Estado, cabendo-lhe o ressarcimento dos danos nucleares causados aos particulares e ao meio ambiente, com base na responsabilidade civil objetiva do Estado.
Com efeito, verifica-se que a responsabilidade objetiva baseia-se no reconhecimento de que o Estado, por ser detentor de poder e prerrogativas sobre os administrados, deve arcar com o risco natural na realização de suas atividades, restando adotada a teoria do risco.
Nada obstante, a teoria do risco subdivide-se em: teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. Segundo aquela, o Estado responde pelos danos causados, independentemente de dolo ou culpa, bastando à comprovação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido, sendo tal teoria adotada pelo nosso ordenamento jurídico. Já pela teoria do risco integral, o Estado teria que indenizar os danos sofridos, mesmo que não os tivesse causado, não podendo alegar nenhuma excludente ou atenuante de responsabilidade.
Por conseguinte, a questão proposta é: Quanto à responsabilidade civil objetiva do Estado por danos nucleares, dado seu enorme risco ao bem estar humano e ao meio ambiente, seria possível a aplicação da teoria do risco, na modalidade risco integral?
Noutro plano, tem-se que a poluição radioativa sem dúvida é a modalidade de poluição atmosférica mais nociva para o ser humano e ao meio ambiente. Destaca-se que contaminação pelas radiações nucleares, quando não leva à morte, gera danos à saúde transmitidos de geração em geração, tendo em vista que até hoje os japoneses sofrem as consequências das radiações emitidas pelas bombas atômicas lançadas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial, assim como as vítimas do acidente com o Césio 137 em Goiânia.
No contexto socioambiental brasileiro, infere-se uma grande preocupação em proteger o meio ambiente dos nocivos efeitos gerados pela poluição radioativa, assim como pelo descarte incorreto dos rejeitos radioativos. Tem-se que tal preocupação é enfatizada pela responsabilização objetiva dos agentes poluidores, o que representa um considerável avanço na seara ambiental, dado que a Carta Magna elevou o meio ambiente a categoria de direito fundamental, assegurando sua preservação para presentes e futuras gerações.
O presente trabalho tem como finalidade realizar uma pesquisa básica acerca da responsabilidade civil objetiva do Estado acerca do dano ambiental decorrente das atividades nucleares, fornecendo ao leitor informações pertinentes sobre posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema. Entende-se como pesquisa básica aquela que objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses universais.
Por tudo exposto, mostra-se incontroversa a importância de ter sido adotada a responsabilidade objetiva para atender aos reclames ambientais, tendo em vista a dificuldade de comprovação da culpa em virtude das características peculiares do dano ambiental, com enfoque na responsabilidade civil pelos danos decorrentes das atividades nucleares, fundada na teoria do risco integral.
1. Acidentes nucleares: principais aspectos
Tem-se como acidente nuclear o fato ou sucessão de fatos da mesma origem que cause dano nuclear, de acordo com a definição prevista no artigo 1º, inciso VII da Lei nº 6.453/77.
Não há que se falar em previsão acerca da ocorrência dos acidentes nucleares, e sim, em previsibilidade, tendo em vista a periculosidade dos rejeitos radioativos. Para as situações de emergência, a Lei nº 10.308/01 prevê a construção de depósitos provisórios de rejeitos, com características de excepcionalidade, sendo imprescindível a posterior transferência dos rejeitos aos depósitos intermediários ou finais, uma vez que a citada provisoriedade não pode colocar em risco a saúde e a segurança dos indivíduos e o meio ambiente.
A central nuclear de Chernobil, localizada na Ucrânia, foi à causadora do acidente nuclear mais grave registrado até hoje. Em 25 de abril de 1986, incendiou-se o reator nº 4 da central nuclear, decorrente de uma explosão de vapor, fato este que desencadeou sucessivas explosões, além de um derretimento nuclear. Na época, tal incêndio foi justificado pela construção de dois reatores adicionais. Inicialmente foram registrados 32 óbitos, além da hospitalização de 299 pessoas, sem contar com o processo de descontaminação a que foram submetidas mais de 20.000 pessoas.
O Brasil também ocupa lugar no ranking internacional dos acidentes nucleares em virtude do acidente ocorrido em Goiânia, no ano de 1987. Imperioso destacar que os efeitos negativos decorrentes deste acidente somente foram superados pelo acidente de Chernobil.
Referido acidente teve como causa uma cápsula de Césio-137, encontrada por catadores de lixo que procuravam objetos nas antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia. Depois de encontrarem um aparelho de radioterapia, iniciaram um processo de desmontagem, sendo expostos ao césio, pó branco similar ao sal de cozinha que no escuro brilhava com uma coloração azul. Na época, acreditava-se que o pó azul tinha efeitos sobrenaturais, razão pela qual várias pessoas tiveram contato com a substância.
Os primeiros sintomas provocados pela contaminação foram vômitos, náuseas, diarréias, tonturas e, em muitos casos, até a morte. Em alguns dias, diversos pontos da cidade de Goiânia foram fortemente contaminados.
Em março de 2011, a população do Japão teve parte de seu território devastado por um terremoto, seguido de um tsunami, fenômenos naturais que provocaram danos na usina nuclear de Fukushima, localizada na região nordeste do país. Vazamentos radioativos foram registrados e um iminente desastre nuclear mobilizou a comunidade internacional. Segundo informações divulgadas pelo governo japonês, os níveis de radiação entorno da usina superaram em oito vezes o limite de segurança, forçando a evacuação da população em um raio de 20 quilômetros, como medida extrema de segurança e proteção a população japonesa.
Mesmo após vários anos da ocorrência dos mencionados acidentes, a população atingida pela radiação ainda vêm sofrendo com seus efeitos, como o aparecimento de diversas doenças, inclusive congênitas. Ao Poder Público, cabe a implementação efetiva de medidas de proteção a essas pessoas, uma vez que o dano resultante da não efetivação de medidas capazes de prestar adequada assistência às vítimas e à população é potencialmente irreparável.
Destaque-se que a legislação sobre o tema enfatiza a prevenção, pois os danos causados por acidentes nucleares podem causar prejuízos irreparáveis à saúde humana e ao meio ambiente. Assim, as normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria seguem medidas na prevenção dos acidentes e no controle das constantes radiações emitidas pelas usinas.
Dentre as medidas preventivas, imperioso frisar a medição das radiações, realizada periodicamente nas instalações nucleares, com o escopo de apurar se o nível das radiações encontra-se dentro dos limites permitidos. Essas irradiações podem causar lesões nas células e alterações no DNA, gerando mutações no patrimônio genético e risco de câncer. Por essa razão, caso as radiações extrapolem os limites, a instalação poderá ser temporariamente interditada para as adequações necessárias.
Outro fator de destaque é a informação às populações que vivem nas proximidades das instalações nucleares, tanto no sentido de conhecimento acerca do licenciamento da instalação nuclear, do material radioativo produzido e dos rejeitos que serão estocados e eliminados na área, quanto no sentido de avisar com rapidez a essa população sobre a ocorrência da propagação danosa da radiação, com fins de imediata evacuação do local atingido.
Nesses termos, conclui-se pela previsibilidade na ocorrência dos acidentes nucleares, sendo adequado que tais atividades sejam pautadas em rigorosos critérios de segurança, além de medidas que possam garantir a segurança das populações e do meio ambiente.
2. Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva: principais características e diferenças marcantes
No que tange a responsabilidade civil, a razão para utilização da expressão responsabilidade civil da Administração Pública é justificada pelo fato de que o poder público é geralmente chamado a responder por danos causados aos particulares, no exercício das atividades relacionadas à função administrativa do Estado.
Por responsabilidade civil entende-se a obrigação atinente ao agente causador do dano em reparar o prejuízo ao qual deu causa. O referido instituto possui fundamento em duas teorias distintas, a teoria da culpa, ensejadora da responsabilidade subjetiva e a teoria do risco, relacionada à responsabilidade objetiva. De acordo com Cavalieri Filho (2003, p.26):
“em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.”
No que pertine à responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa, analisa-se o comportamento do agente causador do dano, buscando-se a relação entre tal comportamento e o prejuízo suportado pela vítima. É preciso também que este aja em desconformidade com o estabelecido no ordenamento jurídico, ou seja, que viole um mandamento legal. Desta forma, o elemento básico para definição do dever de indenizar é a culpa.
Sendo assim, pode-se dizer que a responsabilidade supra apresenta três fundamentos basilares, quais sejam: o elemento culpa, sendo este indispensável para que se concretize o dever de reparar os danos causados; a prática da violação ao ordenamento jurídico, ou seja, o ato ilícito, e por fim a demonstração imprescindível do nexo causal, posto que é responsável por estabelecer a relação entre a conduta do agente e o prejuízo causado. Nessa linha de raciocínio, é possível afirmar que aquele que requer o ressarcimento do prejuízo causado por terceiro tem o ônus de demonstrar a presença dos três requisitos mencionados.
Admitindo-se que a culpa é elemento essencial da responsabilidade subjetiva, cumpre tecer algumas considerações a seu respeito. Não se deve entender a expressão culpa de forma restritiva, para compreendê-la é necessário lhe conferir um sentido mais amplo, tendo em vista que não abrange não só a culpa em sentido estrito qual seja, a relativa à imprudência, a imperícia e a negligência, mas abarca também o dolo. Segundo Diniz (2007, p.41):
“aculpa em seu sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em seu sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.”
Já a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco, não considera relevante a conduta do agente causador do dano, ou seja, o dever de indenizar não decorre de um comportamento culposo por parte do agente. Desse modo, pode-se dizer que a adoção da responsabilidade civil objetiva importa na superação da necessidade de comprovação da culpa como requisito à imputação. Assim, a responsabilidade decorre não apenas de atos culposos, mas sim de qualquer ato que resulte em um dano significativo.
Assim, o que realmente importa para a responsabilidade objetiva é a relação entre a atividade desempenhada pelo agente e o resultado danoso. Nesses termos, não cabe suscitar a responsabilização quando não for constatado um dano efetivo, assim sendo, o dano se apresenta como elemento indispensável à responsabilidade civil objetiva. Frise-se que não importa a natureza do dano, vez que tanto o dano moral quanto o dano patrimonial são indenizáveis.
O evento danoso pode ser definido como o resultado de atividades que, direta ou indiretamente, causem a degradação do meio ambiente ou qualquer de seus componentes, contudo, a definição do dano capaz de gerar a obrigação reparatória não é facilmente elaborada.
Noutro plano, o regime da responsabilidade civil objetiva considera imprescindível a existência do nexo de causalidade, devendo restar comprovada a relação de causa e efeito entre a atividade e o dano ocorrido. Segundo Milaré (2009, p.833):
“em matéria de dano ambiental, ao adotar o regime da responsabilidade civil objetiva, a Lei 6.938/81 afasta a investigação e a discussão da culpa, mas não prescinde do nexo causal, isto é, da relação de causa e efeito entre a atividade e o dano dela advindo. Analisa-se a atividade, indagando-se se o dano foi causado em razão dela, para se concluir que o risco que lhe é inerente é suficiente para estabelecer o dever de reparar o prejuízo.”
Por outro lado, como a teoria objetiva da responsabilidade civil não se fundamenta na existência de culpa, o fundamento principal para o nascimento do dever de indenizar é a verificação do elemento risco. No Direito Administrativo são admitidas duas modalidades básicas de risco, quais sejam: teoria do risco administrativo e teoria risco integral.
A principal distinção entre uma teoria e outra, reside no fato de que a teoria do risco administrativo admite a existência de excludentes da responsabilidade civil do Estado, as quais não são admitidas na teoria do risco integral. Segundo Meirelles (2009, p.658):
“advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da administração, permite que o poder público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, masesta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização.”
Nesses termos, aduz-se que pelo menos dois elementos são comuns às duas modalidades de responsabilidade mencionadas, o dano e o nexo de causalidade. O dano se apresenta como elemento indispensável, posto que não há de se falar em reparação quando não for constatado um prejuízo, já o nexo de causalidade se apresenta como elemento de ligação, sendo necessário para se estabelecer uma relação entre a conduta do agente e o dano efetivamente causado.
3. Aplicação da responsabilidade civil objetiva em relação ao dano ambiental, notadamente decorrente das atividades nucleares
No que concerne à tutela ambiental a adoção da responsabilidade subjetiva implicaria em grande entrave a efetiva reparação do dano, tendo em vista que a comprovação da conduta culposa por parte do agente poluidor se apresenta deveras comprometida, considerando que a efetivação do dano por muitas vezes ocorre através do somatório de pequenas condutas danosas e os resultados podem demorar a aparecer.
Foi com advento da Lei instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, que a modalidade culposa de responsabilidade civil foi substituída pela modalidade objetiva, fundada na teoria do risco, sendo tal substituição posteriormente recepcionada pelo Código Civil de 2002.
Sendo assim, mesmo aquele que desenvolve uma atividade considerada lícita, deverá responder caso venha a causar um dano ambiental, em virtude do risco que envolve a sua atividade, sem que seja necessário que a vítima prove comportamento culposo por parte do agente poluidor.
A utilização da responsabilidade objetiva em substituição a responsabilidade tradicional facilitou a proteção ao meio ambiente, e mais especificamente da coletividade, titular desse direito, o que representa um importante avanço na seara ambiental.
Além de promover a reparação do dano ambiental, a responsabilidade civil objetiva também possuia função de inibir condutas danosas ao meio ambiente, apresentando-se em plena sintonia com um dos mais relevantes princípios do direito ambiental, qual seja, o da prevenção, tendo em vista que diante da certeza da responsabilização, o agente consequentemente se cercaria de mais cautelas ao desenvolver sua atividade.
Quanto à responsabilidade civil pelo dano nuclear, a Constituição Federal determinou expressamente a aplicação da modalidade objetiva (art.21, XXIII, “c”). Nesse sentido, leciona Cavalieri Filho (2006, p.40):
“(…) responsabilidade por dano nuclear: No artigo 21, inciso XXIII, letra c da Constituição vamos encontrar mais um caso de responsabilidade civil. Temos ali uma norma especial para o dano nuclear, que estabeleceu responsabilidade objetiva para o seu causador, fundada no risco integral, dado a enormidade dos riscos decorrentes da exploração da atividade nuclear. Se essa responsabilidade fosse fundada no risco administrativo, como querem alguns, ela já estaria incluída no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, não se fazendo necessária uma norma especial.”
A Lei nº 6.453/1977 dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e sobre a responsabilidade criminal por atos relacionados às atividades nucleares, imputando ao operador da atividade a responsabilidade pela reparação do dano independente da existência de culpa. Tem-se que tal norma foi recepcionada pela Constituição Federal.
Insta salientar que mencionada lei não lida especificamente com o dano ambiental, mas sim como o dano individual causado pela atividade nuclear. É sabido que à época de sua edição a questão ambiental não tinha a amplitude que tem nos dias de hoje, dada com o advento da Carta Magna.
Assim sendo, não se mostra razoável que a questão da responsabilidade civil seja analisada apenas à luz da Lei nº 6.453/1977, cabendo uma interpretação conjunta e extensiva com o artigo 225 da Constituição e com a Lei nº 6.938/81, que regula especificamente o dano ambiental decorrente da atividade nuclear. Tem-se que mencionada lei, estabeleceu uma responsabilidade civil especial e ilimitada, atribuível aos fundos de direitos difusos (Lei nº 7.347/85), no que tange a recomposição do meio ambiente lesado.
Não obstante, a Constituição Federal fornece diretrizes seguras para o enfrentamento adequado da questão da responsabilidade por danos nucleares. Entretanto, existem muitas possibilidades de interpretação dos dispositivos constitucionais, sendo necessário que tais normas sejam regularmente cumpridas, principalmente no que tange ao efetivo controle do Congresso Nacional.
Quanto aos princípios constitucionais da gestão pública do meio ambiente, da precaução e prevenção do dano ambiental, da informação ambiental, da participação da sociedade, entre outros, precisam se tornar efetivos, especialmente no que tange as atividades nucleares, diante de seu vulto e dos riscos nela envolvidos.
Destaque-se, ainda, que a Carta Magna não baniu a atividade nuclear do país, preferindo manter em razão dos latentes benefícios para a agricultura, indústria e medicina. Não obstante, o uso deve ser colocado sob o controle do Congresso Nacional, que atua na representação direta ou indireta da sociedade.
Um exemplo da aplicação da responsabilidade civil objetiva, relacionada às atividades nucleares é o acidente radiológico do Césio 137, ocorrido no ano de 1987, na cidade de Goiânia.
Como medida de reparação adotada pelo Poder Público, em razão das quatro mortes e da contaminação pelo elemento radioativo ou da exposição às irradiações acima dos níveis mensuráveis de um número expressivo de pessoas, notadamente de familiares que conviveram com as vitimas do acidente, bem como de profissionais que atuaram nos trabalhos de limpeza do local atingido e na remoção para área pública destinada a abrigar os rejeitos radioativos acumulados, foi editada a Lei nº 9.427/1996, a qual garantiu pensão vitalícia, a título de indenização especial as vitimas do acidente.
Entretanto, com fito de ensejar a efetiva configuração do liame de causalidade entre a culposa omissão do Poder Público e as enfermidades ou anomalias sofridas por quem alega ter sido, de algum modo, vítima do acidente radioativo em comento, o mencionado diploma legal estabeleceu a necessidade de submissão a um exame perante junta médica oficial, constituída pela Fundação Leide das Neves Ferreira, com sede em Goiânia.
Desde a edição da mencionada lei, a CNEN, responsável pelas atividades nucleares no Brasil, vem figurando no pólo passivo de inúmeras ações de indenização ajuizadas por pessoas que alegam enfermidades decorrentes do contato com o Césio 137, porém, em vários casos, não resta comprovada a relação causa-efeito entre o acidente e as enfermidades relatadas.
Nesses termos, imperioso afastar a noção de que o mencionado benefício se reveste em seguro social e que todo aquele que teve contato com os rejeitos radioativos gozaria de status de segurado, sendo que para fazer jus ao benefício, deverá o interessado demonstrar os requisitos básicos da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão, resultado danoso e nexo de causalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo-se da premissa que o dano ambiental, apresenta-se de difícil reparação em razão de suas características peculiares, quais sejam a pulverização de vítimas e a dificuldade de valoração do bem atingido, entende-se que o princípio da precaução se apresenta como um dos mais relevantes princípios no que concerne à efetiva proteção do meio ambiente. Nesse diapasão o instituto da responsabilidade civil se apresenta como um importante instrumento para assegurar não só a referida prevenção, bem como para garantir a reparação do dano caso seja necessário.
Admite-se, também, que apesar da importância do instituto da responsabilidade civil na tutela ambiental, este não consegue abarcar todas as situações que surgem ao longo do tempo, tendo em vista a evolução constante da tecnologia que acaba por limitar a proteção ao meio ambiente. Cabe, portanto, aos legisladores, doutrinadores e magistrados acompanhar a evolução e dirimir as dificuldades que surgirem.
Noutro plano, conforme estabelecido no artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988, adotou-se no Brasil, quanto à responsabilidade civil objetiva, a teoria do risco administrativo, segundo a qual são admitidas hipóteses excludentes e atenuantes da responsabilidade do Estado.
Não restam dúvidas sobre a adoção da responsabilidade civil objetiva no que tange a tutela do meio ambiente contra danos nucleares. Surge a partir de então o questionamento a cerca da modalidade de risco que melhor se adequa aos propósitos da tutela ambiental.
A adoção do risco integral, a qual estabelece a inexistência de qualquer tipo de excludente de responsabilidade (inclusive quanto ao caso fortuito ou força maior), assim como a ausência de limitação no tocante ao valor da indenização, não é unanime em razão de ser considerada como teoria extremada, somente sendo aplicável em casos excepcionais, justificados pela nocividade da atividade realizada.
Em razão da nocividade das atividades nucleares, assim como seus efeitos nefastos ao meio ambiente e a saúde humana, a teoria do risco integral é a que melhor se apresenta, posto que em razão de não admitir as excludentes clássicas, amplia seu campo de aplicação, evitando que um dano fique sem a devida reparação.
Ademais, não seria coerente impor a coletividade o ônus decorrente de um dano ambiental, em razão do desenvolvimento de uma atividade produtiva, posto que dela não obtém vantagem direta, cabe ao agente que desenvolve tal atividade arcar com as lesões a qual deu causa.
Informações Sobre o Autor
Érika Salles da Silva
Advogada inscrita na OAB/DF. Especialista em direito público pela Faculdade Projeção. Advogada consultora do Comando da Aeronáutica desempenhando cargo em comissão