Gabriel Prado Souza de Oliveira: Bacharel em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) – São Paulo/SP. ([email protected])
Resumo: O presente artigo científico analisa a relação entre o direito de propriedade e o princípio da função social da propriedade, como valores constitucionais que são aparentemente conflitantes, visto que a propriedade, como direito real, deve ser vista como um direito relativo e não absoluto. Após, são feitas breves considerações sobre a usucapião especial de imóvel urbano e uma relação dos princípios constitucionais com referido instituto do Direito Civil, que se mostra um importante instrumento de promoção da justiça social e do direito de propriedade em favor daqueles que possuem menos recursos financeiros. Também são abordados alguns importantes aspectos processuais da ação de usucapião.
Palavras-chave: Função social da propriedade. Direito de propriedade. Usucapião especial. Ação de usucapião.
Riassunto: Questo articolo analizza la relazione fra il diritto di proprietà e la funzione sociale della proprietà, come valori costituzionali apparentemente in conflitto, siccome la proprietà, come un diritto reale, deve essere vista come un diritto relativo e non un diritto assoluto. Successivamente, vengono fatte brevi considerazioni sull’usucapione speciale dei beni immobili urbani e una relazione dei principi costituzionali con il sudetto istituto di Diritto Civile, che si rivela uno strumento importante per promuovere la giustizia sociale e i diritti di proprietà a favore di coloro che hanno meno risorse finanziarie. Vengono anche affrontati alcuni importanti aspetti procedurali dell’azione di usucapione.
Parole chiavi: Funzione sociale della proprietà. Diritto di proprietà. Usucapione speciale. Azione di usucapione.
Sumário: Introdução. 1. A função social da propriedade. 1.1. Construção do conceito de função social da propriedade. 1.2. O objeto de proteção da função social da propriedade. 1.3. A proteção constitucional da propriedade como um direito não absoluto. 2. A usucapião especial de imóvel urbano 2.1. A usucapião especial de imóvel urbano (aspectos materiais). 2.2. Aspectos processuais da ação de usucapião. 2.3. Usucapião especial de imóvel urbano e função social da propriedade. Conclusão. Referências.
Introdução
Um dos maiores problemas de um Estado Social que defende um direito promocional é a efetividade. O grave problema habitacional no Brasil é objeto de instrumentos jurídicos que saná-lo e visam também facilitar o acesso à moradia.
Nesse campo, a Constituição consagra princípios e prevê mecanismos que visam estabelecer o desenvolvimento nacional e o alcance de uma justiça social.
Assim, entram em debate os princípios da propriedade e da função social da propriedade, conforme estampados no texto constitucional. Aborda-se a usucapião especial de imóvel urbano como um instrumento de política urbana e promocional de necessidades humanas, tais como a propriedade e a moradia.
Vê-se que a função social da propriedade é condição legitimadora desta, e que o Poder Judiciário desempenha importante papel no exame das ações que visam reconhecer o direito de propriedade (no presente trabalho, especificamente a propriedade imóvel) àqueles que não conseguem a obter pelas vias convencionais.
Portanto, utiliza-se como fontes para o desenvolvimento do presente artigo a legislação específica e a doutrina especializada, evidenciando um trabalho documental e bibliográfico.
No primeiro tópico de desenvolvimento, estuda-se o princípio da função social da propriedade, construindo-se o seu conceito e abordando a importância deste princípio diante da realidade brasileira no que tange ao exercício do direito de propriedade.
No segundo tópico, são abordados os aspectos materiais das diferentes espécies de usucapião especial urbana, bem como os principais aspectos processuais da ação de usucapião.
Por fim, é apresentada a conclusão do presente artigo.
1 A função social da propriedade
O direito de propriedade é protegido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como direito fundamental do cidadão, sendo um princípio da ordem econômica brasileira, na forma do artigo 5º, caput e inciso XXII e artigo 170, inciso II, ambos da Carta Magna.
Todavia, a CF/88 determina que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, inciso XXIII), sendo esta um princípio da ordem econômica constitucionalmente declarado (artigo 170, inciso III).
Portanto, a função social é algo certo para a propriedade, ainda mais quando falamos da propriedade imóvel, pois, a moradia é um direito fundamental e social da do cidadão em solo brasileiro (art. 6º, CF/88).
Nesse diapasão, segundo publicação da BBC Brasil (corporação pública britânica de rádio e televisão presente em diversos países), no País, ao menos cerca de 6,9 milhões de famílias não têm casa para morar e cerca de 6,05 milhões[1] de imóveis estão desocupados há décadas. (BARRUCHO; ODILLA; PASSARINHO, 2018).
Logo, mostra-se a importância de se estudar o que vem a ser a função social da propriedade.
Conforme será visto, o conceito de função social da propriedade pode ser dado a partir da constatação de seu objeto central, ou seja, o quê se visa promover através da propriedade, qual seria a função desta.
Igualmente, cada palavra do princípio (função, social e propriedade) deverá ter seu conceito dissecado, para uma melhor definição de sua conjugação, pautando-se, sobretudo, nos preceitos estabelecidos na Constituição da República, que prevê referido princípio em diversos dispositivos (art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 182, § 2º; art. 184, caput; art. 185, parágrafo único; e art. 186 e seus incisos).
Assim, após a constatação desses pontos importantes, é que se poderá relacionar a função social da propriedade com uma importante forma de aquisição da propriedade imóvel no Brasil: a usucapião, que a terá a modalidade especial urbana tratada no presente artigo (já que existem também a usucapião especial rural e outras espécies previstas no ordenamento jurídico brasileiro).
1.1 Construção do conceito de função social da propriedade
Conforme dito, cada palavra do princípio (função, social e propriedade) deverá ter seu conceito minimamente dissecado, para uma melhor definição de sua conjugação.
Segundo ensinamentos do professor Carlos Ari Sundfeld, plenamente aplicáveis ao presente trabalho, função é um princípio geral do Direito Público, que segundo o autor, “Função, para o Direito, é o poder de agir, cujo exercício traduz verdadeiro dever jurídico, e que só se legitima quando dirigido ao atingimento da específica finalidade que gerou sua atribuição ao agente.” (2011, p. 163).
O dicionário Michaelis dá algumas definições importantes sobre a palavra função, conceituando-a como uma ação natural e própria de alguma coisa; o uso que alguma coisa se destina. (FUNÇÃO…, 2015).
Ainda segundo as definições do citado dicionário, por “social” devemos entender, entre outras definições, aquilo que é relativo às pessoas, à sociedade; aquilo que é dirigido ao conjunto de cidadãos. (SOCIAL…, 2015).
Tais conceitos acima não estão estampados na Carta Magna ou na legislação infraconstitucional.
Quanto à propriedade, a sua natureza jurídica traduz o seu conceito, podendo ser definida a partir das disposições da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
A propriedade é um direito real sobre um bem móvel, imóvel material ou imaterial (art. 1.225 do Código Civil), que dá ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, na forma do artigo 1.228 do Código Civil.
1.2 O objeto de proteção da função social da propriedade
Conforme visto, a função, para fins do presente estudo se relaciona com o direcionamento de algo para a sua finalidade, o que o torna legítimo.
Também, não há dúvidas que, no presente caso, a função é social porque dirigida ao conjunto de cidadãos que forma a sociedade. Portanto, a função deve se direcionar ao fim social.
Por seu turno, a propriedade é o poder que o proprietário tem sobre um bem, o conferindo algumas faculdades sobre a coisa, sendo um princípio da ordem econômica (a propriedade é instituída por uma finalidade econômica).
Não obstante, para uma clara conceituação da função social da propriedade, é necessário verificar aquilo que foi almejado pelo legislador constituinte ao reconhecer este princípio.
Conforme mencionado, a propriedade é uma necessidade econômica e um princípio da ordem econômica.
No Brasil, a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, através do desenvolvimento, conforme os ditames da justiça social (art. 170, caput, CF/88).
Assim, o desenvolvimento nacional e a justiça social devem se fazer com atenção aos ditames de justiça. Em outras palavras, “A propriedade, como elemento fundamental da ordem econômica, há de servir à conquista de um desenvolvimento que realize a justiça social.” (SUNDFELD, 2019, p. 9).
Conclui-se que a função social da propriedade é o direcionamento do direito de propriedade ao fim social, ou seja, o desenvolvimento que promoverá a justiça social.
Pensemos na possibilidade de todos os brasileiros serem proprietários de imóveis urbanos. Este seria um dos objetivos da Carta Magna ao estabelecer o princípio ora estudado.
1.3 A proteção constitucional da propriedade como um direito não absoluto
Pela análise do quanto escrito nas laudas precedentes, vê-se que o princípio da função social da propriedade tende a mitigar, de certa forma, o direito de propriedade.
Ora, pensemos num imóvel improdutivo, onde ninguém habita, em face da situação habitacional no Brasil.
Nessa senda, Carlos Ari Sundfeld (2019) preleciona que um dos fundamentos de legitimação da propriedade é a função social da mesma. Portanto, uma propriedade que exerce sua função social merece proteção do Direito.
O § 1º do artigo 1.228 do Código Civil prevê que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, evitando-se abusos e mau uso desse direito (art. 1.228, § 2º do Código Civil).
No exemplo dado acima, o imóvel não cumpre o seu papel de promover a moradia, tampouco cumpre o seu papel econômico, não promove a tão buscada justiça social.
Portanto, vê-se que a propriedade não é um direito absoluto. Até mesmo a indenização decorrente de desapropriação (art. 5º, inciso XXIV, da Constituição da República de 1988) deverá observar o cumprimento da função social da propriedade, conforme preleciona o professor Pedro Lenza (2010, p. 766).
2 A usucapião especial de imóvel urbano
Há muito a propriedade imóvel pode ser adquirida pela via da usucapião, sendo que, até mesmo as leis romanas do passado já previam tal possibilidade, conforme preleciona Flávia Lages de Castro (2011, p. 110): “Para os romanos, poderia se gerar a propriedade de várias formas, inclusive através da posse. A tomada de posse de uma coisa que não estivesse sob o domínio de ninguém (animais selvagens, coisas abandonadas, bens de inimigos de Roma) geraria a propriedade; isso era chamado occupatio. Poderia se adquirir também a propriedade por transferência da mesma, por usucapião, por compra, por herança etc.”
Em linhas gerais, a usucapião é um instrumento de política urbana e também uma forma de aquisição da propriedade imóvel pelo decurso de certo tempo somado a outros requisitos previstos em lei, tais como a posse com intenção de dono (animus domini), de forma mansa e pacífica, contínua, de boa fé e com justo título.[2]
Todavia, os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião, comando previsto no artigo 182, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A usucapião urbana, ou seja, para imóveis que se situam em zona considerada urbana, compreende a usucapião ordinária (art. 1.242 do CC); a usucapião extraordinária (art. 1.238 do CC); a usucapião especial urbana pro misero (art. 183, CF/88; 1.240 do CC; e 9º da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 [Estatuto da Cidade]); a usucapião especial urbana por abandono do lar (art. 1.240-A do CC); e a usucapião especial coletiva (art. 10 do Estatuto da Cidade).
O presente artigo se ocupará da usucapião especial de imóvel urbano.
2.1 A usucapião especial de imóvel urbano (aspectos materiais)
A usucapião especial urbana encontra guarida no artigo 183 da Constituição Federal: “Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL, 1988, p. 98).”
No entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, para os fins do artigo supra, não se considera o tempo de posse anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988. (MORAES, 2016).
Conforme visto, a usucapião especial urbana compreende a usucapião pro misero, a usucapião especial urbana por abandono do lar e a usucapião especial coletiva.
Há pontos idênticos quanto aos requisitos das espécies acima. Nas três espécies, o imóvel deve ter o limite de duzentos e cinquenta metros quadrados para aqueles que o possuem; a posse deve ocorrer com animus domini, de forma mansa e pacífica; e os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Na usucapião pro misero e na usucapião coletiva, a posse ad usucapionem deve ser de no mínimo 5 (cinco) anos ininterruptos. Na usucapião por abandono de lar a posse deve ser de 2 (dois) anos ininterruptos, exclusivamente por um dos cônjuges, já que um deles abandonou o lar, e portanto, deixou de ser possuidor do bem.
Na usucapião pro misero e na usucapião por abandono do lar, a lei faz menção expressa de que o imóvel deve ser usado para a moradia do possuidor ou de sua família, embora o entendimento também possa ser estendido à usucapião coletiva.
Na usucapião coletiva, não há a possibilidade de identificação da área ocupada por cada possuidor, já que os imóveis se situam em núcleos urbanos informais.
No caso da usucapião por abandono do lar, há uma peculiaridade. O cônjuge já tinha a propriedade de parte do imóvel, passando adquirir a propriedade integral a partir do instituto em estudo. Nos demais casos, a propriedade é adquirida pela primeira vez.
2.2 Aspectos processuais da ação de usucapião
A ação de usucapião é um processo de conhecimento, cujo objetivo é a obtenção de uma sentença declaratória da propriedade do(s) interessado(s) sobre um bem. A sentença é prolatada após cognição exauriente, analisando-se os pressupostos materiais e processuais da usucapião.
O professor Alexandre Freitas Câmara (2016, p. 185) nos ensina que: “O processo de conhecimento, como dito, é o processo de sentença, isto é, processo que tem por objeto imediato a produção de uma sentença de mérito, declaratória da existência ou da inexistência de um direito. Seu nome, porém, vem não de seu objetivo (a declaração do direito), mas da atividade processual preponderante desempenhada pelo juiz ao longo do processo: a cognição.”
Pois é a cognição do magistrado que permitirá aferir se os pressupostos materiais para usucapir estão presentes e, após tal fase, usar da máquina judiciária para a promoção do direito à moradia e à propriedade, a função social da propriedade e a justiça social.
Com a entrada em vigor da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a usucapião passou a ser passível de reconhecimento pela via extrajudicial, não afastando a via judicial em caso de improcedência da primeira (art. 1.071, § 9º), visando à celeridade para quem deseja usucapir um imóvel, evidenciando a preocupação do legislador brasileiro com a promoção do princípio da função social da propriedade.
Sendo uma ação de conhecimento, a petição inicial da usucapião deve atender aos requisitos do artigo 319 do Código de Processo Civil, sendo o seu pedido de declaração de um direito (art. 20, CPC), portanto, um pedido determinado (art. 322, CPC).
Não obstante, a exordial deve ser instruída com documentos necessários à comprovação dos pressupostos materiais específicos da usucapião. Por exemplo, a juntada de certidões imobiliárias é ato necessário, embora não previsto expressamente, já que demonstrarão a quem pertence a propriedade imóvel (ao menos formal), os confrontantes de fato e de direito etc.
A posse mansa e pacífica se traduz na ausência de qualquer oposição contra a mesma, portanto, a juntada de certidões de distribuidores cíveis em nome dos envolvidos no processo é o que demonstrará ao magistrado o referido requisito material.
Na forma do artigo 246, § 3º, Código de Processo Civil, os confinantes do imóvel objeto da ação serão citados para opor eventual oposição, o que demonstra o caráter contencioso que a ação pode tomar. Além disso, as Fazendas Públicas são intimadas para ofertarem eventual oposição quanto à área a ser usucapida.
Nesse sentido, a melhor doutrina: “O processo de conhecimento (ou declaratório em sentido amplo) provoca o juízo, em seu sentido mais restrito e próprio: através de sua instauração, o órgão jurisdicional é chamado a julgar, declarando qual das partes tem razão. Objeto do processo de conhecimento é a pretensão ao provimento declaratório denominado sentença de mérito.” (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2010, p. 328).
Por tais razões, e visando dar o máximo de publicidade à ação de usucapião, o legislador por bem entendeu que sempre serão publicados editais nos procedimento de usucapião de bem imóvel (art. 259, inciso I).
Para o fim de fiscalização da regularidade do procedimento, na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público, na forma do artigo 12, § 1º do Estatuto da Cidade.
Como forma de facilitação e promoção de todos os princípios e valores constitucionais abordados no presente trabalho, o autor da ação de usucapião especial urbana terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis (artigo 12, § 2º do Estatuto da Cidade), visto que é um procedimento pensado para a população de baixa renda.
Sendo procedente a ação de usucapião, a sentença valerá para fins de registro na matrícula do imóvel perante o oficial de registro de imóveis.
2.3 Usucapião especial de imóvel urbano e função social da propriedade
Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (pesquisas baseadas no Censo Demográfico 1980, 1991, 2000 e 2010, e Contagem da População 1996), entre os anos de 1980 e 2010 a população urbana brasileira cresceu: correspondia a 67% (sessenta e sete por cento) da população e passou a ser de 84% (oitenta e quatro por cento). De forma totalmente oposta, no mesmo período, a população rural brasileira era de 32% (trinta e dois por cento) e passou a ser de 15% (quinze por cento).
Ou seja, a população brasileira que vive em zonas urbanas abrange a imensa maioria dos residentes no País.
E é por tal razão que a usucapião especial urbana se mostra um grande instrumento de promoção da função social da propriedade e da justiça social.
Além de ser um instrumento para aqueles mais pobres adquirirem a propriedade de um bem imóvel, é processada sob um procedimento judicial que visa a máxima efetividade na aplicação desse instituto.
Conclusão
O presente trabalho abordou o conflito do direito de propriedade com a função social desta, na forma dos ditames, dos princípios e dos valores que a Carta Política prevê.
Foi visto, em linhas gerais, que o Brasil é um país com altos índices de famílias sem moradia e de propriedades improdutivas, seja para a ordem econômica, seja para a ordem social.
Portanto, neste aparente conflito entre dois princípios, qual deve prevalecer? Acreditamos que um não anula o outro.
Ora, a função social da propriedade, conforme estudado, é o direcionamento do direito de propriedade ao fim social, ou seja, o desenvolvimento que promoverá a justiça social, em um País de tanta pobreza e diferenças.
O instituto da usucapião é um instrumento de política urbana e também uma forma de aquisição da propriedade imóvel, sendo uma proteção da direito de propriedade que o legislador conferiu para a população mais pobre.
Portanto, a propriedade “mal utilizada”, inútil e improdutiva deve dar lugar à propriedade que cumpre o seu papel social, no sentido de preencher uma necessidade econômica e promover um direito social constitucionalmente consagrado.
Assim, entende-se que a usucapião de imóvel urbano é uma garantia constitucional do direito de propriedade, que pode ser pleiteada em juízo, diante da inafastabilidade do Judiciário, em um processo que sempre idealizará uma sentença que conceda a justa propriedade àqueles que não possuem os recursos necessários para a aquisição da propriedade imóvel pela via convencional.
Referências
BARRUCHO, Luís; ODILLA, Fernanda; PASSARINHO, Nathalia. Brasil tem 6,9 milhões de famílias sem casa e 6 milhões de imóveis vazios, diz urbanista. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44028774>. Acesso em: 07 jan. 2020.
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CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
CASTRO, Flávia Lages de. História do direito: Geral e Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Distribuição percentual da população por situação de domicílio – Brasil – 1980 a 2010. Rio de Janeiro. 2010. Disponível em: <https://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/distribuicao-da-populacao-por-situacao-de-domicilio.html>. Acesso em: 07 jan. 2020.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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SUNDFELD, Carlos Ari. Função social da propriedade. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura, São Paulo, vol. 10/2019, p. 403-423, jul./set., 2019.
______. Fundamentos de direito público. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
[1] Conforme esclarecido na publicação, essa informação já havia sido indicada no Censo do ano de 2010.
[2] Os requisitos podem estar presentes ou não a depender da espécie de usucapião.