A Possibilidade Jurídica De Reparação Pelos Danos Morais Nas Relações Familiares

Autor: Tanyelle Dias Gama – acadêmica de Direito na Universidade de Gurupi –UNIRG. Servidora do Cedida do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, Pós Graduanda em Direito Processual Civil pela Faculdade Faveni. (Email: [email protected])

Orientador/Coautor: Prof. Esp. Thiago Franco Oliveira – Bacharel em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione – FACDO. Especialista em Direito Eleitoral e Administrativo pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e em Direito Público pela Faculdade ITOP. Mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Docente no Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UNIRG. (E-mail: [email protected])

Resumo: O relacionamento firmado entre seres humanos pode ocasionar situações desagradáveis e vexatórias. Em se tratando de relações familiares, as ofensas e humilhações atingem de forma mais substancial a honra da pessoa. Para evitar que tais fatos se propagem e aumentem com o tempo existe o instituto do dano moral. Assim, este estudo se refere aos aspectos jurídicos a respeito do dano moral no ambiente familiar, ou seja, visa analisar a possibilidade dessa espécie de indenização no âmbito das relações familiares. Dessa forma, aborda-se os conceitos de dano moral e sua colocação no ordenamento jurídico brasileiro; o Direito de Família, que vem regular todas as relações oriundas da família; e o papel que o Dano moral possui nos casos de negligência e delito na esfera da família. Conclui-se que, em que pese não seja comum, é possível pleitear danos morais em face de um membro da família, contudo, ainda é pouco utilizado pelos jurisdicionados. Para melhor embasamento desses estudos, o trabalho se utiliza de metodologias analíticas e com fundamentação teórica baseada em referências bibliográficas, em obras de doutrinadores jurídicos, além de pesquisas feitas pela internet de artigos e reportagens virtuais e também de jurisprudências.

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Palavras-chave: Dano Moral. Relações Familiares. Direito de Família.

 

THE LEGAL POSSIBILITY OF MORAL DAMAGES IN FAMILY RELATIONS

GAMA¹, Tanyelle Dias. OLIVEIRA², Thiago Franco. (¹Academic Law Course; ² Professor of the Course of Law).

Abstract: The relationship between human beings can lead to unpleasant and vexatious situations. In the case of family relations, the offenses and humiliations reach in a more substantial way the honor of the person. To prevent such facts from spreading and increasing over time there is the institute of moral damage. Thus, this study refers to the legal aspects regarding moral damages in the family environment, that is, it aims to analyze the possibility of this kind of indemnity in the context of family relations. Thus, the concepts of moral damage and their placement in the Brazilian legal system are addressed; the Family Law, which regulates all relations originating in the family; and the role that moral damage has in cases of negligence and misdemeanor in the family sphere. It is concluded that, although it is not common, it is possible to plead moral damages against a member of the family, yet it is still little used by the courts. To better support these studies, the work uses analytical methodologies and theoretical basis based on bibliographical references, works of legal doctrinators, as well as internet searches of articles and virtual reports as well as jurisprudence.

Keywords: Moral Damage.Familyrelationships.Family right.

 

Sumário: Introdução. 1. Do Direito de Família. 1.1. Conceituando Família. 1.2. A Família de Acordo com a Constituição de 1988. 2. Evolução Histórica E Conceitual do Dano Moral. 3. A Aplicabilidade do Dano Moral Nas Relações Familiares. 3.1 Da Divergência Doutrinária. 3.2 Das Situações Ensejadoras Do Dano Moral na Família: Entendimentos Jurisprudenciais. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro aceita a interposição de demandas cíveis de reparação dos danos suportados por um indivíduo, compreendendo além dos prejuízos materiais os morais, de natureza não patrimoniais. Tais fatos levaram ao surgimento da problemática que questiona se esses pedidos podem ocorrer dentro das relações familiares, entre seus entes.

Como se sabe, a família é a base fundamental para o desenvolvimento humano, seja de forma individual ou em relação ao convívio com o próximo. É no seio familiar que o indivíduo tem os primeiros contatos com a sociedade e com a maneira como lidar com essas relações. Por essas e outras razões que as leis brasileiras protegem a família.

Mesmo possuindo proteção constitucional, é perfeitamente possível que dentro do seio familiar possa ocorrer diversas situações em que ensejam danos aos seus membros. Seja em relação ao matrimônio, ou com os avôs (as), com os filhos ou com os demais membros de uma família; situações essas que podem muitas vezes acarretar em prejuízos emocionais, financeiros e morais. Por conta disso, aplicam-se as disposições do instituto do Dano Moral.

O dano moral encontra-se consagrado no ordenamento jurídico brasileiro há um bom tempo, contudo, a sua aplicação às relações familiares ainda é um tema recente, posto que tais demandas somente recentemente começaram a ser interpostas pelos indivíduos, deixando lacunas doutrinárias sobre o tema.

O fato de ser para muitos uma novidade demonstra a relevância acadêmica e social do trabalho, uma vez que se destina ao esclarecimento de questões que interessam não apenas aos operadores do direito, como toda à sociedade, pois, a família é o núcleo principal da organização social, e qualquer pessoa está sujeita a figurar em tais ações no polo ativo ou passivo.

Assim, este artigo visa a apresentação dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais atuais acerca do dano moral nas relações familiares, iniciando por um breve estudo sobre o Direito de Família; análise do dano moral e seus requisitos legais; e por fim a apresentação dos fundamentos de sua aplicação às relações familiares.

 

1 DO DIREITO DE FAMÍLIA        

1.1 CONCEITUANDO FAMÍLIA

Mencionada diariamente por muitos, o termo família pode ser conceituado de forma ampla ou mais específica, conforme ensinam os doutrinadores:

De acordo com Caio Mário, família em sentido genérico e biológico é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum; em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos; e em sentido universal é considerada a célula social por excelência.

Já Maria Helena Diniz discorre sobre família no sentido amplo como todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da conseqüênciase ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. No sentido restrito é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole. (ABREU, 2014, p. 1)

 

Karina Azevedo Simões de Abreu considera “a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por um vínculo jurídico de natureza familiar” (ABREU, 2014, p. 1).

Durante muito tempo o Direito de Família cuidou de tutelar as relações pelo aspecto biológico e patrimonial, sem considerar o vínculo emocional que unem essas pessoas. Porém, mais do que isso, a família é o alicerce emocional e psicológico do ser humano, daí a importância de se construir elos pautados na afetividade, haja vista a forte influência na formação do caráter das pessoas, e consequentemente de uma sociedade justa e solidária (BRAGHINI, 2017, p.1).

 

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Maria Berenice Dias alerta pra necessidade de se tratar a família de forma inclusiva, diante das modificações atuais no instituto:

Cada vez mais a ideia de família afasta-se da estrutura do casamento. O divórcio e a possibilidade do estabelecimento de novas formas de convívio revolucionaram o conceito sacralizado de matrimônio. A constitucionalização da união estável e do vínculo monoparental operou verdadeira transformação na própria família. Assim, na busca do conceito de entidade familiar, é necessário ter uma visão pluralista, que albergue os mais diversos arranjos vivenciais (DIAS, 2016, p. 13).

 

Assim, tem-se que a família é a base fundamental para o desenvolvimento humano, seja de forma individual ou em relação ao convívio com o próximo. É no seio familiar que o indivíduo tem os primeiros contatos com a sociedade e com a maneira como lidar com essas relações.

Exatamente por isso, entre outras, a família é tão importante e necessária não somente para o próprio indivíduo, mas, sobretudo para a sociedade, a medida que o que ocorre no âmbito familiar gera inúmeras consequências, refletindo em outros setores da sociedade. Conflitos, divergências, disputas, sociedades, parcerias, casamentos, filhos, dentre outros, são procedimentos em que toda a família em algum momento se depara, refletindo diretamente no seu comportamento social.

No mundo jurídico a família possui enorme importância, possuindo leis, decretos, súmulas, etc.; que abordam diretamente sobre a sua caracterização. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 se destaca dentre os dispositivos de proteção familiar.

 

1.1 A FAMÍLIA DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Há muito tempo que o direito regula e assegura direitos para as famílias, dada a importância e sua repercussão na sociedade, tendo sofrido as mais variadas previsões legais ao longo do tempo.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 significou muito para a família, tal como em várias outras frentes, considerando seu caráter cidadão e os ideais de igualdade que fixou de forma expressa no ordenamento constitucional nacional.

Em se tratando de família, Karina Azevedo Simões de Abreu aponta as principais modificações contidas na Carta Magna de 1988:

A Constituição de 1988 revogou cerca de cem dispositivos do Código Civil de 1916 com apenas três de seus artigos, quais sejam: artigo 5º, inciso I; artigo 226, nos § 3º, § 4º e § 5º; e o artigo 227, nos últimos dois parágrafos.A Constituição Federal de 1988 trouxe diversas contribuições para o instituto do pátrio poder: o artigo 5º, inciso I colocou a mulher em pé de igualdade com o homem; o artigo 226, § 5º previu que os direitos referentes a sociedade conjugal seriam exercidos igualmente pelo homem e pela mulher; o artigo 226, § 3º e § 4º reconheceu a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes como entidades familiares, deixando o casamento de ser a única forma legítima de constituição de família. (ABREU, 2014, p.1) (grifos do autor)

 

Assim, é possível notar o interesse constitucional em proteger as relações familiares, posto que compreendidas como as primeiras comunidades as quais deve o cidadão conviver, por entender estas como alicerces ao cidadão. Em casa que o sujeito recebe as primeiras condições de convivência, devendo se enquadrar em outra família quando se casa e tem filhos com outras pessoas.

 

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL DO DANO MORAL

Historicamente, as primeiras referências do dano moral começaram através do Código de Hamurabi. Segundo Gagliano e Pamplona Filho:

a noção de reparação de dano encontra-se claramente definida no Código de Hamurabi. As ofensas pessoais eram reparadas na mesma classe social, à causa de ofensas idênticas. Todavia o Código incluía ainda a reparação do dano à custa de pagamento de um valor pecuniário (GAGLIANO e FILHO, 2004, p. 61).

 

Já no período da Revolução Francesa que o dano moral, mesmo já previsto, não ganhou consistência mais objetiva, ficando a sua reparação tida como uma opção ao descumprimento de uma obrigação patrimonial ou não provocada pelo agente em prejuízo a um terceiro.

O Código Civil de Napoleão não delineou de forma expressa os limites da reparabilidade do dano moral. O Codex Napoleônico apenas estabelecia que o causador do dano era obrigado a repará-lo, desde que configurada a sua culpabilidade, passando uma noção bem ampla do instituto que tanto poderia abranger as lesões de ordem material ou não patrimonial. Contudo, diversos foram os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre a sua aplicação (RODRIGUES, 2016, p. 12).

 

Na época, mesmo presente na lei, o instituto do Dano Moral sofreu resistência por parte da doutrina e de alguns juristas. Quando de fato foi aplicado na prática, diversos países começaram a inseri-la em seus ordenamentos jurídicos, sendo pauta de decisões jurisprudenciais de toda ordem.

O Dano Moral do qual se conhece hoje só foi possível, graças ao crescimento do entendimento do seu objetivo – reparar qualquer indivíduo que tenha sofrido algum prejuízo na sua personalidade – e a ampliação do seu conceito, que fez com que a sociedade jurídica compreendesse o real valor e a sua finalidade na colocação de cada caso concreto.

Em termos conceituais, a definição única do Dano Moral não existe. Muitos doutrinadores e estudiosos da área jurídica vem ao longo dos anos definindo tal instituto, dando novas roupagens e entendimentos, mas nunca chegando a um consenso definitivo. Apesar de estar sempre ligada ao ressarcimento de um prejuízo indevido causado a outrem, o seu conceito ainda pode ser interpretado sob vários ângulos.

Antônio Chaves aduz que o dano moral é “a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado sem repercussão patrimonial. Seja a dor física— dor – sensação como a denominava Carpenter—, nascida de uma lesão material; seja a dor moral— dor-sentimento— de causa material” (CHAVES apud PINA, 2015, p. 1). Em outro conceito, pode ser entendido como sendo uma “lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO apud VASCONCELOS, 2016, p. 1).

Maria Berenice Dias afirma que “visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato que possa gerar algum desconforto, aflição, apreensão ou dissabor.”(DIAS, 2016, p. 156).

Segundo Carlos Roberto Gonçalves:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação (GONÇALVES apud VASCONCELOS, 2016, p.1)

 

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Para muitos doutrinadores, o dano moral sempre estará ligado a um estado psíquico da pessoa, causando-lhe muita dor e sofrimento além de depressão, angústia, tristeza profundo, amargura, humilhação, vergonha pública, dentre outros sentimentos.

Em outras definições pode ser encontrada como “toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica, insuscetível de quantificação pecuniária” (MELOapudISHIWA, 2016, p. 1).

Assim, o Dano Moral mesmo tendo sofrido muita resistência para ser admitido, hoje se encontra plenamente possível. Em qualquer ocorrência em que se fere a dignidade de um indivíduo de forma brutal e prejudicial, é cabível o pleito de danos morais. Tal afirmação permite a sua aplicação em relações familiares.

 

3 A APLICABILIDADE DO DANO MORAL NAS RELAÇÕES FAMILIARES

3.1 DA DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA

O dano moral na esfera familiar nem sempre foi regulado, tendo no seu processo histórico sofrido diversos obstáculos e resistências. Antigamente havia uma incerteza quanto à existência e reparação do direito violado.

A possibilidade do dano moral no Direito de Família carrega em si uma série de questionamentos e divergências a seu respeito. São muitos os autores que não acatam a ideia de se indenizar moralmente um membro de uma família, assim como há outros que defendem o contrário.

A origem dessa divergência advém em muito do fato de que o dano moral não está lecionado especificamente no Direito de Família. Sobre a responsabilidade civil no direito de família, leciona Ana Paula Paes Witzel que “é um tema que vem ganhando destaque tanto nos debates da doutrina quanto na jurisprudência após a promulgação da Constituição Federal de 1988” (WITZEL, 2013, p. 1).

No âmbito familiar, Maria Berenice Dias denomina o dano moral como sendo os danos de amor:

Quando da falência da união, anula-se da consciência tudo de bom que houve entre eles. O final é sempre trágico. Não há ganhadores ou perdedores. Prevalecem rancores e mágoas. São os chamados danos de amor, assim entendidos a frustração injustificada de uma comunhão de vida, a lesão ao patrimônio imaterial, a quebra da expectativa de compromisso e de exclusividade (DIAS, 2016, p. 156).

 

Antonio Edigleison Brito reforça que “a legislação brasileira não contempla regra referente ao dano moral no Direito de Família, sendo o assunto resolvido no âmbito da doutrina e da jurisprudência” (BRITO, 2013, p. 57).

Outro posicionamento constante é o que afirma não ser possível valorar o afeto e os comportamentos familiares, não podendo tais relações serem confundidas com aquelas de natureza patrimonial. Nesse sentido, Sérgio Resende de Barros destaca:

Não se deve confundir a relação de afeto, considerada em si mesma, com as relações patrimoniais que a cercam no âmbito da família. Entre os membros de uma entidade familiar, por exemplo, entre os pais, ou entre estes e os filhos, a quebra do afeto se manifesta por diversas formas: aversão pessoal, quebra do respeito ou da fidelidade, ausência intermitente ou afastamento definitivo do lar, falta ou desleixo nas visitas e na convivência, etc. Mas nenhuma forma de desafeto faz nascer o direito à indenização por danos morais. Mesmo porque, muitas vezes, o ofendido é o acusado, cuja conduta reage à ação ou omissão do outro. (BARROS apud SICUTO, 2016, p. 1)

 

Alana Gabi Sicuto explica esse posicionamento:

Esta corrente considera que a liberdade afetiva está acima de qualquer princípio componente da dignidade da pessoa humana, sob pena de gerar um dano ainda maior para ambos. Seria muito mais danoso obrigar um pai, sob o temor de uma futura ação de reparação de danos, a cumprir burocraticamente o dever de visitar o filho.

Ademais, a responsabilidade civil ocupa uma função preventiva. Caso o abandono afetivo gere responsabilidade civil, não seria possível adotar providências acautelatórias preventivas, pois dessa forma o direito forçaria uma convivência que não é genuína (SICUTO, 2016, p. 1).

 

Nesta corrente contrária à sua aplicação em direito de família, mais especificamente em relação ao fim de relacionamentos, Maria Berenice Dias apresenta um dos entendimentos mais comuns:

Ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar. Quando acaba o sonho do amor jurado eterno, a tendência sempre é culpar o outro. Mas o desamor, a solidão, a frustração da expectativa de vida a dois não são indenizáveis. Para a configuração do dever de indenizar não é suficiente que o ofendido demonstre seu sofrimento. Somente ocorre a responsabilidade civil se presentes todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal. Não cabe indenizar alguém pelo fim de uma relação conjugal. Pode-se afirmar que a dor e a frustração, se não são queridas, são ao menos previsíveis, lícitas e, portanto, não indenizáveis (DIAS, 2016, p. 159).

 

Na voz dessa corrente, encontra-se Calmon de Passos (2009, p. 02), que com sua crítica enuncia:

Nada mais suscetível de subjetivizar-se que a dor, nem nada mais fácil de ser objeto de mistificação. Assim, como já existiram carpideiras que choravam a dor dos que eram incapazes de chorá-la, porque não a experimentavam, também nos tornamos extremamente hábeis em nos fazermos carpideiras de nós mesmos, chorando, para o espetáculo diante dos outros, a dor que em verdade não experimentamos (PASSOS apud COSTA, 2015, p. 251)

 

O supracitado autor ainda aprofunda a sua crítica reforçando:

A possibilidade, inclusive, de retiramos proveitos financeiros dessa nossa dor oculta, fez-nos atores excepcionais e meliantes extremamente hábeis, quer como vítimas, quer como advogados ou magistrados.  Para se ressarcir esses danos, deveríamos ter ao menos a decência ou a cautela de exigir a prova da efetiva dor do beneficiário, desocultando-a hipocritamente descartamos essa exigência, precisamente porque, quando real a dor, repugna ao que sofre pelo que é insubstituível substituí-lo pelo encorpamento de sua conta bancária. Daí termos também, na nossa sociedade cínica, construído uma nova forma de responsabilidade objetiva – a responsabilidade por danos morais à base de standards de moralidade abstrata, já que a moralidade concreta já nem consegue se fazer ouvir, de tão debilitada que está (PASSOS apud COSTA, 2015 p. 252)

 

Apesar desses pontos e dos estudiosos que não aceitam o Dano Moral abrangente e nem no Direito de Família, a corrente favorável à sua aplicação é majoritária.

Maria Berenice Dias afirma que houve uma ampliação do dano moral, sendo utilizado para aplacar todos os males:

A busca de indenização por dano moral transformou-se na panaceia para todos os males. Há uma acentuada tendência de ampliar o instituto da responsabilização civil. O eixo desloca-se do elemento do fato ilícito para, cada vez mais, preocupar-se com a reparação do dano injusto. De outro lado, o desdobramento dos direitos de personalidade faz aumentar as hipóteses de ofensa a tais direitos, ampliando as oportunidades para o reconhecimento da existência de danos (DIAS, 2016, p. 156).

 

Corroborando com a ideia em questão, afirma Alana Gabi Sicuto que “ainda que existam discussões sobre a admissibilidade de uma responsabilização por dano moral no âmbito familiar, o enquadramento da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental afasta qualquer dúvida acerca desse assunto” (SICUTO, 2016, p. 1).

Todos os sentimentos violados são inerentes ao homem, cujas “consequências não são a lesão em si gerada pela conduta, mas sim a repercussão do fato ocorrido, refletido na esfera psicológica do agente lesado” (BRITO, et al, 2013, p. 56).

Além disso, depois da propagação da Constituição da República de 1988 incidiram todos os argumentos opostos à indenização do dano moral. O artigo 5°, inciso X, determina que: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação.” (BRASIL, 1988)

Essa lei assegura a indenização do dano moral derivado da violação a todos os direitos de personalidade. O Código Civil também introduziu em seu capítulo II, onze artigos (artigos 11 ao 21) que carregam os direitos da personalidade, como o direito a integridade físico-psíquica, à identidade, à honra, à imagem, à liberdade sexual, entre outros reconhecidos a pessoa.

Expressamente, o direito à indenização por danos morais consta no artigo 186 do Código Civil, que determina: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2002)

Apesar disso, a divergência de posicionamentos também pode ser observada quando da aplicação da lei, sendo que jurisprudencialmente falando, também existem oposições de entendimentos que compreendem desde a possibilidade jurídica do pedido até a comprovação de existência de dano extrapatrimonial.

 

3.2 DAS SITUAÇÕES ENSEJADORAS DO DANO MORAL NA FAMÍLIA: ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS

Tal como ocorre nos demais ramos do direito civil, a caracterização do dano moral prescinde a comprovação de alguns pressupostos, são eles: ato, ocorrência de dano; e o nexo de causalidade entre o ato e o dano.

Dentre as hipóteses apresentadas a mais comum é o abandono afetivo paterno, assim definido por Alana Gabi Sicuto:

o conceito de abandono afetivo encaixa-se na atitude omissiva do pai no cumprimento de seus deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais encontram-se o dever de prestar assistência moral, carinho, afeto, educação.

Normalmente o abandono afetivo configura-se quando o pai abandona física e moralmente a vida do filho, mas também pode ocorrer quando, mesmo havendo coabitação entre eles, o pai não dispensa qualquer forma de atenção, afeto ou apoio ao filho. Tal hipótese é possível, porque como mencionado acima, a convivência familiar exige não só a presença física, mas principalmente o apoio moral do pai ao filho (SICUTO, 2016, p. 1).

 

A jurisprudência nacional admite esse tipo de indenização, contudo atribui ao filho que busca a indenização por abandono afetivo a comprovação deste, aliado ao dano moral efetivo e o nexo de causalidade entre os mesmos. Pois, o entendimento atual da doutrina e jurisprudência majoritária é que a rejeição, o desprezo, a falta de convívio com o genitor não dá azo a indenização se não resultou em danos psicológicos. Ou seja, o abandono afetivo por si só não gera indenização se não restar comprovado nos autos que tal abando causou danos psicológicos ao filho. Seguem julgados nesse sentido:

CONSTITUCIONAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO MATERIAL E AFETIVO DA FILHA POR PARTE DO GENITOR. TRAUMA PSICOLÓGICO CARACTERIZADO. EXISTÊNCIA DE CONCAUSALIDADE. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL. INOCORRÊNCIA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. 1. No âmbito das relações familiares, para a configuração da responsabilidade civil, no caso de abandono afetivo, deve ficar comprovada a conduta omissiva ou comissiva do genitor, quanto ao dever jurídico de cuidado com o filho, bem como o dano, caracterizado pelo transtorno psicológico sofrido e o nexo causal entre o ilícito e o dano suportado, nos termos do artigo 186 do Código Civil. 2. Em hipóteses excepcionais, quando configuradas trauma psicológico decorrente do descaso do genitor perante a prole, é cabível indenização por abandono afetivo, em virtude do descumprimento legal do dever jurídico de cuidado, necessários à adequada formação psicológica e inserção social da prole. 3. Demonstrado que o genitor, por omissão voluntária, deixou de observar o dever jurídico de cuidado, previsto nos artigos 227 e 229, da Constituição Federal e no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, causando trauma psicológico à autora, conforme laudo pericial produzido nos autos, tem-se por caracterizado ato ilícito passível de indenização. 4. A existência de concausas, por si só, não ilidi o nexo causal, tampouco afasta a responsabilidade civil daquele que, com sua conduta ilícita, causou dano a outrem, razão pela qual o genitor omisso deve responder pelos danos experimentados pela prole, na proporção em que concorreu para o evento danoso. 5. Para a fixação do quantum indenizatório a título de danos morais, deve o magistrado levar em consideração as condições pessoais das partes, a extensão do dano experimentado, bem como o grau de culpa do réu para a ocorrência do evento. 6. Recurso de Apelação conhecido e parcialmente provido. (TJ-DF 20140112004114 – Segredo de Justiça 0038871-94.2014.8.07.0016, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Data de Julgamento: 21/03/2019, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/04/2019 . Pág.: 504/506)

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. DANOS MORAIS. DEMANDA AJUIZADA CONTRA EX-COMPANHEIRO/GENITOR DAS AUTORAS. SUPOSTOS ATOS ILÍCITOS PRATICADOS EM FUNÇÃO DO TÉRMINO DA UNIÃO ESTÁVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DAS REQUERENTES. ALEGADA RECUSA IMOTIVADA DO RÉU QUANTO AO REGISTRO CIVIL DA FILHA. GENITOR QUE, À ÉPOCA DO NASCIMENTO DA INFANTE, ERA INTERDITADO. ATRASO DECORRENTE DA NEGAÇÃO DE SEU CURADOR, FILHO DE RELACIONAMENTO ANTERIOR. CONDUTA NÃO IMPUTÁVEL AO RÉU. O indivíduo representado por curador por força de interdição judicial não pode ser responsabilizado pela não realização de determinado ato da vida civil, como o registro do nascimento de filha, salvo se comprovado que a recusa se deu pelo próprio curatelado, o que no caso não ocorreu. PRETENDIDA INDENIZAÇÃO POR ABANDONO DO LAR. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DO INDIVÍDUO DE POR FIM AO RELACIONAMENTO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. “Outrossim, a saída do lar da companheira, ainda que provoque profunda tristeza ao parceiro, não ampara a reparação civil, mesmo porque ninguém pode ser privado da liberdade de rompimento de uma união” (AC n. 2013.086325-1, Rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. 21/08/2014). ALMEJADA REPARAÇÃO CIVIL PELA SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DO ALUGUEL DO LOCAL ONDE AS AUTORAS RESIDIAM. ATO POSTERIOR À FIXAÇÃO DE ALIMENTOS À INFANTE. VERBA QUE INCLUI AS DESPESAS COM MORADIA. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. A pensão não se destina apenas à alimentação propriamente dita, mas aos demais gastos essenciais ao sustento da prole – como moradia, educação, vestimentas, lazer, saúde etc. Uma vez arbitrada essa quantia, não mais subsiste a obrigação de adimplemento de outros valores, como os referentes à locação do lugar onde reside o alimentando, à exceção de outros deveres pecuniários expressamente acordados. TESE DE ABANDONO AFETIVO DA CRIANÇA. SITUAÇÃO QUE DEMANDA PROVA ROBUSTA, INEXISTENTE NA HIPÓTESE. CONVIVÊNCIA DO PAI COM A FILHA EVIDENCIADA. DANO MORAL NÃO VERIFICADO. “A reparação via indenização por abandono afetivo, muito embora juridicamente possível, depende de considerável respaldo probatório e de circunstâncias extraordinárias que justifiquem a indenização e que não representem simplesmente a indenização pelo amor não recebido. O dano por abandono afetivo é juridicamente viável, mas excepcional” (TJ-SC – AC: 00219452920128240018 Chapecó 0021945-29.2012.8.24.0018, Relator: Helio David Vieira Figueira dos Santos, Data de Julgamento: 08/11/2018, 2ª Câmara de Enfrentamento de Acervos)

 

Merece destaque o fato de que é possível o reconhecimento da possibilidade jurídica de condenação em danos morais por abandono afetivo, contudo, com indeferimento do pedido por ausência dos seus requisitos autorizadores. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL IMPROCEDENTE. ABANDONO AFETIVO NÃO CONFIGURADO. MANUTENAÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Recurso de apelação interposto em face da sentença que julgou improcedente o pedido de reparação por dano moral formulado pela apelante contra seu pai, com fundamento em abandono afetivo. Pretensão recursal direcionada à reforma do julgado para o reconhecimento do dano moral, que não poderá ser acolhida. De fato, ainda que se reconheça que o abandono afetivo possua aptidão para gerar reparação por dano moral, em decorrência não propriamente da falta de afeto, mas do objetivo cuidado que os pais devem aos filhos, induvidosa se apresenta a demonstração inequívoca do dano daí derivado e do nexo causal, sem que o que nada há a compensar. No caso sub examen, o conjunto probante colacionado ao processo, amparado principalmente no laudo pericial elaborado em segundo grau de jurisdição, evidenciou que não houve efetivamente o alegado abandono por parte do genitor e que não se mostrava genuína a causa de pedir da apelante, tendo em vista a inexistência de sofrimento por decorrência da ausência do vínculo emocional com o pai biológico, mas, sim, inconformismo em não receber mais as prestações alimentícias, uma vez que já completou os vinte e quatro anos de idade. Configuração da conduta ilícita de abandono afetivo para o fim de condenar o genitor à reparação por dano moral que imprescinde da presença de alguns elementos no caso concreto diante de sua excepcionalidade, tais como a negativa insistente e deliberada de aceitação do filho cumulada com o desprezo com relação à sua pessoa, sobretudo como forma de impedir a banalização do instituto e conferir real importância ao impacto negativo que pode advir ao próprio filho provocado pelo descaso afetivo, o que não se verificou, na espécie, como muito bem observado pelo magistrado sentenciante. Leitura da petição inicial que evidencia o descontentamento da apelante com as questões patrimoniais, uma vez que citou, inúmeras vezes, a necessidade de ingressar com demandas executivas e o temor suportado nas vezes em que o genitor requereu a exoneração da obrigação alimentar, de modo que, momento algum, narrou situação de desamparo emocional suportado em razão da ausência do pai biológico ou eventuais danos psicológicos sofridos pela falta do convívio, o que somente corrobora a conclusão a que chegou o laudo pericial. Sentença que, portanto, solucionou adequadamente a demanda e deve ser mantida. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.(TJ-RJ – APL: 03648546820138190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 13 VARA DE FAMILIA, Relator: ALCIDES DA FONSECA NETO, Data de Julgamento: 05/04/2017, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/04/2017)

 

Corroborando com o caráter excepcional da sanção civil, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, apesar de reconhecer a possibilidade de aplicação de danos morais, negou o pedido da parte sob o argumento de ter havido um mero distanciamento entre os envolvidos, o que por si só não caracteriza dano indenizável.

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MERO DISTANCIAMENTO ENTRE PAI E FILHAS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. NÃO CONFIGURADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Apelação diante de sentença de improcedência em ação de indenização por danos morais ajuizada pelas filhas do requerido sob a alegação de abandono afetivo do genitor. 2. A indenização por danos morais em decorrência de abandono afetivo somente é viável quando há descaso, rejeição, desprezo por parte do ascendente, aliado à ocorrência de danos psicológicos, não restando evidenciada, no caso em comento, tal situação. 3. Dada à complexidade das relações familiares, o reconhecimento do dano moral por abandono afetivo emerge como uma situação excepcionalíssima, razão pela qual a análise dos pressupostos do dever de indenizar deve ser feita com muito critério. 3.1. É dizer: as circunstâncias do caso concreto devem indicar, de maneira inequívoca, a quebra do dever jurídico de convivência familiar e, como consequência inafastável, a prova de reais prejuízos à formação do indivíduo. 4. O fato de existir pouco convívio com seu genitor não é suficiente, por si só, a caracterizar o desamparo emocional a legitimar a pretensão indenizatória. 5. O mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si só, situação capaz de gerar dano moral, restando, assim, ausente à demonstração dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, dispostos nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, não havendo que se falar em indenização. 6. Apelo improvido.(TJ-DF 07020022220178070005 DF 0702002-22.2017.8.07.0005, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 27/02/2019, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 07/03/2019 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

 

Outra situação bastante comum é o rompimento de noivado quando já há entre as partes a execução dos atos de realização do casamento. Em se tratando dos prejuízos materiais, estes facilmente se comprovam e são passíveis de indenização, já os extrapatrimoniais encontram maiores obstáculos. Todavia, não é este o entendimento majoritário. No Estado de São Paulo, o pedido foi negado em razão da ausência de comprovação da sequela psicológica permanente advinda do fato:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Rompimento de noivado. Cerceamento de defesa. Possibilidade de julgamento antecipado da lide. Teoria da Causa Madura. Preliminar afastada. Mérito. Ausência de ilicitude. Prejuízo financeiro individual não demonstrado. Dano moral irreparável. Sancionar a atitude daquele que perdeu a ternura por outrem, a quem está atrelado por livre e espontânea vontade, sendo ambos maiores e capazes, sem prova concreta de qualquer sequela psicológica permanente, é forçar a construção de afeição inexistente. Precedentes. A suposta difamação perpetrada pelo ex-namorado, além de constituir causa de pedir estranha à presente lide, não foi verificada nos autos. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO.(TJ-SP – APL: 00481495420118260224 SP 0048149-54.2011.8.26.0224, Relator: Beretta da Silveira, Data de Julgamento: 26/06/2017, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2017)

 

Em se tratando de infidelidade conjugal, assim decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. INFIDELIDADE CONJUGAL. PROVA. OFENSA A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO NO CASO. 1. O simples descumprimento do dever jurídico da fidelidade conjugal não implica, por si só, em causa para indenizar, apesar de consistir em pressuposto, devendo haver a submissão do cônjuge traído a situação humilhante que ofenda a sua honra, a sua imagem, a sua integridade física ou psíquica. Precedentes. 2. No caso, entretanto, a divulgação em rede social de imagens do cônjuge, acompanhado da amante em público, e o fato de aquele assumir que não se preveniu sexualmente na relação extraconjugal, configuram o dano moral indenizável. 3. Apelação conhecida e não provida. (TJ-DF 20160310152255 DF 0014904-88.2016.8.07.0003, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, Data de Julgamento: 21/03/2018, 7ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 26/03/2018. Pág.: 415-420)

 

No Rio Grande do Sul o Tribunal de Justiça decidiu pela condenação do companheiro no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por ter ofendido publicamente a mulher, aduzindo perante os vizinhos que esta seria adúltera:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. XINGAMENTOS DE FORMA PÚBLICA. OFENSA À HONRA DA AUTORA, ATRIBUINDO-LHE A RÉ INFIDELIDADE PERANTE DEMAIS VIZINHOS. FATOS NÃO CONTESTADOS PELA RÉ. PROVA DOS AUTOS A DEMONSTRAR A EFETIVA ATRIBUIÇÃO DE INFIDELIDADE DA AUTORA, AFIRMANDO A RÉ QUE UMA DE SUAS FILHAS NÃO SERIA FILHA DO ATUAL COMPANHEIRO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. PEDIDO PROCEDENTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$2.000,00, CONFORME PATAMAR UTILIZADO PELAS TURMAS RECURSAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJ-RS – Recurso Cível: 71006822209 RS, Relator: Silvia Maria Pires Tedesco, Data de Julgamento: 27/04/2018, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/04/2018)

 

O mesmo valor foi aplicado pelo referido Tribunal de Justiça em caso onde houve a ofensa à autora através da utilização de aplicativo de mensagens “Whatsapp”:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MENSAGENS ENVIADAS À AUTORA PELO APLICATIVO “WHATSAPP” QUE POSSUEM TEOR OFENSIVO. EXPRESSÕES OFENSIVAS QUE ULTRAPASSAM O MERO DISSABOR INFIDELIDADE CONJUGAL QUE, MESMO ACEITA PELA AUTORA, NÃO JUSTIFICA O AGIR ILÍCITO E O CARÁTER OFENSIVO E HUMILHANTE DO PROCEDER DA RÉ. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM COMPENSATÓRIO DE R$ 2.000,00 QUE SE MOSTRA SUFICIENTE PARA A REPARAÇÃO DO DANO. RECURSO PROVIDO. (TJ-RS – Recurso Cível: 71006024780 RS, Relator: Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, Data de Julgamento: 25/05/2016, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/05/2016)

 

Contudo, nossos tribunais não têm aceitado a indenização por dano moral, se não comprovada a exposição pública do cônjuge vítima de traição. Nesse sentido o Tribunal de Justiça do Distrito Federal julgou improcedente o pedido de condenação por dano moral, aduzindo inexistir dano indenizável:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INFIDELIDADE CONJUGAL. DANO MORAL. AUSENCIA DE EXPOSIÇÃO PÚBLICA DO CONJUGE TRAÍDO. INOCORRENCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE. INEXISTENCIA DE DANO INDENIZÁVEL. 1.O dano moral, passível de ser indenizado, é aquele que, transcendendo à fronteira do mero aborrecimento cotidiano, a que todos os que vivem em sociedade estão sujeitos, e violando caracteres inerentes aos direitos da personalidade, impinge ao indivíduo sofrimento considerável, capaz de fazê-lo sentir-se inferiorizado, não em suas expectativas contratuais, mas em sua condição de ser humano. 2. o dano moral, previsto no art. 5º, inc. X, da Constituição Federal e no art. 186 do Código Civil, revela-se diante de uma ação ou omissão de outrem que, atingindo valores subjetivos da pessoa, provoca injusta dor, sofrimento, ou constrangimento. 3. Dispõe o art. 1.566 do Código Civil, que são deveres de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca (inc. I), bem como o respeito e consideração mútuos (inc. V). Por outro lado, não há que se falar em dever de indenizar quando ocorrer o descumprimento dos deveres acima tracejados, porquanto necessita existir uma situação humilhante, vexatória, em que exponha o consorte traído a forte abalo psicológico que, fugindo à normalidade, interfira de sobremaneira na situação psíquica do indivíduo. Assim, a traição, por si só, não gera o dever de indenizar. 4. No caso em apreço, as informações dos autos não evidenciam a exposição da apelante em situação vexatória, com exposição pública, já que, a toda evidencia, a alegada infidelidade conjugal, não teria extrapolado o ambiente doméstico. 4.1 Isso porque, não há provas concretas que ratifique a tese de que o demandado teria enviado às imagens do relacionamento extraconjugal a terceiros, configurando assim a exposição da requerente. 5. É evidente que a ruptura de laços afetivos gera mágoas, tristeza, dores, raiva, sensações ríspidas, e até mesmo frustrações de sonhos e expectativas; sentimentos estes que se tornam energizado quando o rompimento matrimonial originar da descoberta de infidelidade conjugal. Todavia, a quebra da união em razão da alegada infidelidade não é apta a caracterizar, por si só, os requisitos da indenização por danos morais, se não existir relato de extremo sofrimento ou situações humilhantes que ofendam a honra, a imagem, a integridade física ou psíquica do indivíduo, fato que, nos autos, não revelam que o constrangimento ou o abalo emocional noticiado pela apelante teria sido apto a gerar o sofrimento extremo para caracterizar a ruptura do bem estar. 6. A reparação patrimonial (dano moral), não é o meio eficaz para tentar cicatrizar a dor do fim de um relacionamento, ou mesmo a não concretização dos sonhos de uma vida a dois, quiçá a melhor forma de curar mágoas, feridas e sonhos não vividos. O ordenamento jurídico possui meios eficazes para resguardar a autora, caso queira, como o Direito de Família. 6.1 As frustações na realização dos sonhos a dois, buscado pela apelante, não caracteriza o dever de indenizar, pois o rompimento do relacionamento não configura prática de ato ilícito ensejador do dever de indenizar. 7. Não há que se falar em dano moral em razão do término do relacionamento entre as partes, pois o rompimento de uma relação não é capaz, por si só, de ensejar o direito a tal pretensão. 8.Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF 00064619720168070020 – Segredo de Justiça 0006461-97.2016.8.07.0020, Relator: GISLENE PINHEIRO, Data de Julgamento: 08/08/2018, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 14/08/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

 

Assim, é possível concluir que os julgadores recebem os pedidos indenizatórios tal como nas demais situações civis, contudo, assim como nos demais casos, analisam com rigor e cautela os fatos a fim de aplicar a punição tão somente quando comprovado o dano, a ilicitude do ato e o nexo causal.

Desta feita, todo fato jurídico acaba por gerar consequências sociais, judiciais e científicas, atingindo toda a população e demais envolvidos nas demandas levadas à apreciação judicial.

Em se tratando de danos morais nas relações familiares não podia ser diferente, a medida que os relacionamentos e comportamentos no seio familiar também podem vir a ensejar aplicação de sanção civil indenizatória.

Positivamente, a possibilidade jurídica analisada assegura a existência do instituto protegido constitucionalmente.

Desta maneira, proteger o instituto da convivência e dos cuidados paterno-filial é proteger a própria dignidade humana, respeitando a afetividade e assegurando que através da indenização o autor do abandono afetivo não ficará impune, pois se não se pode obrigar um pai a amar seu próprio filho, pelo menos é possível condená-lo à reparação civil pelo descumprimento de seus deveres intrínsecos à paternidade e por violarem dispositivo constitucional, agindo, assim, ilicitamente. (SICUTO, 2016, p.1)

 

Contudo, também é legítima a cautela na aplicação da indenização em casos íntimos, sob pena de se materializar e patrimonializar as relações familiares, levando-as a um status mecanizado, onde todos os comportamentos sejam passiveis de avaliação e posterior condenação.

 

CONCLUSÃO

O alcance do direito civil, por ser gênero do qual o de família é espécie, não está limitado às relações contratuais firmados por estranhos, mas também se aplica aos relacionamentos familiares, onde também devem vigorar os princípios da boa-fé e observância aos direitos fundamentais.

Desta feita, em caso de comprovada ofensa moral a uma pessoa, mesmo sendo ela de seu ciclo familiar, é possível o requerimento judicial de condenação do responsável pelos danos morais causados em razão de seu comportamento e opiniões.

Via de regra, apesar da divergência doutrinária que sobrepõe ao assunto, é perfeitamente possível e aceito pela jurisprudência pátria a condenação de danos morais em relação familiar, aqui se destacando como causas da indenização: o abandono afetivo e a indenização em decorrência de infidelidade conjugal, quando há exposição pública do(a) cônjuge traído(a). Por sua vez, em casos de abandono de noivado, a jurisprudência é bem mais rígida, aplicando, na maioria das vezes, tão somente os danos materiais pelos danos financeiros comprovados.

Apesar disso, o trabalho científico desenvolveu-se e concluiu sobre a possibilidade jurídica de danos morais nas relações familiares tão como se pretendia, bastando para a sua ocorrência a comprovação de dano, nexo causal e fato causador de ofensa à honra objetiva e subjetiva do sujeito.

Em havendo condenação criminal pelo mesmo fato, mais provável ainda a fixação de danos morais. Contudo, a ausência de interposição de demanda criminal, não pode justificar a improcedência do pedido, uma vez que o direito penal é a ultimaratio no ordenamento jurídico nacional, não havendo óbices à interposição de ação exclusivamente cível.

 

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________. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. TJ-RJ – APL: 03648546820138190001 Rio De Janeiro Capital 13 Vara De Família, Relator: Alcides Da Fonseca Neto, Data de Julgamento: 05/04/2017, Décima Primeira Câmara CÍVEL, Data de Publicação: 07/04/2017.

 

________. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. TJ-DF 07020022220178070005 DF 0702002-22.2017.8.07.0005, Relator: João Egmont, Data de Julgamento: 27/02/2019, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 07/03/2019.

 

________.  Tribunal de Justiça de São Paulo. TJ-SP – APL: 00481495420118260224 SP 0048149-54.2011.8.26.0224, Relator: Beretta da Silveira, Data de Julgamento: 26/06/2017, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2017.

 

________. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. TJ-DF 20160310152255 DF 0014904-88.2016.8.07.0003, Relator: Fábio Eduardo Marques, Data de Julgamento: 21/03/2018, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 26/03/2018. Pág.: 415-420.

 

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WITZEL, Ana Claudia Paes. Aspectos gerais da responsabilidade civil no direito de família. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 110, mar 2013. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12958>. Acesso em maio 2019.

 

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