A (Im)Possibilidade do Acúmulo de Dano Moral e Dano Material no Abandono Afetivo Inverso

Wlyana Cruz Gonzaga [1]

Rochele Juliane Lima Firmeza [2]

Centro Universitário Santo Agostinho ­­– UNIFSA

 

RESUMO: O presente trabalho tem a finalidade de explorar o instituto do abandono afetivo inverso, sob o aspecto da possibilidade ou não da ocorrência do dever de  responsabilidade civil dos filhos, por meio de indenização, com o intuito da reparação dos danos ocasionados aos pais idosos, e se existe a perspectiva pelo cabimento do  acúmulo de danos material e moral, quando a prole deixar de amparar e assistir seus pais, causando a estes prejuízos de cunho patrimonial e extrapatrimonial. Neste ponto, violando direitos basilares e fundamentais, previstos na Constituição Federal, na Política Nacional dos Idosos, no Código Civil e no Estatuto do Idoso, tendo em vista, a natureza deste direito precipuamente, de uma garantia fundamental, posto que é um dever dos filhos maiores, prover a assistência aos pais na velhice, carência ou enfermidade, com fundamento jurídico no artigo 229, da Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Abandono, Responsabilidade Civil, Acúmulo, Dano.

 

ABSTRACT: The present work aims to explore the institute of inverse emotional abandonment, regarding the possibility or not of the occurrence of the liability of the children, through indemnity, in order to repair the damages caused to the elderly parents, and if there is the prospect of fitting the accumulation of material and moral damages, when the offspring cease to support and assist their parents, causing these damages of patrimonial and off-balance sheet nature. In this respect, in violation of fundamental and fundamental rights, provided for in the Federal Constitution, the National Policy of the Elderly, the Civil Code and the Statute of the Elderly, in view of the nature of this right as a fundamental guarantee, since it is a duty of the older children, to provide assistance to parents in old age, lack or disease, based on Article 229 of the Federal Constitution of 1988.

Keyword; Abandonment, Liability, Accumulation, Damage.

 

Sumário: Introdução. 1. Direitos Dos Idosos No Ordenamento Jurídico Brasileiro. 1.1 Constituição Federal De 1988. 1.2 Normas Infraconstitucionais. 1.2.1 Política Nacional Dos Idosos. 1.2.2 Código Civil De 2002. 1.2.3 Estatuto Do Idoso. 2 Abandono Afetivo. 2.1 Abandono Afetivo Inverso. 3 Aspectos Gerais Da Responsabilidade Civil. 4.1 Da Responsabilidade Civil E A Possibilidade De Acúmulo De Dano Moral E Material No Abandono Afetivo Inverso. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como metodologia utilizada o método dialético, posto há discordância e contraposição do abandono afetivo inverso, sob o aspecto da responsabilidade civil, no ordenamento jurídico brasileiro. Através de pesquisa bibliográfica, utilizou-se como método de pesquisa uma revisão sistemática de literatura, publicada nas bases de dados: Google Acadêmico no período de 2014 a 2019, Jurisprudências de Tribunais Regionais e do Superior Tribunal de Justiça, assim como nos dispositivos legais e, doutrinas.

Preliminarmente se faz indispensável expor que o presente artigo tem como objeto os direitos dos idosos, os quais encontram-se em ascensão desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, incrementados pela Política Nacional dos Idosos, Lei n° 8.842 de 1994, dirigindo-se em busca da efetiva proteção aos direitos da pessoa idosa, tendo como base os princípios fundamentais constitucionais, sendo ratificados estes direitos gerais pelo Código Civil de 2002 e,  finalmente, tratados de forma especificada no Estatuto do Idoso, Lei n° 10.741 de 2003.

Logo, evidencia-se aqui um dentre tantos direitos constitucionais, o qual estabelece o dever de amparo e assistência dos filhos, perante seus pais na sua velhice, previsto no artigo 229, da Constituição Federal de 1988, destacando se existe uma possível consequência civil, de cunho compensatório em face deste filho. Esta preocupação foi trazida, tendo em vista que, os idosos, ao serem desassistidos, sofrem prejuízos imensuráveis, tornando-se necessária a aplicação de medidas que coíbam essa atitude tão repreensível e danosa.

Neste artigo, ainda, objetiva-se utilizar como fundamento jurídico, o instituto da responsabilidade civil deste filho, no que tange ao aspecto do pai idoso sofrer algum dano, por ensejo do descumprimento daquele em prover o bem-estar destes, ajudando e amparando assistencialmente. Além disso, a presente defesa ao interesse do genitor idoso, descreve-se que este instituto de reparação civil se encontra protegida nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.

Ademais, entende-se que a responsabilidade civil no abandono afetivo inverso enseja em uma relevante discursão no âmbito jurídico e social, posto que o pai idoso é um sujeito de direitos, devendo estes serem respeitados, pois quando violados causam danos de natureza material e moral, e, por conseguinte, podendo surgir uma hipótese para aplicação da penalidade civil de cunho indenizatório, com o intuito de reparar o dano ocasionado.

Nesta perspectiva, este artigo tenciona examinar a impossibilidade ou possibilidade do cabimento de cunho obrigacional da responsabilidade civil, sob incidente do instituto do abandono afetivo inverso, e o cabimento do acúmulo de danos moral e material sofridos pelos pais idosos.

 

  • DIREITOS DOS IDOSOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Partindo de um liame geral, no tocante as primeiras prerrogativas contempladas aos idosos, deve-se retroceder ao ano de 1916, cuja a Lei de n° 3.071, o antigo Código Civil, trazia em seu corpo apenas alguns regramentos, que evidenciava à prestação de alimentos recíprocos entres pais e filhos, especificadamente nos artigos de número 396 e seguintes.

No entanto, salienta-se que desde então surgiram alguns Decretos, Leis, Portarias, entre outros diplomas legais, tratando de diversos temas referentes aos idosos, os quais, cooperaram para a construção e o desenvolvimento de políticas que objetivaram a segurança e a qualidade de vida para o idoso no Brasil. Tendo como finalidade desmistificar a velhice como sinônimo de improdutividade em relação ao labor ou declínio físico e/ou mental, e não consoante a uma característica de um sujeito de direitos.

Diante então de uma constante evolução da sociedade e consequentemente do progresso jurídico, perante a necessidade do reconhecimento da condição social do idoso pode-se comemorar com a efetivação dos direitos fundamentais deste, no corpo da Constituição Federal de 1988, trazendo assim um novo segmento com maior relevância na aplicação da proteção aos maiores de 60 anos.

Ainda, após a Carta Magna de 1988 a Lei de n° 8.842, de 4 de Janeiro de 1994, galgou no ordenamento jurídico brasileiro contribuindo acerca da Política Nacional do Idoso (PNI), visando ratificar os direitos sociais dos idosos, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade, nos termos do artigo 1° desta Lei.

Seguindo a linha temporal, o Código Civil de 2002, também resguardou prerrogativas e objetivou a preservação de eventual discriminação em razão da idade, espelhando-se nos direitos e princípios fundamentais constitucionais, estabelecendo preceitos legítimos e buscando com efetividade expandir a égide da pessoa idosa, por exemplo, regulando casual reparação civil ocasionada por dano moral e/ou material.

Ainda, O Estatuto do Idoso, Lei de n° 10.741, de 1° de outubro de 2003, corresponde a outra referência indispensável e específica, no qual, contempla obrigações em diferentes aspectos, conferindo responsabilidades a família, a sociedade e ao Estado, reforçando, assim, as garantias essenciais mínimas inerentes a pessoa humana e consequentemente conferidas aos idosos.

Dito isto, resta claro o grande amparo legal no âmbito jurídico brasileiro, no que diz respeito a figura do idoso, pois este entra-se retratado por normas tanto de natureza constitucional e assim como infraconstitucional. Sendo assim, tratar-se-á especificadamente os diplomas legais correlacionados ao presente trabalho nos itens a seguir.

 

  • Constituição Federal de 1988

A priori cabe salientar que não se objetiva findar minuciosamente todos os direitos aduzidos na Carta Magna de 1988, contudo tratar-se-á dos principais dispositivos alusivos à pessoa idosa. Salienta-se que, o campo constitucional é repleto de direitos com diferentes classificações, os quais, pontuam os idosos. Entre estes cabe citar os direitos assistenciais (artigo 203), os direitos de seguridade social (artigo 194), os direitos previdenciários (artigo 201) e outros mais.

Desta forma, a Constituição Federal de 1988 faz inicialmente menção implícita aos direitos dos idosos quando prevê em seu artigo 1°, inciso III, o princípio fundamental geral da dignidade da pessoa humana, o qual, estende-se a qualquer pessoa. Diante disso, destaca-se como fundamento a proteção a uma vida digna enquanto humano, independente de particularidades externas, ou seja, de sua condição social ou econômica.

À vista disto, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, configurando-se um direito elementar reconhecido aos indivíduos, no qual o Estado tenciona por meio de políticas públicas o cumprimento das necessidades basilares dos sujeitos de direito, como a habitação, o lazer, a saúde, a assistência social, a segurança, entre outros.

Dessarte, com relação a pessoa idosa e ao princípio da dignidade da pessoa humana, considera-se que a condição de viver com dignidade é ter a conservação física e psíquica na sua integralidade, isto é, defendendo o bem-estar destes por uma vida independente e salubre. Este princípio estabelece deveres assistenciais de prestação de apoio físico e moral, em que a não observância dessas atribuições pela família caracteriza-se pelo abandono afetivo inverso, visto que é dever dos filhos prestar assistências aos pais e, durante a velhice destes, assegurar o direito de viver de forma digna.

É relevante, ainda, apontar que um dos objetivos fundamentais descritos no artigo 3°, inciso IV, é o dever de proporcionar o bem de todos, contudo, sem que haja discriminação quanto a idade. Neste contexto, o “[…] absoluto respeito aos direitos humanos fundamentais dos idosos, tanto em seu aspecto individual como comunitário, espiritual e social, relaciona-se diretamente com a previsão constitucional de consagração da dignidade da pessoa humana” (MORAES, 2012, p. 890).

Por sua vez, o artigo 5° arrola um extenso rol exemplificativo de direitos fundamentais. Extrai-se do caput o direito a equidade de todos perante a lei, ratificando a vedação no que tange a discriminação de qualquer natureza, inclusive quanto a idade. Nesta linha de raciocínio:

Os direitos fundamentais são normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico (MARMELSTEIN, 2016, p.18).

Dessa forma, demonstra-se que os direitos fundamentais regem os limites estatais e em contrapartida outorgam condições mínimas que contribuem para uma existência digna. Portando a característica da irrenunciabilidade e referindo-se a todos, ou melhor dizendo, possuindo um caráter universal, os direitos inerentes a pessoa possuem um cunho social, denominados direitos sociais na forma desta Constituição, previstos no seu  artigo 6°, que são: a vida, os alimentos, a liberdade, a segurança, a cultura, o lazer, a saúde e etc.

Ademais, tratando-se da responsabilidade recíproca entre pais e filhos, ressaltando o dever da prole em relação da proteção ao idoso, prevendo no artigo 229 da CF/88, que tanto os pais como os filhos maiores detêm da incumbência de amparar e ajudar um ao outro. Todavia, os direitos destes consequentemente representam deveres para outros. O artigo 230 da CF/88, prevê que o encargo não é apenas familiar, mas constitui-se dever também da sociedade, assim como do Estado, os quais, devem assegurar aos idosos, condições dignas para participar da comunidade, assim como garantir-lhes o direito à vida.

Evidencia-se, ainda, que houve uma preocupação do Poder Constituinte Originário em igualar a todos independentemente da idade ou de quaisquer naturezas, tratando a pessoa maior de 60 anos como um sujeito compondo um estado democrático de direito. Posto isto, a Constituição Federal de 1988 pontuou de forma especial as matérias referentes aos idosos. No entanto, os preceitos legais brasileiros infraconstitucionais espelharam-se naquela e replicaram especificadamente os direitos e os princípios fundamentais, garantindo um amparo legal não restrito as normas constitucionais.

 

  • Normas Infraconstitucionais
  • Política Nacional dos Idosos

A Lei n° 8.842 de 1994, surgiu para incrementar as políticas nacionais sociais, dirigindo-se em busca da efetiva proteção aos direitos da pessoa idosa, e tendo como base os princípios constitucionais. Destaca-se o cuidado de viabilizar alternativas para a participação e convívio dos idosos com a família e a sociedade, proporcionando de forma expressa o seu direito à cidadania, objetivos estes extraídos do artigo 4° da presente Lei, da seção II, a qual estabelece as diretrizes.

É preciso frisar que as disposições desta norma almejaram conjuntamente a longevidade e a qualidade de vida intentando a não segregação dos idosos dentro de um grupo social. Neste contexto:

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social (DALLARI, 2004, p. 14).

A posteriori estes escopos foram consolidados e ampliados com o advento do Estatuto do Idoso em 2003.

 

  • Código Civil de 2002

Conforme exposto anteriormente, o idoso passou a ser visto como um sujeito de garantias, isto é, os seus direitos encontravam-se ativamente em ascensão. Desse modo, o Código Civil ratificou genuinamente nos artigos 1.694 e seguintes, aonde a matéria de obrigação alimentar recíproca é ostentada originariamente pela Constituição Federal.

Assim, o dispositivo 1.694 do Código Civil aduz que “os parentes podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com a sua condição social” (BRASIL, 2002). Neste modo, surge então um dever de assistência para com o hipossuficiente, tendo como pilar os fundamentos morais e o sentimento de compaixão para com o próximo. Por seu turno, observa:

O dever de prestar alimentos funda-se na solidariedade humana e econômica que deve existir entre os membros da família ou os parentes. Há um dever legal de mútuo auxílio familiar, transformado em norma, ou mandamento jurídico(…). É inata na pessoa a inclinação de prestar ajuda, socorrer e dar sustento (GONÇALVES, 2017, p. 653).

É notório que para configurar o dever de prestar alimentos será necessário constatar a presença dos requisitos básicos deste instituto que estabelece como condicionalidade o binômio possibilidade/necessidade, com o objetivo de garantir uma fixação de alimentos e, conjuntamente, respeitar o princípio da proporcionalidade.

Dessa maneira, no que concerne a natureza da obrigação alimentar ao idoso, seria conveniente apontar a existência do conflito entre o Código Civil e o Estatuto do Idoso, pois a lei geral estabelece que a natureza da obrigação seria subsidiária e em contrapartida a lei especial em seu artigo 12, prevê que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”(BRASIL, 2003), ou seja, o idoso pode optar dentre os prestadores, podendo ser observado a título de exemplo a condição econômica do prestador. Prevalecendo neste embate, o Estatuto do idoso por tratar-se de norma com caráter especial.

Ademais, o presente ramo do direito privado dispôs institutos importantes disciplinando a reparação civil, prevendo possíveis inobservâncias de seus preceitos e ocasionando consequentemente prejuízos a um dos agentes envolvidos. O Código Civil precaveu-se ensejando garantias de responsabilização em casos de violação de direitos ou fomentação de danos. Em seu artigo 186 dispõe que “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002). Na mesma linha, o artigo 927 prevê que “aquele que, por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Logo, com relação aos idosos e a responsabilidade civil, remete-se particularmente a figura do abandono afetivo inverso, partindo do pressuposto que há existência do vínculo familiar, ao agente relapso surge a necessidade de reparar, ou melhor dizendo, quando a prole deixar de prover moral e materialmente os seus genitores, surgirá o dever de indenizar, ou seja, aquele será obrigado a prestar alimentos a este.

Assim, no âmbito civil evidencia os direitos dos idosos com a preocupação referente a obrigação de prestar alimentos e reparação dos danos provocados por meio de atos omissivos ou comissivos com práticas negligentes ou imprudentes na esfera doméstica, acarretando prejuízos e produzindo efeitos negativos para a vida das pessoas idosas.

 

  • Estatuto do Idoso

Diante de um favorecimento constitucional e da grande influência externa que discutia os direitos a dignidade e a saúde aos idosos, pretendendo valorizar este grupo vulnerável aqui no Brasil, em 1° outubro de 2003, após quase 10 anos de tramitação do projeto de Lei n° 57/03, foi aprovada no Congresso nacional e sancionado pelo Presidente da República a Lei de n° 10.741, o presente Estatuto do Idoso.

Esta Lei Federal compreende em torno de 118 artigos, os quais, especificadamente ratificam e ampliam os direitos e princípios fundamentais intrínsecos a qualquer pessoa, que foram trazidos anteriormente pela Constituição Federal de 1988, pela Política Nacional do Idoso e pelo Código Civil de 2002, viabilizando uma condição social digna e livre, preservando a saúde física e mental e atribuindo obrigações fiscalizatórias as entidades assistenciais de cunho protecionista aos idosos.

Portanto, o Estatuto do Idoso delimita em seu artigo 1° o idoso como pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. No entanto, alguns de seus direitos somente serão adquiridos quando completarem 65 (sessenta e cinco) anos, tendo como exemplo, a gratuidade nos transportes coletivo públicos urbano e semiurbanos, conforme prevê o artigo 39 do Estatuto.

Com o objetivo concreto de efetivar os mecanismos prévios, o Estatuto contempla – em diferentes aspectos – os direitos básicos e essenciais da pessoa idosa, buscando aprimorar o cotidiano deste grupo protegido, encarregando estas obrigações a família, a sociedade e ao Poder Público, cooperando concorrentemente na medida de suas atribuições que foram compreendidas no artigo 3° e outros do Estatuto.

Ainda, é visível que o Estatuto preocupou-se em proteger os idosos a qualquer tipo de negligência, discriminação, abuso ou violência ao descrever em seu artigo 4° que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido em lei” (BRASIL, 2003), adicionando também em seu parágrafo que o direito de prevenir a violação ou a ameaça aos direitos dos idosos é de todos.

Outrossim, referente a previsão da obrigação de alimentos a serem prestados ao idoso, encontra-se descrita no Capítulo III, nos artigos 11 a 14, devendo prestação observar a norma civil no que couber. Todavia, como já discutido não será adotado o caráter subsidiário da obrigação prevista no Código Civil, mas, sim, a natureza solidária da prestação de alimentos, com fundamento no 12 do Estatuto do idoso.

Salienta-se, ainda, que as matérias dispostas na Lei n° 10.741 são evidentemente abrangentes, pois discorrem sobre os direitos fundamentais, previdência e assistência social, habitação e como visto também ao transporte, preocupando-se com as medidas de proteção ao idoso,  as políticas de atendimento e fiscalização, assim como disposições dedicadas a eventuais penalidades pelos crimes ocasionados aos idosos e atribuindo a competências e responsabilidades aos institutos públicos, por exemplo, o Ministério Público detém a atribuição do zelo para efetividade da presente norma especial.

Diante dos fatos supracitados, resta claro a extensão de normas positivas proporcionando a tutela das políticas e dos direitos direcionados aos idosos, possibilitando a supressão da desigualdade e aplicando uma segurança maior no âmbito social, resultando, assim, uma melhor qualidade de vida a população idosa.

 

  • ABANDONO AFETIVO

Antes de se observar o tema central do presente trabalho, é interessante apreciar as características gerais que envolvem o gênero abandono afetivo, com o intuito de estabelecer de modo geral o instituto e posteriormente delimitar especificadamente, aprofundando a espécie abandono afetivo inverso – objeto este proposto a ser estudado.

Inicialmente, demonstra-se que o conceito de família se reporta a palavra proteção, isto porque no âmbito familiar estão presentes a segurança, o cuidado e o afeto, sendo estes direitos classificados como mínimos, os quais, com as suas inobservâncias implicam consequentemente em responsabilidade aos seus detentores. À vista disso, verificando-se eventual negligência às garantias basilares acautelas no ordenamento jurídico dar-se-á origem ao instituto do abandono afetivo.

A propósito, observa Gonçalves (2017, p.16), com acuidade que: “Lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção”.

O presente instituto, ainda, demonstra que o abandono afetivo gera inúmeras consequências posto a inexistência assistencial familiar que tem como reflexo negativo o sofrimento emocional na vida do abandonado. Frisa-se que este dever de assistência não é singular ao dever de sustento, visto que, para configurar o abandono afetivo é necessário que haja a ausência de afeto associado com a omissão do dever de cuidar.

Como dito, os requisitos para caracterizar o tema em discursão são essencialmente cumulativos, tornando-se indispensáveis o efetivo desleixo moral e material. Desta forma, percebe-se que é notório o cunho obrigatório das prestações do provimento material e o de fazer-se integralmente presente na vida da prole. Evidencia-se que a omissão quanto ao cumprimento desses deveres incorre na lesão ao princípio da dignidade e ao descumprimento obrigacional legal.

Salienta-se que o resultado abandono enseja em penalidade pecuniária, a qual, é definida como reparação civil, considerando que a conduta decorre de um comportamento doloso ou culposo originando a negligência, quando é desatendido os direitos básicos do abandonado, ou a imprudência do agente no momento em que este por falta de zelo deixa de exercer o dever de cuidado. Nota-se que:

Verificado o dano, surge para o filho o direito de representação e a ser exercitado em face de quem lhe deu causa. A quaestio facti é muito complexa, pois requer: a indenização do dano, a definição da conduta do pai, o nexo de causalidade, ou seja, que a conduta do pai foi a causa do dano. Como se trata de natureza extracontratual subjetiva, é fundamental que conduta do indigitado tenha sido intencional ou decorrente de negligência ou imprudência(…) (NADER, 2014, p. 363).

Ainda, a responsabilidade civil deterá de natureza subjetiva, possibilitando o cabimento de dano moral e/ou material, cabendo ao juiz analisar a proporcionalidade da extensão do dano no caso concreto. Estando a responsabilidade civil no caso de abandono afetivo caracterizada quando existir entre a conduta ilícita do agente e o dano um nexo de causalidade.

Neste ponto, registra-se um julgado proferido pelo Relator Desembargador Claudir Fidélis Faccenda da 8° Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no ano de 2007, muito embora anoso ilustra brilhantemente o argumento defendido no parágrafo anterior, quando diz que: “A responsabilidade civil, no Direito de Família, é subjetiva. O dever de indenizar decorre do agir doloso ou culposo do agente. No caso, restando caracterizada o nexo de causalidade e o dano, cabe indenização por danos materiais e morais…”.

Constata-se:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS E MORAIS. ABANDONO DO FILHO. FALTA DE AMPARO AFETIVO E MATERIAL POR PARTE DO PAI. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDIMENCIONAMENTO. A responsabilidade civil, no Direito de Família, é subjetiva. O dever de indenizar decorre do agir doloso ou culposo do agente. No caso, restando caracterizada a conduta ilícita do pai em relação ao filho, bem como o nexo de causalidade e o dano, cabe indenização por danos materiais e morais. Nas demandas condenatórias, a verba honorária deve incidir sobre o valor da condenação. Inteligência do art. 20, §3º, do CPC. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO DO REQUERIDO IMPROVIDO.” (BRASIL, TJRS, 8ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70021427695, Relator Des. Claudir Fidélis Faccenda, julgado em 29/11/2007).

Para o doutrinador Monteiro (2012), quando os deveres característicos dos pais são desrespeitados geram danos, podendo ter como consequências a suspensão ou a destituição do poder familiar, assim como a aplicabilidade da condenação em reparação civil do genitor para o filho.

Todavia, é relevante aportar que a respeito da reparação por efeito do abandono afetivo denota-se a existência de correntes contrárias quanto ao cabimento da indenização de natureza moral, pois afirmam que a inexistência de amor não tem condão para ser analisada pelo Judiciário, não surtindo qualquer obrigação legal a falta de amor entre os sujeitos na relação familiar.

Contudo, restou-se evidente que no ambiente familiar mais precisamente na relação entre pais e filhos, havendo a ausência de sustento econômico e afetivo consequentemente resultará em dano de natureza moral e material, que a depender do caso concreto possibilitará o acúmulo destes. Acentua-se que tais elementos e efeitos se estenderão ao abandono afetivo inverso, o qual, passa-se tratar a seguir.

 

  • Abandono Afetivo Inverso

No item anterior restou demonstrado que o gênero abandono afetivo resulta a responsabilidade civil dos pais perante os filhos, quando ocorre o descumprimento dos deveres legais. No entanto, o presente trabalho objetiva evidenciar a consequência da espécie abandono afetivo inverso, o qual, é um tipo específico de abandono que se configura com a ausência de incumbência habitual da prole, promovendo o desapreço contra os genitores, em regra, idosos.

Desse modo, o instituto do abandono afetivo inverso será caracterizado quando houver uma conduta negligente e/ou imprudente, podendo esta ser de natureza omissiva ou comissiva, sendo assim, inobservado os direitos básicos e consequentemente frustrando uma existência digna dos genitores idosos.  Ratifica-se que do mesmo modo que ocorre no abandono afetivo, restando configurado o abandono afetivo inverso e estando presentes os elementos de conduta, nexo causal e dano ao genitor, o filho responderá judicialmente pela responsabilidade civil.

O inusitado, ainda, é perceber que esta hostilidade ocorre no seio familiar, ou seja, no ambiente em que o idoso deveria ser protegido e não onde se institui as mais graves violências. O abandono afetivo inverso com já dito, é proveniente da negligência, do descumprimento das garantias do idoso ou mesmo com as faltas dos filhos em relação aos deveres que possuem para com os pais idosos.

Em outros termos, o abandono afetivo inverso constitui-se na supressão de esteio material e afetivo, empregando neste caso o efeito jurídico de responsabilidade para compensar o abalo físico, psicológico e material, quando caracterizado a inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana no ambiente familiar. Contudo, a indenização deve ter natureza punitiva e não comercial, com intuito apenas abrandar os danos materiais e imateriais ocasionados. Nesta linha de raciocínio, cita-se que:

É primordial a cautela na utilização da ação de indenização por danos morais por abandono afetivo, pois é necessário se evitar a comercialização do afeto. O que se pretende é a conscientização dos autores do abandono afetivo do prejuízo que causaram, e fazer com que outras pessoas não tenham a mesma conduta (GONÇALVES 2012, p. 86).

Em vista disso, no Direito de Família, o afeto é um dos elementos que aduzem o vínculo familiar, dessa forma, nota-se que o presente instituto provém do princípio da afetividade, tendo em vista a importância deste requisito na estrutura familiar, já que o afeto é um elemento essencial para o indivíduo nela contido. Madaleno (2011, p. 66), dispõe que “O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para fim e ao cabo dar sentido e dignidade de à existência humana.”

Em um julgado da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Ministra Fátima Nancy Andrighi, expõe que “Amar é faculdade, cuidar é dever”. Neste sentido, ficou estabelecido a possibilidade da exigência de reparação decorrente de abandono afetivo, devendo ser analisado o grau do abandono e de dano no caso concreto para eventual fixação de indenização.

Examina-se:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp número 1.159.242/SP, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrigh, jugado em 24 de abril de 2012).

Desta maneira, configurada a ausência de cuidado com as garantias e com os direitos do genitor a concessão de indenização compensatória para suprir as negligências da prole que pratica este ilícito civil, objetiva a punição de forma pedagógica a quem deixou de prover os genitores. Contudo, há divergência a respeito do cabimento da concessão de indenização no abandono afetivo inverso, como observa-se na exposição da Relatora Joeci Machado Camargo:

APELAÇÃO CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA MINISTÉRIO PUBLICADO ESTADO DO PARANÁ. Proteção de direitos e interesses dos idosos indeferimento da Petição Inicial por ausência de interesse processual pleito pelo reconhecimento do abandono dos demais filhos da idosa doente e imposição do dever de amparo descabimento pedidos que fogem da seara de atuação do poder judiciário. Afetividade que não pode ser imposta. Sentimento subjetivo. Ausência de interesse Processual. Petição Inicial indeferido. Ausência de Julgamento do mérito. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. 1.a demanda visa à coação dos filhos para que prestem auxilio afetivo e de cuidado com a mãe idosa e enferma, o que não pode ser determinado pelo Poder Judiciário.2. Os laços afetivos são sentimentos sujeitos e que devem partir de cada ser humano naturalmente, sendo inviável a sua imposta. 3. A demanda não se confunde com pedido de alimentos, pois este não foi um requerimento inicial e, nesta fase processual, implica em inovação recursal, conforme o Art. 157 do Código de Processo Civil .4. Reconhecimento da ausência de interesse processual do ministério público de indeferimento da petição inicial conforme Art. 295,inc 3, Código de Processo Civil.5.Recurso conhecido e desprovido. (TJPR-12ª Código Civil- ac-1386909-3-região metropolitana de Londrina Foro Central de Londrina – Rel: Joeci Machado Carmargo-Uninime-J09.03.2016).

Diante de tal relato percebe-se que a Ilustríssima Relatora fundamentou a decisão com a inexistência de elemento material para a apreciação da causa pelo Poder Judiciário. No entanto, independente da fundamentação, da qual “ninguém é obrigado amar ninguém”, portanto diferente do julgado acima, existe a possibilidade de concessão da indenização com cunho compensatório, sob a fundamentação da ausência material e imaterial, com a finalidade de suprir as exiguidades básicas de um ser humano vulnerável, para que sejam salvaguardados a estes idosos o mínimo existencial.

Desta forma, observa-se que o instituto do abandono afetivo inverso é uma matéria discutida no Direito Civil na seção de Família, que vem a trazer consequências civis quando caracterizado. Logo, surgirá a possibilidade de cabimento de responsabilidade civil a depender do caso concreto, pois como será observado a seguir a presente obrigação dependerá de alguns requisitos.

 

  • ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é uma obrigação do agente que, por violação de um dever legal, causou algum dano a terceiro, devendo aquele reparar este pelos prejuízos causados, ou seja, a responsabilidade constitui-se quando, surge a necessidade da restauração de um dano, derivando ao agente causador o dever de ressarcir este dano.

Seguindo esta linha de raciocínio, entende-se que:

Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social (GONÇALVES, 2019, p. 20).

Logo, testifica-se que, o Código Civil constituiu o instituto da responsabilidade civil com o objetivo de compensar ou, quando for o caso de reestabelecer, o dano provocado ao agente na seara particular que violar um dever jurídico originário. Diante disso, surgirá então a obrigação direta de reparar o dano para o responsável do infortúnio.

Para Diniz (2015), a responsabilidade civil é uma consequência pelo cometimento de uma violação normativa do direito privado, que constitui em uma penalidade civil de natureza compensatória, pois resulta em reparação ou indenização do ato ilícito, para garantir a segurança do cumprimento dos direitos básicos e punir o agente responsável com o desígnio de desestimular a prática de atos danosos.

Os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil combinados, evidenciam que quando o agente por meio conduta ilícita ocasionar qualquer espécie de dano a outrem, aquele ficará obrigado a reparar este pelos prejuízos causados. No entanto, para que a conduta ilícita resulte em responsabilidade civil exige-se a presença de três requisitos básicos, sendo estes o dano, a culpa ou dolo e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano.

Tratando-se de Direito Civil, será caracterizada a responsabilidade civil, apresentando-se o elemento culpa em sentido lato sensu, isto é, a culpa em sentido amplo, pois abrange tanto a culpa, como o dolo, a qual, remete-nos a ideia de uma conduta negativa, ou seja, quando o agente deixa de cumprir o dever legal e destitui-se de imposição legal, ocasionando dano a outrem.

O dano por sua vez, possuirá natureza material ou imaterial a depender do caso concreto, pois dependendo da análise fática pode-se notar a presença do dano de cunho material e/ou moral. Nos casos em que for evidenciado ambos, surgirá a possibilidade quando viável do acúmulo destes em uma mesma demanda.

Por fim, a Súmula de n° 37 do Superior Tribunal de Justiça, assegura o seguinte: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. Com efeito, do que determina o artigo 5°, V, da Constituição Federal, o qual, estabelece o direito à indenização por dano material e moral, inexistindo qualquer proibição legal para o acúmulo dos danos.

Ademais, salienta-se que deve haver um liame entre a conduta do agente e o dano, pois a responsabilidade civil somente será aplicada quando o ato ilícito resultar diretamente em prejuízo para o outro particular.

Neste contexto,

A relação de causalidade é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressão no verbo “causar”, utilizado no art. 186. Sem ela, não existe a obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar (GONÇALVES, 2019, p. 54).

Nessa lógica, nota-se que o instituto da responsabilidade civil decorre de uma obrigação de restituir alguém, com efeito da violação de direito e da provocação do dano conjuntamente, podendo numa única conduta, provocar efeitos variados, possibilitando a cumulação da reparação do dano moral e material. Diante do exposto, torna-se imprescindível adequar a reponsabilidade civil e do acúmulo dos danos moral e material no instituto do abandono afetivo inverso.

 

4.1 Da responsabilidade civil e a possibilidade de acúmulo de dano moral e material no abandono afetivo inverso

Primeiramente, destaca-se que, como já analisado, a responsabilidade civil poderá ter natureza patrimonial ou moral, podendo estas serem caracterizadas separadamente ou conjuntamente, derivando de um único fato, posto o entendimento sumulado (Súmula n° 37, Superior Tribunal de Justiça), desde que presentes todos os elementos necessários para caracterizar a dever legal de restabelecer o dano, pelo agente que o provocou.

Ademais, observa-se que, o instituto do abandono afetivo inverso é uma ramificação do gênero abandono afetivo, institutos estes previstos no artigo 229, caput, da Constituição Federal de 1988. Assim, quando a inobservância quanto a este dispositivo constitucional, e gerando dano ao genitor, surge evidentemente a obrigação de restaura-lo, originando deste modo a responsabilidade civil no abandono afetivo inverso.

Verifica-se a existência da possibilidade legal do genitor requer judicialmente uma indenização, quando este, pela falta de amparado dos filhos na sua velhice, ficar sujeito a dano, isto é, no caso de ocasionar-lhe dor e sofrimento causados pela falta de afeto, e por inexistência de suprimentos materiais básicos. Constata-se que, o idoso encontra-se numa situação de fragilidade, pois sua posição nesta fase, no meio social e familiar, é por muitas vezes periférica, tendo em conta a inexistência de uma efetiva postura positiva familiar.

Frisa-se que a finalidade da responsabilidade civil no abandono afetivo inverso não vai de encontro com imposição de amar, pois é sabido que, no âmbito jurídico inexiste este dever legal. Pelo contrário, procura-se somente a responsabilidade daqueles que detém do dever de amparo e assistência dos genitores, os quais, se encontram em situação de vulnerabilidade.

Neste sentido, Marchioro (2014, p. 28) entende que:

O abandono afetivo inverso não possui o escopo de obrigar aos filhos a amarem seus pais idosos, mas possui como verdadeiro fim a proteção dos indivíduos acobertados por maior vulnerabilidade, como os menores e os próprios idosos. Saliente que tal instituto encontra respaldo no princípio de que a ninguém é dado o direito de ocasionar prejuízos a outrem, materializado pelo art. 186 do Código Civil e base fundadora da Responsabilidade Civil, e se assim o fizer deverá compensar o dano causado.

Portanto, o abandono afetivo inverso é caracterizado e passível de indenização, quando o filho não cumpre o dever assistencial em relação aos pais, tanto material, quanto imaterial. Em outras palavras, o presente instituto será caracterizado e deverá ter como consequência a responsabilidade civil dos filhos, quando há ausência de suprimentos materiais, de afeto, e do cuidado, para com seus os genitores, pois este encargo direcionado a prole, é um dever impostos por lei, e não uma faculdade.

Por conseguinte, a ausência de cuidados basilares aos pais pelos filhos, podem estimular transtornos psicológicos e manifestações de doença, neste sentindo, existe uma violação aos direitos da personalidade do genitor, provocando um dano de natureza moral. Por outro lado, não se exclui a obrigação da prole de prover materialmente seus pais, caso contrário, aquele incorrerá na obrigação de indenização de natureza material. Dito isto, nota-se que, a responsabilidade civil no abandono afetivo inverso, extrai de um só fato danos de natureza material e moral.

Contudo, observa-se que, ainda existe um amplo questionamento nos julgados no tocante a possibilidade de responsabilidade civil no abandono afetivo inverso, uma vez que há decisões, as quais alguns Tribunais decidem pela improcedência da ação, mesmo com entendimento favorável do Superior Tribunal de Justiça, em demandas referentes a possibilidade de exigir indenização nos casos de abandono afetivo, conforme jurisprudências já observadas, quando tratou-se no item referente do abandono afetivo e do abandono afetivo inverso.

Salientando-se que, as decisões do abandono afetivo servem de parâmetro para o abandono afetivo inverso, posto que, são raras as demandas de cunho compensatório que constituem os pais no polo ativo da demanda, em face dos filhos. Considerando-se que, existe uma consolidação da possibilidade de indenização por abandono afetivo, devendo tal entendimento favorável prevalecer ao instituto do abandono afetivo inverso.

Dessa forma, será utilizado o princípio da analogia, com fundamento no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto Lei 4657/42), o qual aduz, que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1942), devido à ausência de norma e de preceitos que estabeleçam a aplicabilidade da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo inverso.

Isto posto, constata-se que, o instituto do abandono afetivo inverso, ainda se encontra em discussão, sem perspectiva de eventual entendimento consolidado. Todavia, as circunstâncias nos casos do abandono afetivo inverso devem ser examinadas caso a caso, necessitando de demonstração da presença dos requisitos obrigatórios para caracterização da possibilidade de indenização do presente instituto.

Neste seguimento, o Poder Judiciário é incumbido de executar uma ponderação entre a conduta lesiva praticada pelo filho e o dano ocasionado ao genitor, devendo estabelecer os valores compreendidos, sendo que estes deverão ser individualizados em cada demanda, buscando adequar a máxima praticabilidade do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, posto que este idoso sofreu danos, pela ausência de provimento básicos de subsistência.

Acentua-se que, a responsabilidade civil no abandono afetivo inverso, tem aplicabilidade cujo o caráter tem natureza tanto pedagógica ao filho, com intuito de mitigar a incidência do presente instituto ocasionado por estes , quanto sancionatório, pois tem como objetivo reparar os danos matérias e morais, por meio de indenização para amenizar os prejuízos causados ao pai idoso, ou seja, o abandono afetivo inverso, é definido quando o detentor do dever de amparo material e imaterial dos pais, exime-se deste encargo, causando-lhes prejuízos.

Por fim, acredita-se que, há possibilidade do cabimento da responsabilidade civil na ocorrência do abandono afetivo inverso, posto que este instituto implica na ocorrência dos danos de natureza patrimonial e extrapatrimonial. Ademais, crer-se na possibilidade de acúmulo do dano moral e material. Contudo, observou-se no decorrer do artigo que, infelizmente este não é o entendimento que prevalece nos raros julgados dos Tribunais, sendo estes amparados pelo fundamento de ausência de interesse processual, conforme já percebido no item referente ao abandono afetivo inverso.

 

CONCLUSÃO

Diante o exposto no presente estudo, após uma breve análise dos direitos fundamentais dos idosos descritos no ordenamento jurídico brasileiro, em âmbito geral, extraiu-se do artigo 229, da Constituição Federal de 1988, o fundamento jurídico do instituto do abandono afetivo inverso, sucedendo este nos casos de descumprimento do dever legal de amparo dos filhos, aos pais na velhice. Este incidente do abandono afetivo inverso ocasiona efeitos danosos aos idosos, a depender do caso concreto podendo conceber prejuízos de natureza material e/ou moral.

Faz-se necessário, ainda, que na presença de perniciosidades ocasionadas a um agente de direitos, conforme trata-se o pai idoso, será invocado o instituto da responsabilidade civil, a qual prevê a possibilidade de reparação, por meio de indenização, para amenizar os danos ocasionados, conforme preleciona os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, posto que há o cometimento de um ilícito civil, podendo gerar uma sanção de cunho compensatório.

Somado a isto, pese a espécie do gênero abandono afetivo. É notório que abandono afetivo inverso é um instituto que atinge o bem-estar do idoso, assim como afeta de forma direta o princípio basilar, o qual pertence a todos, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, pois nos casos de desamparo ao genitor idoso, deixa-se de prover elementos básicos de subsistência do idoso. Da mesma forma, o instituto do abandono afetivo inverso, instiga a existência de danos psicológicos a este idoso, por conta deste abandono afetivo, muito embora se tenha o conhecimento da imposição legal do amar, o direito civil, na ceara da família, defende a relevância deste amparo assistencial familiar.

Contudo, observou-se que as jurisprudências que tratam do abandono afetivo inverso são bastantes raras, pois não existem muitos casos que demandam a presente matéria, mas pôde-se notar no presente artigo a inexistência de possibilidade do instituto da responsabilidade civil no âmbito do abandono afetivo inverso, mesmo existindo parâmetro positivos, em litígios do gênero abandono afetivo.

Assim, conclui-se que, embora exista respaldo no Direito Constitucional, Direito Civil e nos julgados – relacionados ao cabimento de reparação civil no abandono afetivo – a responsabilidade civil no instituto do abandono afetivo inverso não encontra-se efetivada positivamente nas jurisprudências dos Tribunais Regionais até então trabalhas, aonde da mesma forma, percebeu-se, ainda, a impossibilidade ao acolhimento de acúmulo dos danos de natureza material e moral.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Wlyana Cruz Gonzaga, Acadêmica, Direito, UNIFSA – Centro Universitário Faculdade Santo Agostinho. E-mail: [email protected].

[2] Rochele Juliane Lima Firmeza, Mestra, Direito, UNIFSA – Centro Universitário Faculdade Santo Agostinho. E-mail: [email protected].

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