Efeitos sucessórios da paternidade socioafetiva

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Resumo: Os efeitos sucessórios da paternidade socioafetiva será abordado sob a ótica jurídica, visto que esta é apenas resultado de como caminha e se desenvolve a sociedade, de modo que tais transformações constantes atingem significativamente a concepção de família, aplicado pelo modelo estrutural do século passado, e por conseguinte surte efeito no direito sucessório. Por meio dessa análise será possível construir um entendimento perfazendo conexão entre a problemática e as hipóteses condizentes com a temática a ser discutida, quais sejam, caracterização da família socioafetiva, como funciona o trâmite para esse reconhecimento, bem como, garantia de legitimidade para o pleito de herança dos pais socioafetivos. A partir do referencial teórico-metodológico de estudo e dialógica dos discursos, este artigo busca acrescer entendimento sobre o assunto aos leitores e instigar debates acadêmicos.[1]

Palavras-chave: família, socioafetividade, efeitos sucessórios

Abstract: This work on the succession effects of socio-affective paternity will be approached from the legal point of view, since this is just a result of how walks and developed society, so that such constant changes significantly affect the concept of family, applied by the structural model of the century past, and therefore also take effect in law of succession. By this analysis the reader will build an understanding making a connection between the problem and the assumptions consistent with the theme being discussed, namely characterization of socio-affective family as the processing for this recognition works as well, guarantee of legitimacy for the inheritance claim these parents. From the theoretical and methodological framework of study and dialogue of discourse, this paper aims addition understanding of the subject to the readers, instigate academic debates, and the final published in a scientific journal.

Keywords: Family, Socioafetividade, inheritance effects

Sumário: Introdução; 1. Abordagem Histórica; 1.2. Natureza Jurídica; 2. Princípios norteadores; 2.2 Concepção Constitucional de Família; 2.3. Pressupostos Para o Reconhecimento da Filiação Socioafetiva; 3.Efeitos Sucessórios; Conclusão.

Introdução

Ao estudar sobre os direitos sucessórios dos filhos das relações socioafetivas, deve ser compreendido breves considerações sobre o conceito de família antigo e contemporâneo, por conseguinte, o que vem a ser filiação socioafetiva.

O Código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século passado, regulavam a família como matrimonializada, patriarcal, hierarquizada e com feição impessoal.Adiante, com o advento da Constituição Federal de 1988 houve a inserção de princípios familiares de Direito no ordenamento jurídico, restando demonstrado com exata nitidez a evolução das relações humanas.

É de suma relevância para compreensão e estudo do presente tema, que essa nova linha de pensamento se altera a visão do que vem a ser família, caindo por terra  aquele modelo estrutural enxergado pelo direito no passado e por gerações anteriores à essa.

Por conseguinte, buscaidentificar os resultados que implicam diretamente no direito sucessório em decorrência do reconhecimento da filiação socioafetiva.

Deste modo, caracteriza-se a filiação socioafetiva pela existência do afeto e oportunidades que se dá em igual aos filhos biológicos, ao passo que, o filho sociafetivo se considera membro do núcleo familiar. Reconhecido este modelo de filiação, será garantido à este interessado  legitimidade para pleitear a herança de pais em relação socioafetiva.

O objetivo do trabalho é construir uma análise crítica do tema, para que se chegue à uma melhor elucidação sobreos efeitos sucessórios da paternidade socioafetiva, que atualmente ecoa como polêmico.

Nesse sentido seráapresentado primeiramente uma breve abordagem históricasobre o tema, a natureza jurídica, e o conceito de afetividade. Num segundo momento, será abordado os princípios que norteiam esse direito, bem como, os pressupostos para o reconhecimento da filiação socioafetiva. Por fim, restará demonstrado qual a posição dos filhos socioafetivos no momento da sucessão, partindo disso, será elencadode que maneira acontece este processo.

Quanto à abordagem metodológica, o trabalho valeu-se de pesquisas bibliográficas, jurisprudências, doutrinas e artigos da internet, com o intuito de propiciar uma visão completa e coerente do objeto de estudo.

1.Abordagem histórica

  No passado, o Direito Romano, sistematizou normas rígidas que fizeram da família uma instituição patriarcal. O pai era enxergado como o chefe da família, era o pátrio poder,não havendo divisão de responsabilidades com a mãe, a mulher na verdade obedecia somente as ordens passadas pelo chefe do lar, nesse período, a sociedade romana era machista, e os poderes patriarcais eram transferidos ao filho homem, primogênito, na ausência deste, outro assumia a posição, integrante do mesmo grupo familiar, desde que varão. (SILVA, 2006, p.16)

Noperíodo pós-romano, segundo Corrêa, a visão da família recebe a contribuição do direito germânico, em especial, a espiritualidade cristã, ao centrar o núcleo da família entre os pais e os filhos, tendo o casamento um caráter de sacramento passa-se, pois, daquele enfoque autocrático para um enfoque mais democrático e afetivo. (2009, p.54)

Dias acredita ter havido ainda um dos maiores equívocos no Código Civil de 1916, contra crianças e os adolescentes, pois nele não havia previsão do reconhecimento dos filhos ilegítimos, ou seja, filhos havidos fora do casamento, bem como aqueles não biológicos, Com isso, os filhos havidos fora do matrimônio, não podiam buscar a própria identidade nem os meios para prover a sua subsistência. (2011, p.510)

Ainda sobre a influência histórica da família Corrêa acrescenta:

  “Assim, deve-se comentar também que a família brasileira  guardouas marcas  de  suas  origens:  da  família  romana,  a  autoridade  do  chefe  de família; e da medieval, o caráter sacramental do casamento. Desta maneira, a submissão da esposa e dos filhos ao marido, ao tornar o homem o chefe de família — que, fincada na tradição, vem resistindo, na prática, a recente igualdade legal que  nema  força  da  Constituição  conseguiu  sepultar  — encontra a sua origem no poder despótico do pater familias romano. Ainda, o caráter sacramental do casamento advém do Concílio de Trento, do século XVI”. (2009, p.81)

     Constitucionalmente nos artigos 226, nos §§ 3° e 4° da Carta Magna de 1988 conceitua entidade familiar, in verbis:

“Art. 226º A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [….]

 §3° – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§4° – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”(BRASIL, 1988)

No campus infraconstitucional, o direito civil classifica entidade familiar como aquela derivada do casamento, sendo formada por pai, mãe e filhos. É o entendimento extraído da leitura do artigo 1.511 do código civil (CC/2022)ao declarar que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direito e deveres dos cônjuges.(BRASIL,2002)

Por sequência, conceituar o que vem a ser entidade familiar fica cada vez mais complexo, no entanto, há que se entender que esses acontecimentos históricos, herdado do direito romano, ganhou desdobramento no direito brasileiro. Com o passar dos tempos percebeu-se que existia necessidades ainda por serem compreendidas, atendidas, e estendidas pelo ordenamento jurídico, e embora não haja uma previsão legal específica, já existe analises tendenciosas dos tribunais brasileiros que visam atender aos anseios sociais.

1.2 Concepção constitucional de família

A Constituição Federal de 1988 tem um capítulo próprio que trata da família, da criança, do adolescente e do idoso (Capítulo VII, do Título VIII – Da ordem Social). Interpretando o dispositivo constante neste capítulo, o art. 226 do Texto Maior, pode-se dizer que a família é decorrente dos seguintes institutos: casamento civil, sendo gratuita a sua celebração e tendo efeito o casamento religioso, nos termos da lei (art.226,§§1° e 2º). União Estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (art. 226, §3°). Família monoparental, comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §4°) .

Lôboconsidera que este é o rol constitucional familiar exemplificativo (numerusapertus)e não taxativo (numerusclausus). Assim sendo, são admitidas outras manifestações familiares. (2008, p.56)

Tartuce lecionaa expressão família anaparental, criada por Sérgio Resende de Bairros, que quer dizer família sem a presença dos pais, porém constituída pela vivencia de parentes, com objetivos comuns, sejam eles de afinidade ou econômico.  Ilustrando: duas irmãs ou primos que convivem juntos. Ilustrando a aplicação do conceito o Supremo Tribunal de Justiça(STJ) entendeu que  o imóvel onde residem duas irmãs constitui bem de família, pelo fato delas formarem uma família. (2013, p.1066)

A Família homoafetiva é constituída por pessoas do mesmo sexo, unidas por laços afetivos, a expressão união homoafetivafoi criada e difundida por Maria Berenice Dias, como é notório a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 5 de maio de 2011, reconheceu por unanimidade a união homoafetiva como entidade familiar, o que representou uma grande revolução no sistema jurídico nacional. (publicação no informativo n. 625, julgamento da ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF) A decisão compara a união homoafetiva com à união estável, para todos os fins jurídicos, tendo efeito vinculante e erga omnes.

Família mosaico ou pluriparental, aquela decorrente de vários casamentos, uniões estáveis ou mesmo simples relacionamentos afetivos de seus membros. Utiliza-se o símbolo do mosaico, diante de suas várias cores, que representam as várias origens. Ilustrando, ‘’A’’ já foi casado por três vezes, tendo um filho do primeiro casamento, dois do segundo, e um do terceiro. ‘’A’’ dissolvida a última união, passa a viver união estável com ‘’B’’, que tem cinco filhos: dois do primeiro casamento, um do segundo, um do terceiro e um de união estável também já dissolvida.(TARTUCE, 2013, p.1066)

Como se pode notar, as novas categorias legais valorizam o afeto, a interação existente entre as pessoas no âmbito familiar. Destaque-se que a tendência é a de que tais construções sejam utilizadas em todos os âmbitos, no sentido de complementas as outras leis.

1.3. Natureza jurídica

Apesar de não se encontrar na legislação explicitamente o conceito do que vem a ser um filho socioafetivo, de maneira implícita se extrai esse entendimento, a própria expressão “outra origem” utilizada no art. 1.593 do Código Civil de 2002 verifica-se o reconhecimento da paternidade socioafetiva, evidenciando-se uma relativização dos critérios biológico da formação do estado filiativo, prevalecendo, cada vez mais, a noção da socioafetividade trazida com a “mutabilidade da noção de família. (LISBOA, 2006, p. 345)

Neste sentido, Dias (2007, p. 320) entende que:

‘’Todas essas mudanças refletem-se na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor retrata a realidade atual: a filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo etc. Ditas expressões nada mais significam que a consagração, também no campo da parentalidade, do novo elemento estruturante do direito das famílias. Tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial.’’

Pereira define a “paternidade sócio-afetiva” como aquela que se funda na construção e aprofundamento dos vínculos afetivos entre o pai e o filho, entendendo-se que a real legitimação dessa relação se dá não pelo biológico, nem pelo jurídico. Dá-se pelo amor vivido e construído por pais e filhos. (2006 p. 413)

.Em complemento ao abordado:    

  “[…] a relação entre pais e filhos será harmoniosa do princípio ao fim, […] Mas para isso é necessário que os pais, desde o princípio, respeitem a personalidade do filho, um respeito que não deve ser simples questão de princípios morais ou intelectuais, mas sim algo que sintam na alma, com convicção quase mística, de tal modo que seja totalmente impossível mostrarem-se possessivos ou opressores”.(RUSSEL, 2004, p. 171)

Por fim, a família socioafetiva vem sendo priorizada na doutrina e jurisprudência, visto que nela são considerados os laços de cuidado, amor e respeito entre as pessoas, independentemente dos laços sanguíneos.  

2. Princípios norteadores

Há algum tempo se afirmava nas antigas aulas de educação moral e cívica, que a família é a ‘’célula mater’’ da sociedade. Apesar de as aulas serem herança do período militar ditatorial, a frase destacada ainda serve como luva na atual realidade, até porque a Constituição Federal (CF/88) no art. 226, caput, dispõem que a família é base da sociedade, tendo especial proteção do Estado, estando claro o princípio da função social da família. (BRASIL,1988)

  Na doutrina contemporânea, Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho lecionam que ‘’não é mais a família um fim em si mesmo, conforme já confirmamos, mas sim, o meio social para busca de nossa felicidade na relação com o outro’’. (2011, p.98)

  Desse modo, as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade. A socialidade deve ser aplicada aos Institutos do Direito de Família, ou seja, a socialidade pode servir para fundamentar o parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva.Servindo portanto, para concluir que há outras entidades familiares, como é o caso da união homoafetiva. Isso tudo porque a sociedade muda, a família se altera e o direito ade   qua-se a essas transformações.

Dias destaca que nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir o status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição  Federal,  no  inc.  III  do  art.  1º,  consagra,  em  norma  pétrea,  o respeito à dignidade da pessoa humana. (2009, p.32)

A valorização prática do afeto como valor jurídico remonta ao trabalho sublime de João Baptista Villela, jurista que tratou da desbiologização da paternidade. Na essência o trabalho procura dizer que o vínculo familiar constitui mais um vínculo de afeto do que um vínculo biológico. E, é assim que surge uma nova forma de parentesco civil, a parentalidade socioafetiva, baseada na posse de estado de filho.

‘’A paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea Tanto no registro histórico como no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação. As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso, para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável esforço ao esvaziamento biológico da paternidade. Na adoção, pelo seu caráter afetivo, tem-se a prefigura da paternidade do futuro, que radica essencialmente a ideia de liberdade.’’(TARTUCE, 2013, p.1063)

Adiante, o afeto é o laço primordial numa relação familiar, sendo ele um princípio apontado hoje como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo que não mencionado expressamente o termo afeto na Carta Magna, é possível afirmar que este decorre da valorização constante da dignidade da pessoa humana. (DIAS, 2005, p.66)

Na IV Jornada de Direito Civil, de 2006, fora aprovado dois enunciados doutrinários relevantes relativos ao tema. O primeiro, de número 339, prevê que ‘’A paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho. O segundo de número 341, dispõe: ’Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar’’.

  Ora, se não há mais distinção entre os filhos sejam eles havidos fora do casamento ou não, assim como de ‘’outra origem’’ sendo reconhecido para tanto uma nova modalidade de parentesco civil, qual seja a paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho desmembra com isso outros direitos, princípios fundamentais como do maior interesse da criança e do adolescente previsto no art.227, caput, da CF/88, bem como o princípio da igualdade entre filhos estabelecido no art. 227, § 6.°, da CF/88 e art. 1.596  do CC.

2.2.Pressupostos para o reconhecimento da filiação socioafetiva

Como já posto, a filiação socioafetiva encontra-se embasado no amor, respeito e afeto recíproco.

Seguido destas principais características, ainda há como se comprovar esse modelode filiação por requisitos básicos como: nome, guarda provisória, trato dispensado ao filho e a notoriedade social dessa condição, propiciam o reconhecimento da perfilhação afetiva, efetivada com a convivência familiar juntamente com a vontade livre de ser pai.

Mesmo restando caracterizado pelo nome, fama, cuidados, a adoção a brasileira para surtir seus efeitos jurídicos é imprescindível tal reconhecimento por meio da ação declaratória de filiação socioafetiva, para que assim venha a ser um herdeiro necessário.

  Para melhor ilustrar:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. SENTENÇA QUE INDEFERIU O PEDIDO. O ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA DEMANDA A COEXISTÊNCIA DE DUAS CIRCUNSTÂNCIAS: I) VONTADE CLARA E INEQUÍVOCA DO APONTADO PAI OU MÃE SOCIOAFETIVO DE SER RECONHECIDO, VOLUNTÁRIA E JURIDICAMENTE COMO TAL; II) CONFIGURAÇÃO DA DENOMINADA 'POSSE DE ESTADO DE FILHO', COMPREENDIDO PELA DOUTRINA COMO A PRESENÇA NÃO CONCOMITANTE DE TRACTATUS (TRATAMENTO, DE PARTE À PARTE, COMO PAI/MÃE E FILHO) NOMEN (A PESSOA TRAZ CONSIGO O NOME DO APONTADO PAI/MÃE); E FAMA (RECONHECIMENTO PELA FAMÍLIA E PELA COMUNIDADE DE RELAÇÃO DE FILIAÇÃO). REQUISITOS DEMONSTRADOS DE FORMA INEQUÍVOCA POR FORÇA DO ACERVO PROBATÓRIO CONSTANTE NOS AUTOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME”.(TJ-AL – APL: 07064039020128020001 AL 0706403-90.2012.8.02.0001, Relator: Desa. Elisabeth Carvalho Nascimento, Data de Julgamento: 30/03/2015, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 31/03/2015)(grifo nosso)

Na esteira dessa concepção alguns julgados vêm definindo melhor esse reconhecimento, prolatado pelas Cortes superiores, a exemplo do REsp. 833.712:

“DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO. PECULIARIDADES. A "adoção à brasileira", inserida no contexto de filiação sócioafetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor. – O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. Nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e sócio-afetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem pautar as decisões. Recurso Especial provido.” (STJ; REsp 833.712; Proc. 2006/0070609-4; RS; Terceira Turma; Relª Min. Fátima Nancy Andrighi; Julg. 17/05/2007; DJU 04/06/2007).

 Conforme se nota, cada vez mais a questão do filho afetivo vem ganhando espaço, não só de posições doutrinárias, mas, nos tribunais brasileiros, e isso acontece como meio de resposta aos anseios da sociedade. Sendo os pressupostos necessários para este reconhecimento simples, bastando para essa formação os cuidados e compromissos recíprocos reforçados no dia-a-dia.

3. Efeitos sucessórios

Primeiramente é válida apresentar a divisão que faz Tartuce sobre o direito de família, ele divide este em dois blocos, sendo o primeiro chamado de direito existencialcentrado na pessoa humana, sendo esta uma norma de ordem pública. Enquanto que o segundo bloco é chamado de direito patrimonialpor sua vez, esta é uma norma de ordem privada. (2013, p.1052)

Destaca-se que a própria organização do CC/2002, no tocante à família, demonstra essa divisão. Os arts. 1.511 a 1.638 tratam do direito pessoal ou existencial. Na sequencia os arts. 1.639 a 1.722, o CC/2002 regulamenta o direito patrimonial e conceitos correlatados.

 Partindo destas divisões fica visível compreender os posicionamentos dos tribunais brasileiros quando concedem indenização (direito patrimonial) por abandono afetivo e moral (direito existencial).

Um dos primeiros registros sobre o reconhecimento deste direito, resultando na sucessão foi no ano de 2012 pelo Tribunal Regional de Santa Catarina (TJSC) para melhor entendimento é o breve comentário que se extrai da mencionada notícia:

  “A 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça reconheceu a existência de paternidade e maternidade socioafetiva no caso de uma mulher que, filha de empregada doméstica, a partir dos quatro anos de idade foi criada pelos empregadores, após a morte da mãe biológica. Naquela ocasião, eles obtiveram a guarda provisória da menina. A prova dos autos revela, como indicado pelo relator, desembargador Jorge Luiz da Costa Beber, que à autora foi dedicado o mesmo afeto e oportunidades concedidos aos filhos biológicos do casal. Ambos figuraram, ainda, como pais nos convites para o baile de debutantes e casamento da demandante, que era inequivocamente tratada como membro do núcleo familiar. Com a morte da mãe afetiva, excluída a autora da respectiva sucessão, iniciou-se o litígio, que culminou com a declaração da paternidade e maternidade socioafetiva para todos os fins hereditários, já na comarca de origem.“Uma relação afetiva íntima e duradoura, remarcada pela ostensiva demonstração pública da relação paterno-materno-filial, merece a respectiva proteção legal, resguardando-se direitos que não podem ser afrontados por conta da cupidez oriunda de disputa hereditária”, salientou o desembargador Costa Beber. A decisão foi unânime.”

Logo, se julgado procedente o pedido de reconhecimento da filiação socioafetiva, será este filho herdeiro necessário como os demais filhos biológicos,tendo por base o elo de afeto, tratamento igualitário entre os demais filhos consanguíneos, fama e reciprocidade natural corrente de uma relação familiar.

Dessa feita, vislumbra-se que os direitos sucessórios são oriundos da relação afetiva que havia entre pais e filhos. 

Conclusão

O estudo abordou de maneira objetiva e clara um tema de grande relevância para o direito das famílias da atualidade. Sendo realizada uma breve abordagem histórica sobre o direito romano, tendo em vista que fora herdado deste, algumas peculiaridades como, a família ser uma instituição patriarcal, que com o decorrer dos tempos foi ganhando relevo próprio de acordo com os anseios da sociedade brasileira.

 Dessa maneira, é perceptível que o direito de família brasileiro passou por profundas alterações estruturais e funcionais nos últimos anos. Transformações percebidas pelo estudo dos princípios, muitos deles com a previsão na Constituição Federal de 1988.

Como princípio, agora se tem a dignidade da pessoa humana, sendo a afetividade um princípio decorrente do primeiro, é o que vem atingindo de forma significativa o direito de família, e por consequência o direito sucessório.

 É por intermédio do afeto que se encontra base para efetivação do direito à socioafetividade. A realidade jurídica deste modelo de filiação encontra divergências na realidade, isso acontece em virtude das repercussões quanto ao reconhecimento da paternidade no âmbito patrimonial.

A doutrina majoritária apresenta inúmeras vertentes, sendo tendenciosa para a prevalência da paternidade socioafetiva, através de sua raiz, que é o afeto, presente nas relações, cada vez mais pluriformas e complexas.

Assim, para que seja comprovada a paternidade socioafetiva para os fins sucessórios, é imprescindível que haja reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, dando tratamento igualitário com o dos demais filhos, e ficando visível para a comunidade esse tratamento dispensado.

O que acontece nos dias atuais é um pedido de reconhecimento da paternidade socioafetiva por meio de uma ação, o que geralmente ocorre após o falecimento dos pais afetivos, e, uma vez restando comprovada essa paternidade, o filho afetivo será um herdeiro necessário, sendo esse o ponto controverso gerador de tanta discussão patrimonial.

Por fim, todos os levantamentos feitos, teses apresentadas corroboram para o entendimento pleno de que o afeto possui um valor jurídico, unindo pai e filho, independentemente de existência de vínculo biológico.

Referências
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__.Lei n°10.406, de janeiro de 2002.Código Civil.do direito de família. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em:20/09/2015.
CORRÊA,  Marise  Soares. A história e o discurso da lei:  o  discurso  antecede  à  história.  Porto Alegre: PUCRS, 2009. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009. p. 16.
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JUS BRASIL, disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8930079/recurso-especial-resp-833712-rs-2006-0070609-4/inteiro-teor-14096683. Acesso em: 20/09/2015.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direito de Família e das Sucessões. 4. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais,  2006.
PAULO, Beatrice Marinho. Família: uma relação socioafetiva. In: Psicologia na prática jurídica: a criança em foco. Niterói: Impetrus, 2009.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Introdução ao direito civil: direito de família, vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família, 16, Rio de Janeiro: Forense, 2006. v.5. 
RUSSEL, Bertrand. A conquista da felicidade. Tradução: Luiz Guerra. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. único. Direito de Família. – 3. Ed. rev., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina disponível em: http://app.tjsc.jus.br/noticias/listanoticia!viewNoticia.action?cdnoticia=26830. Acesso em: 20/09/2015.
 
Notas:
[1]Artigo científico apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Estácio Macapá, como requisito de apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação da Prof.ª Msc. Dacicleide Sousa Cunha Gatinho.


Informações Sobre o Autor

Luana Alves Correia

Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Estácio Macapá


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