Resumo: Este trabalho objetiva mostrar uma possível ação deletéria de uma expressão cultural-religiosa “Santa Cruz” (altares para o descarte de peças consideradas sagradas para a Igreja Católica) na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte de São Paulo sobre o Hotspot Ambiental Mata Atlântica. Fato social e ambiental protegido pela Constituição Federal do Brasil. Material e Métodos: foi construído um modelo de Santa Cruz similar às encontradas na Mata Atlântica e, durante seis meses (outono e inverno) foram medidas as alterações de pH do solo e a capacidade de armazenamento de água, pós chuva e em período prolongado de seca, pelas imagens de gesso. Os resultados mostraram que nesses lócus o pH do solo oscilou entre 6,3 e 7,0; a umidade retida nas peças de gesso, no período imediato pós-chuva alterou a massa das imagens que aumentou cerca de 20% e em épocas de seca, 15%. Concluiu-se que estas Santas Cruzes podem se transformar em ambientes semelhantes ao modelo de nucleação por abandono usados para a recomposição florestal de ecossistemas degradados, mas que também permite o desenvolvimento de Espécies Invasoras ao Bioma, constituindo-se em riscos antrópico ao Hotspot. Essa prática cultural necessita de uma intervenção jurídica que proteja as duas instâncias, a cultural e o ambiente protegido.
Palavras-chave: Etnoecologia; Hotspot Ambiental; Mata Atlântica; Vale do Paraíba; Imagens Sacras.
Abstract: This paper discusses a possible deleterious action of a cultural and religious expression "Santa Cruz" (altars for disposal considered sacred pieces for the Catholic Church) in the metropolitan region of the Paraíba Valley and North Coast of São Paulo on Environmental Hotspot Mata Atlantic. Social and environmental fact protected by the Federal Constitution of Brazil. Methods: It was built a Santa Cruz model similar to those found in the Atlantic Forest and for six months (autumn and winter) were measured soil pH change and water storage capacity, after rain and prolonged dry, the gypsum images. The results showed that these locus soil pH ranged between 6.3 and 7.0; the humidity retained in the plaster pieces, post-rain period immediately changed the mass of images which increased about 20% and in times of drought, 15%. It was concluded that these Holy Crosses can turn in similar environments to the nucleation model abandonment used for forest restoration of degraded ecosystems, but also allows the development of invasive species to Biome, being in anthropic risks to Hotspot. This cultural practice requires legal intervention that protects both the cultural and the protected environment.
Keywords: Ethnoecology; Environmental hotspot; Atlantic forest; Paraíba Valley; Sacred images.
Sumário: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão; Conclusão; Referências; Agradecimentos.
INTRODUÇÃO
As motivações para este trabalho se deram a partir de dois elementos: 1. Art. 216 da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) quanto ao Patrimônio Cultural brasileiro e os bens de natureza material e imaterial protegidos pelo fato de serem portadores de referência identitária dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, incluindo o item I – as formas de expressão; e 2. a observação do descarte de imagens sacras de gesso danificadas ao longo da Rodovia Oswaldo Cruz – SP-125, que interliga Taubaté, no Vale do Paraíba Paulista – Região Metropolitana, à Ubatuba, Litoral Norte de São Paulo e corta o Hotspot Ambiental da Mata Atlântica, isto é, na perspectiva de Myers et al (2000) é uma área natural de estrema vulnerabilidade. Nessa Rodovia são encontrados 35 “santuários”, denominados regionalmente por “Santas-cruzes”, que marcam os acidentes fatais que ocorreram naquele lugar e ao mesmo tempo servem de área de descarte para as peças sacras danificadas.
É importante ressaltar que esse fato antrópico Santa Cruz é uma expressão da vivência em coletividade e de estabelecimento de relações sociais sugeridos pela Igreja Católica, que adota o descarte das peças abençoadas segundo alguns critérios: incineração, disposição na água ou a solo (Archdiocese of Lingayen, 2012). Essa expressão cultural necessita ser protegida pelos instrumentos jurídicos, manejadas e monitoradas pelos agentes ambientais, principalmente neste caso de estudo que envolve o Bioma Mata Atlântica. Esse fato socioambiental se reveste de um estado de Alerta para as autoridades judiciais quanto ao seu manejo e proteção.
Yarranton e Morrison (1974), Franks (2003), Reis et al (2003) e Bechara (2003) trabalharam com as técnicas de nucleação para a restauração de ambientes. Essas técnicas criam condições para a formação de microhabitats que sustentam um processo de regeneração natural do ecossistema propiciando a imigração de uma biodiversidade local com formação de uma rede de interações entre os organismos.
Uma das Técnicas de Nucleação usa a metodologia do abandono e regeneração espontânea, um método simples e de custo baixo que explora a capacidade de regeneração florestal, é um simples abandono. O ambiente vai repondo as espécies florestais, segundo uma sequência local definida, num movimento de sucessão ecológica secundária. No entanto, um risco desse método é a invasão e estabelecimento de espécies exóticas, como as gramíneas que impedem a regeneração, ou até faz retroceder os processos de recuperação da área (COELHO 2010).
Nesse trabalho o recorte desse tipo de ritual religioso Santa Cruz se tornou relevante como possível base de nucleação próximo a um Hostspot Ecológico, no caso de estudo, a Mata Atlântica, o que pode comprometer a conservação do ambiente protegido por espécies invasoras. No entanto, é importante ressaltar que a conservação de ambientes não pode impedir ou extinguir a expressão cultural local, protegida constitucionalmente.
O objetivo principal deste trabalho é avaliar a potencialidade das Santas Cruzes se transformarem em unidades de nucleação de restauração ambiental com a metodologia por abandono e regeneração espontânea e abrir a possibilidade de contaminar o Bioma Mata Atlântica com espécies invasoras e criar um conflito ente o ambiente e o grupo social local.
Também é importante colocar os atores da produção científica em diálogo com os movimentos culturais, uma vez que há um descompasso entre as ações desses dois grupos sociais, fato que concorre para um estado conflituoso e por vezes pouco agregador entre a Ciência ambiental e as Ciências Sociais acerca do tema. (ALONSO e COSTA, 2002)
MATERIAL E MÉTODOS
Um modelo de Santa Cruz mais comum na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte do Estado de São Paulo foi construído e exposto no ambiente por seis meses, em período de outono e inverno local de 2016 (Figura 1). As imagens usadas para controle são originárias das oficinas artesãs de Aparecida, SP, que representam a maioria das peças descartadas nas Santas Cruzes da região. O conjunto de peças experimentais contou com dois quadrantes 1 e 2. O Quadrante 1 foi construído com duas peças grandes, em pé (a) e deitada (b) e uma peça pequena deitada (c), todas com pintura. O Quadrante 2 foi composto de duas peças grandes, uma em pé (d) e outra deitada (e), duas pequenas, em pé (f) e outra deitada (g), todas sem pintura (Figura 1). As peças foram mantidas sempre no mesmo local de origem. Quando eram retiradas para as pesagens retornavam para o mesmo locus.
O solo que recebeu as imagens também foi monitorado previamente ao experimento quanto ao seu pH, resultando em 7,01 para os dois Quadrantes, e isolado por um recipiente de plástico (Figura 1), previamente tratado em laboratório com água destilada.
Na Figura 1 estão identificados também o local de medição do pH do solo, locais que se mantiveram por todo o experimento. Foram feitas doze medições de pH ao longo dos seis meses. As pesagens se deram, no início para referenciar os resultados e até doze horas após os cinco períodos de chuvas que ocorreram, visto que algumas ocorreram no período noturno ou madrugada impedindo uma pesagem imediata. Outras cinco pesagens se deram em períodos entre chuvas, com pelo menos dez dias depois da chuva anterior. As pesagens das peças foram os instrumentos para medir a retenção de água da chuva, fato que contribuiu para a manutenção da umidade superficial do solo do experimento.
RESULTADOS
De forma comparada e com valores médios das dez pesagens, os quadrantes foram analisados quanto à variação do acúmulo de água nas peças de gesso, o que resultou em variações positivas.
Centrando nos resultados totalizados, verificou-se que no Quadrante I a massa pós chuva teve aumento positivo com variação média de 29,98%, seguida de variação média de 22,12% em períodos entre chuvas. No Quadrante II, apesar da massa inicial menor que no Quadrante II, a variação pós chuva se destacou com média de 32,03%, a maior, seguida de 21,26% nos períodos entre chuvas.
Houve também variação no pH do solo que abrigou o experimento. Essa variação se deu de forma negativa, isto é, houve diminuição do pH em ambos os Quadrantes. Em média, o Quadrante I reduziu o pH de 7,01 incial para 6,30 final, uma variação de 10,12%. Para o Quadrante II também não foi diferente, seguiu a mesma tendência de redução, de 7.01 incial para 6,34 final, uma variação média de 9,55%
Em síntese, o pH do solo ajustou-se entre 6 e 7 e houve acúmulo de água de chuva nas peças de gesso, mesmo em épocas de pouca chuva e inverno.
DISCUSSÃO
O descarte das imagens sacras de gesso na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e litoral Norte do Estado de São Paulo se caracterizou como um fato social, pois é uma expressão da experiência vivida pelo grupo social Valepaibano, além de dialogar com Igreja Católica, que ratifica o procedimento de descarte do desproduto consagrado e necessita ser tratado como expressão etnoecológica regional.
O modo de construção das Santas Cruzes, nicho sagrado de descarte, não está cercado por mecanismos que garantam uma segurança para o entorno, principalmente quando se trata de uma Área Natural Protegida e de alta vulnerabilidade como a Mata Atlântica. Essa vulnerabilidade ecossístêmica está desenhada por Myers et al (2000) como Hotspot e exige cuidados para com a instalação de aparatos antrópicos que possam produzir algum tipo de risco para bioma atingido.
Nesses pequenos altares há deposição de Gesso no solo que cria microclimas edáficos com umidade acumulada e com pH propícios (entre 7,0 e 6,0) ao desenvolvimento do modelo de nucleação por metodologia do abandono e regeneração espontânea apresentado por Coelho (2010), o que constitui um risco como “zonas de dispersão” de Espécies nativas ou invasoras para o Hotspot Mata Atlântica.
As gramíneas são as principais invasoras, fato destacado por Yarranton e Morrison (1974), Franks (2003), Reis et al (2003) e Bechara (2003) e que necessitam somente de habitats e nichos abertos propícios, com umidade e pH propícios, como observados nos experimentos com Santas Cruzes, para iniciarem seu estabelecimento.
Ainda Yarranton e Morrison (1974), Franks (2003), Reis et al (2003) e Bechara (2003) ratificaram a importância de se monitorar a instalação das Santas Cruzes, um espaço com potencial nucleador de restauração ambiental, mas que pode cria ambientes propícios para o desenvolvimento de vetores de patógenos tanto para humanos, como para a biodiversidade local. Esse risco de contaminação relevante do Bioma por uma atividade cultural local demonstrada cientificamente contribui para o estado dialógico requerido por Alonso e Costa (2002), quanto o encontro das Ciências Sociais e a Ciência Ambiental.
CONCLUSÕES
Primeiramente, conclui-se que as Santas Cruzes, que alteram o solo quanto a sua umidade e pH, são potenciais áreas de nucleação de restauração ambiental por abandono e regeração espontânea, ratificando a hipótese desse trabalho.
É importante retomar que a motivação para este tarbalho se deu a partir dos registros de trinta e cinco Santas Cruzes ao longo da Rodovia Oswaldo Cruz – SP-125, no Hotspot Ambiental Mata Atlântica, e a necessidade de se inventariar os riscos antrópicos que essa expressão cultural representa para este Bioma.
Além da preocupação da ação antrópica sobre o Hotspot, houve também a contrapartida, a ação do Hotspot sobre a expressão cultural do grupo social local que compõe a biossociodiversidade e contribui para caracterizar o próprio Bioma. Aqui se entende que esse contexto dialético sociedade-natureza necessita ser recortado e redesenhado para garantir a sobrevivência do Bioma e da Cultura Humana local.
O Laboratório de Etnoecodesing da Unifatea, há mais de cinco anos, vem recortando de forma dialógica a presença antrópica no Bioma Mata Atlântica e sistematizando os riscos potenciais dessa convivência. Neste trabalho se levantou, de forma exploratória, o possível risco ambiental de uma atividade cultural religiosa para com o citado Bioma. Se verificou que as Santas Cruzes podem se constituir em pontos de nucleação de Espécies Exóticas ao Bioma vulnerável de Mata Atlântica. A espectativa é que estes resultados preliminares possa assumir a identidade de alerta de risco ambiental desses altares de descartes de peças sacras danificadas e que esse fato social, tão comum na região, possa dialogar com o Plano de Manejo das Unidades de Conservação.
Projetos futuros com a temática Santa Cruze e zonas de nucleação para restauração de ambientes já fazem parte da linha de pesquisa institucional do Etnoecodesign, bem como o desenvolvimento de ferramentas de redesign cultural e de território que tornem dialógica a presença antrópica no Hotspot Mata Atlântica.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que apoiou o projeto com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC.
Informações Sobre os Autores
Paulo Sergio de Sena
Biólogo, Mestrado em Ciência Ambiental, Mestrado em Ecologia e Doutorado em Ciências Sociais – Antropologia. Docente do Centro Universitário Teresa De´Ávila – UNIFATEA – Lorena, SP. Docente Permanente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu – Mestrado em Design, Tecnologia e Inovação, disciplinas: Ecodesign; Inovação e Cognição
Cristiane da Silva Jacob
Licenciada em Biologia do Centro Universitário Teresa D’Ávila – UNIFATEA, Lorena, SP