Resumo: Objetivos: o presente trabalho tem por escopo efetuar uma análise da constante evolução que vem experimentando as atividades desenvolvidas pelos oficiais de polícia militar no período posterior ao advento da Constituição Federal de 1988. Parte-se da premissa que o oficial de polícia é o profissional cuja autoridade é exteriorizada, precipuamente, através do comando/chefia de tropa/servidores públicos militares diante de conflitos sociais complexos, que exigem a adoção de medidas cogentes que implicam no controle e garantia dos direitos e liberdades individuais e no exercício do Poder de Polícia Administrativa; bem como no planejamento de ações de prevenção da violência e da criminalidade e da garantia da ordem pública. Visa, o trabalho em tela, da análise percuciente da totalidade das atividades desenvolvidas pelos oficiais de polícia no Brasil, lhe extrair a sua natureza jurídica. Métodos: a metodologia foi a revisão bibliográfica tradicional, se buscando, a partir da doutrina e jurisprudência existentes no direito penal, o conhecimento disponível acerca da matéria, identificando e analisando as teorias existentes, na tentativa de expor o melhor entendimento do tema a ser discutido. Para tanto o método de abordagem foi o dedutivo, o qual tem o propósito de explicitar o conteúdo das premissas, partindo das teorias e leis, fato que na maioria das vezes prediz a ocorrência dos fenômenos (conexão descendente). Resultados: O estudo mostrou que, atualmente no Brasil, o exercício da atividade de Oficial de Polícia Militar tem natureza eminentemente jurídica, seja pelo fato de ter como requisito de ingresso à aprovação em concurso público de provas e títulos da carreira jurídica, nas unidades da federação que assim o determinam. Seja pelo fato de estar atrelado ao desempenho de atividades que exigem preponderantemente o conhecimento jurídico.
Palavras-chave: policia militar-oficial de policia militar-natureza jurídica.
1. Introdução
Na história recente do Brasil, após o advento da Constituição Cidadã, as Polícias Militares passaram a sofrer uma grave crise de identidade. Ao perderem parte considerável de seu poder institucional, ao verem grande parte de suas atividades outrora corriqueiras limitadas pelo exaustivo rol de direitos fundamentais elencados no art.5° da Magna Carta e inexistindo um regime político totalitário a defender, necessitaram se reinventar.
Nesta senda, em um país em desenvolvimento, veladamente dividido em castas sociais, fruto de uma draconiana divisão de renda e, carente da presença do Estado na maioria de seus municípios, restaram às polícias militares – em face da sua organização administrativa exemplar, advinda do militarismo intrínseco a sua formatação institucional e da sua capilaridade social – a encampar de fato uma série de atividades públicas que em tese não lhe seriam inerentes.
Este cabedal de atividades acabou se amoldando ao rol de atribuições das polícias militares, por invariavelmente migrar de forma natural ao encontro do conceito vago e fluído predisposto no art.144 da Constituição Federal, como uma das atribuições das forças militares estaduais: a preservação da ordem pública[1].
Assim, além das atividades ordinariamente afetas ao corpo policial – como policiamento ostensivo, de trânsito, ambiental, fluvial e lacustre, radiopatrulha aérea e terrestre e de segurança externa dos estabelecimentos penais dos estados – a dinâmica metamorfose social da infante democracia brasileira passou a exigir das polícias militares, principalmente com o advento da Lei n.°9099/95, uma nova atuação qualificada no atendimento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Ocasião esta, em que as polícias militares passaram a realizar in loco o exame de situações fáticas complexas que demandam soluções concretas e imediatas, em face da norma jurídica abstrata – ou seja, a subsunção das situações de fato na descrição normativa – realizando assim, nestes tipos específicos de infração penal o ciclo completo de polícia, sendo o único elo da cadeia estatal a unir o cidadão ao Poder Judiciário[2].
Todavia, esta evolução político-social-institucional das corporações policiais militares, como processo dromológico,[3] não teve temporalmente pleno reflexo na legislação que lhe serve de arcabouço jurídico.
Nesta seara, este descompasso, no espaço tempo, na adjetivação das atividades desenvolvidas pelos oficiais de polícia militar ao atuarem responsavelmente em uma cadeia lógica de comando, no atendimento de demandas sociais complexas, é o objetivo de estudo do presente ensaio.
2. Desenvolvimento
2.1. Evolução Social e diversificação da esfera de atribuições dos Oficiais de Polícia Militar: Os Oficiais de Polícia Militar brasileiros vêm, com o passar dos anos, após a redemocratização do país, trabalhando incessantemente no intuito de readequar a práxis corporativa das instituições militares aos tempos hodiernos, de maximização dos direitos fundamentais e valorização das atividades de policiamento, voltadas para a cidadania.
Neste diapasão, avulta em importância a classificação da natureza jurídica das atividades que passaram a desenvolver os Oficiais de Polícia Militar, no novel cenário de organização política e social brasileiro.
Consoante a Constituição Federal, são denominadas polícias militares no Brasil as forças de segurança pública das unidades federativas, que têm por função primordial a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública nos Estados brasileiros e no Distrito Federal. Subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. São forças auxiliares e de reserva do Exército Brasileiro, integrando o Sistema de Segurança Pública e Defesa Social brasileiro.
Assim, o marco regulatório exordial da atividade policial militar encontra estribo no art.144 da Constituição Federal:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (…)
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. (…)
§ 5º – às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”
Ante o exposto, como já mencionado outrora, a interpretação que se extrai do cotejo dos conceitos expostos no art.144, § 5º da Constituição Federal, são de indelével amplitude. Da leitura natural das expressões “polícia ostensiva” e “preservação da ordem pública,” evidencia-se à saciedade o caráter residual da atividade desempenhada pelas policiais militares, que abarcaram, por força da carta política, uma miríade de atribuições veladamente ocultas pelo legislador constituinte.
Neste contexto, a sapiência de Álvaro Lazzarini, ao qualificar como residual a esfera de atribuições das polícias militares:
“…de outro lado, e ainda no exemplo, às Polícias Militares, instituídas para o exercício da polícia ostensiva e preservação da ordem pública (art. 144, §5.º), compete todo o universo policial, que não seja atribuição constitucional prevista para os demais seis órgãos elencados no art. 144 da Constituição da República de 1988. Em outras palavras, no tocante à preservação da ordem pública, às polícias militares não só cabe o exercício da polícia ostensiva, na forma retroexaminada, como também a competência residual de exercício de toda a atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos. A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública engloba, inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como um verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da ‘ordem pública’ e, especificamente, da ‘segurança pública’” (Lazzarini, 1989.p.235)
Nesta senda, em face da amplitude do conceito de ordem pública e no que tange ao caráter residual da atividade policial militar, em um contexto social mutante da ainda novel democracia pátria, as polícias militares vem, paulatinamente, permeando o tecido legislativo – aumentando seu rol de atribuições – visando, assim, dar plena guarida ao conteúdo plasmado na Constituição Federal que lhe é afeto.
Neste contexto, de indelével valor, está a análise do descompasso ainda existente entre a lei e a realidade fática do desempenho da atividade policial militar. Inexiste ainda uma regulamentação específica de uma série de situações diuturnamente enfrentadas pelas polícias militares, as quais acabam, por força do caráter residual de sua atividade, executando tarefas na manutenção da ordem pública e, na guarda da Magna Carta, sem o necessário estribo jurídico infra-constitucional, fato este que, no mais das vezes, enseja conflitos com outras polícias e órgão públicos.
Assim, para a compreensão das realidades históricas, políticas e sociais das polícias militares, a partir do prisma dromológico, avulta em importância a necessidade de uma adequação da realidade legislativa à realidade social, visando assim dar uma maior segurança jurídica às ações policiais (muitas das quais resultam na garantia ou na restrição de liberdades públicas e direitos individuais). Reforça o ponto de vista em tela, o argumento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
“…o agente de segurança pública, ao qual cabe manter ou restabelecer a ordem pública, deve responder direta, imediata e discricionariamente a miríades de situações que dificilmente se enquadram nas tipificações e generalizações positivadas. No desempenho de suas atribuições cabe-lhe o exercício do poder de polícia, poder instrumental do Estado, não só para promover a garantia da ordem pública mas para preservar outros valores mínimos da convivência social, como o são a salubridade, o decoro e a estética, contra o exercício abusivo das liberdades e direitos individuais. Assim, no subsistema policial da segurança pública, releva, como instituição central, a Polícia de Segurança Pública, à qual cabe manter a ordem pública, pelo que também pode ser chamada Polícia de Manutenção da Ordem Pública, como o preferem Álvaro Lazzarini e Hely Lopes Meirelles. A estrutura e as funções da Polícia de Segurança Pública por sua vez, espelham a classificação quanto à oportunidade da atuação funcional: polícia preventiva e polícia repressiva.” (MOREIRA NETO, 1989, 215)
Mister salientar ainda, que o exercício da atividade policial militar, por força de sua natureza eminentemente pública e de socorro emergencial ao cidadão, é estribada por compromisso legal isonômico ao juramento médico de Hipócrates, donde não caberá jamais ao agente público investido no poder de polícia negar atendimento ao cidadão[4].
Indubitável concluir, então, como natural o alargamento da esfera de atribuições das polícias militares no Brasil e do desempenho habitual de atividades preventivas, repressivas e, eventualmente, de cunho persecutório. Neste espectro, avulta em clareza a lição sempre oportuna de José Cretella Jr., ao tratar das polícias militares no Brasil, inferindo que:
“No Brasil, a distinção da polícia judiciária e administrativa, de procedência francesa e universalmente aceita, menos pelos povos influenciados pelo direito inglês (Grã-Bretanha e Estados Unidos) não tem integral aplicação, porque a nossa Polícia é mista, cabendo ao mesmo órgão, como dissemos, atividades preventivas e repressivas” (CRETELLA JR.1987, p. 173).
Ainda no comento da vertiginosa metamorfose experimentada pelo desempenho da atividade policial militar, no período pós-constitucional, avulta em importância a questão relativa à lavratura do termo circunstanciado pela autoridade policial militar nos termos da Lei Federal n.°9099/95.
A problemática em tela, já engendrou uma série de debates e ações constitucionais em um pretérito recente, todavia, atualmente, o tema já se encontra superado. Hodiernamente, a doutrina autorizada[5] e os precedentes do STJ[6] e do STF[7], são uníssonos em interpretar a expressão “autoridade policial’, prevista na Lei n.°9099/95, de forma a se admitir a validade da lavratura do “termo circunstanciado” por Oficiais de Polícia Militar, na conformidade do procedimento oral e sumaríssimo, programado no art.98, I, da Constituição Federal.
Nesta esteira, cabe ao Oficial de Polícia Militar, no comando de tropa, nas situações limítrofes de fatos sociais concretos envolvendo em tese infrações penais de menor potencial ofensivo, ao ser perscrutado por seus subordinados, fazer, preliminarmente à adequação típica da norma abstrata, a realidade faticamente apresentada.
Sinala-se, que avulta em relevo uma série de ocorrências policiais fronteiriças que, não fosse o notório conhecimento jurídico do Oficial de Polícia Militar teriam destino distinto do querido pelo legislador, em franco prejuízo ao cidadão, que ver-se-ia privado do provimento judicial adequado. Como exemplos, citem-se os seguintes delitos que, em face de uma interpretação errônea da norma penal, poderiam ter um resultado de indelével prejuízo ao administrado: o beijo lascivo, dado com eroticidade, praticado com emprego de violência, deve ser enquadrado como estupro[8] (CP art.213) ou importunação ofensiva ao pudor (LCP art.61)? A ofensa injuriante “Judeu sovina”, deve ser capitulada como injúria (CP art.140) ou injúria racial (CP art.140 §3°)? Lesões corporais recíprocas de grau leve praticadas entre irmãos, devem ser tipificadas como lesão corporal leve (CP art.129) ou lesão corporal qualificada pela violência doméstica (CP art.129 §9°)? Possuir junto ao corpo 75 gramas de substância entorpecente (canabis sativa), é crime de porte para consumo próprio (Lei n.°11.343/06 art.28) ou de tráfico ilícito de drogas (Lei n.°11.343/06 art.33)?
Em todas essas situações complexas, e em infinitas outras, caberá ao Oficial de Polícia Militar com comando direto sobre a fração de tropa que, ao atender dada ocorrência policial, decidir acerca da lavratura do termo circunstanciado no local do fato (e a conseqüente liberação dos envolvidos), ou no encaminhamento das partes à delegacia de polícia civil para a lavratura do auto de prisão em flagrante.
Nesses casos específicos, o Oficial de Polícia Militar realiza a subsunção do fato ilícito na descrição normativa abstrata, ações de inegável conteúdo jurídico e de elevado grau de responsabilidade.
Outrossim, mister salientar ainda a necessidade de conhecimento jurídico específico, frente a crescente atuação das polícias militares na seara ambiental.
Ante o exposto, partindo-se da premissa que as Polícias Militares dos Estados pertencem ao Sistema Nacional do Meio Ambiente, cabe às mesmas a imposição de multa administrativa ou o embargo de atividade econômica, em relação à constatação da prática de atos infracionais na esfera ambiental. Tais assertivas denotam, mais uma vez, o caráter eminentemente jurídico da atividade desenvolvida pelos Oficiais de Polícia Militar responsáveis pelas unidades de polícia ambiental.
Nesta orbe, o ensinamento sempre oportuno de Vladimir Passos de Freitas, no que tange a atividade de fiscalização ambiental desenvolvida pelas polícias militares:
“O Art. 6º da Lei n.º 6.938, de 1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe que o Sistema Nacional do Meio Ambiente constitui-se de órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, inclusive Fundações.
Em vários Estados da Federação, a Polícia Militar exerce atividades de polícia administrativa, inclusive impondo multa aos infratores. É o caso de São Paulo e do Paraná, através da Polícia Florestal, órgão este que exerce atividades especializadas dentro da Polícia Militar. No Rio Grande do Sul, dá-se o mesmo através da Polícia Ambiental.
Pois bem, ao meu ver nada impede que a Polícia Militar, por seus batalhões especializados, exerça atividades típicas de polícia administrativa. A uma, porque o Art. 6º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente não contém qualquer vedação a respeito, inclusive o inc. V leva à conclusão de que a Polícia Militar insere-se entre os órgãos locais de fiscalização” (FREITAS, 2001, p.69).
Idêntica interpretação deverá ser levada a termo da atuação especializada das policiais militares na área de trânsito, donde o conhecimento jurídico específico do Código de Trânsito Brasileiro e das demais normas jurídicas relativas à circulação de veículos, são os pilares de sustentação do Oficial de Polícia Militar que responde pelo comando de fração policial com esta especialidade.
Por fim, esgotada a análise da atuação dos Oficiais de Polícia Militar no desempenho da atividade fim, de bom alvitre também algumas considerações relativas ao desempenho de atividades meio, que são indispensáveis à manutenção do funcionamento das instituições militares no país.
Como bem sabido, a disciplina e hierarquia são valores intrínsecos das forças militares protegidos constitucionalmente. Nesta orbe, são responsáveis os Oficiais de Polícia Militar pela instauração e julgamento de procedimentos administrativos disciplinares militares, com base nos regulamentos disciplinares de cada força policial. Outrossim, participam diuturnamente de um verdadeiro sistema de justiça e disciplina especial, peculiar das forças militares, na condição de encarregados de investigações em sindicâncias e inquéritos policiais militares, presidindo autos de prisão em flagrante delito de crimes militares e de processos de deserção, integram órgãos colegiados de instrução e julgamento em conselhos de disciplina e justificação e, por fim, atuam junto aos Conselhos das Auditorias Militares Estaduais como juízes integrantes desses órgãos colegiados no julgamento de crimes militares, sob o regimento próprio da justiça castrense. Nesta esteira, indubitável a necessidade de conhecimento jurídico para a escorreita prática das retro reportadas atividades.
2.2. Requisitos de ingresso e formação policial: Para uma perfeita análise da natureza jurídica das atividades desenvolvidas pelos oficiais de policia militar, de indubitável importância à apreciação dos requisitos de ingresso na carreira e de formação do Oficial de Polícia Militar.
Neste sentido, até o advento da Constituição Federal de 1988, todas as polícias militares do Brasil possuíam como requisito de ingresso na carreira de oficial a aprovação em concurso público cuja escolaridade exigida era o nível médio (na época 2°Grau). Após a aprovação, incluíam no serviço público militar no posto de aluno oficial, por um período médio de quatro anos, ocasião em que cursavam em tempo integral o Curso de Formação de Oficiais, em simetria ao ingresso no oficialato das Forças Armadas.
Todavia, em face da escalada de demandas sociais em relação ao serviço público de segurança, da iminente necessidade de qualificação do corpo de Oficiais de Polícia Militar e, em perfeita consonância com a necessidade de atendimento dos preceitos constitucionais relativos à esfera de atribuição das polícias militares e de seu caráter de atendimento residual atinente a fatos sociais cada vez mais complexos, várias das principais polícias militares do Brasil passaram a exigir como requisito de ingresso no oficialato a formação jurídica e a aprovação em concurso público de provas e títulos da carreira jurídica.
Neste sentido, adotou posição vanguardista e pioneira a polícia militar do Rio Grande do Sul (Brigada Militar) com o advento da Lei Complementar n.°10.990 de 18 de agosto de 1997, seguida pelas Polícias Militares de: Goiás (Lei nº 14.851, de 22 de julho de 2004); Santa Catarina (Lei Complementar nº. 381 de 07 de maio de 2007); Minas Gerais (Lei Complementar n.°115 de 05 de agosto de 2010) e Paraná (Emenda Constitucional n.°29 de 28 de outubro de 2010). Todas em uníssono a exigir o Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais como requisito mínimo para ingresso nos quadros de Oficiais das respectivas corporações.
O objetivo precípuo do novel regime estatutário de ingresso nessas polícias militares é o de qualificar o atendimento da população, através de Oficiais de Polícia Militar que, na atividade de comando de tropa, possam adequadamente orientar seus subordinados no atendimento de ocorrências complexas de cujo encaminhamento não pode ser dissociado do conhecimento jurídico inerente ao desempenho da atividade policial.
Outrossim, gize-se, que a necessidade de conhecimento jurídico não tem por objetivo, conforme poderiam pensar alguns[9], o de envaidecer ou garantir tratamento diferenciado aos oficiais de polícia, mas tem sim o desiderato de proporcionar a prestação de um qualificado serviço público de segurança ao cidadão.
Reafirma este entendimento o fato de que as polícias militares que ainda não migraram para um novo regime de ingresso passaram a qualificar seus cursos de formação de oficiais com uma quantidade maior de cadeiras jurídicas, em perfeita identidade as ministradas em faculdades de direito.
Sinale-se, exemplificativamente, no intuito de sedimentar a afirmação supra, a análise das cadeiras jurídicas constantes no Curso de Formação de Oficiais de Academia de Polícia Militar do Barro Branco (Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública), da polícia militar de São Paulo, a maior do país, à saber: Ciência Política I e II; Criminologia; Direito Administrativo – I e II; Direito Administrativo Aplicado – I e II; Direito Penal Militar; Direito Processual Penal – I,II e III; Direito Processual Penal Militar; Direito Ambiental; Direito Civil – I, II, III, IV, V, IV e V ; Direito Constitucional – I e II; Direitos Humanos; Direito Internacional; Direito Penal – I ,II, III e IV; Direito Processual Civil – I, II e III; Economia Política I e II; Filosofia Geral e Jurídica; Introdução ao Estudo do Direito; Linguagem Jurídica I e II; Medicina Legal – Criminalística; Metodologia Científica Aplicada ao Direito – I e II; Sociologia Geral e Jurídica I e II.
Importante mencionar ainda, que o Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de São Paulo é reconhecido como curso de nível superior de Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública[10].
Ademais, muitas são as universidades em São Paulo que reconhecem o aproveitamento das cadeiras do Curso de Formação de Oficiais da Academia do Barro Branco para fins de aproveitamento em seus Cursos de Direito.
2.3. Delimitação da atividade e sua natureza jurídica: No que tange a natureza da função pública desenvolvida pelos Oficiais de Polícia Militar, para a sua adjetivação como atividade jurídica, de magna importância a adequação perfeita a Resolução n.°75, de 12 de maio de 2009 do Conselho Nacional de Justiça.
Nesta seara, o art.59 do retro mencionado diploma legal qualifica como de natureza jurídica as seguintes atividades:
“Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea “i”:
I – aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
II – o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;
III – o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;
IV – o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
V – o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios.
§ 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito.
§ 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.”
Nestes termos, evidencia-se de plano que unidades da federação como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Paraná e Minas Gerais, que exigem para o ingresso no oficialato de polícia militar a aprovação prévia em concursos públicos de provas e títulos da carreira jurídica, que a natureza das atividades desempenhadas por estes agentes de segurança pública são, insofismavelmente, jurídicas. Forte no art.59, I da Resolução expedida pelo Conselho Nacional de Justiça.
De outra banda, em relação às unidades da federação que ainda não exigem o Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais como requisito mínimo para o ingresso na carreira de Oficial de Polícia Militar, necessária a verificação da adequação da atividade desempenhada ao art. 59, III da Resolução n.°75/09.
Nesse sentido, a sabedoria de Luiz Flávio Gomes ao comentar a matéria:
“Art. 59. III – o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;
Nenhuma novidade em relação à Resolução 11 /06 que também trazia tais possibilidades. Conforme visto anteriormente, o rol estampado pelo art. 59 não é cumulativo, de forma que, para o atendimento desse inciso, não é exigido que se trate de cargo (emprego ou função) privativo de bacharel em Direito, sendo suficiente a utilização preponderante de conhecimento jurídico. In: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1100004/comentarios-a-resolucao-75-09-do-cnj-o-novo-conceito-de-atividade-juridica. Acesso em: 05/10/2011”
Assim, com estribo na ensinança do douto jurista, verifica-se à saciedade que basta que o cargo emprego ou função desempenhada exijam para o seu exercício a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos para que nestes termos possam ser adjetivados.
Indubitável aceitar, como já relatado outrora, que as atividades desempenhadas pelos Oficiais de Polícia Militar no Brasil, são preponderantemente jurídicas.
Neste mister, tanto no desempenho da atividade fim – onde os Oficiais de Polícia Militar efetuam a adequação típica de condutas sociais juridicamente relevantes e decidem quanto ao encaminhamento dos envolvidos a delegacia de polícia para a lavratura do auto de prisão em flagrante ou na confecção do termo circunstanciado e encaminhamento das partes ao Poder Judiciário – quanto na atividade meio – donde Oficiais de Polícia Militar desempenham uma miríade de atividades típicas de investigação, persecução criminal e julgamento de fatos jurídicos afetos a justiça castrense –, avulta de irrefutável clareza que as atividades desempenhadas pelos Oficiais de Polícia Militar no Brasil são preponderantemente jurídicas acoplando-se integralmente aos dispositivos promanados pela Resolução n.°75/09 do Conselho Nacional de Justiça.
Por fim, ainda que desnecessário, sedimenta-se o caráter jurídico da atividade desempenhada pelos Oficiais de Polícia Militar, exemplificativamente, com base em dispositivo constitucional laborado pelo estado de Minas Gerais que, no exercício de seu poder constituinte derivado decorrente reformador, assim vaticinou:
“Art. 142 – (…)
§ 3° – Para o ingresso no Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM – é exigido o título de bacharel em Direito e a aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, realizado com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado de Minas Gerais.
§ 4° – O cargo de Oficial do Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM –, com competência para o exercício da função de Juiz Militar e das atividades de polícia judiciária militar, integra, para todos os fins, a carreira jurídica militar do Estado.”.
Não obstante alguns reclamos eivados de retrógrado ranço corporativo, de cristalina clareza a criação da carreira jurídica militar do Estado de Minas Gerais, formada exclusivamente pelos Oficiais de Polícia Militar daquela unidade federada.
Ante o exposto, natural concluir tanto pelo aspecto axiológico quanto pelo ontológico, que a natureza da atividade desempenhada pelo Oficial de Polícia Militar é jurídica. Nesta seara, a paulatina exigência de bacharelado em ciências jurídicas e sociais para o ingresso nas carreiras de Oficial de Polícia Militar nada mais são do que inteligência dromológica do legislador a emprestar a correta adjetivação a uma função pública ainda em evolução que necessitou de reinventar em um novo estado democrático direito oriundo da ainda novel constituição cidadã.
3. Conclusão
Ante todo o exposto, calha lembrar que a criminalidade é um fato social deveras complexo, tendo sido sempre necessário o seu enfrentamento nas mais diversas orbes, independentemente do momento histórico ou político do país.
Nesta esteira, as polícias militares do Brasil sempre tiveram como característica marcante a adequação a períodos históricos sociais e políticos distintos. Desde o Brasil Império, quando atuavam como Guardas Reais, até o advento do período republicano, quando guardavam funções eminentemente bélicas e de guarda territorial, passando, posteriormente, pelos sucessivos regimes autoritários da infante República Brasileira, infinitas foram as atribuições das polícias militares no país.
No presente ensaio, cresce em importância a análise do período histórico mais recente, que envolve a redemocratização do Brasil. Após o período ditatorial de restrição de direitos fundamentais, vigente do Brasil entre as décadas de 60 e 80, e de um período de reabertura política que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as polícias militares passaram por um período de relativo ostracismo operacional fruto da ainda renitente e infundada comparação das instituições policiais militares com o regime autoritário pretérito.
Todavia, naturalmente que com o passar dos anos, as polícias militares vem se adequando aos novos tempos de desenvolvimento de atividades de policiamento ostensivo direcionado para a maximização dos direito fundamentais e de garantia da ordem constitucional vigente.
Hodiernamente, da evolução das atividades desempenhadas pelos militares estaduais, cunham-se novas expressões como “Polícia Cidadã” e “Polícia Comunitária”, a emprestar um conteúdo mais amplo e consentâneo a realidade político social da nação brasileira.
Neste contexto, os Oficiais de Policia Militar passaram a atuar, com o estribo jurídico adequado, como condutores da transformação institucional das corporações militares. Nessa nova realidade, passaram a desenvolver uma gama de atividades que implicam, de forma indelével, em garantia e restrição de diversos direitos individuais.
Obviamente que, para o correto exercício de tais atividades, em consonância com princípios constitucionais como legalidade, moralidade e eficiência, necessitaram qualificar seus quadros profissionais. Como corolário lógico dessa nova necessidade social, as policias militares vêm exigindo, de forma paulatina, o Bacharelado em Direito como requisito de ingresso de seus oficiais. Outrossim, em suas academias de polícia, passaram adequar seus currículos de formação no intuito de ofertar cadeiras inerentes a Ciência do Direito, como forma de readequação constitucional do desempenho da atividade policial.
Assim uma atividade pública que outrora exigia de seus membros basicamente conhecimentos acerca de estratégia militar, liderança, operações de defesa nacional e logística, passa, hodiernamente, a exigir majoritariamente o conhecimento jurídico para o exercício de suas atribuições constitucionais.
Neste diapasão, a natureza da função do Oficial de Polícia Militar, na atual conjuntura social de espaço-tempo da nação brasileira em uma perspectiva dromológica, é irrefutavelmente jurídica.
Importante mencionar, todavia, que a adjetivação em apreço não é algo perene e estanque em nenhuma atividade humana. Exemplificativamente, em um exercício imaginativo, ao pensarmos em um sistema de julgamento onde o juiz esteja vinculado a um sistema de prova tarifada ou de ordálias ou que possa laborar sentenças sob o pálio do livre convencimento imotivado, certamente, em tais circunstancias haveria o esvaziamento da natureza jurídica da atividade desempenhada pelo magistrado.
Por fim, gize-se que, na atualidade, o requisito de conhecimento técnico em Direito, para o exercício da atividade de Oficial de Policia Militar, e sua adjetivação como atividade jurídica, nada mais são do que um reclamo da sociedade, tendo como único escopo garantir a maximização do pleno exercício dos direitos fundamentais por parte do cidadão brasileiro.
Informações Sobre os Autores
Diogo Botelho Franco
Capitão do Quadro de Oficiais do Estado Maior – Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul
Especialista em Segurança Pública – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
Bacharel em Direito – Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Andressa Dias
Capitão do Quadro de Oficiais do Estado Maior – Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul
Especialista em Direito do Estado – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Bacharel em Direito – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. (PUCRS)