Resumo: O presente trabalho apresenta como tema Condomínio fechado de lotes e casas e suas implicações jurídicas.Como princípio norteador do trabalho, tivemos como objetivo geral, estudar os objetos caracterizadores do condomínio fechado em sede de lotes e casas, analisando atentamente sua repercussão na sociedade, além de estabelecer sua origem, a fim de estagnar as dúvidas que envolvem a matéria. Para tanto, pesquisamos vários doutrinadores desta área, como Maria Helena Diniz, Pontes de Miranda, Daniel Castro, J. M. de Carvalho Santos, Arnaldo Rizzardo, entre outros, como também legislações específicas ao tema e suas implicações jurídicas. Com relação ao parcelamento do solo urbano da propriedade, é tutelado essencialmente pela Lei 6.766/79. Dessa maneira, o dispositivo legal delimita a competência complementar dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios para legislar sobre as especificidades locais. Em se tratando do tema central desse estudo, o condomínio de lotes e casas, Arnaldo Rizzardo esclarece: “Além do condomínio propriamente dito horizontal, há o condomínio fechado, em que se aplicam as regras comuns do condomínio horizontal ou edilício” (2012, p. 669). De uma só vez, o autor admite a modalidade condominial, correlacionando-a ao condomínio horizontal. Dessa forma, podemos interpretar que o condomínio fechado apresenta semelhança evidentemente expressa em todas as suas características, restando disparidade tão somente no quesito relacionado à divisão das propriedades autônomas, ou seja, quanto ao plano horizontal ou vertical.Dentro dessa lógica, é perfeitamente possível enquadrar legalmente o condomínio fechado ao condomínio horizontal, utilizando, assim, a Lei 4.591/64 para tratar das relações jurídicas condizentes a este assunto, bem como apresentar soluções adequadas aos anseios dos interessados. Como solução para o tema, está em tramitação, na Câmara dos Deputados, desde 2000, o Projeto de Lei nº 3.057, que contém as disposições mais amplas relativas ao parcelamento do solo urbano, regularizando a situação fundiária e urbana do país.
Palavras-chave:Direito civil. Direito imobiliário. Condomínio.Condomínio fechado de lotes e casas.Condomínio urbanístico.
Abstract: The present work presents the theme of gated community lots and homes and their legal implications. As a guiding principle of the work, had as general objective, to study objects that characterize the gated community in lots and homes, carefully analyzing their impact in society, in addition to establishing its origin to stagnate the doubts that surround the area. To do so, we researched several scholars in this area, such as Maria Helena Diniz, Pontes de Miranda, Daniel Castro, J. M. de Carvalho Santos, ArnaldoRizzardo, among others, as well as theme-specific legislation and its legal implications. With respect to the installment of urban land, is tutored essentially by Law 6.766/79. In this way, the legal device delimits the complementary jurisdiction of the States, Federal District and municipalities to legislate on local specificities.In the case of the central theme of this study, the condominium of lots and houses, ArnaldoRizzardo clarifies: "beyond the condo itself, there is a gated community, in that apply the common rules of horizontal or condo buildings" (2012, p. 669). At once, the author admits the condominium mode, correlating to the horizontal condominium. In this way, we can interpret that the gated community features like of course expressed in all its features, leaving only disparity in terms related to the Division of stand-alone properties, that is, the horizontal or vertical plane. Within this logic, it is perfectly possible to frame legally the gated community to horizontal condominium, using thus the Law 4.591/64 to treat legal relations in keeping this issue, as well as provide adequate solutions to the concerns of stakeholders. As a solution to the issue, is in processing, in the House of representatives, since 2000, the Law Project. 3.057, which contains broader provisions relating to the subdivision of urban land, regularizing the land and urban situation in the country.
Keyword: Civil law.Real state law.Condominium.Gated condominum of lots and houses.Urbanisticcondominum.
Sumário: Introdução. 1. Noções gerais sobre propriedade e seus meios de parcelamento do solo urbano. 1.1 Propriedade. 1.1.1 Natureza jurídica. 1.1.2 Conceito. 1.2 O parcelamento do solo urbanístico na propriedade. 1.2.1 Institutos do parcelamento do solo. 1.2.1.1 Loteamento. 1.2.1.2 Desmembramento. 2. Condomínio. 2.1 Conceito. 2.2 Natureza Jurídica. 2.3 Espécies de Condomínio. 2.3.1 Condomínio voluntário. 2.3.2 Condomínio necessário. 2.3.3 Condomínio eventual. 2.3.4 Condomínio edilício. 3. Condomínio fechado de lotes e casas 3.1 Conceito. 3.2 Princípios e regras norteadoras. 3.3 Da confusão doutrinária. 3.4 Loteamento fechado com tipo atípico de condomínio. 3.5 A omissão do legislador e a necessidade da inclusão do projeto de lei nº 3.057/2000 ao nosso ordenamento jurídico. Considerações finais. Referências
INTRODUÇÃO
Para uma melhor compreensão da matéria a ser estudada, cumpre destacar alguns pontos principais relacionados à urbanização, salientando uma ideia geral sobre propriedade e os meios de parcelamento do solo. Dessa forma, adentrando a fonte do nosso objeto de estudo, qual seja, o condomínio fechado de lotes e casas e suas implicações jurídicas, nos cabe estudar e demonstrar sua origem e conceituação da coisa plena, a fim de objetivar o trabalho no decorrer dos capítulos.
De forma sintética, vale destacar que a propriedade é peça chave para entendermos os regimes jurídicos e políticos da época, podendo, a partir daí, obter uma análise mais apurada de um povo, naquele determinado período de tempo.
Tem sido alvo de investigações de profissionais não só do direito, mas de diversas áreas, todos determinados a fixar-lhe um conceito, indicar-lhe a origem, caracterizar-lhe elementos, buscando uma cristalização do ordenamento que a constitui.
Tais estudos, todavia, levam a uma conclusão inquietante: o conceito de propriedade é flexível, transmutando-se de acordo com modelos econômicos, políticos, sociais e religiosos de cada período.
É importante registrar que civilização romana foi a que se mostrou mais preparada na conceituação de propriedade e, portanto, os doutrinadores têm como marco inicial da tutela desse instituto, de maneira incontroversa. Portanto, é “No direito romano que vamos encontrar a raiz histórica da propriedade”.
A temática em questão ficou assim desenvolvida: o primeiro capítulo, Noções gerais sobre propriedade e seus meios de parcelamento do solo no contexto urbano, apresentamos a natureza jurídica da propriedade, conceito, parcelamento do solo urbanístico na propriedade, institutos do parcelamento, loteamento e desmembramento.
O parcelamento do solo está previsto na nova Lei 6.766/79, em seu art. 2º, § 2º, dispondo que pode ser feito mediante loteamento ou desmembramento.
O segundo tema, Condomínio, discorremos sobre conceito e natureza jurídica do condomínio e suas espécies.
O terceiro e último capítulo, Condomínio fechado de lotes e casas, tema central deste estudo, é feita uma abordagem sobre os princípios e regras norteadoras para a construção desses condomínios, regulada pela Lei 4.591/64, uma vez que é perfeitamente possível enquadrar legalmente o condomínio fechado ao condomínio horizontal.
Em continuidade, temos Da Confusão doutrinária, e, principalmente, da Omissão do legislador com relação à questão. E, ainda, uma breve análise sobre o Projeto de Lei nº 3.057/2000 e a inclusão do conceito de condomínio urbanístico, em tramitação na Câmara dos Deputados.
Fechando o tema, como sugestão, a partir de todo o problema constatado com relação ao condomínio fechado de lotes e casas, daremos um enfoque sobre a necessidade de uma legislação específica no sentido de resolver os possíveis conflitos.
1. NOÇÕES GERAIS SOBRE PROPRIEDADE E SEUS MEIOS DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANO
De modo a facilitar a compreensão da matéria a ser estudada, cumpre destacar alguns pontos principais relacionados à urbanização, salientando uma ideia geral sobre propriedade e os meios de parcelamento do solo.
Dessa forma, adentrando a fonte do nosso objeto de estudo, qual seja, o condomínio fechado de lotes e casas e suas implicações jurídicas, nos cabe demonstrar sua origem e conceituação da coisa plena, a fim de objetivar o trabalho no decorrer dos capítulos.
1.1 Propriedade
A análise jurídica dos condomínios em sede de lotes fechados pressupõe o aprofundamento arraigado dos institutos de direito que lhe dão origem. É, portanto, fundamental adentrarmos nesta concepção de direito de propriedade, que enraizou diversas matérias de direito, patenteando a sua importância principalmente no direito civil, tornando-se matéria imprescindível do presente trabalho.
É correto afirmar que um sintético resumo evolução histórica mostra-se útil e imprescindível a fim de estabelecer um conceito sólido para as demais matérias a serem estudadas.
1.1.1 Natureza Jurídica
A propriedade tem sido alvo de investigações de profissionais de diversas áreas, não só do direito, todos determinados a fixar-lhe um conceito, indicar-lhe a origem, caracterizar-lhe elementos; enfim, buscando uma cristalização do ordenamento que a constitui.
Todavia, tais estudos levam a uma conclusão inquietante: o conceito de propriedade é flexível, transmutando-se de acordo com modelos econômicos, políticos, sociais e religiosos de cada período[1].
Podemos deduzir que a propriedade é peça chave para entendermos os regimes jurídicos e políticos da época, podendo, a partir daí, obter uma análise mais apurada de um povo, naquele determinado período de tempo[2].
A civilização que se mostrou mais preparada na conceituação de propriedade, e que os doutrinadores têm como marco inicial da tutela deste instituto, de maneira incontroversa, foi a romana.
Nesse sentido, preleciona Maria Helena Diniz: “Mas é no direito romano que vamos encontrar a raiz histórica da propriedade”[3].
O que é mais evidente no processo de conceituação do direito de propriedade no período romano era justamente o princípio individualista, caracterizando o domínio do patrimônio de maneira ampla e individual[4].
Já durante o regime feudal, a propriedade transmite um aspecto político, na qual o senhor da terra cedia pequena parcela de seu domínio, gerando direitos e obrigações mútuas[5].
Com efeito, o beneficiário da terra possuía usufruto condicional dela, em troca de proteção e parte da colheita, obrigando-se a prestar serviços ao proprietário de natureza inclusive militar[6].
A etapa seguinte da evolução metamórfica da propriedade foi patrocinada pela Revolução Francesa, a partir do Código “Napoleônico” de 1804, que visou tutelar a liberdade e a privacidade da pessoa, restringindo a intervenção do Estado no domínio da terra[7].
Daí podemos extrair o ápice da concentração do princípio individualista no instituto de propriedade, exaltando o domínio do proprietário do bem sobre os interesses sociais.
No entanto, no século XX o conceito de propriedade é bastante instável, conturbado pela mutabilidade constante dos regimes jurídicos, como ensina Caio Mário da Silva Pereira[8]:
“Neste século XX é tudo intranquilo. Os regimes mudam, os conceitos jurídicos perdem consistência. Os movimentos políticos alteram a face das instituições. Oscilam os governos da direita para a esquerda, da esquerda para a direita. Neste ambiente caótico o regime jurídico da propriedade não se mantém equilibrado”.
É evidente a flexibilidade do direito de propriedade, tendo sido influenciada por diversos princípios jurídicos, do qual hodiernamente destacam-se o princípio da função social, que, ao olhar de Orlando Gomes[9], trata-se da estatização da propriedade.
Neste mesmo sentido Caio Mário da Silva Pereira[10] relaciona esse conceito a uma tendência socializadora do direito de propriedade.
O que nos parece mais lógico é a intervenção mais branda do Estado neste instituto de direito, ocasionando na limitação do princípio individualista da propriedade, sobrepondo-se o interesse social ao individual.
Essa tendência inovadora, patrocinada pelos movimentos de justiça social, destaca-se a partir da sua incorporação pelo Código Alemão (B.G.B.), iniciando aí um novo processo revolucionário do conceito de propriedade ao qual podava o poder absoluto do proprietário, salientando a subordinação às leis e ao eventual direito de terceiro[11].
Posteriormente, segundo J.M. Carvalho Santos[12], esta Carta Legal veio a influenciar diversos outras pelo mundo, tendo sido consagrado pelo Código Civil Italiano e o pátrio-brasileiro.
A Constituição Brasileira passou a abrigar tais princípios nesse sentido, tais como da função social, justiça social, da produtividade do bem, entre outros, dinamismo este que levou Maria Helena Diniz[13] a afirmar: “A socialização do direito está expressa na Carta Magna”.
1.1.2 Conceito
A priori,é fundamental destacar que o direito de propriedade possui características subjetivas, ou seja, as relações jurídicas que a norteiam geram uma ou mais pretensões, sendo esta última o poder de impor determinada prestação[14].
Nesse sentido acrescenta Pontes de Miranda[15] que: “Em sentido amplíssimo, propriedade é o domínio ou qualquer direito patrimonial”. Conceituação esta que afasta um pouco os ideais contemporâneos da socialização e se apoia nos princípios fundamentais e originários desse instituto.
Vinculamos o pensamento do autor supracitado às palavras do professor Arnaldo Rizzardo[16] ao discorrer sobre a propriedade, afirmando que: “Considera-se o mais amplo dos direitos reais, o chamado direito real por excelência, ou o direito real fundamental”.
Notadamente, a extensão desse instituto de direito alcança um nível elevadíssimo, muito embora haja restrições e intervenções de modo aleatório no seu cumprimento por parte do Estado, imposto pela legislação hodierna.
J.M. Carvalho Santos[17] conceitua a propriedade com precisão quando preleciona que: “A propriedade é definida pelos juristas como a possibilidade de exercer um poder sobre uma coisa, de acordo com a vontade do titular, respeitadas as leis e os direitos de terceiros”.
Logo, extraindo a ideologia da doutrina clássica, observamos que o instituto de propriedade gera amplos poderes ao proprietário, condicionando seu exercício de direito à efetiva perturbação da legislação que concede, por sua vez, direitos à terceiros e à coletividade.
Orlando Gomes[18], por sua vez, conceitua a propriedade de forma tripartida, projetando-a de acordo com os critérios sintético, analítico e descritivo, como exposto a seguir:
“Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windscheid, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.”
Notamos que conceituar a propriedade é tarefa bastante árdua, mas a ideia que nos parece correta é justamente a apontada no conceito analítico supracitado, adotado pelo nosso Código Civil de 2002, que em seu art. 1.228, caput, traça os poderes do proprietário de forma concisa e clara da seguinte forma: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
Esta redação é muito semelhante ao disposto no art. 524, do antigo Código Civil de 1916, mas já apresentavam críticas ferrenhas à limitação do poder do proprietário em relação à coisa.
Essa relativização do poder do proprietário somente foi incorporada pela Constituição Federal Brasileira de 1988, através dos princípios socializadores, conforme discorrido anteriormente, como bem observava J.M. Carvalho Santos[19]:
“Se toda definição é perigosa, permite, todavia, encontrar os elementos essenciais que caracterizam o instituto. Na realidade, a lei fixou, em relação à propriedade, mais os seus limites do que o seu conteúdo positivo, permitindo, na elucidativa lição de IHERING, que a vontade individual possa plasmar o real conteúdo do domínio, respeitadas as limitações legais.”
É fácil interpretarmos que a propriedade é de uso, gozo e disposição plena e exclusiva do possuidor do domínio, salvo os casos onde haja limitação legal, a exemplo do condomínio, objeto principal deste trabalho. Nesse sentido doutrina Caio Mário da Silva Pereira[20]:
“Por tudo isso, e por ser de natureza embora não da essência que a propriedade se ostente livre de restrições e de coparticipação jurídica, presume-se plena e exclusiva (Código Civil, art. 1.231). Trata-se de uma presunção iuris tantum, que vige até ser dada prova em contrário, por parte de quem tenha interesse na existência da limitação, ou do ônus, ou do condomínio. Enquanto não é dada tal prova, traduz o iusexcludendi omnes alios”.
Denota-se, portanto, que a essência da propriedade continua a ser plena, não obstante as limitações a elas impostas, que de forma excepcional restringem o domínio do proprietário.
Como consequência, concebeu-se uma relativa mutação na característica funcional desta matéria, originando, pois, uma certa modalidade socializadora, como podemos notar do texto abaixo transcrito[21]:
“De fato, a passagem da concepção da propriedade como situação subjetiva àquela como relação jurídica tem não somente o significado de uma modificação estrutural, mas concerne ao aspecto funcional do instituto: implica o deslocamento da concepção do direito civil concebido como postura individualista para a postura relacional.”
Por conseguinte, a propriedade urbana tem como emblema a atribuição de uma política de desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus cidadãos, sendo executadas de acordo com o plano diretor de cada município.
Este, por sua vez, deverá ser de acordo com os preceitos elencados na Lei Federal nº 10.257/01 [22], que atribui à União a competência para legislar sobre normas de direito urbano, delimitando ao município a complementação no que for necessário à matéria. É desse modo que está contemplado o art. 182, da Constituição Federal[23].
Por fim, resta comprovado que a partir de uma noção essencial do instituto de propriedade, poderemos adquirir uma instrução mais sólida dos assuntos que tendem a surgir durante o progresso do estudo do parcelamento do solo urbano, dos condomínios, em específico o condomínio de lotes fechados e todas as implicações jurídicas, tal como o projeto de lei federal que visa tutelar a matéria e que está em regular tramitação no Congresso Nacional.
1.2 O Parcelamento do Solo Urbanístico na Propriedade
Essencialmente, o parcelamento do solo urbano é tutelado pela Lei 6.766/79. O dispositivo legal delimita a competência complementar dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios para legislar sobre as especificidades locais, bem como classifica a sua efetivação através das modalidades de loteamento e desmembramento, além de dispor sobre os requisitos básicos, gerais e também específicos, para a sua aplicação.
Nota-se uma clara omissão do legislador, no sentido de não conceituar o parcelamento do solo, nem ao menos de uma forma genérica, objetivando a prática do instituto, mas desfocando o estudo de sua ideia geral.
Os artigos 1º e 2º da Lei 6.766 de 1979[24] basicamente preconizam que o parcelamento do solo urbano apresenta duas modalidades: o loteamento e o desmembramento.
Cumpre ressaltar a nítida diferença entre a Lei 6.766/79, que dispões sobre as formas de parcelamento do solo urbano e a Lei 4.591/64, que trata dos condomínios e incorporações, sendo a primeira relativa a questões de ordem pública e a segunda relativa a princípios de direito privado, como assim dispõem o teor de ambos os textos legais. Dessa forma, entende Cíntia Caleffi[25]:
“Diferentemente das incorporações imobiliárias, que proporcionam espaços privados de uso comum, o loteamento institui áreas públicas, de uso coletivo, não somente em favor dos proprietários ou moradores daquele empreendimento, mas de toda população. Por meio do parcelamento do solo, novos bairros surgem e integram-se às cidades existentes”.
Basicamente diferenciando esses dois dispositivos legais e analisando intrinsecamente o teor da Lei de parcelamento do solo, podemos notar, em especial, o descaso com relação à concretização do conceito materializador do instituto em estudo.Não obstante, podemos extrair, a partir das limitações impostas, objetivos traçados e classificações impostas, um bom entendimento à matéria, como expõe, de forma clara e direta, o professor Arnaldo Rizzardo[26]:
“Atualmente, duas são as modalidades de parcelar áreas urbanas: pelo loteamento e pelo desmembramento. Em ambas, há venda de terrenos originados da subdivisão de um imóvel, objetivando a colocação de novo aglomerado humano. Deu-se importância à finalidade na destinação da gleba, o que leva a justificar a semelhança de requisitos exigidos para a implantação de qualquer espécie de parcelamento. Importa não tanto a forma de retalhamento, mas o fato de formação de novo centro habitacional.”
O parcelamento do solo urbano é essencial para o desenvolvimento urbanístico, portanto é fundamental a existência de uma tutela legal adequada que emoldure o direito real em análise, muito embora não possua conceituação concreta e definida em seu disposto legislativo, a referida lei foi positivamente recebida no ordenamento jurídico pátrio, exatamente por regular uma matéria até então pouco lembrada pelo legislador.
1.2.1 Institutos de parcelamento do solo
Diante dos dispositivos legais já mencionados, em especial o art. 2º da Lei 6.799/79, observamos que o legislador objetivou subdividir os institutos de parcelamento do solo urbano em duas modalidades, quais sejam, o loteamento e o desmembramento.
1.2.1.1 Loteamento
Considera-se loteamento toda subdivisão de gleba em menores porções de lotes, com a abertura de ruas, logradouros públicos ou modificação das vias já existentes, sendo cada lote autônomo e dissociado dos demais, considerando as exigências mínimas estipuladas no teor da lei em tutela.
Assim define o art. 2º, § 1º da Lei 6.766/79: “Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.
É de responsabilidade dos proprietários ou mesmo dos coproprietários efetuar o loteamento da gleba, havendo a necessidade da criação de uma pessoa jurídica, figura do loteador, responsável por atender todas as exigências legais, inclusive notariais e registrais, sendo este responsável juridicamente pelas implicações jurídicas atendidas ou não pelo parcelamento do solo, dessa maneira, também entende Arnaldo Rizzardo[27], da maneira que passa a transcrever o trecho abaixo:
“Só aos proprietários e coproprietários cabe promover a divisão de lotes, Sendo o loteador pessoa jurídica, indispensável torna-se a exibição dos documentos provando a autorização de agirem os representantes neste ramo de negócios. Os documentos podem consistir em estatutos ou contrato social.”
Cabe ainda ao loteador o adimplemento de medidas sociais e urbanísticas, a fim de conceder uma infraestrutura básica de qualidade, dever este a princípio do Estado, muito embora tendo sido repassado como obrigação exclusiva do loteador, através da Lei nº 11.445/07, que adicionou a redação ao art. 2º, § 5º, instituindo como equipamentos urbanos necessários o escoamento das águas pluviais, a iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar, além da construção de vias públicas de circulação.
Compete exclusivamente ao município, de forma complementar ou suplementar, legislar sobre as peculiaridades da região, sendo esta obrigada a seguir as diretrizes da legislação federal e estadual, não podendo extrapolar limites por ela impostas, sob pena de ser julgado inconstitucional os efeitos por ela gerados. Dessa forma decidiu o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária que julgou a ADI 478[28]:
“CONSTITUCIONAL. MUNICÍPIOS: CRIAÇÃO: PLEBISCITO: ÂMBITO DA CONSULTA PLEBISCITÁRIA: C.F., art. 18, § 4º. DISTRITOS: CRIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E SUPRESSÃO: COMPETÊNCIA: C.F., art. 30, IV. TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO: ADEQUADO ORDENAMENTO: C.F., art. 30, VIII. I. – Criação de municípios: consulta plebiscitária: diretamente interessada no objeto da consulta popular é apenas a população da área desmembrada. Somente esta, portanto, é que será chamada a participar do plebiscito. Precedente do S.T.F.: ADIn 733- MG, Pertence, 17.06.92, "DJ" 16.06.95. Ressalva do ponto de vista pessoal do relator desta no sentido da necessidade de ser consultada a população de todo o município e não apenas a população da área a ser desmembrada (voto vencido na ADIn 733-MG). Ação não conhecida, no ponto, tendo em vista a superveniência da EC nº 15, de 1996. II. – A criação, a organização e a supressão de distritos, da competência dos Municípios, faz-se com observância da legislação estadual (C.F., art. 30, IV). Também a competência municipal, para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano — C.F., art. 30, VIII — por relacionar-se com o direito urbanístico, está sujeita a normas federais e estaduais (C.F., art. 24, I). As normas das entidades políticas diversas — União e Estado-membro — deverão, entretanto, ser gerais, em forma de diretrizes, sob pena de tornarem inócua a competência municipal, que constitui exercício de sua autonomia constitucional. III. – Inconstitucionalidade do art. 1º das Disposições Transitórias da Lei Complementar 651, de 1990, do Estado de São Paulo, que dispondo a respeito das áreas territoriais denominadas subdistritos, equiparam-nas a Distritos. Ofensa ao art. 30, IV. IV. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente no tocante ao artigo 1º das Disposições Transitórias. Improcedente quanto ao artigo 12, não conhecida a ação quanto ao art. 1º, § 3º.” (Grifo nosso)
Esse acórdão passou a ser um paradigma na resolução de litígios que tratam sobre o parcelamento do solo urbano. Portanto, outra não seria a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que não a seguinte[29]:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LEI MUNICIPAL QUE TRATA DE MATÉRIA URBANÍSTICA. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR COMPLEMENTAR. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 24, INCISO I E PARÁGRAFO 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
O Município de Canoas, ao legislar sobre matéria urbanística, extrapolou sua competência suplementar complementar, ao desconsiderar os limites postos em lei de iniciativa da União, que possui competência para editar normas gerais a respeito.AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. “
Extraindo a noção acertada das decisões supracitadas, cumpre destacar a importância da norma constitucional apregoada, tornando a matéria incontroversa devido a sua devida tutela no art. 24, I, da Carta Magna, discorrendo da seguinte forma: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito federal legislar sobre: I – Direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico”;
De maneira conclusiva, no parcelamento do solo urbano, a legislação vigente basicamente trata sobre a subdivisão da gleba em lotes de terreno menores, destacamos que se o lote já existe, não há o que se falar em loteamento ou desmembramento, interpretação esta baseada na legislação norteadora deste instituto, qual seja, a Lei 6.766/79[30].
1.2.1.2 Desmembramento
O desmembramento é um instituto previsto na nova lei de parcelamento do solo urbano: a Lei 6.766/79 que, em seu art. 2º, §2º[31], dispõe, em resumo que o desmembramento se trata da subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação, com o aproveitamento de um sistema viário que já exista.
Desse modo, podemos observar que o desmembramento é subdividido em lotes, destinando a mesma finalidade do loteamento, que é precisamente edificar o terreno, muito embora a disposição parcelatória tenha se realizado de maneira diversa, ocorrendo esta com o aproveitamento do sistema viário já existente, não implicando em um arruamento, e sim uma modificação do já existente, assim dispõe Luiz Antônio Scavone Júnior[32] a respeito do tema:
“O loteamento se diferencia do desmembramento na exata medida em que, neste, não há como se falar em abertura ou prolongamento de vias de circulação e, tampouco, de logradouros públicos, tais como as praças e ruas.
Inicialmente, haverá loteamento no caso de subdivisão de glebas em lotes com abertura de ruas, vielas, praças e outros logradouros públicos.
Se a subdivisão da gleba em lotes aproveitar a malha viária e os equipamentos públicos existentes, estaremos diante do desmembramento.”
Com efeito, a partir desses parâmetros, o parcelamento em tutela constitui na modificação de uma área, a excluir-se o sistema viário, transmutando-a em dois ou mais terrenos, extinguindo o imóvel anterior[33].
2. CONDOMÍNIO
O presente trabalho abordou a natureza jurídica da propriedade, elucidando a sua origem romana clássica, em que o domínio era unitário e exclusivo, cabendo poucas limitações ao Estado em intervir nesse instituto. Esse princípio individualista se metamorfoseou de forma a agasalhar princípios de ordem diversa, quais sejam, os da função social.
Mesmo com as mudanças históricas, nota-se que incontroversa é a origem do instituto de propriedade, a firmar-se de forma individual.
Hodiernamente, com o surgimento dos princípios da função social, da segurança pública, da economia, dentre outros, surge uma nova modalidade de propriedade, que nada mais é que um domínio em conjunto.
Podemos concluir que a sociedade moderna iniciou um processo de involução ao qual regrediu o instituto da propriedade ao antigo modelo feudal. O motivo para esse retrocesso social seria exatamente o mesmo: A incapacidade do Estado em gerir, com eficiência, a segurança pública para todos.
A diferença, claro, reside no fato da existência da figura do coproprietário no regime desse novo modelo, que é chamado de condomínio.
Nessa forma de propriedade o mesmo bem imóvel pode pertencer simultaneamente a várias pessoas, surgindo uma relação jurídica com de indivisibilidade do objeto e divisibilidade do sujeito[34].
Assim surge a indivisão do objeto de direito real e a relação entre os coproprietários ou condôminos, possuidores do domínio em conjunto, ou seja, ocasionando uma comunhão do bem. Nesse sentido, Orlando Gomes[35] discorre:
“Esse fenômeno de concorrência de direitos iguais ocorre mais clara e frequentemente na propriedade. Toma, então, o nome de condomínio ou copropriedade, mas também se verifica, embora mais raramente, em outros direitos reais, como a enfiteuse e o usufruto.
Encarado no seu aspecto objetivo, isto é, em relação à uma coisa, chama-se de indivisão. Visto sob aspecto subjetivo, isto é, em relação aos sujeitos titulares do direito, denomina-se comunhão.
A indivisão é, assim, o estado em que se encontra uma coisa sobre a qual várias pessoas têm direitos concorrentes. A comunhão, a situação jurídica em que o mesmo direito sobre determinada coisa compete a diferentes sujeitos.
O estado de indivisão resulta de várias causas: é consequência da vontade dos indivíduos; decorrência de determinação legal, ou existe pela força das circunstâncias.”
Extraímos daí a concepção coletiva da propriedade, no qual o coletivo restringe-se de forma exclusiva aos condôminos e proprietários possuidores do domínio, dissociando-se da coletividade em sede de direito público, por conseguinte, integrando-se às matérias de direito privado.
2.1 Conceito
Entrelaçado à introdução do estudo do condomínio, norteado introdutoriamente no exposto acima, notamos que o condomínio é espécie atípica do gênero propriedade, na qual não só um indivíduo, mas vários são os detentores do direito de domínio, podendo o condomínio surgir de um contrato, herança ou até mesmo outro evento, sem que haja expressa vontade das partes[36].
Acrescentam ainda CristianoFarias e Nelson Rosenvald[37] que:
“[…] no condomínio, o domínio é qualitativamente igual, não obstante a propriedade seja quantitativamente diferente. Podemos então conceituar o condomínio como situação jurídica em que duas ou mais pessoas, simultaneamente, detêm idênticos direitos e deveres proprietários sobre o mesmo bem”.
Desta feita, a partir da interpretação dos autores supracitados, a ideia de fração ideal está bem empregada ao condomínio, visto que, de forma abstrata, cada condômino é possuidor de uma fração ideal, sendo ele dono de uma ou mais unidades.
Arnaldo Rizzardo[38], por sua vez, contempla a matéria auferindo palavras no mesmo sentido, acrescentando somente a indivisão da propriedade, da maneira abaixo transcrita:
“Concebe-se daí o condomínio quando uma coisa pertence a diversos proprietários e fica na indivisão, recaindo o direito de cada proprietário sobre o conjunto, e não sobre a porção determinada da coisa. A propriedade de um bem pertence pro indiviso a várias pessoas.”
Concluindo essa linha de raciocínio, Caio Mário da Silva Pereira[39] conceitua o condomínio incorporando todos os pontos suscitados:
“Dá-se condomínio, quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes. O poder jurídico é atribuído a cada condômino, não sobre uma parte determinada da coisa, porém sobre ela em sua integralidade, assegurando-se a exclusividade jurídica ao conjunto de conproprietários, em relação a qualquer pessoa estranha, e disciplinando-se os respectivos comportamentos, bem como a participação de cada um em função da utilização do objeto.
A cada condômino é assegurada uma quota ou fração ideal da coisa, e não uma parcela material desta. Cada cota ou fração não significa que a cada um dos conproprietários se reconhece a plenitude dominial sobre um fragmento físico do bem, mas que todos os comunheiros têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade dele, limitadoscontudo na proporção quantitativa em que ocorre com os outros conproprietários na titularidade sobre o conjunto.”
Absorvendo a conceituação já discorrida, podemos concluir que o condomínio é uma espécie de propriedade em que o domínio é exercido por duas ou mais pessoas, sendo cada proprietário dono de sua fração ideal, que de forma abstrata, reconhece o domínio da coisa de forma plena e geral, obrigando aos condôminos uma comunhão subjetiva do bem, de forma a manter a coisa indivisível em todos os seus termos.
Evidenciando uma característica clara abstrata e impessoal do condomínio, pois, tornado perfeitamente possível um indivíduo autônomo, de forma pessoal, por si só, assumir os direitos e as obrigações impostas, nos limites de sua fração ideal[40].
Notemos que o exercício dominial do condomínio está diretamente relacionado à pluralidade de sujeitos, dependendo da boa-fé subjetiva destes, obtendo um conjunto de faculdades inerentes a esta espécie de propriedade.
Sendo assim, cada um dos proprietários possui titularidade jurídica para pleitear e responder sobre a coisa de forma inteira, incidindo o equivalente à sua fração ideal, princípio este que abrange a todos os coproprietários[41].
Caio Mário da Silva Pereira[42] acrescenta que o legislador constantemente tenta delimitar o instituto do condomínio, alvo de inúmeros litígios, através de normas cerceadoras, caracterizando essa modalidade de transitória, ou seja, efêmera e passível de mudanças ao longo do tempo, tendo em vista o constante surgimento de novos conflitos de interesses. Assim sendo, é de fundamental importância demonstrar ipsis litteris o trecho abaixo:
“Em essência, o condomínio é transitório, tanto em razão de sua própria natureza oposta à qualidade exclusiva da propriedade como porque milenarmente tem sido fonte permanente de constantes litígios, que o legislador quer reprimir e cercear, instituindo a regra da sua cessação pela iniciativa de qualquer consorte a qualquer tempo (Código Civil, artigo 629), e ainda quando se haja ajustado a continuidade da situação ou quando o estado de comunhão tenha sido determinado pelo doador ou testador.”
É notável a insegurança jurídica desse instituto há não muito tempo atrás, comprovada pela referência feita pelo autor acima mencionado ao Código Civil de 1916, com disposições instáveis, a se tirar pelo exemplificado, somente vindo a se solidificar em tempos modernos, através de legislação adequada, que passou a tutelar novos conflitos e apresentar soluções contemporâneas, muito embora ainda haja brechas a ser preenchidas, um passo a ser dado pelo novo projeto de lei nº 3.057/2000.
De maneira a facilitar a complexidade do estudo desse instituto, necessário se faz um breve esclarecimento nas suas teorias norteadoras, especificando suas características e ideias centrais.
Cumpre destacar duas teorias essenciais à compreensão da matéria, sendo a primeira classificada em Teoria da Propriedade Integral ou Total e a segunda na Teoria das Propriedades Plúrimas Parciais.
A fim de iniciar o exame relativo a esta matéria, vale ressaltar as palavras do Professor Arnaldo Rizzardo[43], autoridade nesse assunto:
“A primeira concentra-se na propriedade integral ou total de todos. A unanimidade dos condôminos exerce a propriedade sobre o bem. Cada um é proprietário do bem por inteiro, mas sem afastar a propriedade dos demais consortes. Ou seja, embora haja um direito sobre toda a coisa, há, no entanto, limitação por força da propriedade dos outros condôminos. Em última análise, forma-se um concurso dos múltiplos direitos iguais de propriedade sobre toda a coisa.
Pela segunda teoria, leva-se em conta um novo critério: cada condômino é proprietário de parte do bem. Formam-se propriedades plúrimas e parciais, mas sobre a parte ideal na coisa comum. Não se arreda, todavia, a propriedade plena na parte ideal. A soma das várias partes ideais forma o condomínio.”
Nosso Código Civil adotou a teoria da propriedade integral ou total, de maneira que assevera com clareza que cada coproprietário é proprietário da plenitude da coisa delimitada pelo igual direito dos demais condôminos, portanto restringindo o direito de um, proporcional à fração ideal dos restantes, a fim de estabelecer uma convivência harmoniosa[44].
Essa teoria nos parece pouco convincente, pois, analisando com afinco essa norma, notamos que cada condômino é dono do bem por inteiro, ou seja, da plenitude da coisa, argumentação esta que se torna frágil ao saber que cada proprietário possui o domínio de sua fração ideal exclusiva, qual seja, o objeto de sua moradia, bem este inviolável, como assim dispõe a CF.
Desse modo, parece-nos claro e evidente que cada condômino é dono de uma quota ideal, sendo perfeitamente cabível a ideia de que de forma ampla, cada um é proprietário de um todo de maneira abstrata, tendo em vista o princípio norteador desse instituto, qual seja, da indivisibilidade do bem.
Adequamos, portanto, nosso entendimento de acordo com a teoria das propriedades plúrimas parciais, pensamento esse patrocinado por diversos autores de renome, inclusive Arnaldo Rizzardo[45], quando diz: “Esta, sem dúvida, é a teoria que melhor justifica o condomínio”.
Evidenciadas as teorias que orientam o tema e esclarecida a predominante no meio jurídico que concerne o assunto, é de primordial importância aprofundarmos resumidamente em sua origem, destacando os pontos principais, resultantes da caracterização desse instituto.
2.2 Natureza Jurídica
Tem-se que o vocábulo condomínio era comumente usado como sinônimo de comunhão, muito embora haja uma diferença vital, visto que o segundo é um dos requisitos do primeiro, por conseguinte, fácil se faz a interpretação de que a comunhão é um indicativo de gênero do condomínio[46].
De acordo com estudos históricos, a palavra condomínio não apresenta fonte jurídica no direito romano, muito embora haja registros de termos semelhantes, que já apontavam princípios da comunhão e da indivisibilidade do bem, razão pela qual, bem como a pluralidade de senhores, como regra estritamente excepcional.
Em razão disso, tem-se o direito romano como fato gerador de pensamentos, ideias e princípios norteadores desse tema. Tanto isso é verdade que posteriormente surgiram duas correntes originais, uma de origem romana e outra de natureza germânica.
Não obstante, vale a opinião de Arnaldo Rizzardo[47], no entendimento da matéria: “Nosso direito positivo inspirou-se no direito romano, com um caráter individualista, da divisão de quotas. Ou seja, a cada Condômino é assegurada uma quota ou fração ideal da coisa, e não uma parcela material desta”.
Notável se faz a presença de ensinamentos do direito romano no instituto de propriedade de forma ampla e especificamente em todas as ramificações e espécies nela contida, solidificando a base para o estudo de toda esta matéria.No entanto, recebendo a incorporação de conceitos adequados ao contemporâneo, a fim de estabelecer uma balança perfeita para a definição consistente do condomínio.
2.3 Espécies de Condomínio
O condomínio é tema bastante complexo e amplo, em razão do que se torna passível de classificações de várias modalidades, dependendo de cada autor.
Cabe-nos observar a classificação quanto à forma, definindo o condomínio em pro diviso e pro indiviso. Nesse aspecto, valem as palavras de Maria Helena Diniz[48]:
“No pro diviso, a comunhão existe juridicamente, mas não de fato, já que cada comproprietário tem uma parte certa e determinada do bem, como ocorre no condomínio em edifícios de apartamentos. Logo, por outras palavras, esse condomínio pro diviso ocorre quando os consortes, com a aprovação com a aprovação tácita recíproca, se instalam em parte da área comum, exercendo sobre ela todos os atos de proprietário singular e com exclusão de seus condôminos como se a gleba já tivesse sido partilhada. No pro indiviso, a comunhão perdura de fato e de direito; todos os comunheiros permanecem na indivisão, não se localizando no bem, que se mantém indiviso.”
E compartilha do mesmo pensamento Arnaldo Rizzardo[49]:
“Na primeira modalidade [pro diviso], o condomínio existe de direito, mas não de fato. Cada condômino se localiza numa parte certa e determinada do bem. Situa-se ele numa porção específica da coisa, que a ocupa e exerce seu poder de uso, gozo e disposição exclusiva. Na segunda [pro indiviso], a comunhão se realiza de fato e de direito, mas indivisamente, ou sem uma localização delimitada no bem”.
Podemos dizer que a conceituação dessa classificação traz pouco esclarecimento à luz da matéria, tendo em vista que o primeiro, condomínio prodiviso, define o condomínio de maneira tão somente teórica e não prática, instituindo a cada condômino a liberdade de exercer seu direito sobre a sua propriedade de maneira exclusiva, enquanto que somente na segunda, pro indiviso, observamos a característica básica do condomínio, ou seja, a indivisão da coisa.
Com relação à sua duração, o condomínio apresenta dois tipos: transitório e permanente.
Se a extinção do condomínio for impossibilitada em razão de lei ou motivo semelhante, este será permanente. Já as demais modalidades serão incorporadas no modelo transitório, tendo em vista a tutela privilegiada da legislação nesse sentido específico[50].
Caio Mário da Silva Pereira[51],definindo classificação semelhante à supramencionada, classifica o condomínio quanto à sua necessidade da seguinte forma:
“Tendo em vista a sua necessidade, denomina-se ordinário ou transitório aquele que, resultante ou não da convenção, vigora por tempo certo ou enquanto não se lhe ponha termo, mas que pode cessar sempre. Permanente é o coativo ou forçado, insuscetível de se extinguir pela natureza mesma da coisa ou da relação jurídica que o gerou, ou do exercício do direito correlativo.”
Diante do exposto, analisando as classificações recém apresentadas, de maneira a tratar o assunto quanto à sua duração ou sua necessidade, evidenciamos a tutela legislativa no sentido de facilitar a possibilidade de extinção do condomínio, trazendo, somente de maneira excepcional, a modalidade permanente estipulada em lei.
A classificação quanto ao seu objeto pode ser apresentada pela comunhão universal ou particular. Nesse sentido, Maria Helena Diniz[52] argumenta que:
“Será universal se compreender a totalidade do bem, inclusive frutos e rendimentos: e particular, se se restringir a determinadas coisas ou efeitos, ficando livre os demais, como ocorre no condomínio de paredes, de tapumes e de águas.”
Com palavras idênticas, compartilha da mesma ideia Arnaldo Rizzardo[53], acrescentando tão somente que a parede limítrofe, neste caso, torna-se comum.
Quanto à origem, o condomínio pode ser dividido em convencional ou voluntário, eventual ou incidente e, finalmente, forçado ou legal. Esta é a disposição incorporada pelo nosso Código Civil de 2002, que traz normas reguladoras da matéria, tutelando em específico e detalhadamente o condomínio edilício, razão pela qual terá seu estudo realizado de maneira aprofundada, considerando suas peculiaridades.
Além disso, seu estudo arraigado torna-se vital à matéria em exame, devido ao fato de que o objeto principal do presente trabalho, qual seja, o condomínio fechado de lotes e casas, recebe tutela e enquadramento legal, por justaposição, idêntica a dos condomínios edilícios.
Foi assim que decidiu, unanimemente, em sessão plenária, o Egrégio Tribunal de Justiça do Maranhão[54]:
“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL – PLANTÃO JUDICIÁRIO DE 2º GRAU – VEDAÇÃO EXPRESSA AO CONHECIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – HIPÓTESE EXCEPCIONAL – CABIMENTO – CONDOMÍNIO FECHADO DE LOTES – PREVISÃO NO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO – LEGALIDADE – SEGURANÇA CONCEDIDA. I – Se a Resolução do Tribunal, à época, vedava expressamente a apreciação de Agravo de Instrumento no Plantão Judiciário de 2º grau, não restou outra alternativa à requerente, senão a impetração de Mandado de Segurança contra a decisão de primeiro grau que deferiu liminar em Ação Cautelar. II – O empreendimento que serve de pano de fundo à presente ação mandamental constitui-se num "condomínio fechado de lotes", que nada mais é do que um condomínio horizontal, em que cada adquirente pode construir a sua casa da forma que lhe aprouver, respeitando as regras mínimas previstas no regulamento. III – Assim, não se trata de um loteamento, mas de um condomínio edilício, na qual existem partes que são propriedade exclusiva e partes que são comuns.IV – A simples alusão à eventual inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Municipal que criou os regramentos do condomínio horizontal, sem suscitar, expressamente, o incidente de inconstitucionalidade, ou apontar qualquer decisão emanada de controle abstrato de normas, não infirma a presunção de constitucionalidade do diploma legal. IV – Segurança concedida. Unânime.”
Dessa maneira, torna-se evidentemente sólida a tese acima exposta, que por sua vez, terá sua tutela definida nos capítulos posteriores.
Resta, imprescindivelmente, uma breve explanação sobre a matéria base e introdutória do tema objeto deste trabalho, a fim de não restar dúvidas quanto ao seu enquadramento legal idêntico à utilizada nos condomínios edilícios, norma imposta, imperativamente, pelo art. 8º da Lei 4.591/64, que trata dos condomínios e incorporações.
2.3.1 Condomínio voluntário
As normas reguladoras do condomínio voluntário estão elencadas nos arts. 1.314 ao 1.326, seção I, capítulo XI, título III, livro III do Código Civil brasileiro, lá estão dispostos os direitos e deveres dos condôminos nessa relação jurídica subjetiva.
Para bem definir o conceito dessa modalidade de classificação, faz-se necessário citar as palavras de Maria Helena Diniz[55], que de forma sintética expõe:
“Será convencional ou voluntário, se resultar do acordo de vontade dos consortes, nascendo de um negócio jurídico pelo qual duas ou mais pessoas adquirem ou colocam um bem em comum para dele usar e gozar. Essa convenção pode estabelecer, por exemplo, a quota que caberá a cada conproprietário: no silêncio dessa manifestação, pelo art. 1.315, parágrafo único, do Código Civil, presumir-se-á, até prova em contrário, a igualdade dos quinhões”.
Desta feita, concluindo a análise introdutória ao condomínio voluntário, observamos que para a classificação e enquadramento nessa modalidade, mister se faz a vontade expressa das partes integrantes dessa relação jurídica, cabendo a eles direitos e deveres explícito na carta legal supramencionada.
2.3.2 Condomínio necessário
A princípio, interpretando a terminologia utilizada na definição de condomínio necessário, observamos que se trata de um gênero da espécie de condomínio que, ao contrário do condomínio voluntário, recebe a intitulação de indispensável, portanto, fácil se faz notar que essa modalidade é uma imposição legal estabelecida pelo Código Civil, ou seja, trata-se de uma modalidade forçada do condomínio.
Desse modo, alinhando-se ao pensamento de Caio Mário da Silva Pereira[56], podemos notar a simultaneidade nas ideias relativas ao objeto de estudo, como se nota no trecho abaixo transcrito, de maneira teórica e prática:
“Considera-se necessário, ou legal, o condomínio que não se origina de uma convenção ou de sucessão hereditária, porém decorre de imposição da ordem jurídica. O Código prevê um caso particular da espécie, em razão de situações peculiares nascidas do direito de vizinha.
A tapagem e separação de prédios que se fazem por paredes, muros, cercas ou valados pode gerar o condomínio sobre uns e outros, quando levantados ou abertos na linha divisória. É frequente, no momento em que se realizam, concorrem os proprietários confinantes nas despesas de custeio, e ipso facto tornaram-se desde logo comproprietários. Usam-nos conforme suas necessidades, mas cuidando de não trazerem moléstias ao vizinho”.
A tutela relativa a esta matéria encontra-se prevista nos arts. 1.314 ao 1.326 do Código Civil, onde regula e delimita os direitos e deveres dos condôminos participantes dessa relação jurídica, cumprindo ressaltar a impossibilidade da sua divisão ou indissociação da formação do condomínio.
Por fim, faz-se relevante exemplificar a espécie mais costumeira do condomínio forçado, qual seja, o condomínio edilício, que será estudado em tópico próprio a seguir demonstrado[57].
2.3.3 Condomínio eventual
Quando ocorrer a formação do condomínio de forma alheia à vontade dos condôminos, ou seja, de forma incidente, fortuita ou eventual, será, essa modalidade, denominada de condomínio eventual.
Dessa forma, a título de exemplo, pode, perfeitamente, se enquadrar no caso em tela, a herança deixada a vários herdeiros, destinada à comunhão estipulada em testamento. Outro exemplo desse modelo, seria os direitos de vizinhança de moradores que possuem comunhão de bens, e assim não desejam[58].
2.3.4 Condomínio edilício
O Condomínio Edilício, ou Propriedade Horizontal, segundo Caio Mário da Silva Pereira[59], é criado da seguinte forma: “A propriedade horizontal há de nascer, portanto, de uma declaração volitiva que reveste várias modalidades, ou de um acordo”.
Efetuado o registro, que será efetuado seguindo fielmente os procedimentos legais, a criação do edifício de apartamentos estará formalizada. Mas só isso não basta para a sua criação[60].
Ainda segundo Caio Mário[61]: “A solução ideal preconizada é, pois, a conciliação da liberdade de iniciativa com a regulamentação legal, a convenção livre dos condôminos, com a determinação de padrões legais mínimos”.
Esse requisitos legais, que estabelecem direitos e diveres aos condôminos, é imprescindível não só à criação, mas também para uma manutenção de um bem estar e convivência social harmoniosa.
Pois bem, o art. 1.331 do Código Civil, contido no capítulo XII, que trata exclusivamente do condomínio edilício faz-se objeto de estudo indispensável, destacando-se a transcrição do caput de seu texto na íntegra, da maneira a seguir: “Art. 1.331. Pode haver em edificações, partes que são propriedades exclusivas, e partes que são propriedades comum dos condôminos”.
Sendo assim, de início já podemos observar o princípio da inviolabilidade do domicílio familiar, bem como, o princípio da indivisão aliada à comunhão da coisa de forma plena.
De acordo com acima exposto, Caio Mário da Silva Pereira[62] discorre seu pensamento sobre o assunto nessa mesma linha seguida pelo nosso Código hodierno e destaca também um rol de doutrinadores que acompanham a mesma ideia nossa, como se vê abaixo:
“A essência do condomínio nos edifícios coletivos reside em que se deve ele ser constituído de partes que são de utilização exclusiva, consistindo no direito de propriedade sobre a unidade do seu titular, e partes que são comuns a todos, devendo o direito sobre as mesmas ser subordinado ao conceito condominial, tal como desenvolvido em o nº 314, supra. O proprietário de uma unidade no edifício coletivo somente tem a possibilidade material e jurídica de sua utilização se ao mesmo tempo lhe é assegurada a das partes comuns. Daí resulta que o conceito do condomínio edilício há de assentar na reunião orgânica e indissolúvel da propriedade exclusiva, incidente sobre a unidade, e o condomínio sobre as partes e coisas comuns” (Clóvis Beviláqua, Carlos Maximiliano, Eduardo Espínola, Ricardo Amati, Ruggiero e Maroi, Ludovico Barassi, Hector Lafaille, Raymundo Salvat, Peretti Griva, HernánRaciatti).
Associada ao Código Civil de 2002 encontra-se a lei de condomínios e incorporações de nº 4.591 de 1964, em que teve como idealizador central, coautor desta, o Professor Caio Mário da Silva Pereira, que no texto em tela tentou dirimir as brechas até então presentes na legislação brasileira, incorporando conceitos e soluções condizentes com o seu tempo.
Muito embora a legislação tenha suprido os anseios das relações jurídicas correlacionadas a essa matéria naquele período de tempo, hoje, novos conflitos surgiram, bem como novas relações jurídicas, que, por conseguinte, se metamorfosearam de acordo com a urbanização crescente das cidades.
O fato é que o legislador não conseguiu acompanhar o ritmo dos conflitos de interesses relativos a esta matéria, que se vislumbrou acelerado devido ao forte crescimento do ramo imobiliário em tempos hodiernos.
O que aconteceu, na verdade, foi a revogação de vários dispositivos legais, principalmente àqueles contidos na Lei 4.591/64, muito embora sua essência tenha restado intacta e, portanto, objeto de ordem reguladora dos condomínios, principalmente na modalidade horizontal ou edilícia, tornando-se tema vital ao nosso estudo.
Mesmo a promulgação do Código Civil tendo sido realizada posteriormente à referida lei, é ela, qual seja, a lei de condomínios e incorporações, que traz a melhor conceituação e melhor tutela ao condomínio, como se denota neste trecho transcrito abaixo, comentado por Caio Mário da Silva Pereira[63]:
“A Lei n.º 4.591 de 16 de dezembro de 1964, consignou a concepção moderna da propriedade horizontal. O seu art. 1º inscreve nesse regime toda edificação ou conjunto de edificações, de um ou de vários pavimentos, sem cogitar do número de peças de cada unidade e independentemente da sua natureza residencial ou não residencial.
A lei exige a construção sob forma de unidades autônomas. Esta é uma conditio legis. É mister que cada unidade – apartamento residencial, sala ou conjunto de escritório, loja, sobreloja, vaga em edifício-garagem – constitua unidade autônoma, e deve ser tratada objetivamente como tal e assinalada por uma indicação numérica ou alfabética, para efeitos de identificação ou discriminação.
Exige, ainda, a lei que a cada unidade corresponda uma quota ou fração ideal do terreno e das partes e coisas comuns, expressa matematicamente sob forma decimal ou ordinária (§2º).”
Conforme se denota, coube à lei supramencionada conceituar com exatidão e caracterizar com detalhes minuciosos a propriedade horizontal ou edilícia. Alinhado a essa concepção, Arnaldo Rizzardo[64] complementa a ideia, com comentário nesse sentido:
“É, no entanto, na Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que permanece em vigor naquilo não obrigado pelo Código Civil, que encontramos o conceito exato de condomínio. O art. 1º enquadra neste regime toda a edificação ou conjunto de edificações, de um ou de vários pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, com partes individuais e partes comuns, sem cogitar do número de peças de cada unidade e independentemente da sua natureza residencial ou não residencial […].”
É evidentemente perceptível a importância da lei supramencionada, não de forma complementar, mas sim de maneira suplementar, ou seja, ela não somente serve como complemento ao disposto no Código Civil, muito pelo contrário, tem o caráter indispensável ao assunto em tela, conceituando e preenchendo lacunas de uma maneira que a Lei 10.406/02 não o fez por completo.
Podemos concluir, portanto, que ambos os textos legais são de vital importância ao assunto, uma não dependendo da outra, contudo conjuntamente trazem percepções arraigadas ao condomínio, principalmente ao condomínio edilício.
Notemos, portanto, o fraquejo das teses que dissertam, erroneamente, que a Lei 4.591/64 merece ser derrogada em seu conteúdo integral, através de argumentos frágeis ao assunto, somente com o intuito de causar mais dúvida ao tema em estudo[65].
Vale definir, a título de esclarecimento, que o termo propriedade horizontal surgiu a partir da denominação de propriedade por planos horizontais.
É fácil de se interpretar, pois, devido ao fato de que tais condomínios possuem planos limítrofes em sentido horizontal, razão pela qual originou fato gerador de seu nome e, que de maneira mais simples, denominou-se propriedade horizontal[66].
Podemos dizer que a origem da concentração de pessoas interessadas em manter domicílio fixo com outras em um mesmo local, na forma de condomínio edilício, tem-se a partir das seguintes razões: necessidade de melhor aproveitamento de um mesmo espaço, tornando-o mais barato, devido ao rateio das custas; facilitar a obtenção de moradia própria; estabelecer um local fixo aos promitentes proprietários próximo ao seu local de trabalho; e principalmente pelo motivo que gera maior índice de aglomeração nesse tipo de condomínio, que na verdade é o da segurança, em que o causador principal, qual seja, o Estado, é constantemente omisso[67].
Interpretando a legislação condominial, especificamente a edilícia ou a horizontal, observamos que os direitos e deveres trazidos a esta espécie traz consigo uma junção de direitos individuais e coletivos[68], mas que sempre se referem aos proprietários, sejam as áreas comuns, sejam as unidades autônomas invioláveis.
Por conseguinte, notamos que a legislação bem define que tais propriedades são de natureza privada e não pública. Tanto isso é verdade que o art. 1.331, §4º do CC, estipula que nenhuma unidade autônoma pode ter cerceado seu direito de acesso ao logradouro público, mantendo, portanto, a diferença clara, do logradouro público e da propriedade privada.
Destarte, por analogia, cabe aos condomínios fechados de lotes e casas seguir as mesmas normas reguladoras do condomínio edilício, pois, na verdade, trata-se, em essência, da mesma modalidade, somente vindo a diferenciar-se por seu plano limítrofe.
3. CONDOMÍNIO FECHADO DE LOTES E CASAS
Sabemos que o condomínio é dotado de diversas classificações, em que nelas foram apresentadas, de maneira breve, os quesitos centrais do nosso objeto de estudo central, qual seja, o condomínio fechado de lotes e casas.
De maneira geral, muitos dos conceitos e princípios recém-expostos são frequentemente enquadrados nessa modalidade, principalmente às referentes ao condomínio edilício, que comumente também é chamado de condomínio horizontal.
Contudo, mister se faz observar as suas peculiaridades, requisitos necessários e princípios norteadores, a fim de conceituar sua definição com clareza, esclarecendo toda perplexidade doutrinária a respeito desta matéria puramente lógica.
3.1 Conceito
Definidos de maneira introdutória, notamos que dos tipos de condomínio, o que se destaca é justamente o condomínio edilício ou horizontal. Contudo, devido à urbanização crescente das cidades, aliada à má prestação do serviço público de segurança, surgiu uma nova modalidade condominial: o condomínio fechado.
De maneira a esclarecer o assunto, Arnaldo Rizzardo[69] discorre sobre o tema da seguinte maneira: “Além do condomínio propriamente dito horizontal, há o condomínio fechado, em que se aplicam as regras comuns do condomínio horizontal ou edilício”.
De uma só vez o autor admite a modalidade condominial, correlacionando-a ao condomínio horizontal.
Podemos interpretar que o condomínio fechado apresenta semelhança evidentemente expressa em todas as suas características, restando disparidade tão somente no quesito relacionado à divisão das propriedades autônomas, ou seja, quanto ao plano que se dirige: horizontal ou vertical.
Por esta razão lógica, é perfeitamente possível enquadrar legalmente o condomínio fechado ao condomínio horizontal, ou seja, mister se faz a utilização da Lei 4.591/64 para tratar das relações jurídicas condizentes a este assunto, bem como apresentar soluções adequadas aos anseios dos interessados.
Esta afirmação torna-se verdadeira quando observamos a tentativa de o legislador em tutelar a matéria, introduzindo norma reguladora no sentido de legalizar e pacificar o entendimento neste sentido, como se denota no art. 8º da Lei 4.591/64[70].
Diante do exposto, observamos que as alíneas “a” e “b”, expressamente tutelam o condomínio constituído por várias unidades de edifícios, bem como o condomínio de casas.
O dispositivo legal acrescenta ainda a ideia central do instituto condominial, qual seja, da fração ideal de cada condômino, de forma abstrata, não afetando o princípio da indivisibilidade e da comunhão inicialmente exposta, de maneira a usufruir da parte comum de forma plena, bem como titulariza o direito de propriedade relativo às unidades autônomas.
Mas é na alínea “d” que se faz presente a ideia central deste trabalho, visto que o referido preceito legal preconiza que cabe ao proprietário discriminar as áreas que se constituírem logradouros públicos ou privados.
Interpretando a legislação, percebemos a preocupação específica em tutelar essa modalidade condominial que incorporava mais de uma edificação ou área exclusiva na mesma gleba. Corroborando esta afirmação, Caio Mário da Silva Pereira[71], elaborador da lei objeto de nosso estudo, evidencia, a fim de não restar dúvidas, a tese demonstrada no trecho a seguir:
“A Lei n.º 4.591, de 16 de dezembro de 1964, olhou para o assunto (art. 8.º) e abraçou na sua disciplina esta modalidade especial de aproveitamento condominial de espaço. Estabeleceu regras específicas para o caso de se levantar mais de uma edificação em terreno aberto, ainda que não ocorra a superposição de unidades. Em tais circunstâncias, em relação às unidades autônomas que se constituírem de casas térreas ou assobradas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilidade exclusiva, e bem assim a fração ideal sobre a totalidade do terreno e partes comuns, correspondente a cada unidade (art. 8.º, alínea a).”
Não restam dúvidas, portanto, sobre a atenção do legislador ao regular essa matéria, que já naquela época, dava sinais de inquietação, necessitando uma tutela adequada e específica a fim de apaziguar divergência sobre o tema, função esta preenchida em todos os seus termos pelo dispositivo legal supramencionado.
Tanto isso é verdade, que a jurisprudência desde a promulgação da referida lei, até hoje, majoritariamente, interpreta a carta legislativa nesse sentido. A fim de evidenciar o exposto, faz-se necessário transcrever o julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[72]:
“Casa de Vila
Ementa
Condomínio Especial por transformação de casas de vila. Observância dos ditames da Lei 4.591/64.
É indiscutível a possibilidade de submeter-se o conjunto de casas de vila ao regime do condomínio especial ou pro diviso, observada a Lei 4.591/64, cujos dispositivos aplicáveis, especialmente o art. 8º, alínea a, devem ser interpretados de modo a levar-se na devida conta as peculiaridades daquele tipo de imóvel. E uma vez verificando-se que existe convenção, aprovada por proprietários titulares de dois terços das frações ideais atribuídas às casas, bem como o competente registro imobiliário, não se deve acolher pretensão declaratória de inexistência do condomínio, tanto mais porque persistem, com efeitos naturais, aqueles atos que deram vida jurídica à comunhão dominial.
Apelo improvido.”
Verificamos, pois, a possibilidade plena regulamentada pela legislação em tela, acompanhada fielmente pela jurisprudência já há alguma tempo, demonstrando que essa modalidade é, na verdade, uma relação jurídica que vislumbra origem conexa com a do condomínio edilício, apresentando, inclusive, características semelhantes, respeitadas as peculiaridades já evidenciadas.
Essas peculiaridades à vista do condomínio fechado são visivelmente tuteladas na legislação supracitada, no sentido de que em matérias de destinação da coisa comum e definição da fração ideal de cada unidade autônoma, caberá à convenção de condomínio constituir norma reguladora[73].
Analisando a regra geral, cumpre destacar a utilização por justaposição, no que couber, a legislação direcionada ao condomínio horizontal ou edilício, presentes nos arts. 1.331 ao 1.358 do Código Civil[74].Corroborando esta tese, o Conselho da Justiça Federal[75] assim dispõe: “O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do Novo Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”.
Nesse liame, Caio Mário da Silva Pereira acrescenta:
“O princípio jurídico dominante é o mesmo do edifício urbano, guardadas as peculiaridades especiais. Cada titular é o dono da sua unidade e como se lhe reserva um terreno à utilização exclusiva, pode cerca-lo ou fechá-lo, observando o tipo de tapume previsto na convenção. Pode aliená-lo com o terreno reservado. Mas não lhe assiste o direito de dissociar a sua unidade do conjunto condominial nem separá-la da fração ideal que lhe corresponde nesse conjunto. E muito menos apropriar-se das partes de uso comum ou embaraçar sua utilização pelos demais.
E tem de se sujeitar às regras da Convenção do Condomínio, observando as restrições nela constantes, a regulamentos do uso por todos, enfim, obedecendo às normas do direito estatutário, além do direito comum, porque instituídas em benefício da convivência, que um dos condomínios não pode egoisticamente perturbar.”
Dessa forma, percebemos que se a convenção de condomínio dispor no sentido de que é de interesse dos condôminos o fechamento do conjunto de casas, a fim de que os próprios moradores custeiem sua segurança, de forma a reservar as vias de acesso das unidades autônomas tão somente para esta finalidade, instituindo o acesso restrito a estes coproprietários através de guaritas e profissionais treinados a prestar este tipo de serviço, não haverá impedimento legal alguma.
Antagonicamente a isto, a lei tutela especificamente esse modelo objeto de nosso estudo, autorizando os titulares desse direito privado a fechar ou cercar o condomínio, observando sempre a convenção.
Nada mais justo e lógico, visto que toda a construção dessas vias de acesso, postes, áreas comuns e demais elementos que constituem o condomínio fechado são de inteiro custeio dos moradores ou dos incorporadores que idealizaram o empreendimento.
Associado a isto, sabe-se que a manutenção dessas vias e demais elementos são igualmente rateadas entre os moradores, respeitadas as quotas ideais de cada condômino, além das despesas relacionadas à iluminação de toda a propriedade, bem como o dispêndio com a coleta de lixo interna.
Inegável é a semelhança com o condomínio edilício, a se ver que o mesmo goza de todas as características supracitadas, somente apresentando a diferença no sentido em que se projeta.
3.2 Princípios e Regras Norteadoras
Expostas as premissas fundamentais acerca do tema, faz-se necessário destacar, com clareza, as teorias que regulam a matéria em deslinde, a fim de dissipar as dúvidas que envolvem o tema e, por conseguinte, demonstrar a segurança jurídica dos condomínios fechados de lotes e casas.
Como já demonstrado no discorrer do trabalho, essa modalidade residencial versa exclusivamente sobre normas de direito privado, tendo em vista que a propriedade tem sua essência individual desde sua essência, devendo, claro, obedecer aos interesses sociais impostos pelo Estado, mas como já constatado, esta é uma forma excepcional de normatização deste instituto.
Pois bem, acompanhando a linha de raciocínio, o condomínio fechado em sede de lotes e casas tem seu instituto regulado pela Lei 4.591/64, que enquadra exatamente nosso objeto de estudo ao art. 8º da referida lei, repudiando, portanto, a Lei 6.766/79, que trata tão somente sobre o parcelamento do solo, não tutelando a modalidade condominial, objeto de que se trata nosso estudo.
Adentrando à matéria relativa ao constitucionalismo e esclarecidas os pontos supracitados, observamos um forte embate entre princípios referentes a direitos fundamentais, elencados no art. 5º da CF. Sobre o assunto, valem as palavras do Professor Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho:
“Em razão do alto grau de abstração dos direitos fundamentais, nota-se certa tendência de considera-los meras proposições, destituídas de eficácia.
No constitucionalismo moderno, entretanto, há consenso quanto ao fato de que não existe norma constitucional completamente destituída de eficácia”[76].
Ponderamos que evidenciadas as limitações, todas as normas de direito fundamental possuem força, a fim de produzir os seus efeitos a que foram destinados.
Esses efeitos, por sua vez, geram uma finalidade reguladora, de forma a se identificar como norma imperativa a ser seguida.Nesse sentido, ensina Paulo Bonavides:
“[…] não há distinção entre princípios e normas, os princípios são dotados de normatividade, as normas compreendem regras e princípios, a distinção relevante não é, como nos primórdios da doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e princípios, sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios as espécies”[77].
Sendo assim, cabe a nós interpretar a relação jurídica de forma clara, a fim de definir objetivamente a relevância das normas em conflito, destacando a que se enquadre eficientemente ao caso em tela. À luz desse pensamento, Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho expõe o seguinte:
“Nas colisões entre princípios, incumbe ao intérprete avaliar qual, segundo as circunstâncias do caso concreto, deles tem mais peso, não havendo invalidação de nenhum deles. Os conflitos entre regras, ao contrário, resolvem-se no plano da validade, de sorte que ao escolher como válida uma norma terá que ter a outra como inválida, ante a incompatibilidade verificada”[78].
Realmente, encontramos nessa modalidade um conflito envolvendo os princípios da segurança pública e da inviolabilidade do lar de um lado, defendido pelos condôminos proprietários deste instituto a ser estudado, e d’outra banda o princípio da liberdade de locomoção[79].
O princípio da segurança pública, previsto nos arts. 5º, caput[80], no art. 6º[81], bem como no art. 144[82] da CF,é um direito social previsto na Carta Magna; porém, muito mais importante, é um direito fundamental.Comefeito de norma constitucional, destarte, merece a mais irrestrita atenção[83].
Quanto ao princípio da segurança pública,misterse faz observar as palavras do professor Luis Manuel Fonseca Pires:
“Acreditamos que, de início, há que se considerar o princípio da segurança pública porque a disseminação da violência no país tem tomado proporções tonitruantes. Roubos com mortes em frente das residências quando seus moradores chegam ou estão a partir; roubos com o confinamento de famílias inteiras, por intermináveis horas, dentro de seus próprios lares; sequestros consumados defronte dos lares das vítimas; quadrilhas fortemente armadas e especializadas em delitos desta natureza, enfim, são fatos hodierna e lamentavelmente corriqueiros num país que se tem acostumado – e não enfrentado – com a alarmante evolução da violência. Não faltam, se mais exemplos fossem necessários, as diversas referências diuturnas da mídia nacional sobre o grave problema da segurança pública no Brasil.
Há uma razão, como se vê, para a pretensão de fechar loteamentos.
Não é arbitrária ou discriminatória vontade do brasileiro de viver recluso em seu próprio lar. O que promove este desiderato de cercar loteamentos é a violência que cresce em proporções descomunais e a constatação de que o Estado não tem encontrado meios eficazes para contê-la”[84].
Apesar da confusão terminológica, interpretamos o trecho citado anteriormente, destacando que a principal justificativa de origem e existência desses condomínios na modalidade fechada é, principalmente, oriunda da crescente onda de violência que assola o país.
Por sua vez, o princípio da inviolabilidade, também presente no rol dos direitos fundamentais, apresenta outro relevante fundamento a ser analisado, pois, como visto, o condomínio fechado é, de fato, uma propriedade privada pela qual tem seu domínio partilhado entre vários coproprietários que, por sua vez têm o direito de fechar ou cercar a propriedade como bem entenderem, respeitadas as exigências legais.
Portanto,observa-se incabível a hipótese de sobrepor o princípio da liberdade de locomoção aos recém citados, tendo em vista que a tal princípio acha sua limitação exatamente na propriedade privada, a qual deve respeitar as normas de direito fundamental delimitadoras da inviolabilidade do lar.
Aliado a isto, está o princípio da segurança pública, fato gerador dessa modalidade condominial, mereceu digna atenção da nossa Carta Magna, razão pela qual atrai ao nosso trabalho a tutela e análise adequada a entender esses conflitos
No tocante ao tema, Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho acrescenta o seguinte:
“Deve-se, por outro lado, buscar a máxima proteção possível ao direito fundamental. Assim, diante de uma previsão de um direito fundamental prima facie, deve-se, segundo o pensamento de Alexy, considerar toda e qualquer conduta que recaia no âmbito de proteção da norma.
Deste modo, a priori, o fechamento de ruas estaria permitido pelo direito à segurança estabelecido no art. 6º da Constituição Federal de 1988. O propalado fechamento de ruas, contudo, colide, no particular, com outros direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, já mencionados. Descobrir qual deles deve prevalecer é uma tarefa complexa, que somente poderá ser realizada com o manejo da ponderação”[85].
Apesar de divergir da nossa corrente, valem as palavras do autor supracitado, este que também admite a árdua tarefa em ponderar os princípios que norteiam esse instituto.
Contudo, analisando a lógica, logo podemos perceber a possibilidade do fechamento dessa modalidade condominial com base nos argumentos já mencionados.
Ainda que superados os argumentos e conclusões obtidas até aqui, mister se faz a patente do princípio da legalidade.
Com efeito, caso exista alguma dúvida no enquadramento do nosso objeto de estudo no dispositivo legal, qual seja, Lei 4.591/64, optando em utilizar a Lei de Parcelamento do Solo, de nº 6.766/79, faz-se necessário a invocação do princípio supramencionado previsto no art. 5º, II, da CF[86], a fim de evidenciar o exposto[87].
Diante do exposto, cumpre diferenciar o princípio da legalidade regulador do direito administrativo e o que traça diretrizes às normas de direito privado, sendo o primeiro responsável pela imposição de que a administração pública só poderá agir de acordo com o disposto em lei, sob pena de tornar este ato ilícito, enquanto que o segundo,mister se faz a infração legal, a fim de determinar tal ato como objetivamente ilícito. Dessa maneira, explica Monica Rodrigues Campos:
“Então, diferentemente do ato ilícito subjetivo, stricto sensu, o ato ilícito objetivo, por abuso do direito, não se configura por ter o agente infringido legislação positivada, e por isso, a princípio, não pode ser classificado como ilegal, porque, curiosamente, este ilícito sempre nasce de uma conduta legal, ou seja, em sua origem, o ato praticado é legal, entretanto, passa a caracterizar-se como ilícito por ser ilegítimo, uma vez que a conduta praticada pelo agente não viola formalmente uma norma legal, a lesão aqui recai sobre os limites éticos do ordenamento jurídico, viola as diretrizes principiológicas preceituadas “abstratamente” pelo sistema legal através das cláusulas gerais”[88].
Assim, evidenciando os princípios e regras norteadoras do condomínio fechado em sede de lotes e casas, resta claro a possibilidade de fechamento das vias de acesso dessa modalidade condominial, tendo em vista se tratar de matéria de direito privado, aplicando-se, por conseguinte, as normas reguladoras condizentes ao assunto.
3.3 Da Confusão Doutrinária
Primeiramente, devemos esclarecer o tumulto relativo à terminologia dessa modalidade condominial. Alguns doutrinadores chamam de “loteamento fechado”, outros de “condomínio atípico” etc. Apresentaremos as definições existentes, finalizando com o nosso posicionamento.
Alguns doutrinadores classificam essa modalidade como “loteamento fechado” devido ao fato de que, segundo alegam, esse instituto ser regulado pela Lei 6.766/79, razão pela qual se trata de um loteamento atípico. Dessa maneira, está o posicionamento de Luis Manuel Fonseca Pires, como se denota do trecho abaixo transcrito:
“E, apesar desta carência de regras jurídicas, a despeito de um potencial direito de quem não reside nesses loteamentos de reclamar que também têm o direito de circular e usufruir desses bens públicos, o fato é que, sobretudo em virtude da violência que grassa no país, há um desenvolvimento econômico inaudito de empreendimentos que se anunciam como “loteamentos fechados” (ou, impropriamente, como “condomínios fechados”)[89].
Nessa mesma linha, encontra-se o professor José Afonso da Silva, que ensina:
“A denominação ‘loteamento fechado’ vem sendo atribuída a certa forma de divisão de gleba em lotes para edificação que, embora materialmente se assemelhe ao loteamento, na verdade se distancia no seu regime como nos efeitos e resultados. Não se trata, por isso, de instituto de parcelamento urbanístico do solo, ainda que possa ser considerada uma modalidade de urbanificação, porque se traduz num núcleo populacional de caráter urbano”[90].
A terminologia utilizada pelos autores supracitados é, em todos os seus termos, incabível, porque como visto, essa modalidade é, em essência, condominial, tendo sua tutela especificada nos moldes do art. 8º da Lei 4.591/64.
Sendo assim, resta prejudicado a expressão demonstrada pelo autor, bem como a sua tese patenteada pela lei de parcelamento do solo urbano.
Comumente, a doutrina hodierna conceitua o assunto enquadrando esse modelo como sendo um “condomínio atípico”, o qual Pedro Elias Avvad define exatamente nossa tese da maneira seguinte:
“Vejamos, então, como na lei antiga se distinguia uma espécie da outra, isto é: i) as edificações, ou como aqui designamos condomínio regulares; e ii) os conjuntos de edificações, ou ‘condomínios parciais’, porquanto, é certo, que estamos cuidando de diferentes espécies do mesmo gênero ‘condomínio’. Na primeira delas que é o condomínio regular, em edifícios, temos que as unidades estão todas agrupadas em uma única edificação, mas com saída para a via pública, diretamente, ou através de passagem comum (art. 2º da Lei 4.591/64). Já na segunda espécie, temos que o condomínio é formado por mais de uma edificação, que podem se constituir, cada uma dessas edificações, em casas térreas ou assobradas, ou então, em edifícios de dois ou mais pavimentos (art. 8º,letras a e b)”[91].
Observamos que não há discrepância quanto a nossa tese, tão somente no quesito da terminologia.
Preferimos intitular esta modalidade de condomínio fechado de lotes e casas devido ao fato de que dessa forma, quem ouve ou lê o termo já sabe imediatamente do que se trata, diferentemente da utilização da expressão “condomínio atípico”.
Sabe-se que um condomínio pode ser atípico de várias formas, bastando tão somente fugir dos princípios e regras costumeiras dos condomínios.
Pois bem, já apresentados todos os termos relacionados a esta matéria, e exposta nossa sugestão de título representativo, qual seja, condomínio fechado de lotes e casas, que simplificando resume-se tão somente a condomínio fechado.
É nesse sentido que se encontra o posicionamento de Arnaldo Rizzardo, como se verifica: “Além do condomínio propriamente dito horizontal, há o condomínio fechado, em que se aplicam as regras comuns do condomínio horizontal ou edilício” [92].
A Doutrina, e dessa vez em conjunto com a jurisprudência pátria, é ainda mais confusa quanto à classificação dos institutos norteadores. A respeito disso, faz-se jus um estudo aprofundado, para que não haja problemas em distinguir o condomínio fechado de lotes e casas tutelados por lei, do loteamento fechado criado a partir da lei de parcelamento do solo urbano e transformado em condomínio em virtude da falta de amparo legal existente no ordenamento jurídico pátrio.
3.4 Loteamento Fechado Como Tipo Atípico de Condomínio
Existe a teoria concentrada na argumentação de que cabe à legislação municipal e não federal ou estadual em legislar sobre as peculiaridades do solo urbano, tendo como base o art. 30, VIII[93]. Nesse caso, o instituto se classificaria como loteamento, e seus elementos de áreas de lazer, vias de acesso, etc. seriam públicos.
O Estado ou Município, através de Lei Municipal ou Estadual poderá conceder o uso, gozo e fruição desses bens, autorizando inclusive o seu fechamento.
A respeito do tema, é importante frisar o pensamento do Mestre Elvino Silva Filho, a se ver:
“Sendo essas vias, praças e espaços livres integrantes do domínio do Município, a que classe de bens públicos pertenceriam, em face da classificação desses bens constante do art. 66 do CC? Seriam bens de uso comum do povo? Somos de opinião que não, pois a destinação desses bens não é outorgada a qualquer pessoa do povo. Não é a circunstância de ser uma via de comunicação, de ser uma praça ou um espaço livre, dentro de um loteamento, que lhe outorga, por si só, a característica de bem de uso comum do povo, mas sua destinação, sua afetação. (…) Não basta, por conseguinte, a denominação de ‘rua’ ou ‘praça’ dentro de um loteamento para inserir tais bens entre os bens de uso comum do povo. São bens do domínio do Município, inegavelmente (art. 22 da Lei 6.766/79). Mas a Administração do Município pode afetá-los, destiná-los, ao aprovar o loteamento fechado por ato administrativo, para outra categoria de bens – os de uso especial (n. II do art. 66 do CC) – e permitir ou conceder o seu uso para os proprietários dos lotes do loteamento fechado. (…) ‘Bem de uso especial é toda parte do domínio público sobre a qual determinadas pessoas exercem direitos de uso e gozo, mediante outorga intuitu personae do Poder Público, através dos institutos da permissão ou da concessão. Ao contrário dos bens de uso comum, em que a regra é a liberdade de todos, para a utilização, nos bens de uso especial ou privativo, a liberdade desaparece, por força das circunstâncias, convergindo e fixando-se na pessoa dos usuários que preenchem os requisitos estabelecidos para a referida outorga privilegiada’. Conclui-se, assim, que o Município pode outorgar aos proprietários dos lotes do loteamento fechado o uso privativo das vias, praças e espaços livres existentes dentro desse loteamento. Essa outorga se fará através da permissão ou da concessão de uso”[94].
Ora, se é bem público, não pode o Estado conceder privilégios específicos a determinadas classes, sob pena de ir de encontro direto com o princípio da função social.
O modo operador da relação jurídica existente entre os coproprietários e os elementos constantes nos condomínios, tais como vias, áreas de lazer e etc., é tutelado através de concessão administrativa do poder local, ato este impossibilitado de se encaixar ao caso em tela devido à normatização imposta pela Carta Magna, qual seja, que somente a União poderá dispor sobre normas relativas ao parcelamento e desenvolvimento urbano.
As divergências que envolvem esta tese são muitas, inclusive o próprio STF tem jurisprudência apresenta clara disparidade de entendimentos,valendo transcrever a decisão com existência de repercussão geral do Ministro Luiz Fux a respeito do imposto predial e territorial urbano:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IPTU. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE ENTE PÚBLICO. CONCESSÃO DE USO. EMPRESA PRIVADA EXPLORADORA DE ATIVIDADE ECONÔMICA COM FINS LUCRATIVOS. CONTRIBUINTE DO IMPOSTO. QUALIFICAÇÃO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
In casu, o acórdão recorrido assentou:
TRIBUTÁRIO. BEM PÚBLICO. IMÓVEL (RUAS E ÁREAS VERDES). CONTRATO DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO. CONDOMÍNIO FECHADO. IPTU. NÃO-INCIDÊNCIA. POSSE SEM ANIMUS DOMINI. AUSÊNCIA DO FATO GERADOR DO TRIBUTO (ARTS. 32 E 34, CTN).
1. A controvérsia refere-se à possibilidade ou não da incidência de IPTU sobre bens públicos (ruas e áreas verdes) cedidos com base em contrato de concessão de direito real de uso a condomínio residencial.
2. O artigo 34 do CTN define como contribuinte do IPTU o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título. Contudo, a interpretação desse dispositivo legal não pode se distanciar do disposto no art. 156, I, da Constituição Federal. Nesse contexto, a posse apta a gerar a obrigação tributária é aquela qualificada pelo animus domini, ou seja, a que efetivamente esteja em vias de ser transformada em propriedade, seja por meio da promessa de compra e venda, seja pela posse ad usucapionem. Precedentes.
3. A incidência do IPTU deve ser afastada nos casos em que a posse é exercida precariamente, bem como nas demais situações em que, embora envolvam direitos reais, não estejam diretamente correlacionadas com a aquisição da propriedade.
4. Na hipótese, a concessão de direito real de uso não viabiliza ao concessionário tornar-se proprietário do bem público, ao menos durante a vigência do contrato, o que descaracteriza o animus domini.
5. A inclusão de cláusula prevendo a responsabilidade do concessionário por todos os encargos civis, administrativos e tributários que possam incidir sobre o imóvel não repercute sobre a esfera tributária, pois a instituição do tributo está submetida ao princípio da legalidade, não podendo o contrato alterar a hipótese de incidência prevista em lei. Logo, deve-se reconhecer a inexistência da relação jurídica tributária nesse caso.
6. Recurso especial provido. (fl. 450)
Destarte, devolva-se o feito ao Tribunal de origem para observância do disposto no artigo 328, parágrafo único, do RISTF c.c. o artigo 543-B e seus parágrafos do Código de Processo Civil”[95].
A decisão acima transcrita se mostra acertada. Isso porque a concessão do direito real de propriedade do bem público não torna o concessionário legítimo proprietário, exatamente em razão do princípio da legalidade.
O que acontece na prática é o seguinte: o loteamento é aprovado nos moldes da lei de parcelamento do solo urbano – lei federal nº 6.766/79. Posteriormente, a fim de constituir personalidade jurídica, é criada uma associação de moradores, fundamentada nos arts. 53 e seguintes do Código Civil com a finalidade de aumentar a segurança – ocasião em que a rua é fechada e é instalada uma guarita na entrada – e regular o serviço de limpeza das vias internas.
Neste liame encontram-se as palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que expõem suas ideias da seguinte maneira:
“Os ‘condomínios de fato’, tão em voga neste país miserável e desigual, são em verdade entes jurídicos, vez que privam o público de ter acesso às ruas que são de uso comum do povo. Ademais, engendram um modelo de cidade que não está concatenado com as sendas trazidas pelo constituinte, como modelo urbanístico adequado ao Estado Democrático de Direito. Contudo, há uma tolerância a este estado de coisas, no qual setores minoritários da população se encastelam em seus ‘condomínios’, protegendo-se da barbárie e da miséria chamada Brasil”[96].
Podemos ver que a omissão do Estado é fato gerador direto de todos os institutos que norteiam este trabalho, tendo a legislação pátria não acompanhado a evolução social, restando à Doutrina e Jurisprudência essa árdua tarefa.
A confusão jurídica surge a partir da falta de regulamentação devida, ocasião em que a sociedade evoluiu, adaptando-se aos novos tempos e a legislação urbanística não conseguiu acompanhar o seu fulgor.
Uma dessas questões controvertidas remanescia a respeito da cobrança obrigatória de taxa por parte dessas associações de moradores. O Supremo Tribunal Federal, acertadamente, decidiu a matéria da seguinte forma[97]:
“ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – MENSALIDADE – AUSÊNCIA DE ADESÃO. Por não se confundir a associação de moradores com o condomínio disciplinado pela Lei nº 4.591/64, descabe, a pretexto de evitar vantagem sem causa, impor mensalidade a morador ou a proprietário de imóvel que a ela não tenha aderido. Considerações sobre o princípio da legalidade e da autonomia da manifestação de vontade – artigo 5º, incisos II e XX, da Constituição Federal.”
O Excelsium Pretorio, na ocasião da apreciação do recurso extraordinário acima transcrito, que tornou-se referência nos julgamentos da matéria, decidiu que as associações, por não se tratarem do condomínio tutelado pela Lei nº 4.591/64 – objeto deste trabalho, não poderão impor aos moradores a cobrança de taxa de associação que não aderiu, exatamente porque o loteamento fechado é criado com fundamento na lei de parcelamento do solo.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, possui jurisprudência assentada no mesmo sentido[98]:
“RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. TAXAS DE MANUTENÇÃO DO LOTEAMENTO. IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE.
I- As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo. Precedentes.
II- Orientação que, por assente há anos, é consolidada neste Tribunal, não havendo como, sem alteração legislativa, ser revista, a despeito dos argumentos fático-jurídicos contidos na tese contrária.
III- Recurso Especial provido.”
A matéria, no entanto, está longe de estar pacificada nos tribunais pátrios. No próprio STJ, permanece entendimentos minoritários em sentido contrário[99] para que o proprietário do imóvel constante do loteamento seja obrigado a pagar a taxa da associação.
Alguns municípios, com fundamento no art. 30, VIII, CF, já prevêem a regularização dos loteamentos fechados a fim de não deixar a matéria passar desapercebida, como é o exemplo de Jundiaí, São Paulo[100].
Com efeito, a Lei Complementar nº 222/96[101], de autoria do Prefeito Constitucional do Município de Jundiaí/SP, previa critérios para a aprovação de loteamentos fechados, bem como para a conversão de loteamentos abertos preexistentes em fechados com a aprovação prévia de lei específica, senão vejamos:
“Artigo 18 – A aprovação dos loteamentos fechados deverá obedecer:
I – para o caso de loteamentos não existentes, a aprovação será feita com base nas disposições estabelecidas nesta lei complementar;
II – para o caso de loteamentos existentes, poderá ser concedida autorização pela Prefeitura, a partir de requerimento formulado por entidade regularmente constituída para representar os proprietários de lotes instruído com os seguintes documentos:
a) cópia de título de propriedade dos imóveis;
b) cópia de notificação-recibo do imposto predial e territorial dos imóveis;
c) planta aprovada do loteamento;
d) documento que comprove a anuência de todos os moradores do local;
III – para os casos previstos no inciso anterior, a medida dependerá de aprovação prévia através de lei específica e, após análise dos órgãos técnicos e jurídico, a Prefeitura manifestar-se-á acerca da viabilidade de autorização, quando deverá ser apresentado o comprovante do ato constitutivo da entidade requerente, criada com poderes específicos de representação dos proprietários de lotes, seus herdeiros ou sucessores a qualquer título; (g.n.)
IV – a aprovação final, em qualquer hipótese será dada através da Secretaria Municipal de Obras, no prazo de 60 (sessenta) dias úteis, ouvidas a Coordenadoria Municipal de Planejamento, a Secretaria Municipal de Transportes e a Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos.”
Essa lei, contudo, veio a ser alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade, tombada sob. nº 087.654.0/0-00. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou a ação procedente, que tomou a seguinte ementa[102]:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – Loteamento de forma fechada – adoção para loteamento já existente – Impossibilidade – Transgressão à regra do artigo 180, VII, da Constituição Estadual.
“Considera-se ofensivo ao artigo 180, VII, da Constituição do estado dispositivo de lei municipal que autoriza a formação de loteamento fechado para o loteamento já existente, de modo que possa ocorrer o desvirtuamento das funções das áreas verdes ou institucionais especificadas no projeto original do loteamento”.
Em evidente consonância com o acórdão acima transcrito, é evidente a ilegalidade dos loteamentos fechados. É imperioso ressaltar que os loteamentos são regidos pela lei de parcelamento de solo e nunca devem ser confundidos pelo condomínio fechado regido pela Lei nº 4.591/64.
Vários outros municípios têm previsto o instituto do loteamento fechado em seus ordenamentos jurídicos. As concessões, autorizações ou permissões são outorgadas pelo Poder Público local conforme a Lei nº 6.766/79 – Lei de Parcelamento do Solo Urbano, como se vê abaixo[103]:
“a Lei nº 8.736, de 09.01.1996, do Município de Campinas (SP), que “dispões sobre a permissão a título precários das áreas públicas de lazer e das vias de circulação, para constituição de loteamento fechados no Município de Campinas e dá outras providências”;
a Lei nº 3.270, de 15.01.1999, do Município de Americana (SP), que “dispõe sobre o parcelamento e o aproveitamento do solo no território do Município e dá outras providências”;
a Lei nº 2.668, de 18.12.2003, do Município de Paulínia (SP), que “dispõe sobre loteamentos urbanos, loteamentos fechados e condomínios fechados no Município de Paulínia e dá outras providências”; e
a Lei nº 9.244, de 19.11.2003, do Município de Londrina (PR), que “dá nova redação ao artigo 56 da Lei nº 7.483, de 20 de julho de 1998, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbanos do Município de Londrina”.
E a autora conclui a abordagem da seguinte forma: “Pessoalmente, entendo que os loteamentos não têm sustentação jurídica, são nulos”.
Compartilhamos do mesmo entendimento acima.
Apesar disso, há entendimentos, de que até em casos de loteamentos regularizados pela lei de parcelamento do solo poderiam ser facilmente convertidos em condomínios fechados, seguindo esta linha de raciocínio, encontramos o Ministro Athos Carneiro:
"CONDOMÍNIO HORIZONTAL". VILA DE CASAS, SERVIDAS POR "RUA PARTICULAR". O CONJUNTO DE CASAS DE "VILA", COM ACESSO POR RUA PARTICULAR, EMBORA EXISTENTE DESDE MUITOS ANOS ANTERIORMENTE A LEI 4591/64, PODE REGULARIZAR SUA SITUAÇÃO E ORGANIZAR-SE EM "CONDOMÍNIO HORIZONTAL", COM APLICAÇÃO DO ART. 8 DA ALUDIDA LEI. VALIDADE DA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO E DE SEU REGISTRO IMOBILIARIO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO[104].
A respeito do tema, a Constituição Federal é taxativa ao afirmar em seu artigo quinto, incisos II, XV e XX[105]:
“II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
XV — é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
XX — ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;”
Como o loteamento foi criado pela Lei nº 6766/79, não poderá ela transformar-se num regime hibrido, sob pena de afrontar diretamente a Carta Magna.
Em resumo, podemos perceber explicitamente que a segurança jurídica dos loteamentos fechados por concessão do poder público é bastante instável.
A Doutrina e a Jurisprudência têm um esforço enorme na tentativa de solucionar questões controvertidas, muitas delas, no entanto, com pouco sucesso.
E apesar de que o condomínio fechado de lotes e casas é devidamente tutelado através de legislação federal, por ser norma antiga datada de 1964, existem ainda muitos pontos controvertidos que fazem por merecer uma lei que venha a abranger toda essa matéria com a finalidade de não deixar margem a qualquer dúvida.
3.5 A Omissão do Legislador e a Necessidade da Inclusão do Projeto de Lei nº 3.057/2000 ao Nosso Ordenamento Jurídico
É evidente que apesar do assunto apresentar uma tutela exemplificada pela Lei dos Condomínios e Incorporações, a matéria continua passível a análises que vislumbrem a discrepância doutrinária.
A despeito de uma legislação omissa relativa ao parcelamento do solo, que mesmo passando por reforma, estabelecida pela Lei 9.785/99, não vigorou tutela em questões diversas relacionadas à urbanização das cidades. Tanto isso é verdade que o condomínio fechado de lotes e casas é o perfeito exemplo a se demonstrar.
Em meio a esta desordem legal, doutrinária e jurisprudencial, em que os princípios e normas entram em conflito constantemente, surge uma alternativa para o problema, uma solução que veio a suprir todas as necessidades referentes a esse assunto, principalmente na questão em análise.
De acordo com o explicitado, Arnaldo Rizzardo traz comentários a respeito do tema, da maneira a seguir:
“A situação jurídica, no entanto, desses condomínios é assaz complexa.
Não se reconhece o condomínio quando muito extensa a área subdividida e alienada em partes autônomas, sem referência a frações ideais e à partes comuns.
Se o complexo de residências resultar em um novo aglomerado da cidade, com extensas vias, e mesmo com uma infraestrututa para atender as necessidades básicas de uma população urbana, não pode ser registrada na forma do condomínio”[106].
Com o intuito de dirimir os frequentes conflitos de natureza urbanística surgidos nos últimos anos, a Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) trabalhou e tem trabalhado no sentido de criar uma nova lei federal de parcelamento do solo urbano que abrangeria todo o conteúdo controvertido até o momento.
A CDU realizou várias audiências em 2003 em prol dessa matéria, tendo em 04 de novembro desse ano o assunto a ser debatido sido exclusivamente os condomínios urbanísticos[107].
Na ocasião, apesar de haver consenso da real necessidade da tutela desse instituto, houve divergência em relação ao condomínio ser ou não considerado uma modalidade de parcelamento do solo.
A respeito do tema, ficamos com o posicionamento da Consultora da Câmara, a Senhora Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo, especialista na matéria objeto de estudo[108]:”Como já explicitado, pessoalmente entendo que os mesmos constituem parcelamento (em regime condominial) e a lei deveria refletir essa realidade”.
Todo esse esforço concentrado deu origem ao Projeto de Lei de nº 3.057/2000, de autoria do Deputado Bispo Wanderval, cujo relator, em 2007 era o Deputado Renato Amary, surgiu como objetivo central a tutela específica desse assunto com mais seriedade, de modo a contemplar, especificamente, a modalidade em deslinde, conceituando-a de condomínio urbanístico.
Um dos objetivos desse projeto é justamente regular os loteamentos fechados preexistentes, na qual eles terão a possibilidade de ser autorizados pelos municípios, sem qualquer restrição, por três anos, que será equivalente a um período de transição. Passado esse tempo, eles terão que seguir fielmente às regras impostas aos condomínios urbanísticos, devendo, obrigatoriamente, reservar dez por cento de sua área para o uso público[109].
A proposta teve seu início na CDU, tendo sido posteriormente encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), permanecendo até 2006. Hoje, o PL 3.057/200 encontra-se pronto para pauta em Plenário[110].
Elogios não faltam ao projeto em estudo, tornando-se imprescindível as palavras do Professor José Afonso da Silva, que diz:
“Nosso pleito de uma legislação especial que discipline os chamados ‘loteamentos fechados’, sob o nome de condomínio urbanístico (supra n. 58) está sendo atendido no Projeto de Lei 1.057/2000, em tramitação na Câmara dos Deputados, que, na verdade, reformula a lei de parcelamentos do solo” (Lei 6.766/1979).
Ainda nessa linha de pensamento, Nelson Saule Júnior acrescenta:
“O Projeto de Lei 3057/2000 tem como objetivo estabelecer as normas gerais disciplinadorasde parcelamento do solo urbano e de regularização fundiária sustentável de áreas urbanas lei e visa ter como denominação lei de responsabilidade territorial O Projeto de Lei 3057/2000 inicialmente trata das definições jurídicas dos seguintes temas: área urbana e área urbana consolidada; das modalidades de parcelamento do solo urbano: loteamento, desmembramento, condomínio urbanístico; infra-estrutura básica e complementar; licença urbanística e ambiental integrada; gestão plena do Município em parcelamento do solo; zonas especiais de interesse social e assentamentos informais; empreendedor de parcelamento do solo urbano; regularização fundiária sustentável em área urbana; regularização fundiária de interesse social; regularização fundiária de interesse específico; demarcação urbanística e legitimação de posse”[111].
Este projeto legislativo tem uma abrangência tão ampla que nele foram apensados 20 outras propostas de lei, de autoria de vários deputados diferentes, dentre eles estão o Projeto de Lei nº 5.499/01, de autoria do Dr. José Carlos Coutinho, que normatiza questões referentes ao loteamento irregular; o Projeto de Lei nº 5.894/01, patenteado pelo Dr. Hélio, projeto este que trouxe à Câmara de Deputados o debate relacionado ao condomínio fechado, ou “loteamento fechado”, termo este utilizado pelo autor em seu projeto de origem[112].
Destarte, interpretando o substitutivo de lei já mencionado, observamos claramente a tentativa do legislador em suprir as lacunas deixadas pelas disposições legais anteriores, revogando a lei antiga que dispõe sobre o parcelamento de solo, no entanto, não intervindo na tutela legislativa imposta na Lei 4.591/64, em seu art. 8º para ser mais específico, podendo este complementar o referido projeto de lei.
A despeito do teor do esboço de lei que tramita na Câmara, cumpre destacar algumas disposições, principalmente as relacionadas diretamente com o nosso objeto central de estudo. Sobre a matéria, valem as palavras do Professor Nelson Saule Júnior, que destaca alguns temas, salientando as de maior interesse social, como se vê:
“O Projeto de Lei disciplina as seguintes matérias sobre o parcelamento do solo urbano os requisitos urbanísticos e ambientais do parcelamento do solo urbano; as responsabilidades do empreendedor e do Poder Público na implantação e manutenção do parcelamento do solo; os requisitos e critérios sobre o conteúdo e para fins de aprovação do projeto do parcelamento do solo; as competências do Município e do Estado sobre licenciamento para parcelamento do solo as exigências para a adoção da licença urbanística e ambiental integrada, bem como para a entrega das obras e da licença final integrada; critérios para o registro do parcelamentos do solo; regras para os contratos, relações de consumo e direito do consumidor em parcelamento do solo; regularização fundiária sustentável em área urbana, regularização fundiária de interesse social e de interesse específico , demarcação urbanística e legitimação de posse, registro da regularização fundiária de interesse social; infrações penais, administrativas e civis sobre parcelamento do solo; requisitos e critérios para implantação e regularização do loteamento com controle de acesso; critérios sobre o custo do registro dos títulos inerentes ao parcelamento e regularização fundiária de interesse social”[113].
O substitutivo legal irá tutelar expressamente os requisitos mínimos e os critérios norteadores do loteamento com controle de acesso, regularizando a matéria, a fim de dissipar, de uma vez por todas, as dúvidas relativas a este tema.
O Projeto de Lei nº 3.057/00 define a modalidade condominial fechada em sede de lotes e casas como condomínio urbanístico.
Através da utilização da terminologia supracitada, encerrar-se-ão os debates quanto ao termo a ser usado como adequado ao caso em tela, não só isso, o art. 2º, XI[114] do substitutivo legal, tutela, de forma clara e sucinta, a divisão da coisa em unidades autônomas, porções do todo que cada proprietário possui de forma autônoma, bem como sua fração ideal do bem comum, e por último, o estabelecimento de vias privadas destinadas ao acesso interno às unidades autônomas, afastando a concepção de domínio público a esta modalidade em deslinde.
A fim de unificar todas as matérias relativas ao parcelamento do solo urbano, o projeto de lei teve de incorporar mais de trinta apensos. Isso tem o lado positivo de abranger, numa só lei a matéria em questão, mas também tem um lado negativo.
Devido à alta quantidade de projetos de lei apensados ao principal, muitos requerimentos, substitutivos e despachos são feitos, ocasionando uma morosidade que já se arrasta em mais de dezesseis anos de entrave legislativo na Câmara.
Uma das melhores novidades do PL 3.057/2000 está contemplado no art. 4º, o qual dispõe sobre as modalidades do parcelamento urbano de forma clara, sucinta e precisa: “Art. 4º O parcelamento do solo para fins urbanos somente pode ser feito nas modalidades de loteamento, desmembramento ou condomínio urbanístico”.
O projeto de lei atribui competência, em seu art. 24[115], aos coproprietários desta modalidade em análise, ao custeio da manutenção do sistema viário, das áreas comuns, e de toda infraestrutura constitutiva deste condomínio, logo que inscrito no Cartório de Registro de Imóveis. E em seu parágrafo único é posta, uma exceção no sentido de que o Poder Público ou seus concessionários, podem realizar esse serviço mencionado anteriormente, onerosamente, e mediante anuência de ambas as partes, quais sejam, a administração pública e os condôminos.
A referida proposta legal estabelece ainda diversas outras normas reguladoras, que norteiam o contexto do desenvolvimento urbano, de forma a destacá-las com clareza, mister se faz transcrever as palavras de Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho, como se observa abaixo:
“Estabelece, ainda, dimensões máximas para tais empreendimentos (art. 12), afim de divisá-los dos loteamentos, num reconhecimento de que o novo instituto tem características próprias, criado para atender finalidades específicas, mas que não pode ser utilizado, indiscriminadamente, como padrão urbanístico substituto do loteamento.
Impõe também o livre acesso às praias e demais bens de uso comum, não podendo essa nova modalidade de parcelamento dificultar o desfrute desses bens pela população (art. 12, I).
Regulamenta, por fim, a relação entre os moradores, obrigando os condôminos ao pagamento das despesas com manutenção das áreas comuns, liberando o município dessa tarefa, o que se afigura correto.
Na verdade, o condomínio urbanístico passará a ser uma nova forma de parcelamento do solo, daí a razão para estar incluído em lei dessa natureza e, ao mesmo tempo, deverá ser regido pelo Código Civil, no que concerne às relações entre os moradores desse núcleo”[116].
Dessa forma, observando o trecho acima transcrito, concluímos que a tese utilizada pelo projeto de lei já mencionado, é exatamente a evidenciada no presente trabalho, demonstrando os mesmos requisitos e características da matéria já tutelada no art. 8º da Lei 4.591/64, embora a primeira apresente tutela específica, portanto de melhor interesse a doutrina, como se denota da interpretação obtida no texto anteriormente citado.
Ademais, a referida lei virá trazer a tona novos requisitos essenciais para a criação do condomínio, alguns deles essencialmente administrativos e antes somente tutelados através de legislação local, dentres eles, está a redação do art. 32, o qual prevê[117]:
“Art. 32. O projeto de parcelamento deve incluir desenhos, memorial descritivo e cronograma físico de obras e serviços.
§ 1º Os desenhos devem conter, no mínimo:
II – no condomínio urbanístico, a definição:
a) do sistema viário interno, com a respectiva hierarquia de vias;
b) das unidades autônomas e, se couber, das quadras, com as respectivas dimensões, área e numeração, bem como dos usos previstos;
c) das áreas destinadas a uso comum dos condôminos e, nos termos da lei municipal, das áreas destinadas a uso público;
d) das informações requeridas no inciso I, alíneas “d” e “e”;”
Arrematando a compreensão da matéria, podemos perceber que nós, responsáveis pela exposição da tese de legalidade embasada pela lei de condomínios e incorporações, acompanhamos o crescente desenvolvimento urbano, bem como, interpretamos os princípios e a legislação de acordo como tal. Assim, adiantamos o entendimento do legislador, pois analisando o contexto econômico, social e jurídico, desnecessário se faz uma legislação mais específica ao assunto afim de um pleno entendimento, muito embora esse substitutivo legal venha a exterminar com as teses discrepantes a favor da legalidade.
Considerações finais
Consoante o crescente desenvolvimento urbano, caracteriza-se o condomínio fechado de lotes e casas como sendo uma problemática a ser solucionada pela Lei 4.591/64 que versa sobre condomínios e incorporações.
Apesar da constante conflitância de normas e princípios norteadores ao tema, cabe a esta lei já mencionada preencher as lacunas deixadas pela escassa legislação que trata sobre o parcelamento do solo urbano.
Sabemos que condomínio fechado em sede de lotes e casas consiste, resumindo, a confusão doutrinária, no fechamento da propriedade tida como privada, que, por conseguinte, possui vias de acesso e áreas comuns da mesma modalidade, bem como, por justaposição apresenta características idênticas à do condomínio edilício.
Não restam dúvidas que ambas as figuras da modalidade condominial se originaram fruto da omissão do Estado, da prestação de serviço de segurança pública, aliado ao alto custeio dessas propriedades em centros urbanos.
Tudo isso fez com que o cidadão procurasse se aliar, cada vez mais, uns aos outros, a fim de manter seu domicílio inviolável em todos os seus termos.
Muito embora ainda haja dúvidas quanto à existência desses condomínios, objeto de nosso estudo, com o surgimento do Projeto de Lei 3.057/00, lei essa que viria a suprir toda a legislação relativa ao parcelamento do solo urbano e o seu desenvolvimento econômico, dissiparão as correntes em sentido opostos ao fechamento desta modalidade condominial, que passaria, no caso, a se chamar de condomínio urbanístico, devido à maior segurança jurídica que o referido substitutivo de lei trará ao nosso ordenamento legal.
O projeto de lei mencionado regularizará toda a matéria envolvendo o caso em deslinde, bem como, várias outras problemáticas urbanas que assolam nosso país.
Através de conceitos que definem com clareza os institutos, requisitos básicos essenciais para o desenvolvimento sustentável urbano das cidades, e, por sua vez, a caracterização e solução desses problemas de uma maneira direta e objetiva patenteiam esse projeto como sendo promissor, e um marco muito importante a ser registrado na história legislativa e jurídica deste país.
Informações Sobre o Autor
Matheus Roberto Maia Ribeiro
Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE; Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade de Ensino Superior pela FESP/PB; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Advogado; Ex-membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PB