Coisa Julgada Presumida e Sua Incompatibilidade no Processo Previdenciário

Elder Rodrigues dos Santos[1]

Prof. Ms. Éverson Manjinski[2]

 

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Resumo: O presente artigo busca fazer realizar uma análise processual quanto à imutabilidade das decisões judiciais, mais especificamente a relação da coisa julgada nas decisões Previdenciárias, visto que neste ramo do direito, a coisa julgada deve receber um tratamento diferenciado em razão dos princípios constitucionais próprios que lhe são aplicáveis: adequada e máxima proteção social, primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social, processo justo e proteção da vida digna. A relativização da coisa julgada em matéria previdenciária torna-se necessária, visto as nefastas consequências ocasionadas ao segurado caso uma sentença de mérito não alcançe a verdade real do processo. Em outro viés, dizer que todas as sentenças previdenciárias não fazem coisa julgada representaria um risco muito grande de tornar inaplicável a tese de relativização nos casos em que a coisa julgada pode ser aplicada, pois de certa forma, inviabilizaria o Judiciário com a repetição infinita de ações. Desta forma, o presente artigo visa delinear qual o procedimento adotado pelo judiciário quando se depara com demanda já julgada anteriormente e abrangida pela coisa julgada.

Palavras-Chave: Coisa julgada presumida previdenciária, direito à proteção social e a vida digna, natureza da prestação social.

 

ASSUMED JUDGED THING AND ITS INCOMPATIBILITY IN THE PREVENTION PROCESS

 

Summary: The present article seeks to carry out a procedural analysis regarding the immutability of judicial decisions, more specifically the relation of the thing judged in the Social Security decisions, since in this branch of law, the thing judged must receive a differentiated treatment due to the constitutional principles of its own are adequate and adequate social protection, primacy of judicial settlement of the legal relationship of social protection, fair process and protection of dignified life. The relativization of res judicata in social security matters is necessary, given the dire consequences of the insured if a judgment of merit does not reach the real truth of the case. On the other hand, to say that all social security judgments do not do anything judged would represent a very great risk of rendering inapplicable the thesis of relativism in cases where the res judicata can be applied, since in a way it would render the Judiciary unfeasible with the infinite repetition of actions. In this way, this article aims to outline the procedure adopted by the judiciary when faced with a claim already adjudicated previously and covered by the res judicata.

Keywords: Presumed social security, right to social protection and dignified life, nature of social provision

 

Sumário: Introdução. 1. Breve noção de previdência social. 2. O Direito Processual Previdenciário. 3. A coisa julgada em matéria comum. 4. A coisa julgada em matéria Previdenciária. 5. A relativização coisa julgada em sentença resolutória de mérito. 6. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

A relação com a Previdência Social é um tema que afeta a grande maioria dos Brasileiros, inativos e ativos do país, os mais jovens contribuem para que os mais velhos continuem recebendo seus benefícios, e mais do que isso, contribuem para que eles mesmos venham a receber estes mesmos benefícios em futuro próximo.

Ocorre que, alguns dos benefícios são deferidos já na via administrativa, sendo que os demais, quando indeferidos, surgem para o segurado, motivado pela pretensão resistida, à possibilidade de ingresso ao judiciário, com intuito de tutelar seu direito à proteção social e a vida digna.

Fato que é evidenciado na via judicial são os processos instruídos precariamente, seja por ausência de documentos comprobatórios, seja por desconhecimento do segurado em relação a seu direito. Portanto, busca-se nesse artigo, colidir comandos legais e imperativos, quando da coisa julgada, a qual busca estabilizar a relação jurídica das partes, bem como busca dar segurança jurídica no processo.

Desta maneira, busca-se realizar uma revisão de literatura sobre o tema, buscando os aspectos legais que o norteiam, detendo-se primariamente ao estado da arte de como é tratado à coisa julgada em relação aos processos previdenciários, em especial em nosso Tribunal Regional Federal da 4ª Região, buscando referências de relevância no Direito Contemporâneo, na busca de um aprimoramento social, público e de justiça no caso concreto.

Por fim, busca-se chegar a uma revelação jurídica dos aspectos que norteiam o instituto da coisa julgada e suas nuances no processo previdenciário, sempre em comparação com o instituto da coisa julgada do processo civil tradicional.

 

  1. Breve noção de previdência social

Nosso legislador Constitucional nos traz expresso na Constituição Federal, a forma como o sistema de Previdência Social se compõe, em seu artigo 194, temos explicitado a forma como o sistema se estrutura, assim encontramos:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I –  universalidade da cobertura e do atendimento;

II –  uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III –  seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV –  irredutibilidade do valor dos benefícios;

V –  eqüidade na forma de participação no custeio;

VI –  diversidade da base de financiamento;

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VII –  caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

Como vemos, à seguridade social, é transferido o encargo de dar subsistência à saúde, à previdência social e à assistência social, portanto, previdência social é apenas uma das divisões da seguridade social, que engloba um tripé constitucionalmente previsto, com fonte de custeio que visa à manutenção das três áreas, unificando o orçamento.

A Previdência Social está inserida na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 201, assim redigido:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I –  cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II –  proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III –  proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV –  salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V –  pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

[…]

Portanto, como vemos, trata-se de um sistema previdenciário, que busca antes de qualquer coisa, repercutir a força dos direitos fundamentais, trazendo status constitucional, de hierarquia superior e de aplicabilidade imediata, que legitima todas as soluções compatíveis com a Constituição, independentemente do texto infraconstitucional.

 

  1. O Direito Processual Previdenciário

A legislação infraconstitucional, que regula o processo civil brasileiro, é a lei 13.105, mais especificamente o Código de Processo Civil, a qual, não implica negarmos a existência do direito processual previdenciário, pois a lide previdenciária reclama por normatização distinta da instituída pelo direito processual comum.

Enquanto no processo civil comum, as formalidades são tratadas com tamanha rigidez, no processo previdenciário a relativização de algumas formalidades, tende a ser contemplada na jurisprudência, em análise do caso concreto à luz das disposições constitucionais e busca de uma maior justiça social e atendimento à dignidade da pessoa humana.

Identificamos estas disposições, quando o judiciário busca a justiça no caso concreto, por exemplo, na concessão de benefício de prestação continuada quando do pedido de aposentaria por invalidez, pois agindo desta maneira o juiz contraria frontalmente o artigo 492 do código de processo civil, assim transcrito:

Art. 492.  É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Portanto o que se busca abarcar quando falamos de direito processual previdenciário, é a realização de um processo orientado por atuação jurisdicional que leve em conta as particularidades do caso em concreto, analisando os limitadores quanto a produção efetiva da prova, bem como as consequências do ato judicial, pois a verbas ali discutidas tratam-se de caráter alimentar, e buscando dar uma maior efetividade e justiça processual e material no caso concreto, já que nosso processo civil contemporâneo, não foi pensado pelo legislador na forma previdenciária, muito menos a tutelar um direito fundamental e de relevância social.

 

  1. A coisa julgada em matéria comum

Com previsão constitucional em seu artigo 5º Inciso XXXVI, a coisa julgada tem previsão assim estampada:

[…]

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

[…]

A lei infraconstitucional, o código de processo civil esclarece em seu artigo 502 o que é coisa julgada da seguinte forma:

Art. 502.  Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Ainda, o artigo 507 do mesmo código traz a seguinte previsão:

Art. 507.  É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

Com vistas à efetividade jurisdicional, e à segurança jurídica, pilares do estado democrático de direito, evidencia-se que o legislador optou por regulamentar o instituto da coisa julgada, tornando imutável uma nova discussão a respeito.

Sobre a coisa julgada, assim manifestou-se o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.

COISA JULGADA. Coisa julgada material é a eficácia, que torna imutável e indiscutível a decisão. O cumprimento de sentença encontra-se atrelada à decisão exequenda, sendo inviável a rediscussão da lide. No caso concreto, constituído o título judicial, não há razão para manter a suspensão do processo, sobretudo porquanto eventual alteração da jurisprudência não possui o condão de modificar a coisa julgada.

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IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PERÍCIA. No caso concreto, a determinação do valor da condenação depende apenas de cálculo aritmético, sendo dispensável a perícia contábil. Inteligência dos artigos 370, 464, §1º, e 509, §2º, do CPC.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 70078806841, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em 28/03/2019).

(TJ-RS – AI 70078806841 RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em 28/03/2019, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/04/2019).

A doutrina, nas palavras do iminente Fredie Didier Jr, assim se posiciona em relação a coisa julgada:

A coisa julgada, segundo conceituação doutrinária, consiste em um efeito jurídico (uma situação jurídica, portanto) que nasce a partir do advento de um fato jurídico composto consistente na prolação de uma decisão jurisdicional sobre o mérito (objeto litigioso), fundada em cognição exauriente, que se tornou inimpugnável no processo em que foi proferida. E este efeito jurídico (coisa julgada) é, exatamente, a imutabilidade do conteúdo do dispositivo da decisão, da norma jurídica individualizada ali contida. (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. Salvador: Jus Podium, 2008. p. 552-560).

 

  1. A coisa julgada em matéria Previdenciária

A coisa julgada previdenciária, assim definida, como uma necessidade do jurisdicionado ver atendido a justiça social, esta tão esperada pela sociedade, em especial pelo indivíduo que busca uma resposta adequada do estado, o qual detêm o monopólio estatal em matéria previdenciária, visto que órgão que regulamenta a Previdência Social no país é uma Autarquia Federal a qual cabe a incumbência de além de gerir o sistema, fazer a distribuição dos benefícios com equidade.

A coisa julgada previdenciária, inspirada à luz de todo processo constitucional promulgado na Constituição Federal de 1988, encontra-se plenamente alicerçada em valores consagrados na Constituição Cidadã, portanto, todo processo civil discutido em processos judiciais previdenciários, muito além de uma discussão formal e processual, recebe status Constitucional.

Estabelecer a coisa julgada sem exceções é buscar a regra pela regra, ignorando todo contexto envolvido na decisão, é virar as costas e denegar a proteção social a quem dela necessita, pois está na lide por depender desta prestação jurisdicional, e por razões das mais diversas, não logrou êxito em comprovar o fato constitutivo de seu direito.

Enquanto no processo civil, a coisa julgada pode aceitar o sacrifício da justiça pela segurança jurídica, no processo previdenciário, muitas vezes o direito de uma vida pode ser vilipendiado, e o direito do segurado ser açoitado abruptamente.

O princípio da não-preclusão do direito à previdência social foi objeto de decisão assumida pela 5ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região no ano de 2002 assim transcrita parcialmente:

“O princípio de prova material é pré-condição para a própria admissibilidade da lide. Trata-se de documento essencial, que deve instruir a petição inicial, pena de indeferimento (CPC, art. 283 c.c. 295, VI). Conseqüentemente, sem ele, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, I). E assim deve ser, porque o direito previdenciário não admite a preclusão do direito ao benefício, por falta de provas: sempre será possível, renovadas estas, sua concessão. Portanto, não cabe, na esfera judicial, solução diversa, certo que o Direito Processual deve ser enfocado, sempre, como meio de para a realização do direito material” . (TRF4 – 5ª T. – AC 2001.04.01.075054-3 – Rel. Antonio Albino Ramos de Oliveira – DJ 18.09.2002)

“O direito previdenciário não admite preclusão do direito ao benefício, por falta de provas: sempre será possível, renovadas estas, sua concessão”. (AC 2001.04.01.075054-3 – Rel. Des. Federal Albino Ramos de Oliveira)

O posicionamento da 5ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, alicerçasse no corolário Constitucional vigente, buscando trazer justiça social ao caso em concreto, promovendo respeito e dignidade humana à parte envolvida, oportunizando a mesma, que futuramente, caso encontre maiores evidências de seu direito, às traga à baila, para que uma decisão mais apropriada seja proferida pelo órgão jurisdicional.

Corroborando da premissa acima, a 5ª Turma posicionou-se no sentido de que nos casos em que o segurado não prova suas alegações, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito.

Ainda nesta esteira, posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça de forma similar, assim vemos:

“Dessa forma, não tendo o requerido produzido nos autos prova da sua condição de desempregado, merece reforma o acórdão recorrido que afastou a perda da qualidade de segurado e julgou procedente o pedido; sem prejuízo, contudo, da promoção de outra ação em que se enseje a produção de prova adequada” (STJ, 3 a Seção, PET 7.115, unânime, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10/03/2010, DJ 06/04/2010).

 

  1. A relativização coisa julgada em sentença resolutória de mérito

Trazemos à baila recente e relevante decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sede de Apelação Cível, o qual o tribunal se posicionou indo além do já discorrido no presente trabalho, ou seja, julgou novamente o mérito de período, decidido com sentença resolutória de mérito proferida em processo anterior, que conforme o código de processo civil já havia sido precluso, vindo a dar provimento ao apelo do segurado, e determinar a imediata implantação do benefício, em perfeita adequação aos princípios constitucionais que consagram o devido processo legal, e o direito fundamental a uma ordem jurídica justa, admitindo um caráter único ao processo previdenciário ali discutido.

A lide em questão trata-se inicialmente, do primeiro processo ajuizado, no ano de 2016, autos 5001026-59.2016.4.04.7203/SC, em que a parte autora postula o reconhecimento da especialidade do labor prestado no intervalo de 25/04/1989 a 29/02/2016.

Pois bem, o período de 25/04/1989 a 05/03/1997 já havia sido reconhecido na via administrativa e o período de 19/11/2003 a  29/02/2016 foi devidamente reconhecido judicialmente como exercido em condições especiais, motivado pela exposição ao agente ruído.

Todavia, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, a média do ruído auferido de 7,25 dB foi considerado inferior ao limite de tolerância vigente à época de 90 dB, e não caracterizou-se como especial.

O magistrado ainda consignou que verificou, na DER de 18/11/2014, que a parte autora ainda não completara o tempo mínimo de 25 anos de atividade especial, não fazendo jus ao benefício em questão.

Assim temos transcrita a parte dispositiva da sentença:

(…) DISPOSITIVO

Diante do exposto, em sede preliminar, extingo sem julgamento do mérito o pedido referente ao período de 25/04/1989 a 05/03/1997 (reconhecido na via administrativa), por falta de interesse processual da parte autora. No mérito, de acordo com os termos do art. 487, inciso I do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para reconhecer o labor em condições especiais da parte autora no período de 19/11/2003 a 07/01/2015 (data de reafirmação da DER).”

            Portanto, como vemos o período controverso de 06/03/1997 a 18/11/2003, foi extinto com sentença meritória, julgando seu indeferimento, retirando da parte, em tese uma rediscussão deste período.

Em sede recursal, em 19/06/2017, a turma recursal negou provimento ao recurso e confirmou a sentença pelos próprios fundamentos.

Ocorre que, em 26/09/2017, pouco mais de três meses da última decisão do processo anterior, nova ação é distribuída, autos 5003095-30.2017.4.04.7203/SC, em que o segurado pleiteia concessão de aposentadoria especial ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição, a contar de 18/11/2014 (1ªDER), mediante o reconhecimento da especialidade do intervalo de 06/02/1997 a 18/11/2003, ou seja, mesmo período já apreciado judicialmente, e fulminado com a ocorrência de coisa julgada, e plenamente operada a preclusão, nos termos do art. 485, V, do vigente Código de Processo Civil.

A parte autora ainda defende a inexistência de coisa julgada em relação à nova ação, visto que a causa de pedir é diversa da ação anterior, pois nesta questiona-se o agente nocivo químico e nos autos n. 5001026-59.2016.4.04.7203, a discussão tratava-se do agente nocivo ruído.

O juízo de 1º Grau proferiu decisão reconhecendo a coisa julgada nos presentes autos, assim transcrita parcialmente:

[…]

Há, assim, evidente configuração de coisa julgada em relação a todo o período postulado nestes autos (de 06/03/1997 a 18/11/2003), já que se verifica a identidade de partes, de pedido (cômputo, como tempo especial, do intervalo de 06/03/1997 a 18/11/2003) e de causa de pedir (obtenção de aposentadoria).

Registro, no ponto, que não houve extinção sem resolução do mérito em relação ao referido lapso, de forma que o intervalo afastado por conta de julgamento de mérito não pode voltar a ser discutido nesta ação, ainda que por argumentos diversos, até porque  toda e qualquer omissão verificada na sentença do processo anterior – inclusive em relação a agentes nocivos que supostamente teriam sido mencionados nos formulários/laudos e deixado de ser apreciados pelo Juízo – deveria ter sido objeto de discussão naquele feito, pelo meio processual competente (embargos de declaração).

Reconheço, diante disso, a ocorrência de coisa julgada em relação ao pedido de declaração da especialidade do período de 06/03/1997 a 18/11/2003, já apreciado na ação n. 5001026-59.2016.4.04.7203, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 485, V, do CPC/2015.

 

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, acolho a preliminar de coisa julgada em relação aos autos n. 5001 026-59.2016.4.04.7203 e EXTINGO o feito, sem resolução do mérito (art. 485, V, do CPC/2015), quanto ao pedido de enquadramento da especialidade do período de 06/03/1997 a 18/11/2003.

            Desta forma, diante do indeferimento do pedido inicial, restou a parte autora, buscar ver sua pretensão atendida em sede de recurso ao Tribunal de Justiça da 4ª Região, mais precisamente distribuída para a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a qual em decisão inicialmente não unânime, mas por maioria, manifestou-se no sentido de dar provimento ao apelo do autor, e determinar a imediata implantação do benefício, porém o julgamento ficou sobrestado nos termos do Art. 942 do CPC/2015, tendo sido julgado em definitivo, com nova turma conforme preconiza o artigo citado, em 20/03/2019.

Resta consignar, que a fundamentação do voto divergente proferido pelo eminente Desembargador Federal Celso Kipper, reconhecendo a coisa julgada no caso, apoia-se no sentido de que todas as circunstâncias que poderiam ter sido oportunamente deduzidas, e não foram, não servem de novo fundamento para rediscussão da pretensão, conforme artigo 508 do CPC/2018,  e recorre-se a linha de raciocínio do Ministro Luiz Fux, em excerto doutrinário (Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 670):

(…) eventual discussão incompleta da causa não autoriza a sua reabertura tampouco infirma o julgado. A idéia da estabilidade da decisão convive com as lacunas deixadas ao longo da discussão da causa: tamtum iudicatum quantum disputatum velquantum disputari debebat’.

Em consequência, nenhumas das partes pode valer-se de argumento que poderia ter sido suscitado anteriormente para promover nova demanda com o escopo de destruir o resultado a que se chegou no processo onde a decisão passou em julgado. (…)

Ainda, o iminente Desembargador argumenta que os processos ajuizados pelo autor, é notória a identidade de partes e dos pedidos, controvertendo-se somente em relação à existência, ou não, de causas de pedir distintas. Todavia, em seu entendimento, há plena correspondência também da causa petendi, pois esta, em ações como a presente, consiste no desempenho de labor sob condições nocivas à saúde, desimportando a declinação constante na inicial acerca dos agentes agressores.

Cita ainda o Recurso Extraordinário n. 590.809/RS, o qual o Ministro Celso de Melo, referindo-se aos limites objetivos da coisa julgada com apoio em lição de Enrico Tullio Liebmann, acentuou que esta abrange tanto as questões que foram discutidas como as que o poderiam ser, devendo ser repudiada, por completo e absolutamente, a relativização da res judicata, em vista de suas consequências altamente lesivas à estabilidade das relações intersubjetivas, à exigência da certeza e da segurança jurídicas e à preservação do equilíbrio social. Reconhece, assim, que a segurança jurídica, proporcionada pela autoridade da coisa julgada, representa, no contexto de nosso sistema normativo, o fundamento essencial da ordem constitucional.

Como já adiantado, o voto divergente foi superado quando da realização de nova sessão de julgamento na data de 20/03/2019, com o prosseguimento do julgamento na forma do Art. 942 do CPC, a Turma Regional Suplementar de Santa Catarina decidiu dar provimento ao apelo da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, tendo participado do julgamento os Desembargadores Federais João Batista Pinto Silveira, Márcio Antônio Rocha e o relator Paulo Afonso Brum Vaz.

Temos ementado a seguinte decisão proferida:

PREVIDENCIÁRIO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. COISA JULGADA FICTA OU PRESUMIDA. INCOMPATIBILIDADE NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTE NOCIVO DIVERSO DA PRIMEIRA AÇÃO. NOVA CAUSA DE PEDIR.  JULGAMENTO REALIZADO NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC.

  1. Hipótese em que na primeira ação buscava-se o reconhecimento da especialidade em razão da exposição ao agente nocivo ruído e na segunda ação em face da exposição a agentes químicos.
  2. Quinada jurisprudencial que recomenda cautela no exame do alcance da coisa julgada.
  3. Se a causa de pedir é diferente, não há falar em identidade de ações, pressuposto material da coisa julgada.
  4. Para a melhor leitura das regras dos artigos 474 do CPC/73 e 508 do CPC/15, consoante a doutrina majoritária, capitaneada por Barbosa Moreira, a preclusão alcança apenas as questões relativas à mesma causa de pedir.
  5. Em face do princípio da primazia da proteção social, que norteia o direito e o processo previdenciário, não há espaço para a coisa julgada ficta ou presumida.
  6. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo de serviço comum no âmbito do Regime Geral de Previdência Social.
  7. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
  8. Quanto aos agentes químicos descritos no anexo 13 da NR 15 do MTE, é suficiente a avaliação qualitativa de risco, sem que se cogite de limite de tolerância, independentemente da época da prestação do serviço, se anterior ou posterior a 02/12/1998, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial.
  9. Embora a umidade não esteja contemplada no elenco dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 como agente nocivo a ensejar a concessão de aposentadoria especial, o enquadramento da atividade dar-se-á pela verificação da especialidade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos.
  10. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria especial.

            Temos desta feita, relevante decisão do Tribunal, que alicerça claramente os princípios Constitucionais Previdenciários, e aproxima-se de uma maior justiça social, com o direito social preservado no caso discutido nos autos. Assim temos nas palavras do iminente relator Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz:

A eficácia preclusiva da coisa julgada prevista no art. 508 do NCPC deve receber uma exegese que leve em conta a natureza especial do Direito Processual Previdenciário. Se nas relações privadas o princípio da eventualidade impõe que todas as alegações e defesas sejam vertidas com a inicial e com a contestação, sob pena de se considerarem deduzidas, na relação de direito previdenciário, marcada pelo caráter alimentar das prestações e pela primazia da proteção social, isso não acontece.

A presumida hipossuficiência informacional dos que postulam prestações sociais previdenciárias e a natureza alimentar destas são incompatíveis com o julgamento implícito. Se, por exemplo, deixa-se de deduzir na inicial uma causa de pedir ou um pedido, como, por exemplo, requerer o reconhecimento da especialidade de um tempo de serviço, incumbe ao INSS, depositário das informações e com domínio sobre os complexos critérios de cômputo, esclarecer ao juízo – dever de informar e conceder o melhor benefício -, que deve levar em conta o que realmente existe independentemente de expresso pedido.

Com base no caráter social envolvido e no fundamento da flexibilização da coisa julgada em matéria previdenciária, o relator referencia decisão proferida pelo Desembargador Federal Néfi Cordeiro, durante sessão de julgamento da apelação cível 5008306-39.2011.404.7112/RS, na qual o atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça justificou a necessidade de uma flexibilização maior do conceito tradicional de coisa julgada:

Eminentes colegas, não costumo instaurar divergência quando convocado apenas para compor quórum em outra Turma, mas esta é uma questão em que tenho posição firmada e que é levada inclusive à Seção em caminho diferente. Então vou me permitir instaurar divergência, até porque permitirá eventual discussão na Seção quanto ao tema. Tenho compreendido que, pelos valores em causa, pela natureza da prestação social que traz o benefício previdenciário, a valoração da coisa julgada deve ter uma flexibilização maior. Havendo diferenciação dos fatos ou relevante diferenciação da prova, isso me faz permitir um reexame também do tema, sob pena de termos prejudicado o segurado por uma atuação deficitária até do seu advogado, até do Juiz, até de todos aqueles que estavam operando no processo, que concluiu primeiramente de modo desfavorável a este segurado. Essa situação vejo presente. Embora discutido o tempo – até aqui faço uma ressalva porque a sentença me preocupou inicialmente, pois parecia admitir coisa julgada porque deveria ter sido discutido um período prévio. Mas não: bem vê o Relator que o período foi discutido na ação perante o juizado. O problema, e que aqui me faz até instaurar divergência, é que lá foi discutido porque especial seria o período em razão de ruído, e agora traz prova por laudo técnico-pericial de que na verdade, embora realmente não houvesse o limite de ruído exigido pela legislação então vigente, como concluiu o juizado, havia o problema do calor, e seria esse um fato novo não examinado no processo anterior, um fato que foi inclusive obtido como prova após a ação anterior, é uma perícia posterior, e este fato me faz admitir como possível a rediscussão desse tempo sim. Assim tenho compreendido também em várias outras matérias, como prova do trabalho rural, revisão de temas que, embora solvidos judicialmente ou administrativamente, tenham prova relevante nova ou fatos novos demonstrados posteriormente. Volto a insistir que sei que isso viola os limites clássicos do que se entende por coisa julgada, mas parece-me que, ante a natureza social da demanda previdenciária, prejudicar um cidadão por uma prova mal colhida durante o processo, é um dano que me parece trazer dano a toda uma visão social que merece o Direito Previdenciário. Então, como estamos em apelo, eu até deveria prosseguir no exame do mérito porque, na verdade, não era necessária maior dilação probatória; as partes dispensaram em primeiro grau (TRF4, AC 5008306-39.2011.404.7112, Rel. p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Quinta Turma, j. 22/07/2013).

            Tal explanação do eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça demonstra que inclusive as cortes superiores acabam por buscar o entendimento de que o ramo previdenciário é um ramo do direito extremamente sensível, e que, na análise de suas demandas, o julgador não deve ficar adstrito somente a formalidade processual pura, mas sim, buscar uma análise sistemática de todo o ordenamento jurídico, pois a justiça social deve iluminar as análises no caso concreto.

 

  1. Conclusão

Concluímos, portanto, que a coisa julgada previdenciária difere absolutamente da coisa julgada instituída no Código de Processo Civil comum, visto seu caráter de proteção e prestação social, bem como seu caráter alimentar. Negar este desequilíbrio, seria negar o direito como forma de pacificação social e justiça, seria ir contra o caráter do processo previdenciário como forma de atendimento a direito fundamental do indivíduo, aos fundamentos dos direitos humanos, direitos sociais, dignidade da pessoa humana, construção de uma sociedade justa, promoção da erradicação da pobreza e marginalização, todos corolários do texto constitucional.

A relativização da coisa julgada previdenciária busca ponderar o processo previdenciário, trazendo uma garantia fundamental ao indivíduo através da jurisdição.

            A jurisprudência atual, como vimos, demonstra uma tendência a visitar este viés constitucional na resolução dos conflitos que se apresentam.

            Ainda, a concessão do melhor benefício ao segurado, trata-se de obrigação legal da Autarquia Previdenciária, expressa no artigo 687 da instrução normativa INSS/PRES Nº 77/2015, corroborada pelo Enunciado 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social, o qual consigna que a Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido. É o servidor da autarquia quem detém o conhecimento técnico para analisar qual seria o melhor benefício no caso concreto, mais que conhecimento, o servidor tem a obrigação legal de conferir a concessão do benefício mais vantajoso ao segurado no momento do pedido.

Portanto, como vimos no caso apresentado, mais que por questão de justiça social, necessário se faz a flexibilização da coisa julgada, ainda, motivada pelo conhecimento prévio pela Autarquia dos documentos apresentados, portanto, já na fase administrativa, a autarquia poderia e tinha plenas condições de ter realizado a concessão do melhor benefício e aplicado o direito adquirido quando fora provocada, não podendo e nem devendo valer-se posteriormente, do argumento de que, a aposentadoria especial pedida, referente ao agente nocivo, não foi simplesmente discutida nos autos iniciais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Dispõe sobre o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm >. Acesso em: 15 abr. 2019.

BRASIL. TJ-RS – AI 70078806841 RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em 28/03/2019, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/04/2019. Acesso em: 02 mai. 2019.

BRASIL. TRF4-RS – AC 2001.04.01.075054-3 – Rel. Des. Federal Albino Ramos de Oliveira, Julgado em 18/09/2002, 5ª T, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/09/2002. Acesso em: 02 mai. 2019.

BRASIL. TRF4 – AC 5008306-39.2011.404.7112 – Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Julgado em 22/07/2013, 5ª T, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 22/07/2013. Acesso em: 02 mai. 2019.

BRASIL. TRF4-RS – AC 50030953020174047203 SC 50030995-30.2017.4.04.7203 – Rel. Des. PAULO AFONSO BRUM VAZ, Julgado em 20/03/2019, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/03/2019. Acesso em: 02 mai. 2019.

BRASIL. TRF4 – AC 50010265920164047203 SC 5001026-59.2016.4.04.7203 – Rel. Des. EDVALDO MENDES DA SILVA, Julgado em 14/06/2017, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DE SC, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 14/06/2017. Acesso em: 02 mai. 2019.

BRASIL. STJ – PET 7.115 PR 2009/0041540-2, – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 10/03/2010, S3, Terceira Seção, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/04/2010. Acesso em: 02 mai. 2019.

BRASIL. STF – RE: 590809 RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Julgado em 22/10/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Acórdão Eletrônico: Dje-230 DIVULG 21-11-2014 Public 24-11-2014). Acesso em: 02 mai. 2019.

BRASIL. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 77, de 21 DE JANEIRO DE 2015. Estabelece rotinas para agilizar e uniformizar o reconhecimento de direitos dos segurados e beneficiários da Previdência Social, com observância dos princípios estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal de 1988.  Disponível em: < http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/38/inss-pres/2015/77.htm >. Acesso em: 10 abr. 2019.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. Salvador Jus Podium, 2008. p.552-560).

FUX, Luiz, SOUZA, Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 670.

SAVARIS, José Antônio. Coisa Julgada Previdenciária. Disponível em: < http://www.joseantoniosavaris.com.br/coisa-julgada-previdenciaria/ > Acesso em 15/04/19.

 

[1] Graduado em Direto pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE, e pós-

graduando em Direito Material e Processual Previdenciário pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

[2] Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

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