O Código Civil brasileiro de 2002 tipificou como regimes de bens a serem estipulados pelos nubentes: o da comunhão parcial de bens; o da comunhão universal de bens; o da participação final nos aquestos e o da separação de bens. Inserindo-se em algum destes quatro regimes, os cônjuges podem livremente optar sob qual modo serão regidas suas relações patrimoniais durante a vigência do casamento. Na falta de estipulação expressa, as relações dos cônjuges reger-se-ão pelo regime da comunhão parcial de bens.
No regime da comunhão parcial de bens comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções previstas no artigo 1658 do Código Civil. Tal regime de bens não está atrelado a um pacto antenupcial, tendo em vista o seu caráter legal, ou seja, aquele que vigora caso não haja convenção entre os cônjuges, ou sendo esta nula ou ineficaz.
O regime da comunhão universal de bens, por sua vez, somente concretiza-se com a formulação de um pacto antenupcial formalizado através de escritura pública. No referido pacto podem as partes convencionar cláusulas específicas, como por exemplo, excluir determinado imóvel do regime de bens estipulado. Esta espécie de regime importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções previstas no artigo 1668 do Código Civil.
No regime da participação final dos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. Este é o regime menos utilizado na atual conjuntura brasileira e a sua principal peculiaridade é a permissão de os cônjuges convencionarem no pacto antenupcial a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares, conforme preceitua o artigo 1656 do Código Civil.
Pois bem, passaremos à questão em debate, qual seja, o regime da separação de bens. Esta espécie de regime se subdivide em separação convencional de bens e separação obrigatória ou legal de bens. Na primeira, estipulada através de um pacto realizado por uma escritura pública anterior ao matrimônio, os bens permanecerão sob a administração de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. A segunda, por sua vez, se dá através de uma imposição legal e rege as relações patrimoniais das pessoas que se casarem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, da pessoa maior de sessenta anos e de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
O regime da separação obrigatória ou legal de bens era previsto no artigo 258, parágrafo único do Código de 1916. Para muitos doutrinadores este regime acabou por prejudicar em muitas vezes as partes hipossuficientes no momento da celebração do casamento, além de ferir um princípio constitucional consagrado, o da autonomia da vontade. Pessoas jovens, por exemplo, que ainda não tinham completado a idade núbil e que dependeram, por algum motivo, de autorização judicial para se casarem, encontravam-se completamente desamparadas, exceto quando estivessem inseridas dentro de um quadro social de alto poder aquisitivo. Diante de diversas incertezas e demandas judiciais, o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento, por meio da Súmula 377: “ No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Não obstante a incorreção e o temor oriundos do texto do parágrafo único do artigo 258 do antigo Código Civil, o legislador do Código Civil de 2002 incorreu no mesmo equívoco ao inserir no referido diploma legal o artigo 1641, com as mesmas limitações previstas no antigo código.
Com a publicação do Novo Diploma Civil em 2002, novos questionamentos insurgiram-se. A aplicabilidade da Súmula 377 no novo cenário jurídico nacional vem gerando enormes debates entre os doutrinadores mais respeitáveis no campo civil brasileiro. A corrente que defende a inaplicabilidade da mencionada súmula a partir da publicação do Código de 2002 baseia-se na idéia de que há somente um regime da separação de bens. Ou seja, tanto o legal quanto o convencional possuem os mesmos efeitos e as mesmas restrições. Para Francisco José Cahali: “A separação obrigatória passa a ser, então, um regime de efetiva separação dos bens, e não mais um regime de comunhão simples (pois admitida a meação sobre os aqüestos), como alhures. A exceção deve ser feita, exclusivamente, se comprovado o esforço comum dos cônjuges para a aquisição de bens, decorrendo daí uma sociedade de fato sobre o patrimônio incrementado em nome de apenas um dos consortes, justificando, desta forma, a respectiva partilha quando da dissolução do casamento. Mas a comunhão pura e simples, por presunção de participação sobre os bens adquiridos a título oneroso, como se faz no regime legal de comunhão parcial, e até então estendida aos demais regimes, deixa de encontrar fundamento na lei”.
Há ainda aqueles que acreditam no enriquecimento sem causa, como o professor José Fernando Simão, ao afirmar: “Com a devida vênia e homenagem especial aos amigos que pugnam pela não revogação da Súmula 377, entendo estar revogada a disposição. Isso porque, a Súmula 377 não evita o enriquecimento sem causa, mas contrariamente, GERA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. Isso porque, em razão da Súmula a comunhão dois aqüestos é considerada automática, independentemente da prova de esforço comum. Assim, se um senhor de 90 anos se casa com uma moça de 18 anos, pelo regime da separação obrigatória em razão da idade, e depois de casado adquire uma casa e um carro, os bens são considerados aqüestos em decorrência da súmula e a jovem nubente terá direito automaticamente à meação. E por quê? PORQUE A SÚMULA 377 NÃO EXIGE PROVA DO ESFORÇO COMUM. Em conclusão, a Súmula deve ser entendida como revogada. Caso um dos cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens tenha efetivamente contribuído com a aquisição dos bens, fazendo a prova do esforço comum, terá direito à participação sobre eles. Afasta-se definitivamente a presunção contida na Súmula 377 e a separação obrigatória passa a ser considerada realmente absoluta”.
Filio-me, porém, à corrente minoritária, que defende a manutenção da eficácia da Súmula 377 do STF pelas razões a seguir expostas. Primeiramente, é necessário perceber que a redação do artigo 1641 do Código atual é, praticamente, idêntica à do parágrafo único do artigo 258 do antigo diploma. Diante disso, conclui-se que as mesmas razões que invocaram os ministros do Supremo a editarem a Súmula 377 permanecem até os dias de hoje, não havendo motivo algum para sua inaplicabilidade. Ao meu ver, os motivos para a concretização da referida súmula reforçaram-se ainda mais. Uma pessoa com mais de sessenta anos, por exemplo, com o avanço da medicina e das condições de saúde e alimentação, tem pleno discernimento de todas as obrigações que se submeterá ao contrair um matrimônio. Uma pessoa sexagenária não pode ser tratada como desprovida de sanidade mental plena e ser constrangida em qualquer hipótese a casar-se sob um regime a ela imposto.
Outro argumento favorável à manutenção da eficácia da súmula 377 se dá quando se observa a redação do artigo 1647 do Código Civil vigente: “Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real”. Uma simples leitura do artigo acima nos leva a entender que esta premissa se dá somente no regime da separação convencional de bens. O regime da separação legal não é “estipulado”, mas imposto a todos a ele sujeitos, desprovido de qualquer manifestação de vontade.
Por fim, salientamos que ao estabelecer que na separação obrigatória de bens comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento, o STF não deixou desamparadas as pessoas que poderiam ser prejudicadas por aquelas que contraírem matrimônio com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, nem, muitos menos, desprotegeu os maiores de sessenta anos e os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. A súmula é expressa no sentido de que somente aquilo que for adquirido na constância do casamento, partilha-se com o outro cônjuge. Ou seja, nada daquilo que pertencia à pessoa hipossuficiente antes do matrimônio comunicar-se-á com o outro e, sendo assim, a junção dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal tende somente a beneficiar a parte resguardada pela imposição do regime da separação obrigatória de bens.
Informações Sobre o Autor
Henrique Ananias dos Santos Mangualde
Bacharel em direito pela PUC-MG, escrevente do 4º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte