A possibilidade matemática da conciliação dos incisos I e II do artigo 1.790 do novo Código Civil brasileiro

No recôndito interior Gaúcho, afastado, mas não alheio à ânsia do conhecimento, temos, a par das dificuldades que nos cercam, buscado informações de forma incessante, lendo, relendo, enfim, palmilhando cada artigo que encontramos nos diversos sites jurídicos de reconhecida seriedade.

Nesta busca incessante, encontramos posicionamentos dos mais variados, discordando de uns, concordando com outros, porém, especial atenção despertou-nos o artigo de autoria da Eminente Procuradora Federal em São Paulo (SP), doutora em Direito Pela USP, professora Doutora de Direito Civil da USP, entre outros títulos que seria demasiado longo enumerar, Dra. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, até mesmo porque os estudiosos e os curiosos, entre os quais nos incluímos, bem a conhecem, pois figura constantemente nos sites jurídicos com apreciáveis artigos que muito tem contribuído aos operadores do direito. 

Como referido, nossa atenção voltou-se ao fato de que, na interpretação da Ilustre articulista, parece tornar-se impossível conciliar, do ponto de vista matemático, as disposições dos incisos I e II do artigo 1.790 do Novo Código Civil e, fulcramos nossa curiosidade neste ponto, transcrevendo o dispositivo legal como meio de passar a ilustrar nosso posicionamento:

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Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da  união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

A união estável vem disciplinada no Livro IV, Título III, artigos 1.723 a 1.727 da Lei 10.406, no entanto, nos interessa por ora, o artigo 1.725, o qual assegura aos companheiros, no tocante a relação patrimonial, no que couber, os mesmos direitos decorrentes do regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Diante do texto legal, inquestionável, tenha o companheiro sobrevivente, direito a metade do patrimônio adquirido, onerosamente, durante a vigência da união estável, ou seja, àqueles enumerados no artigo 1.660.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.  

Uma vez não mais havendo dúvidas quanto ao direito a meação dos bens adquiridos na vigência da união estável, desde que não inseridos na exclusão indicada pelo artigo 1.659, passamos a avaliar a possibilidade matemática do artigo 1.790, inciso I e II da Lei 10.406, porém, para tanto, urge que se faça referência ao artigo 1.834, pois todos os descendentes da mesma classe, devem, por questão lógica e legal, receberem o mesmo quinhão na sucessão de seus ascendentes.

Pela leitura do artigo 1.790, inciso I, podemos facilmente dizer que ao companheiro sobrevivente caberá uma quota equivalente a que por lei for atribuída ao filho, quanto ao patrimônio comum, ressalvado o conjunto patrimonial particular do “de cujus” que somente aos filhos assistirá. Assim, poderíamos exemplificar, considerando como patrimônio partilhável a importância de R$100.000,00, e tenhamos quatro filhos comuns,  nos seguintes termos:

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Diante do exemplo acima, o companheiro sobrevivente, além da meação, recebeu quota equivalente ao filho comum (art. 1.790, inc. I).

No disposto no inciso II do artigo em questão, quando o companheiro sobrevivente concorre com filhos exclusivos do autor da herança, o exemplo passa a ser o seguinte:

8242

No exemplo acima, o companheiro sobrevivente recebeu a metade do que coube a cada filho exclusivo do autor da herança, ou seja, quatro partes de R$8.333,33.

Os referidos incisos, analisados singularmente, são de fácil compreensão, no entanto, ao enfrentarmos a situação híbrida, deparamo-nos com enormes dificuldades em realizarmos a partilha de forma igualitária entre os descendentes e ao mesmo tempo contemplar o companheiro sobrevivente com os quotas a ele atribuídas pelos artigos I e II do artigo em questão.

Em nosso entendimento, a intenção do legislador em privilegiar o companheiro sobrevivente quando em concorrência com filhos exclusivos do falecido (Inc. II), e no mínimo dúbia, no entanto, o que preocupa-nos, na aplicação do direito é a necessidade prática de adequarmos a norma legal ao nosso dia a dia e, é neste sentido que  dirigimos nossas ações pois, uma vez não havendo alteração na legislação teremos, por óbvio, de dar encaminhamento ao feitos em andamento, hipótese em que teríamos a seguinte forma de partilha.

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No exemplo acima o companheiro sobrevivente receberá quota idêntica ao que coube ao filho comum, portanto, dentro do que rege o artigo 1.790, inciso I do NCC, que traz a prole no singular, pois caso pretendesse dar a mesma conotação do inciso II, teria referido que caberia ao sobrevivente tantas quotas quantos fossem os filhos comuns havidos do relacionamento.

Já no que tange ao filhos exclusivos do falecido, recebeu o sobrevivente a metade do que coube a cada um daqueles, ou seja, a metade dos R$10.526,31 multiplicada pelo número de filhos exclusivos, no entanto, tal partilha não quer dizer que ao sobrevivente caberá sempre uma quota e meia, pois, por exemplo, se forem nove filhos, sendo quatro comuns e cinco exclusivos, cada um dos filhos receberá em um patrimônio de R$100.000,00, a importância de R$8.000,00, recebendo o sobrevivente uma quota de R$8.000,00, idêntica ao recebido pelos filhos comuns e metade de cada uma das quotas recebidas pelos filhos exclusivos do falecido, ou seja, R$20.000,00 (R$8.000,00 / 2 = R$4.000,00 X 5).

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Se é justa ou não a forma imposta pelo NCC, trata-se de questão para outra seara, no entanto, s.m.j., matematicamente possível a aplicação prática do referido dispositivo legal em consonância com o estatuído no artigo 1.790, no entanto, o legislador poderia ter primado por uma redação mais transparente.

Diante do exposto, mesmo que a interpretação ao inciso I do mencionado artigo esteja equivocada, continua, matematicamente,  sendo possível a partilha, para tanto, invertendo-se a forma de cálculo.

Almejamos, com as hipóteses colocadas em discussão, apenas enfrentar o cotidiano das lides forenses, buscando soluções que nos permitam a manutenção de nossas atividades.


Informações Sobre os Autores

Antônio Sérgio Dias Leal

Advogado na Comarca de Alegrete

Manoel Simplício Dorneles

Advogado na Comarca de Alegrete


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