THE RIGHT ABUSE IN GRAVITY FOOD ACTIONS ARISING FROM THE PATERNITY NEGATIVE
Talita Mie Gonçalves Costa
Karine Alves Gonçalves Mota
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo principal discorrer sobre o abuso de direito nas ações de família que surge através da imputação falsa de paternidade. Traçar estudos que percorrem as novações da lei número 11.804/2008, lei de alimentos gravídicos, que tem por escopo amparar a gestante e garantir o desenvolvimento sadio do nascituro. Este estudo desenvolve abordagens dentro da compreensão do abuso de direito enquanto ato ilícito, principalmente no que se diz respeito ao abuso do direito de ação. E, busca também, apresentar as configurações da responsabilidade civil de caráter objetivo e subjetivo de modo a compreender qual destas se aplica na situação e que se propõe estudar. Principalmente diante do veto do artigo 10º da lei de alimentos gravídicos. Este, por sua vez, foi declarado como incompatível com os preceitos constitucionais do Brasil, por ferir o direito de acesso à justiça da gestante e nascituro. Contudo, insta frisar que o tipo de responsabilidade contida no dispositivo em tela é exceção no ordenamento jurídico pátrio, e por isso, resta a regra, que é a de responsabilidade subjetiva, ou seja, aquela que para sua configuração é indispensável a apresentação de dolo ou culpa do agente.
Palavras-chave:Abuso do direito; Imputação de falsa paternidade; Responsabilidade civil.
ABSTRACT: The objective of this paper is to discuss the abuse of rights in family actions that arise through the false imputation of paternity. Trace studies that cover the new provisions of law number 11804/2008, the law on pregnant foods, which aims to support the pregnant woman and ensure the healthy development of the unborn child. This study develops approaches within the understanding of the abuse of rights as an unlawful act, especially regarding abuse of the right to action. And, it also seeks to present the configurations of civil liability of objective and subjective character in order to understand which of these applies in the situation and which proposes to study. Especially in the face of the veto of article 10 of the law of gravid foods. This, in turn, was declared as incompatible with the constitutional precepts of Brazil, for harming the right of access to justice of the pregnant and the unborn. However, he insists that the type of responsibility contained in the device on the screen is an exception in the legal system of the country, and therefore, the rule remains, which is that of subjective responsibility, that is, that which is indispensable for the configuration of malice or fault of the agent.
Keywords: Right Abuse; Imputation of false paternity; Civil responsability.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O Abuso de Direito Enquanto Ilícito Civil e o Dever de Reparação; 2. O Abuso de Direito Como Cláusula Geral de Responsabilidade Objetiva; 2.1. O Abuso de Direito de Ação; 3. A Configuração do Abuso de Direito nas Ações de Direito de Família; 3.1. A Responsabilidade Civil Decorrente de Imputação Falsa de Paternidade; 3.1.2. Da Responsabilidade; 3.1.3 Do Cabimento da Ação de Danos Morais e Materiais; 3.1.3 Do Cabimento da Ação de Danos Morais e Materiais
INTRODUÇÃO
É de conhecimento que nas “relações familiares” têm ocorrido mudanças, e por isso o direito deve-se adequar às adversidades propostas pela sociedade. No que tange aos alimentos gravídicos que podem surgir de situações em que às vezes não há nem um vínculo íntimo familiar, mesmo assim, se garante os cuidados merecidos à genitora e sua prole, pois é um direito conquistado.
Embora seja um direito conquistado, pode-se haver abusos referentes a esse direito, que devem ser previstos no ordenamento jurídico, evitando de tal forma injustiças sociais. Esse trabalho visa, então, delimitar de que forma pode ser estabelecida a responsabilização civil quando há abuso de direito nas ações de alimentos gravídicos decorrente da negativa de paternidade.
Abuso de direito é considerado cláusula de responsabilidade objetiva no sistema normativo jurídico, já a responsabilização decorrente da ação de alimentos gravídicos é subjetiva. Logo, é preciso investigar quando há abuso de direito (material ou processual) nas ações de alimentos gravídicos e qual é o tratamento jurídico desse cenário.
Torna-se importante aprofundar nessa discussão, visto que há doutrinadores que discutem o tema com diversas interpretações, pois no viés do lesado, o então suposto pai, vítima de abuso de direito, é fundamental para que se garanta a justiça social, a indenização cabível, ressalvando o devido processo legal entre os princípios fundamentais do direito.
Nesta pesquisa, por primeiro, far-se-á uma abordagem do abuso de direito enquanto ilícito civil, e o dever de indenizar decorrente do dano causado do abuso. Trazendo sempre a ideia que o abuso de direito é configurado, quando este ultrapassa os limites estabelecidos pela legislação.
Num segundo giro, este estudo se voltará se olhar ao abuso de direito partindo de uma perspectiva da cláusula geral de responsabilidade objetiva, dentro deste nicho buscar-se-á compreender o abuso do direito de ação, e que este somente deve ser caracterizado diante da percepção da chamada litigância de má-fé, sob o intento de não se incorrer sobre o cerceamento do direito de ação.
Por fim, este artigo passa a estudar o abuso de direito de ação nos processos que versem sobre direito de família, bem como busca compreender os níveis de responsabilidade decorrentes da imputação falsa de paternidade.
Por fim, é imperioso mencionar que o presente artigo, é produto final do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
1. O ABUSO DE DIREITO ENQUANTO ILÍCITO CIVIL E O DEVER DE REPARAÇÃO
A compreensão do que é Direito gira em torno das normas devidamente conquistadas, além de ser um privilégio a ser exercido em um contexto legal vigente, operar de forma excedente um direito que lhe fora outorgado é considerado abuso, e, por conseguinte, gera uma reparação aos danos que são causados por essa afronta.
Em um breve contexto histórico tem-se como uma norma primordial da sociedade um dever de não prejudicar alguém, no que tange ao uso excessivo de um direito a ele concedido se tornava uma ofensa muito significativa para a sociedade, e ainda torna. A teoria do abuso do direito tornou expressiva, principalmente na luta contra o absolutismo do Estado.
Em que se havia uma grande noção individualista no qual os direitos subjetivos eram protegidos em toda e qualquer hipótese. No entanto essa teoria, com o passar do tempo, foi mudando as concepções, não sobressaídas pelo Estado soberano e sim pelo convívio social, aquilo que se tornara abuso para aquela sociedade, era tido como ato ilícito.
Embora muito antiga, a teoria do abuso do direito teve progresso rápido no último século, o que alargou consideravelmente os domínios do ato ilícito. Foi a justa reação à noção individualista dos direitos subjetivos constituída a partir do Código Civil de Napoleão, pela qual o exercício de um direito era protegido em toda e qualquer hipótese, ainda que dele decorressem consequências funestas para a sociedade. Aquilo que inicialmente representou um avanço – pois o Direito, com tal noção, passou a ser a mais poderosa arma contra o absolutismo do Estado –, com o passar do tempo mostrou-se de grande inconveniência em face de uma nova realidade socioeconômica, realidade, essa, que demonstrou serem relativos não só́ o Poder do Estado, mas também os direitos conferidos ao homem, limitados que estão pelas regras de convívio social (CAVALHIERI FILHO, 2015, p. 238-239).
Alguns doutrinadores defendem que a expressão “abuso de direito” é incoerente, pois quando há abuso de algum direito na verdade esse direito passa a não existir, uma vez que todo direito é algo lícito, e ao exercê-lo de forma abusiva o torna ilícito. Conforme esclarece Gagliano e Pamplina Filho (2017, p. 166) “se alguém atua escudado pelo Direito, não poderá́ estar atuando contra esse mesmo Direito”, visto que o exercício de algum direito manifestamente excessivo é considerado ilícito.
Na realidade, é contraditória a expressão abuso de direito, e disso resultou toda a controvérsia sobre o tema. O direito é sempre lícito; há uma antítese entre o direito e o ilícito, um exclui o outro. Onde há direito, não há ilicitude. O que pode ser ilícito é o exercício do direito – a forma de sua exigibilidade. […] E assim é porque uma coisa é o direito e outra o seu exercício, visto que, encarado do ponto de vista existencial e funcional, o direito subjetivo pode ser desdobrado em dois momentos distintos: o da constituição e o do exercício (CAVALHIERI FILHO, 2015, p. 239).
A responsabilização decorrente do abuso de direito há duas vertentes: a teoria subjetiva, que usa do raciocínio de que o agente usa do direito para prejudicar alguém de forma interessada, ou seja, age com dolo. E a teoria objetiva se caracteriza pelo uso incomum e não operante do direito, ou seja, o propósito do pleno direito não condiz com o exercício deste em um caso concreto.
Duas teorias definem o abuso do direito. Para a mais tradicional, a subjetiva, haverá́ abuso do direito quando o ato, embora amparado pela lei, for praticado deliberadamente com o interesse de prejudicar alguém. Para a teoria objetiva, o abuso do direito estará no uso anormal ou antinacional do direito. Caracteriza-se pela existência de conflito entre a finalidade própria do direito e a sua atuação no caso concreto (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 241).
Para enfatizar, então, o conceito de abuso de direito tem-se como um agente disposto em seu direito, ultrapassar os limites estabelecidos pela legislação. O abuso se concretiza no uso hiperbólico na forma de comportar-se perante uma outorga legal, uma liberdade a ele concedida. E claro que ao manifesto abuso, tem-se a responsabilização adequada a aquele que sofreu os danos decorrentes desse excesso.
Deixando de lado as controvérsias que grassam em torno da matéria, a ideia envolve o exagero no exercício dos direitos, ou, mais hodiernamente, a aplicação literal da lei e a imposição de normas feitas para a proteção de uma classe, fatores que sufocam os direitos primordiais da pessoa humana. Revela-se a figura quando o titular do direito leva outrem a malefício ou a prejuízos, e não quando a execução de uma obrigação atendeu a todos os requisitos legais. O abuso está na forma de agir, nos excessos empregados. No gozo ou exercício de um direito provoca-se uma grave injustiça, incorrendo na máxima romana summum jus, summa injuria, o que se verifica quando se acumulam cláusulas abusivas em contratos de adesão, ou se executam medidas violentas para a proteção de eventual direito (RIZZARDO, 2015, s/p).
Exemplos de abusos de direitos são variáveis, entre eles estão: “a viabilidade das instituições financeiras em cobrar juros em níveis estratosféricos, no financiamento de um bem, a ponto de superar a dívida várias vezes o valor do bem financiado” (RIZZARDO, 2015, s/p); “no Direito das Coisas, o uso abusivo do direito da propriedade, desrespeitando a política de defesa do meio ambiente” (GAGLIANO; PAMPLINA FILHO, 2017, p. 169).
Bem como no Direito de Família em que a genitora propõe ação de alimentos gravídicos de forma abusiva, ou no valor da pensão acima do que o réu pode pagar, ou no apontamento do suposto pai, impondo a ele a essa “responsabilidade”, ou posteriormente na utilização dessa pensão para outros fins. E isso como já demonstrado, conferida essa hipótese que transcende as barreiras do aceitável, é revelada a responsabilidade, compelindo-se ao autor do abuso a indenizar os prejuízos cabidos.
2. O ABUSO DE DIREITO COMO CLÁUSULA GERAL DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA
O abuso de direito no aspecto material é disposto no Código Civil de 2002 em seu artigo 187, do Código Civil de 2002, nos seguintes termos: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002, s/p). Nota-se que é considerado um ato ilícito e caso quem exceda esses limites estará sob a mesma responsabilização do artigo 927 do mesmo código.
Pelo seu fim econômico refere-se ao interesse, rendimento em que aquele indivíduo terá ao exercer de forma abusiva o direito. Podendo ser esse interesse material ou alguma vantagem com o resultado obtido pelo excesso manifesto. O direito subjetivo tem em si esse teor econômico e ao usá-lo de maneira controversa, estaria opondo-se ao real sentido de seu direito. Vê-se muito desse aspecto em contratos, uma vez que o objeto deste normalmente é com o fundamento econômico e social.
Entende-se por fim econômico o proveito material ou vantagem que o exercício do direito trará para o seu titular, ou a perda que suportará pelo seu não exercício. Não mais se concebe o exercício de um direito que não se destine a satisfazer um interesse sério e legitimo. Esse fim econômico tem grande relevância principalmente no Direito Obrigacional. O contrato – ninguém contesta – é primeiramente um fenômeno econômico; o jurídico vem depois, para dar segurança ao econômico, aparar alguns excessos e traçar determinados rumos. Então, o fenômeno econômico está na raiz do contrato. Não poderá o titular de um direito contratual ir contra essa finalidade econômica, porque seria contrariar a própria natureza das coisas (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 245).
Pelo seu fim social entende-se por um contexto sociológico, como antes já informado a grande disposição individualista da humanidade em tempos passados, e foi mudando para uma sociedade em que se preocupava não mais de forma individualista e sim no todo. Com isso, se um agente em seu pleno direito usá-lo de forma a afetar o sentido social que se tem, estará incorrendo em abuso de direito, bem como sujeito a responsabilização.
Que se entende por fim social do Direito? A questão, embora complexa, pode ser assim resumida. Toda sociedade tem um fim a realizar: a paz, a ordem, a solidariedade e a harmonia da coletividade – enfim, o bem comum. E o Direito é o instrumento de organização social para atingir essa finalidade. Todo direito subjetivo está, pois, condicionado ao fim que a sociedade se propôs (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 250).
Pela boa fé se compreende pela boa-fé objetiva, aquela que de forma implícita todos devem agir em suas relações interpessoais, jurídicas, uma vez que esta é a boa-fé normativa presumida. Resumindo, para Cavalieri Filho (2015, p. 251) “boa-fé́ objetiva é o padrão de conduta necessária à convivência social para que se possa acreditar, ter fé e confiança na conduta de outrem”.
Pelo bom costume se traduz pelos hábitos éticos de uma determinada sociedade, isto é, são aquelas políticas da boa vizinhança, regras de convivência. Caso o agente titular do direito vá de encontro com essas regras de forma abusiva, estará cometido este pelo artigo 187, do Código Civil de 2002. Regras estas que devem, de forma totalizada, ter uma aprovação em massa pela sociedade, devem ser objetivas, e previsíveis a um “homem ideal”, que na situação proposta deve-se agir de maneira como um homem médio se comportaria.
Por fim, os bons costumes. Compreendem as concepções ético-jurídicas dominantes na sociedade; o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e corretas praticam. Haverá abuso neste ponto quando o agir do titular do direito contrariar a ética dominante, atentar contra os hábitos aprovados pela sociedade, aferidos por critérios objetivos e aceitos pelo homem médio. (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 253).
A responsabilização decorrente de um abuso de direito no âmbito material é, portanto, a responsabilidade objetiva, respeitando o critério objetivo-finalístico, como prediz o Enunciado nº 37 da Jornada de Direito Civil, e bem como o artigo 927, do Código Civil de 2002.
Nesse sentido, o Enunciado nº 37 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal (Brasília, setembro/2002): “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico” (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 241).
Esse caráter objetivo-finalístico no ordenamento brasileiro, preza pelo simples desvio de finalidade do direito, e não pela intenção do autor em prejudicar outrem, em seu excesso, não analisando dolo ou culpa, caracterizando então a responsabilidade objetiva.
2.1. O ABUSO DE DIREITO DE AÇÃO
No aspecto processual há normas que compelem o abuso do direito. Visto que no direito processual se preza pelo princípio da probidade processual, esse princípio conforme Cavalieri Filho (2015), consiste em uma presunção da boa-fé dos que estão presentes no processo, o simples fato do equívoco no sujeito passivo da ação, ou mesmo que a demanda seja incontroversa não são suficientes para configurar abuso de direito.
Há que se pontuar que direitos do livre acesso à justiça, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, proteção judiciária, entre outros são princípios e garantias constitucionais, que devem ser respeitados acima de tudo. Em um processo, portanto, o abuso do direito deve estar incontestável, de maneira que se possa observar o excesso manifesto.
Em se tratando do abuso do direito processual, a fórmula legal do manifesto excesso dos limites deverá ser observada com redobrado cuidado em face do princípio da proteção judiciária, também chamado princípio do livre acesso à justiça, que constitui, em verdade, uma constelação de garantias constitucionais: a do direito de ação e de defesa (art. 5º, XXXV), a do devido processo legal (inc. LIV), a da ampla defesa e do contraditório (inc. LV), a do juiz natural e competente, a da fundamentação de todas as decisões (art. 93, inc. IV). A primeira garantia consiste no direito de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como lesado ou simplesmente ameaçado um direito. A Constituição de 1988 ampliou o direito de acesso ao Judiciário para antes da concretização da lesão, incluindo nessa garantia a ameaça de lesão (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 247).
Nesse sentido não se pode arguir o abuso de direito de ação para se esquivar do processo, pois a lei (art. 187 do Código Civil), segundo Cavalieri Filho (2015), não pode afastar o julgamento do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito. Da mesma forma, a simples declaração do abuso do direito processual não pode prejudicar o devido processo legal, o contraditório, nem cercear a ampla defesa de ninguém.
Por isso, o abuso de direito de ação no direito processual brasileiro cumpre restar na litigância de má-fé. Esta como já fora estabelecida é o oposto de boa-fé, o Código de Processo Civil de 2015, em seu corpo normativo estabelece alguns artigos que ressalta a penalização pra quem usa desse artifício para se promover em juízo.
Em seu artigo 80, deliberam quais são as atitudes que um litigante de má-fé poderá interpor no processo:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (BRASIL, 2015, s/p).
Esses requisitos do artigo 80, devem estar manifestos no decorrer do processo para que se caracterize o abuso do direito de ação. Deparando com isso, o juiz, de oficio ou a requerimento, conforme o artigo 142, do mesmo código, poderá aplicar as penalidades da litigância de má-fé estabelecidas no Código de Processo Civil de 2015, dispostas no artigo 81, para que assim impossibilite as partes de alcançar seus objetivos de forma imprópria.
Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé (BRASIL, 2015, s/p).
A respeito da responsabilização, segundo o artigo 79, do Código de Processo Civil de 2015, responderão por perdas e danos os que movimentarem o judiciário com má-fé. De forma objetiva, pois a litigância de má-fé é uma forma de abuso de direito no âmbito processual, e se dispensa a culpa, se houve ou não a intenção de prejudicar de fato, caracterizando a simples ocorrência como prevê o Enunciado nº 37 da Jornada de Direito Civil.
É interessante ponderar alguns requisitos que delimitarão e aparecerão no caso de se verificar o abuso de direito, esses requisitos destacam de forma clara e objetiva o doutrinador Rizzardo, quais sejam:
a) pessoa deve ter assegurado um direito, que lhe é reconhecido por lei, ou dele está revestida juridicamente. Assim, v. g., é titular do direito de retomar a posse de um bem; b) A conduta é praticada durante o exercício do direito, como na defesa da propriedade, na repulsa de uma agressão, na prática de uma atividade profissional; c) Há excesso manifesto dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, ou pela boa-fé ou pelos bons costumes. Quem executa ou realiza seu direito vai além do que permite o próprio valor econômico do bem objeto do exercício; d) Violação do direito alheio. Inconcebível que se destrua um prédio porque traz umidade aos prédios vizinhos, ou que se inutilizem os móveis de uma residência quando de sua retomada em uma ação de despejo; ou que, na repulsa de uma simples agressão, se atente contra a vida do agressor; e) Dispensa-se a pesquisa do elemento culpa, porquanto o abuso pressupõe a existência do elemento subjetivo. Inconcebível pensar em excesso, ou em abuso, desvinculadamente da culpa. Se o sujeito ativo vai além do que se lhe permitia no momento, procedeu com culpa, por mais leve que seja a sua manifestação (RIZZARDO, 2015, s/p).
Como se percebe a boa-fé e os bons costumes, como princípios, também regem o sistema processual brasileiro, em que se impõem penalidades quando as posturas corrompidas que contrariem esses princípios estão presentes nos atos processuais.
3. A CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE DIREITO NAS AÇÕES DE DIREITO DE FAMÍLIA
Diante do exposto ao que se falar em responsabilidade civil diante de qualquer abuso de direito, tanto material quanto processual, no sistema jurídico brasileiro, pela legislação e da, então, interpretação através do Enunciado nº 37 da Jornada de Direito Civil (BRASIL, 2002), que o abuso de direito é de responsabilidade civil objetiva, fundamentada no critério objetivo-finalístico.
Esse critério põe em foco o desvio de finalidade do direito, e não pelo desígnio próprio do agente em prejudicar outrem. Mesmo que no âmbito processual precise provar a litigância de má-fé, se dispensa a análise da culpa, se houve ou não a intenção de prejudicar de fato, caracterizando a simples ocorrência como prevê o Enunciado nº 37 da Jornada de Direito Civil.
Como bem defende o doutrinador Cavalieri Filho, quanto ao fundamento principal do abuso do direito:
O fundamento principal do abuso do direito é impedir que o direito sirva como forma de opressão, evitar que o titular do direito utilize seu poder com finalidade distinta daquela a que se destina. O ato é formalmente legal, mas o titular do direito se desvia da finalidade da norma, transformando-o em ato substancialmente ilícito. E a realidade demonstra ser isso perfeitamente possível: a conduta está em harmonia com a letra da lei, mas em rota de colisão com os seus valores éticos, sociais e econômicos – enfim, em confronto com o conteúdo axiológico da norma legal (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 240-241).
Para configurar o abuso de direito, portanto, basta o afastamento do propósito para qual aquele direito foi criado. Alguns autores, no entanto, não consideram que em qualquer situação que ocorra o abuso de direito será a responsabilidade civil objetiva.
Nesse sentido tem-se Gagliano (2015), que pondera em que a genitora ao imputar falsamente um suposto pai nas ações de alimentos gravídicos, esta responderia subjetivamente, implicando na comprovação de sua culpa, e não pelo simples fato de a mesma ter desviado a finalidade para com o direito em que tinha.
É inequívoca a possibilidade de haver responsabilidade civil decorrente da falsa imputação de paternidade, verificada no âmbito judicial ou não, desde que demonstrada a atuação dolosa do sujeito infrator.
Trata-se de responsabilidade subjetiva, e que, se ocorrida no bojo de uma demanda, caracterizará a denominada má-fé processual (GAGLIANO, 2015, p. 344).
Podendo ter tido essa interpretação devido ao artigo 10º, da Lei 11.804/2008, dos Alimentos Gravídicos, em que foi vetado, pois previa a responsabilidade civil objetiva caso a genitora apontasse um suposto pai e o exame pericial de paternidade resultasse negativo.
Art. 10. Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos próprios autos (BRASIL, 2008, s/p).
Esse artigo foi vetado com os fundamentos e razões apresentados de que este seria uma norma intimadora, pois implicaria diretamente ao direito ao acesso à justiça, garantia constitucional. No qual dada à improcedência da ação, a autora teria que indenizar o réu em danos morais e materiais pela ação movida contra este, de qualquer forma.
Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar danos a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação (BRASIL, 2008, s/p).
Com essas contraposições de teorias, é que esse projeto visa compreender de que forma a responsabilização civil pode ser estabelecida quando há abuso de direito nas ações de alimentos gravídicos decorrente da negativa de paternidade, vê-se que pelo entendimento do Gagliano (2015) a responsabilidade é subjetiva ponderando a intenção da genitora em prejudicar o suposto pai. Em contrapartida, Filho Cavaliere (2015) defende que em qualquer hipótese se aplica o Enunciado nº 37 da Jornada de Direito Civil (2002), em que se dá a responsabilidade de forma objetiva, pelo fato do desvio da finalidade do direito e não pela intenção em prejudicar outrem.
3.1. A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE IMPUTAÇÃO FALSA DE PATERNIDADE
3.1.1 Da Lei n.º 11.804 de 2008: um breve relato quanto à sua finalidade
Para a subsistência do ser humano é necessária condições como alimentos, vestimentas, saúde, segurança, entre outras que possibilite ao indivíduo uma qualidade de vida. O direito, em sua forma de se adaptar às necessidades da sociedade, estabelece um instituto chamado de alimentos, que são prestações devidas para a além da subsistência básica de quem os pretende.
A sobrevivência está entre os fundamentais direitos da pessoa humana e o crédito alimentar é o meio adequado para alcançar os recursos necessários à subsistência de quem não consegue por si só prover sua manutenção pessoal, em razão da idade, doença, incapacidade, impossibilidade ou ausência de trabalho. Os alimentos estão relacionados com o sagrado direito à vida e representam um dever de amparo dos parentes, cônjuges e conviventes, uns em relação aos outros, para suprir as necessidades e as adversidades da vida daqueles em situação social e econômica desfavorável. Como dever de amparo, os alimentos derivam da lei, têm sua origem em uma disposição legal, e não em um negócio jurídico, como acontece com outra classe de alimentos advindos do contrato ou do testamento, ou os alimentos indenizativos. (MADALENO, 2018, p.899)
Conforme aborda o doutrinador Gonçalves (2017b, p. 497) “o vocábulo “alimentos” tem, todavia, conotação muito mais ampla do que na linguagem comum, não se limitando ao necessário para o sustento de uma pessoa”. Ou seja, para o ordenamento jurídico aquele que entrar com a preterição de alimentos terá direito não só no sentido estrito da palavra, e sim de uma forma ampla, proporcionando vestuário, moradia, assistência médica, assistência ao ensino didático, instrução, entre outros que o juiz entender necessário.
No Código Civil de 2002, os alimentos estão dispostos do artigo 1.694 ao artigo 1.710, esse dever de prestar alimentos de acordo com Gonçalves (2017b) se pauta na solidariedade do ser humano e sua condição econômica, isso se deve entre os membros da família (pai, mãe, filhos) ou os parentes (avós, tios, entre outras).
Consoante com o artigo 1.694 do Código Civil de 2002 “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação” (BRASIL, 2002, s/p).
Afinal de contas a quem é devido as prestações de alimentos? Àquele que detém de personalidade civil. E segundo o Código Civil de 2002 em seu artigo 2º dispõe que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Isto é, o ordenamento jurídico ressalva também a teoria concepcionista, que aponta o comentador Freitas (2011, p. 42) que “a Teoria Concepcionista, por sua vez, parte da premissa que os direitos e obrigações do nascituro começam da concepção”.
Além disso, o artigo 2º, do Código Civil de 2002, também recepciona a teoria natalista no sistema brasileiro. Essa teoria preconiza que nascituro só adquire a personalidade, após o nascimento com vida. Isto é, aquele que é concebido e tem nascimento absorve a personalidade, juntamente com os direitos a ele garantidos, a partir do momento que nasce com vida.
Ademais, essa teoria explica que não faz sentido pleitear direitos, mesmo com representação materna, pois este ainda não adquiriu a personalidade e com isso a capacidade de exercer seus direitos.
Na Teoria Natalista, o nascituro só adquire personalidade após o nascimento com vida. Essa teoria, adotada no Brasil, parte da premissa de que só o nascimento com vida permite a aquisição da personalidade, em que o sujeito de direito pode adquirir e transmitir obrigações. Outrossim, lhe é outorgada proteção enquanto nascituro, não podendo, contudo, por meio de sua mãe, por exemplo, ter exercitado seus direitos – pois ainda não os adquiriu –, já que estes ficam aguardando pelo nascimento com vida para aquisição de sua personalidade, que corresponde à capacidade de ser herdeiro, legatário, donatário, autor de herança, enfim, lhe garante exercício pleno de direito (FREITAS, 2011, p. 42).
Outra teoria que disciplina a cerca da personalidade é a Teoria da Personalidade Condicional, nessa o autor Freitas (2011) elucida que o nascituro fica sob condição suspensiva, em que corresponde ao nascimento com vida. Dessa maneira o nascituro tem um direito fictício legal, pois está subordinado ao seu nascimento com vida, assim passa a ser admitido como pessoa.
Em conformidade com a teoria concepcionista, os alimentos gravídicos por sua vez também possuem a mesma finalidade de prover subsistência ao indivíduo desde a sua concepção, ou seja, ao nascituro.
Porquanto, se prioriza nesse contexto à vida, à saúde, entre outros princípios constitucionais do nascituro é por isso que o artigo 2º da Lei n.º 11.804/2008, prevê que os alimentos gravídicos assegurem ao menos o direito de nascer com vida e dignidade, concedendo assistências de um modo geral à gestante.
Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes (BRASIL, 2008, s/p).
Para se conseguir as prestações alimentícias gravídicas, se faz necessária propositura da ação entre a concepção e o nascimento do nascituro, com o fim de buscar uma compensação financeira do suposto pai, ressalvando a parte que lhe confere na medida de ambas as condições é o que confere Freitas (2011, p. 73) ao que diz respeito “no custo das despesas realizadas desde a concepção até o parto, entre outras decorrentes da gravidez, convertendo este benefício em pensão de alimentos com o nascimento da criança, sem que, todavia, haja declaração ou imputação de paternidade”.
3.1.2. Da responsabilidade
É sabido, pois, que no ordenamento jurídico se estabelece dois tipos de responsabilização civil, sendo subjetiva quando há perspectiva de conduta culposa e o nexo causal, ou seja, é preciso comprovar a culpa como sendo fator decisivo ao que se refere no resultado e nos danos causados, isso se estabelece no artigo 186 do Código Civil, quanto aos atos ilícitos, essa é a regra geral quando não há legislação estabelecendo a responsabilidade objetiva.
Além disso, tem-se a responsabilidade objetiva, como já explanado, se materializa analisando a conduta, independentemente de culpa, o nexo causal e o dano. Esse tipo de responsabilização se dá por meio de regulamento normativo, devendo este estar previsto em legislações, a exemplo, o dono, ou detentor, responsável pelo animal, artigo 936; ao que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido, artigo 938; abuso de direito, artigo 187, ambos do Código Civil.
Conforme não tendo vínculo de fato familiar entre a gestante e o suposto pai, um relacionamento, por vezes temporário, é considerado no rol jurídico das relações familiares. É pertinente essa apreciação, pois há de se questionar qual o juízo competente para essa demanda, em que se permeava a dúvida entre Vara Cível ou Vara de Família. E pelas características intrínsecas à família serem relevantes ao caso concreto, o juízo competente será o Juízo da Vara de Famílias, assim aponta Gagliano:
Isso porque o que se vai discutir, com frequência, pressupõe o conhecimento – diríamos mais, a vivência – das complexidades inerentes aos conflitos familiares, sensibilidade esta que, normalmente, acaba sendo desenvolvida, pela especialização, nos profissionais atuantes nas Varas de Família (GAGLIANO, 2015, p. 333).
Por ter esse teor de relações familiares, as responsabilizações decorrentes dessas relações se traduzem a comprovação do elemento psíquico na conduta no agente que por sua vez cause prejuízo a outrem, esse requisito se faz remeter à responsabilização civil subjetiva trazida pelo Código Civil vigente.
Como salienta o doutrinador Glagliano,
Nas relações de família, outrossim, segundo a perspectiva da responsabilidade civil, as situações fáticas demandarão a prova do elemento anímico, a teor da regra geral definidora do ato ilícito, constante no art. 186 do CC.
Ao menos no atual estágio do nosso Direito. Isso porque estamos diante de um novo horizonte que se descortina, extremamente sensível às flutuações da dinâmica jurisprudencial (GAGLIANO, 2015, p. 333).
Como as ações de alimentos gravídicos têm uma matéria equivalente às relações de família, entende-se que para assuntos que demandem responsabilização indenizatória, aplicar-se-á a regra geral do ordenamento jurídico no que se refere a responsabilidade civil subjetiva, impondo-se então a prova da culpa do agente causador do ato ilícito.
3.1.3 do cabimento da ação de danos morais e materiais
Diante do veto do artigo 10 da lei Lei 11.804/2008, que determinava a responsabilidade objetiva da genitora nos casos em que se tivesse a negativa de paternidade (daquele que durante a gestação tivesse sido apontado como tal) declarada por exame de DNA, resta ainda, a responsabilidade de caráter subjetivo, preconizada no artigo 186 do Código Civil Brasileiro, que é aquela que exige para a sua configuração a prova do dolo ou culpa. Cristiano Chaves de Farias ensina que:
De qualquer sorte, o acionado (o suposto genitor) poderá, após a comprovação judicial de que não é o pai, pleitear uma indenização por dano moral, somente se conseguir evidenciar que a imputação a si dirigida decorreu de má-fé, devidamente comprovada, da mãe do menor. Ou seja, trata-se, a toda lógica, de hipótese de responsabilidade subjetiva, com o ônus de prova da culpa recaindo sobre o suposto pai.
A Lei 11.804/2008 preconiza que os alimentos gravídicos serão fixados com base nos indícios de paternidade, e que estes sejam suficientes para que se estabeleça o convencimento do juízo. Declarada a obrigação de prestação de alimentos gravídicos, resta ao suposto genitor a obrigação de pagá-los.
Na lição de Diniz (2007, p. 62), esta apresenta um conceito muito sólido do que vem a ser o dano, entendido como: “O dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.”.
Diante da genitora que imputa falsamente a paternidade de um nascituro a alguém, observa-se clara violação ao princípio da boa-fé. “Considera-se violado o princípio da boa-fé sempre que o titular de um direito, ao exercê-lo, não atua com lealdade e a confiança esperáveis” (CAVALIERI, 2008, p. 161).
No caso em que a gestante, ao saber que atribui à alguém falsamente a condição de pai, esta claramente viola os postulados do princípio da boa-fé, causando danos ao falso genitor, e, assim age abusando de seu direito.
Por isso, independentemente da lei 11.804/2008 não consagrar a possibilidade de responsabilização em caráter objetivo à autora da ação de alimentos, não se quedará para esta a possibilidade de uma reparação cível pelo lado da responsabilidade subjetiva, ou seja, quando em sua conduta houver dolo ou culpa.
Nesta esteira, Douglas Phillips Freitas preceitua o seguinte:
Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai, de regra, não cabe nenhuma das duas possibilidades, primeiro, por haver natureza alimentar no instituto, segundo por ter sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais indenizações. Porém, se confirmada, posteriormente, a negativa da paternidade, não se afasta esta possibilidade em determinados casos. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil. (2009, p. 90 grifo nosso).
Insta frisar que mesmo diante do veto do artigo 10, ainda persiste o dever de indenizar o suposto “pai” com luzes nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, que preveem a regra geral da aplicação da responsabilidade subjetiva.
O julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, preceitua o seguinte:
ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de filiação declarada em sentença. Enriquecimento sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis pela manutenção do alimentário. Restituição por este não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente que os devia pode exigir a restituição do seu valor do terceiro que realmente devia fornecê-los. (SÃO PAULO, TJ, Apelação 138.499-1, Rel.: Des. Jorge Almeida).
O TJSP, reconhece através do julgado supra, o direito de repetição de indébito àquele que pagou alimentos gravídicos e não os devia. É imperioso gravar que o Tribunal crava que a pretensão deve ser demandada contra a mão ou pai biológico. Sobre isso Arnold Wald explica:
Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los (2009, p.107.)
Em mesmo sentido a 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP entende que a imputação dolosa de falsa paternidade, configura ato ilícito, bem como configura “agressão à dignidade” do imputado, e, desta forma deve o aplicador do direito resguardar os direitos de personalidade preconizados nos inc. V e X do art. 5° da Constituição Federal. Em literais palavras, fixa jurisprudência o egrégio tribunal:
A atitude da ré, sem dúvida alguma, constitui uma agressão à dignidade pessoal do autor, ofensa que constitui dano moral, que exige a compensação indenizatória pelo gravame sofrido. De fato, dano moral, como é sabido, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade, cujo conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa. Não se pode negar que a atitude da ré que difundiu, por motivos escusos, um estado de gravidez inexistente, provocou um agravo moral que requer reparação, com perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos do autor, alcançando, desta forma, os direitos da personalidade agasalhados nos inc. V e X do art. 5° da CF.( 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, apel. 272.221-112, 10.10.1996).
Silva leciona que mesmo diante existência do princípio da não devolução dos alimentos, nos casos em que houver dolo na conduta da gestante, deverá persistir o direito à reparação para o suposto genitor. Com estas palavras grava a autora:
Permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação. Note-se que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, daquele princípio pelo qual se a pensão for paga indevidamente não cabe exigir a sua devolução. (2008. s/p).
Ou seja mesmo que o legislador tenha excluído a reponsabilidade objetiva da gestante, permanece ainda a responsabilidade denominada subjetiva para efeitos de danos morais e materiais, na maneira em quem prescreve o Código Civil e seus artigos 186, 187 e 927, ficado aquele que prestou alimentos gravídicos e não os devia amparado pela seguridade da responsabilidade civil subjetiva, podendo este sim ser reparado pelos danos sofridos pelos alimentos prestados e que não os era devido a través da ação de repetição de indébito
CONCLUSÃO
O abuso de direito figura como ato ilícito, e, para ele vigora a regra geral (para os casos de abuso de direito) da reponsabilidade civil preconizada no artigo 927,do Código Civil vez que o abuso de direito configura ato ilícito.
Ao criar a lei 11.408/2008 o legislador buscou viabilizar meios para que as gestantes pudessem receber do suposto genitor alimentos, para que assim, se resguardasse a saúde e integridade do nascituro.
Com vistas à efetivação dos dispositivos contidos na lei supracitada, condena-se o suposto pai a pagar alimentos gravídicos, valendo-se o juiz de meros indícios de paternidade para formular seu convencimento.
Na hipótese da genitora, valer-se dolosamente do seu direito de ação, para conseguir liminar judicial, que conceda para ela direito de receber alimentos de outrem, atribuindo-lhe paternidade, que sabia não lhe pertencer, comete ato ilícito, por abusar do seu direito de ação.
Nas hipóteses de abuso do direito de ação na hipótese descrita anteriormente, não resta a possibilidade de se atribuir a responsabilidade objetiva pelos danos causados ao suposto genitor, por força do veto lançado sobre o artigo 10 da lei de alimentos, que era tido como inconstitucional por ferir diretamente o direito à Justiça das gestantes.
Contudo, insta frisar que a lei civil preconiza que todo aquele que por ato ilícito causara dado fica obrigado a repará-lo, e, por isto ser preceito superior na ordenação legislativa do Brasil, é que mesmo diante do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, o Direito Civil não é superado, quando, na conduta da gestante de movimentar o Poder Judiciário para pleitear alimentos, imputar dolosamente à alguém a paternidade de filho que sabia não ser seu.
Para a genitora, que agir segundo as hipóteses acima narradas, mesmo não vigorando a aplicabilidade da responsabilidade objetiva, deverá então ser aplicada a regra geral do diploma cível, que por sua vez, faz recair a responsabilidade civil de caráter subjetivo.
É imperioso gravar, que os danos causados ao suposto genitor, devem ser pleiteados através de ação de repetição de indébito, e também é perfeitamente aplicável à genitora às penalidades cabíveis àqueles que praticam litigância de má fé.
Por todo exposto, não se acha desamparado o indivíduo que sobre dano por meio do abuso do direito de ação, de gestante que imputa sobre ele, causação sabidamente falsa de paternidade, pois mesmo com o veto do artigo 10, inda resta plenamente aplicável as disposições da responsabilidade civil subjetiva.
REFERÊNCIAS
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