O artigo 931 do Código Civil de 2002 e os riscos do desenvolvimento

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Resumo analítico: O Código Civil vigente inovou em relação ao diploma civil anterior ao prever expressamente algumas hipóteses de responsabilidade civil objetiva. Dentre estas hipóteses está a do art. 931, que impõe aos empresários individuais e empresas responsabilidade pelos danos causados por seus produtos postos em circulação. Esta previsão, contudo, pode levar ao absurdo de impor uma responsabilidade civil integral às pessoas nela previstas. Além disso, tal dispositivo estaria superado pelo disposto nos arts. 12/17 do CDC, que regulou com vantagem a matéria ao exigir o defeito como elemento central para a existência desta responsabilidade e ao prever hipóteses de sua exclusão. Mas este último diploma silenciou sobre a tormentosa questão dos riscos do desenvolvimento, permitindo a afirmação, a partir dos argumentos expendidos no texto, de que não haverá exclusão de responsabilidade nesta hipótese.


Sumário: 1. Introdução – 2. Alcance do art. 931 do Código Civil e a necessidade de sua compatibilização com o disposto nos arts. 12 a 17 do CDC – 3. O conceito de defeito e as excludentes de responsabilidade do fornecedor – 4. Os riscos do desenvolvimento: conceito e soluções legislativas – 5. Os riscos do desenvolvimento: breve análise das opiniões doutrinárias – 6. Conclusão


1. Introdução[1]


O Código Civil vigente, assim como fazia o diploma revogado, conceitua o ato ilícito em sua Parte Geral[2] e, já na Parte Especial, apresenta normas relativas à Responsabilidade Civil (Título IX do Livro I), tendo, contudo, o cuidado de não restringir as hipóteses de responsabilidade à verificação de um ato ilícito. Em verdade, embora seja tema controverso[3], parece não haver razão na assertiva de que a responsabilidade civil fique restrita à configuração de um ato ilícito, podendo a própria lei, igualmente, servir de fundamento para a imposição do dever de indenizar quando a simples atividade desenvolvida pelo agente for capaz de causar danos[4]. É esta concepção que está subjacente na chamada “teoria do risco criado” e veio a ser expressamente consagrada no art. 927, parágrafo único, do diploma civil, que afirma “haver obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”[5]. Trata-se de norma de caráter amplíssimo, podendo ser considerada como verdadeira cláusula geral de responsabilidade objetiva[6] que se coloca ao lado da já reconhecida cláusula geral de responsabilidade subjetiva expressamente referida no caput do mesmo art. 927[7].


O mesmo Código passou ainda a considerar como casos de responsabilidade objetiva algumas situações dantes estudadas no quadro da responsabilidade subjetiva, ainda que se mitigasse o ônus probatório da vítima estabelecendo-se uma presunção de culpa do responsável legal. Foi o que aconteceu, por exemplo, na chamada responsabilidade civil por fato de outrem, uma vez que o art. 933 do novel diploma passa a dispor que os responsáveis legais referidos no art. 932 responderão “ainda que não haja culpa de sua parte”[8], superando a construção jurisprudencial que, de forma corajosa e contrária ao teor literal de dispositivo legal, afirmava a responsabilidade subjetiva com culpa presumida para as mesmas hipóteses[9].


Outro caso de responsabilidade civil inequivocamente objetiva no atual diploma é aquele constante do art. 931, que dispõe: “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”[10]. Este dispositivo, contudo, não tem merecido muita atenção por parte da doutrina[11], talvez pelo fato de estar tal matéria também regulada pelo Código de Defesa do Consumidor[12].


2. Alcance do art. 931 do Código Civil e a necessidade de sua compatibilização com o disposto nos artigos 12 a 17 do CDC


De início, deve ser ressaltada a falta de apuro técnico na redação do dispositivo em apreço, uma vez que, ao invés de seguir as normas do próprio Código Civil relativas ao Direito de Empresa – que fazem a distinção entre empresário e sociedade empresária – preferiu falar em empresário individual e empresas. Confundiu, destarte, a atividade exercida com a pessoa daquele que a exerce[13].


Superada esta questão terminológica[14], convém ressaltar uma outra, que se pode ter como de cunho histórico. Em verdade, cabe recordar que o Código Civil de 1916 não continha dispositivo expresso a tratar da responsabilidade pelos danos decorrentes da utilização de produtos. Desta forma, alguma proteção era alcançada por meio da aplicação da garantia contra os vícios redibitórios ou por meio da aplicação da chamada “teoria da guarda”, originária da jurisprudência francesa. Tinha-se, assim, a conservação da summa divisio responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, sendo que os dois fundamentos apresentavam-se falhos na tutela da vítima dos danos causados por produtos[15].


Neste sentido é que se entendia necessária a afirmação da responsabilidade civil objetiva do fabricante em relação a tais danos[16]. E isto foi feito justamente pelo artigo em apreço, que se, todavia, for literalmente interpretado, termina por estender demasiadamente esta responsabilidade, uma vez que a mesma será deflagrada pela simples ocorrência do dano. Somando-se a isso o fato de o Código Civil prever pouquíssimas excludentes de responsabilidade[17] teremos praticamente uma hipótese de responsabilidade integral, em que o fabricante – ou, nos termos da lei, o “empresário individual e as empresas” – será responsabilizado pelo simples fato de que o seu produto causou um dano[18].


Desta forma, entendemos ser um requisito necessário para a deflagração desta responsabilidade a existência de defeito no produto. E este será estudado segundo os mesmos moldes constantes do Código de Defesa do Consumidor, que trará ainda as possíveis excludentes de responsabilidade[19]. Prosseguindo nosso entendimento, acreditamos que, tal como previsto no diploma consumerista, o comerciante só poderá ser responsabilizado em hipóteses específicas, pois o “verdadeiro introdutor da coisa perigosa no mercado é o fabricante e não o distribuidor”[20].


Tenha-se ainda em mente que, por força do art. 17 do CDC, são considerados consumidores equiparados todas as vítimas do evento danoso[21]. Tal dispositivo importa em uma ampliação extraordinária do rol dos legitimados ativos para a ação de reparação, abrangendo os terceiros não adquirentes ou utentes do produto – os chamados bystanders (espectadores) do direito norte-americano – ou mesmo o comerciante que venha a sofrer danos pela estocagem de produto defeituoso[22].


Mas entendemos que estão afastados os danos causados às pessoas jurídicas vinculadas à circulação do produto – como pode ocorrer com o transportador ou o armazenador – que ficam regidas pelo disposto no art. 931 do Código Civil. Esta norma será igualmente aplicada caso a pessoa jurídica não possa ser enquadrada no conceito de consumidor previsto pelo art. 2° do CDC, isto é, quando não receba o qualificativo de destinatária final do produto uma vez que este se apresenta como insumo de sua própria produção[23]. Pode-se então afirmar que, com a recodificação operada em 2002, a garantia contra os vícios redibitórios (arts. 441/446) terá lugar quando uma pessoa jurídica que não possa ser considerada consumidora adquirir de outra determinado produto que seja imprestável aos seus fins ou que apresente determinado vício que lhe diminua o valor. Se, no entanto, ocorrer uma repercussão externa deste mesmo vício, com a danificação de outros produtos ou bens da pessoa jurídica – o que caracteriza, como veremos, o defeito do produto – terá aplicação o disposto no art. 931 do diploma civil.


Observe-se, por fim, que, nesta última hipótese, os regimes são bem semelhantes, mas representa uma demasia entender a palavra vítima, referida pelo CDC, de forma tão ampla, como se pudesse ser aplicada a uma relação interprivada estabelecida entre duas pessoas jurídicas na qual nenhuma delas possa sequer ser considerada consumidora potencial do produto. Acreditamos ainda que esta interpretação é a que melhor atende aos ditames constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1°, III) e da isonomia (art. 5°, caput), que manda que se trate desigualmente os desiguais.


Seguindo este entendimento, subscrevemos o afirmado no Enunciado 42, elaborado pela comissão de juristas encarregada do tema da responsabilidade civil quando da realização da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, que assim dispõe: “O art. 931 amplia o conceito de fato do produto existente no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, imputando responsabilidade civil à empresa e aos empresários individuais vinculados à circulação do produto”[24].


E por entendermos que o defeito do produto é um requisito indispensável para a configuração da responsabilidade do fornecedor também perante a norma da codificação civil, mostra-se fundamental o estudo de tal instituto e também das possíveis excludentes desta mesma responsabilidade que, como dito, serão aquelas já contempladas pelo CDC.


3. O conceito de defeito e as excludentes de responsabilidade do fornecedor


Encontrando inspiração na Diretiva européia 85/374/CEE[25], o Código de Defesa do Consumidor brasileiro exigiu expressamente a existência de um defeito no produto para que seja deflagrada a responsabilidade civil do fornecedor[26]. Deste teor é o disposto no artigo 12, verbis: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.


O próprio CDC, no § 1° do art. 12, apresenta o conceito de produto defeituoso como aquele que “não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I- sua apresentação; II- o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III- a época em que foi colocado em circulação”. Bem se vê que o dispositivo traz um rol exemplificativo de circunstâncias que devem ser apreciadas pelo julgador para a aferição do caráter defeituoso do produto. Além disso, pode ser afirmado que o conceito de defeito está referido às expectativas de segurança da coletividade de consumidores[27], comportando certa indeterminação[28].


Em verdade, o CDC não poderia ter adotado a atitude ilusória de obrigar que os produtos sejam integralmente seguros, tendo, corretamente, afirmado que só não poderão ser introduzidos no mercado os produtos que acarretem riscos à saúde ou segurança dos consumidores além daqueles considerados normais e previsíveis[29]. E é justamente a anormalidade do risco em relação a determinado tipo de produto ou sua imprevisibilidade para o consumidor, a que se alia a capacidade de provocar acidente de consumo, que caracterizará o defeito. Este, segundo sua origem, pode ser de três espécies: defeitos de concepção, defeitos de fabricação e defeitos de comercialização ou de informação[30].


Os primeiros são referidos pelo art. 12, caput, como defeitos decorrentes de projeto ou fórmula e têm como características a inevitabilidade, uma vez que a ciência é incapaz de evitá-los, a dificuldade de previsão estatística, o que dificulta a contratação de seguro, e a manifestação universal, pois atingem toda a série produzida e não somente alguns produtos[31].


Os defeitos de informação foram previstos pela lei brasileira como defeitos decorrentes da apresentação do produto ou de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Tais defeitos caracterizam-se por serem exteriores ao produto, mas, da mesma maneira que os defeitos de concepção, terminam por atingir todos os produtos da série produzida, representando, em verdade, a violação do dever de informar aos consumidores a maneira correta de utilização do produto ou os riscos conexos a esta utilização[32].


Os defeitos de fabricação, por sua vez, estão referidos no mesmo dispositivo como defeitos resultantes da fabricação, construção, montagem, manipulação ou acondicionamento dos produtos. Estes defeitos particularizam-se pelo fato de serem inevitáveis, uma vez que a ciência é incapaz de eliminá-los por inteiro, de terem uma manifestação limitada, uma vez que não atingem todos os produtos da série e de permitirem, em conseqüência, a previsibilidade estatística, o que facilita, sobremaneira, a contratação de seguro de responsabilidade civil[33].


Observe-se, contudo, que nosso direito estabelece uma presunção relativa de defeito no produto, uma vez verificado o dano[34], no que se apresenta, aliás, como norma mais avançada do que a própria Diretiva 85/374/CEE, que, como dito, lhe serviu de inspiração[35]. Além disso, por se tratar de hipótese de responsabilidade objetiva em qualquer dos tipos de defeito, só resta ao consumidor o ônus de provar o dano sofrido e o nexo causal entre este e o defeito do produto. Possível será, entretanto, a inversão do ônus de provar o nexo causal quando o consumidor for hipossuficiente ou for verossímil sua alegação (CDC, art. 6°, VIII)[36].


Mas é igualmente certo que o CDC temperou os riscos assumidos pelo fornecedor, não imputando a este uma responsabilidade objetiva integral, prevendo, ao contrário, excludentes expressas em seu favor. Neste sentido deve ser visto o art. 12, § 3°, que dispõe que “o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I- que não colocou o produto no mercado; II- que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.


Tais excludentes, como se depreende do próprio dispositivo, devem ser demonstradas pelos fornecedores referidos e estão, em síntese, ligadas à inexistência do pressuposto lógico e ontológico da responsabilidade pelo fato do produto, qual seja, o defeito[37], à inexistência de nexo causal entre este e o dano sofrido pelo consumidor[38] ou ao fato de a introdução do produto no mercado não ter decorrido da atuação voluntária do fornecedor[39].


Além destas excludentes expressas, a doutrina tem vislumbrado outras hipóteses em que o fornecedor poderá se exonerar de responsabilidade. Neste sentido recorda-se, em primeiro lugar, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, sendo possível distinguir entre fortuito interno, aquele ocorrido até a introdução do produto no mercado, e fortuito externo, ocorrido posteriormente a esta introdução. No primeiro caso, pode o fornecedor vir a responder, pois não há rompimento de nexo causal entre o defeito do produto e o dano por ele produzido, estando ainda o fornecedor obrigado a garantir a segurança de seus produtos; na segunda hipótese, ao contrário, o fortuito tem o condão de romper o nexo causal, uma vez que o fato é inteiramente estranho à atividade desenvolvida pelo fornecedor, não havendo possibilidade de responsabilizá-lo[40].


Outra excludente reconhecida por parte da doutrina e objeto de acesa polêmica é aquela fundada nos chamados riscos do desenvolvimento, como passamos a estudar a seguir.


4.  Os riscos do desenvolvimento: conceito e soluções legislativas


Podemos definir riscos do desenvolvimento como aqueles riscos não cognoscíveis pelo mais avançado estado da ciência e da técnica no momento da introdução do produto no mercado de consumo e que só vêm a ser descobertos após um período de uso do produto, em decorrência do avanço dos estudos científicos[41].


Já são conhecidos numerosos e tristes casos de danos provocados por produtos tidos por seguros no momento em que foram introduzidos no mercado de consumo, cujos riscos só foram descobertos após longos anos, por força do avanço científico e tecnológico. Citam-se como exemplos os cigarros, que hoje comprovadamente podem acarretar o câncer de pulmão[42], o anti-colesterol MER-29, que acarretou a cegueira em algumas pessoas que dele fizeram uso[43], o talco Morhange, que provocou a morte de algumas crianças na França[44] e, talvez o caso mais famoso, o Contergan-Talidomida que, ingerido por mulheres grávidas, acarretou o nascimento de crianças fisicamente deformadas[45]. A esses casos já históricos podem somar-se outros ainda discutidos do ponto de vista científico, como o remédio Lipobay[46], o medicamento Propulsid[47], o tratamento de reposição hormonal para mulheres[48] e o consumo de organismos geneticamente modificados (OGMs)[49]. Estes exemplos levam-nos a crer que outras hipóteses não tardarão a surgir[50].


Mas a verdade é que a lembrança, por um lado, dos trágicos acontecimentos relacionados ao consumo destes produtos e a necessidade de resguardar o avanço científico, por outro, foram fatores que certamente levaram à divisão dos representantes dos diversos países da Comunidade Européia quando da elaboração da Diretiva 85/374/CEE[51]. Em conseqüência, pode-se dizer que este diploma comunitário adotou uma “solução de compromisso”[52], pois, ao mesmo tempo em que afirma a exclusão da responsabilidade do fornecedor na hipótese de riscos do desenvolvimento (art. 7°, “e”)[53], admite a possibilidade de os Estados derrogarem a excludente[54].


Saliente-se, porém, que as leis nacionais dos países europeus[55] têm se encaminhado no sentido da exclusão da responsabilidade. São exemplos as leis nacionais do Reino Unido, Portugal, Itália, Irlanda, Grécia, Holanda, Áustria, Dinamarca, Suécia e Bélgica[56]. Luxemburgo e Finlândia, ao contrário, responsabilizam o fornecedor de qualquer tipo de produto na mesma hipótese de riscos do desenvolvimento. Mas são igualmente conhecidas legislações que adotam uma postura intermediária, isto é, só responsabilizam os fornecedores de determinados produtos, exonerando os demais. Como primeiro exemplo deste último caso pode ser vista a Alemanha, que somente responsabiliza o fornecedor de medicamentos, por ter mantido em vigor uma lei especial de 1976, que trata da responsabilidade farmacêutica[57]. A Espanha, por sua vez, responsabiliza o fornecedor de medicamentos e também o fornecedor de gêneros alimentícios e produtos alimentares destinados ao consumo humano[58]. Tendo sido o último país a transpor a Diretiva 85/374/CEE para seu direito nacional, a França prevê, como regra, a defesa fundada nos riscos do desenvolvimento, mas ressalva a responsabilidade pelos danos causados por um elemento do corpo humano ou por produtos dele saídos ou ainda quando o defeito tenha sido revelado no prazo de dez anos contados da entrada em circulação do produto e o fornecedor não tenha tomado qualquer medida para prevenir suas conseqüências danosas[59].


Cabe ainda recordar que a Diretiva 85/374/CEE permitiu a manutenção dos direitos nacionais anteriores à sua adoção pelos Estados-Membros[60] e ainda estabeleceu um prazo de dez anos que, uma vez transcorrido, extinguirá a possibilidade de responsabilização civil do fornecedor, salvo se já intentada ação de reparação pelo consumidor[61]. Este último prazo certamente não é do agrado dos consumidores e pode tornar ilusória a responsabilidade do fornecedor mesmo nos países que derrogaram a excludente fundada nos riscos do desenvolvimento[62]. Tal prazo, contudo, foi mantido por todos os Estados-membros e se caracteriza por ser um prazo fatal, contado da introdução do produto no mercado de consumo[63].


Esta breve incursão pela legislação européia demonstra claramente que a questão da responsabilidade pelos riscos do desenvolvimento permanece como de difícil enquadramento, embora se possa dizer que, no plano legislativo, é predominante a exclusão desta responsabilidade. Em sentido oposto, contudo, parece se posicionar a doutrina.


5. Os riscos do desenvolvimento: breve análise das opiniões doutrinárias


Sobre o problema de que nos ocupamos podemos verificar a ocorrência de duas posições doutrinárias principais: uma sustentando que presentes estão todos os pressupostos da responsabilidade civil do fornecedor (defeito, dano e nexo causal) – sendo a responsabilidade, ou sua ausência, uma decisão legislativa – e outra que entende inexistente um dos pressupostos desta responsabilidade, qual seja, o defeito.


Partindo mais uma vez da Diretiva 85/374/CEE, observamos que esta expressamente faz referência à existência de um defeito que, entretanto, não era possível ser descoberto pelo estado dos conhecimentos técnicos e científicos contemporâneo à introdução do produto no mercado de consumo. Em seguida, surge a necessidade de se compatibilizar a excludente com a responsabilidade objetiva imposta ao fornecedor. Para esta compatibilização devemos considerar dois requisitos: a) o primeiro, que podemos chamar de “requisito temporal”, diz respeito ao momento que deve ser considerado para a análise do estado dos conhecimentos técnicos e científicos; b) o segundo, que nós podemos chamar de “requisito técnico”, diz respeito ao critério para a avaliação do estado da ciência e da técnica.


Com relação ao primeiro requisito a resposta não pode ser diversa daquele momento da introdução do produto no mercado. De fato, este é reputado circunstância relevante tanto pela Diretiva européia (art. 6°, 1, “c”) quanto pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 12, § 1°, III) para que se analise o caráter defeituoso do produto. Não se considera, portanto, na apreciação do conhecimento técnico e científico disponível, o momento da concepção do produto ou aquele da verificação do dano, sendo esta circunstância especialmente relevante aqui, pois a ciência está em constante evolução e é justamente esta evolução que permite detectar os possíveis riscos do produto. Se assim não fosse, “teríamos uma aplicação retroativa do padrão ou de medida de responsabilidade, pois à luz do novo conhecimento e tecnologia responsabilizar-se-ia o fabricante por um defeito existente mas indetectável no estado da ciência e da técnica em momento anterior, o momento da distribuição do produto”[64] (grifos no original).


O segundo requisito a ser analisado é, como dito, o critério empregado na avaliação dos conhecimentos científicos e técnicos disponíveis. Por força da consagração da responsabilidade civil objetiva do fornecedor certo é que não se deve indagar de sua culpa no conhecimento dos riscos do produto. Quer isto dizer que o fornecedor só poderá se exonerar de responsabilidade se conseguir provar a impossibilidade objetiva da ciência descobrir, no momento da introdução do produto no mercado, os riscos que o cercam[65]. Para que a excludente possa ser aplicada não se deve considerar, portanto, um fornecedor específico nem os padrões rotineiramente praticados na indústria, e sim o mais avançado estado da ciência e da técnica, incluindo-se, na avaliação deste, as opiniões minoritárias disponíveis e razoáveis[66]. Assim, pode-se dizer que o padrão adotado para a aferição dos conhecimentos técnicos e científicos é o de um produtor ideal, aquele que observa o mais avançado estado da ciência e da técnica, e não um produtor médio ou normal do ramo de especialidade[67].


Para esta doutrina, o produto é objetivamente defeituoso desde sua entrada em circulação, mas o estado dos conhecimentos científicos e técnicos então vigente não possibilitava a descoberta do defeito. Este seria semelhante ao já estudado defeito de concepção, uma vez que atinge todos os produtos da série e é intrínseco a estes mesmos produtos. A diferença seria que o mais avançado estado da ciência e da técnica no momento da introdução do produto no mercado já teria condições de descobrir o defeito de concepção, mas não lograria detectar os “defeitos do desenvolvimento”[68].


Outra ilustre doutrina, porém, afirma a inexistência de defeito na hipótese de riscos do desenvolvimento, o que acarretaria a exclusão de responsabilidade do fornecedor por faltar seu pressuposto lógico e ontológico. Em verdade, para esta doutrina, “o conceito de defeito é essencialmente relativo, antepondo duas noções, em determinado contexto histórico: segurança e expectativa dos consumidores. Assim, no risco de desenvolvimento, não existe defeito, por inexistir uma reversão de expectativa em face dos conhecimentos atuais. Não se pode esperar algo que se desconhece. Há sim, neste caso, periculosidade ou nocividade, objetivamente consideradas, embora desconhecidas pela ciência no momento do oferecimento do produto ou serviço”[69].


Pelo que tivemos oportunidade de mostrar até aqui, bem se vê que a questão da responsabilidade, ou sua exclusão, na hipótese de riscos do desenvolvimento, permanece como uma das mais controversas de nosso tempo, assumindo “foros de aporia”[70]. De fato, os argumentos para uma ou outra postura doutrinária parecem igualmente convincentes e razoáveis, mas é igualmente sentida a falta de um estudo mais específico sobre o assunto[71].


De nossa parte, acreditamos ser possível a afirmação da responsabilidade do fornecedor na hipótese de riscos do desenvolvimento. Neste sentido, observamos, em primeiro lugar, que o Código de Defesa do Consumidor consagrou uma responsabilidade civil objetiva, da qual fica completamente afastada a questão da culpa do fornecedor pelos danos causados por seus produtos que venham a ser considerados defeituosos. Desta forma, desnecessária a referência a um produtor ideal – que acompanha o mais avançado estado da ciência e da técnica – que parece, no fundo, absorver valores muito caros à responsabilidade subjetiva, para a qual deve ser analisada a conduta diligente do responsável. Ademais, a referência à impossibilidade objetiva da ciência descobrir os riscos do produto pode simplesmente tornar impraticável a excludente[72].


A questão central, tratando-se de responsabilidade objetiva, passa a ser a demonstração do caráter defeituoso do produto, pois os demais elementos (dano e nexo causal) indubitavelmente podem ser verificados. Em nosso entendimento, nada obstante o indiscutível valor e acuidade dos argumentos da posição oposta, o produto deve ser considerado defeituoso na hipótese de riscos do desenvolvimento. E isto porque é impossível negar que a sociedade de consumo é surpreendida quando, algum tempo após a utilização de determinado produto, são verificados danos diretamente decorrentes desta mesma utilização. Assim é que o dano, ainda que verificado posteriormente, representará a violação de uma expectativa de segurança que existia desde o momento da introdução do produto no mercado de consumo, lembrando-se ser esta uma circunstância relevante para a determinação do caráter defeituoso do produto (art. 12, § 1°, III do CDC). De fato, ao adquirir os produtos, os consumidores têm a legítima expectativa que os mesmos, se utilizados corretamente, não lhes acarretarão danos[73]. Desta forma, os riscos desconhecidos pela ciência são, com maior razão, desconhecidos pelo consumidor, mas a proteção de sua pessoa, de sua integridade psicofísica, deve prevalecer sobre a proteção econômica dispensada aos fornecedores[74]. A referência, contudo, ao tipo de defeito assume caráter secundário, uma vez que o nosso direito adota a sua presunção relativa, uma vez verificado o dano e prevê, para todas as hipóteses, a mesma responsabilidade objetiva.


Entretanto, não se pode levar esta responsabilização ao extremo da perpetuidade, o que poderia onerar em demasia o fornecedor e dificultar a celebração, por parte deste, de seguros de responsabilidade civil[75]. Apresenta-se, em conseqüência, como razoável a limitação temporal desta responsabilidade, podendo ser aplicado o prazo máximo previsto em nosso direito, qual seja, o prazo de dez anos constante do art. 205 do Código Civil[76]. Este prazo, contudo, será contado de forma semelhante ao disposto no art. 11 da Diretiva 85/374/CEE, isto é, o dies a quo é aquele da introdução no mercado de consumo do produto mesmo que causou o dano. Observe-se ainda que este prazo não se interrompe nem se suspende, mas a ação de indenização do consumidor é capaz de impedir a sua consumação. Ao lado desse prazo de extinção da responsabilidade do fornecedor permanece plenamente válido o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 27 do CDC, uma vez que este é contado somente a partir do conhecimento do dano e de sua autoria[77]. Bem se vê que a solução aqui proposta não representa verdadeira inovação, mas segue, em linhas gerais, os sistemas legais de Espanha e Alemanha – embora estes países limitem os produtos cujos fornecedores possam vir a ser responsabilizados – e, de forma ainda mais próxima, Luxemburgo e Finlândia.


Temos consciência, igualmente, que melhor será a previsão expressa desta hipótese de responsabilidade pelo CDC, a fim de que não mais permaneçam dúvidas sobre sua ocorrência no Brasil[78]. Neste sentido propomos a inclusão de dois novos dispositivos no CDC – na Seção referente à responsabilidade pelo fato do produto e do serviço – podendo o primeiro ter a seguinte redação: A responsabilidade do fornecedor prevista nesta Seção não fica afastada quando o estado dos conhecimentos científicos e tecnológicos no momento da introdução do produto no mercado ou da prestação do serviço não permitia detectar o defeito dos mesmos. O dispositivo seguinte estabeleceria que: Esta responsabilidade não prevalecerá se já tiver decorrido o prazo de dez anos da colocação do produto no mercado ou da prestação do serviço, salvo ação judicial intentada pela vítima.


6. Conclusão


Podemos concluir estas reflexões afirmando a necessidade de compatibilizar o disposto no art. 931 do Código Civil com a sistemática implementada em nosso país pela Lei 8.078/90, o chamado Código de Defesa do Consumidor. Em verdade, a interpretação literal da norma constante do diploma civil poderia levar ao absurdo de impor uma responsabilidade civil integral ao fornecedor de produtos, uma vez que este diploma prescinde do caráter defeituoso e contempla pouquíssimas hipóteses de exclusão de responsabilidade. Neste sentido, defendemos serem aplicáveis, também ao disposto no diploma civil, o instituto do defeito – como elemento deflagrador da responsabilidade civil por danos causados por produtos – e as excludentes de responsabilidade contempladas pelo diploma consumerista.


Dentre estas hipóteses de exclusão de responsabilidade entendemos que não se inclui aquela fundada nos chamados riscos do desenvolvimento[79]. Mas, para que possa ser afastada a controvérsia doutrinária acerca de tal tema, defendemos a atuação legislativa, que consagrará os riscos que serão efetivamente suportados pelos diversos partícipes da contemporânea sociedade de consumo.


 


Notas:

[1] Este texto representa o aprofundamento de idéias que defendemos no livro A Responsabilidade Civil do Fornecedor de Produtos pelos Riscos do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Renovar, 2004.

[2] Dispõe o art. 186 do Código Civil de 2002: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Com exceção da referência expressa ao dano moral, a norma praticamente repete o disposto no art. 159 do Código Civil de 1916, verbis: “Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553”.

[3] Como exemplos de duas posições doutrinárias distintas podemos observar os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho e de José de Oliveira Ascensão. O primeiro autor (Programa de Responsabilidade Civil, 4ª edição, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 33) entende ser possível falar-se em ato ilícito em sentido amplo e ato ilícito em sentido estrito. Afirma que, em sentido amplo, o “ato ilícito indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico”. E remata dizendo que “em sede de responsabilidade civil objetiva, cujo campo de incidência é hoje vastíssimo, só tem guarida o ato ilícito lato sensu, assim entendido como mera contrariedade entre a conduta e a ordem jurídica decorrente de violação de dever jurídico preexistente”. Para Oliveira Ascensão (“Ilícito pessoal e responsabilidade civil”, in Revista Forense, número 284, Rio de Janeiro, Forense, out./dez. de 1983, pp. 17/18), no entanto, embora tal concepção tenha o mérito de unificar “todas as figuras relevantes, permitindo configurar a responsabilidade como a reação a um dano ilícito”, é igualmente certo que “não se pode admitir que no próprio direito civil haja duas concepções de ilícito, uma ligada à ação e outra ao evento. Concluímos assim que o ilícito, em toda a ordem jurídica, qualifica a ação, e não o evento” (grifos no original).

[4] Neste sentido pode ser recordado Gustavo Tepedino (“A Evolução da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro e suas Controvérsias na Atividade Estatal”, in Temas de Direito Civil, 3ª edição, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 193), que afirma: “O Código Civil Brasileiro de 1916, através do art. 159, consagrou a responsabilidade subjetiva como regra geral no sistema privado brasileiro, a reclamar reparação contra todos os atos culposos que causem dano injusto. Pouco a pouco, contudo, percebeu-se a insuficiência da técnica subjetivista, também chamada aquiliana, para atender a todas as hipóteses em que os danos deveriam ser reparados. Procedeu-se, primeiramente, por obra da jurisprudência, a uma expansão da responsabilidade subjetiva para hipóteses em que se presumia a culpa do agente. Em etapa sucessiva, veio o legislador a regular, mediante expressa previsão legislativa, hipóteses em que a reparação se impõe independentemente da conduta culposa do responsável, associando a reparação não já a seu comportamento mas ao risco provocado pela atividade da qual resultou o dano”.

Também afirmando a ligação entre ato ilícito e culpa é a posição da professora Maria Celina Bodin de Moraes (Danos à Pessoa Humana – uma leitura civil-constitucional dos danos morais, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 212), segundo a qual “a noção normativa de culpa, como inobservância de uma norma objetiva de conduta, praticamente substituiu a noção psicológica, com vista a permitir que se apure o grau de reprovação social representado pelo comportamento concreto do ofensor, isto é, a correspondência, ou não, do fato a um padrão (standard) objetivo de adequação, sem que se dê relevância à sua boa ou má intenção. Neste sentido, a culpa continua a desempenhar um papel central na teoria do ilícito: a figura do ilícito permanece ancorada no fato “culposo”, o qual, porém, foi redefinido, através dessa concepção da culpa, como sendo um fato avaliado negativamente em relação a parâmetros objetivos de diligência. A culpa passou a representar a violação (rectius, o descumprimento) de um standard de conduta” (grifamos).

Para uma interessante perspectiva histórica sobre a evolução do fundamento da responsabilidade civil é recomendável a leitura de Louis Josserand, “Evolução da Responsabilidade Civil”, in Revista Forense, número 86, Rio de Janeiro, Forense, abr./jun. de 1941, pp. 52/63.

[5] A afirmação de que o Código Civil de 2002 teria acolhido a chamada “teoria do risco criado” pode ser encontrada em Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 9ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 284, segundo o qual “das modalidades de risco, eu me inclino pela subespécie que deu origem à teoria do risco criado. Como já mencionei (Capítulo XVIII, supra), ao elaborar o Projeto de Código de Obrigações de 1965, defini-me por ela, no que fui seguido pelo Projeto de Código Civil de 1975 (Projeto 634-B). Depois de haver o art. 929 deste Projeto [atual art. 927] enunciado o dever ressarcitório fundado no conceito subjetivo, seu parágrafo único esposa a doutrina do risco criado, a dizer que, independentemente de culpa, e dos casos especificados em lei, haverá obrigação de reparar o dano, ‘quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem’”.

[6] Bem se vê que a norma em apreço poderia constituir um artigo autônomo, pois não se destina simplesmente a esclarecer ou excepcionar o caput, mas a apresentar um segundo fundamento para a responsabilidade civil (no mesmo sentido pode ser visto Sérgio Cavalieri Filho, “Responsabilidade Civil no Novo Código Civil”, in Revista de Direito do Consumidor, número 48, São Paulo, Revista dos Tribunais, out./dez. de 2003, p. 76). Pode-se igualmente dizer que corrobora nosso entendimento de que a responsabilidade civil pode ter distintos fundamentos, não se circunscrevendo à reparação de um ilícito.

Observe-se ainda que a doutrina tem buscado restringir o alcance do dispositivo. Neste sentido, pode ser visto o mesmo Sérgio Cavalieri Filho (“Responsabilidade Civil no Novo Código Civil”, cit., pp. 79/80), segundo o qual, a palavra “atividade” pode ser tomada como serviço (nos moldes do art. 3°, § 2° do CDC), sendo exigida, outrossim, a demonstração do caráter defeituoso deste serviço. Para o Autor, portanto, deve ser visualizada no parágrafo único do art. 927 “a mesma disciplina jurídica do art. 14 do CDC. Quem exercer atividade normalmente perigosa – entenda-se, atividade habitual, reiterada, profissional – responderá objetivamente se o fizer com defeito, considerada como tal a atividade exercida sem a segurança legalmente exigida, sem a segurança legalmente esperada”.

É conhecido, entretanto, um julgado do TJRJ (Ap. Cív. 2003.001.25550, 14ª Câmara Cível, julg. 09.12.2003, Rel. Des. Maria Henriqueta) que afirma a acolhida, mesmo pelo CDC, da “Teoria do Risco do Empreendimento”, tal como se lê na ementa: “Responsabilidade Civil. Acidente de consumo. Fato do serviço. Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Autora teve seu nome e os números de seus documentos utilizados para aquisição de um veículo através de financiamento, sem jamais ter praticado tais atos. Ausência de conferência da assinatura e documentos apresentados por terceiro, no momento de contratar. Dever de reparação do dano moral. Pela teoria do risco do empreendimento todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. Na fixação do dano moral deve o juiz atentar para o princípio da lógica do razoável. A quantia arbitrada deve ser compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano e as condições sociais do ofendido. Desprovimento de ambos os recursos” (julgado obtido no site www.tj.rj.gov.br em 04.08.2004).

Nosso entendimento, contudo, é que, tal como faz em relação à responsabilidade pelo fato do produto, também para o fato do serviço o CDC exige a verificação de um defeito, não bastando a simples ocorrência de um dano como conseqüência da realização de uma atividade.

[7] Dispõe o art. 927, caput: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

A existência das duas cláusulas gerais de responsabilidade civil é confirmada por Gustavo Tepedino (“Evolução da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro e suas Controvérsias na Atividade Estatal”, cit., p. 195) da seguinte forma: “A orientação foi absorvida pelo Código Civil Brasileiro de 2002, que, além de prever novas hipóteses específicas de responsabilidade objetiva, instituiu, no parágrafo único do seu artigo 927, uma cláusula geral de responsabilidade objetiva para atividades de risco. Consolida-se, assim, o modelo dualista que já se delineava no sistema anterior, convivendo lado a lado a norma geral de responsabilidade civil subjetiva, do atual art. 186, que tem como fonte o ato ilícito, e as normas reguladoras da responsabilidade objetiva para determinadas atividades, informadas por fonte legislativa e agora também pela cláusula geral contida na nova codificação civil”.

[8] Reza o art. 932: “São também responsáveis pela reparação civil: I- os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II- o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV- os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V- os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”. Afirma, por sua vez, o art. 933: “As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

[9] A necessidade da vítima provar a culpa também do responsável legal era estabelecida pelo art. 1.523 do Código Civil revogado, verbis: “Art. 1.523. Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte”. Observe-se que o art. 1.521 tinha o mesmo conteúdo do vigente art. 932, que só lhe atualizou a redação.

A culpa presumida do responsável legal, foi consolidada na súmula 341 da jurisprudência do STF, que afirma: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”. Esta presunção, em verdade, foi estendida a todas as hipóteses de responsabilidade por fato de outrem, como se vê, por exemplo, em julgado do STJ (REsp. 69437/SP, 4ª Turma, julg. 06.10.1998, publ. DJ 14.12.1998, Rel. Min. Barros Monteiro), cuja ementa é a seguinte: “Responsabilidade civil. Hóspede de hotel que lesiona o gerente. Culpa presumida do dono do estabelecimento. Art. 1.521, IV do CC. Inexistência de dissídio com a Súmula 229/STF. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, a partir da edição da Lei 6.367/76, não mais prevalece o enunciado da Súmula 229/STF, bastando a culpa leve do empregador para embasar a sua responsabilidade. 2. A lei presume a culpabilidade do hoteleiro por ato do seu hóspede. Cabe ao estabelecimento tomar todas as medidas de segurança e precaução, por cuja falta ou falha é responsável. 3. Em sede de recurso especial não se reexamina matéria probatória (Súmula 07/STJ). 4. “Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime” (Súmula 186/STJ). Recurso especial conhecido, em parte, e provido” (decisão obtida no site www.stj.gov.br em 04.08.2004).

Em uma perspectiva histórica, vale recordar a crítica de Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, vol. V, 10ª edição atualizada por Achilles Beviláqua, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1957, p. 233), que, em comentário ao art. 1.523, asseverou: “A responsabilidade dos pais, tutores, curadores, patrões, amos, comitentes, donos de hotéis e estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, assim como a das pessoas jurídicas, no caso previsto no art. 1.522, é indireta. Por isso o Código somente a torna efetiva, quando se lhes puder imputar culpa, isto é, quando essas pessoas não empregaram a diligência necessária, nem tomaram as precauções para que o dano não se desse. Esta prova devera incumbir aos responsáveis, por isso há contra eles presunção legal de culpa; mas o Código, modificando a redação dos Projetos, impôs o ônus da prova ao prejudicado. Essa inversão dos princípios é devida à redação do Senado (emenda n. 1.483). A doutrina do Código é a seguinte: a responsabilidade das pessoas referidas nos arts. 1.521, ns. I-IV, e 1.522, funda-se na culpa; esta, porém, deve ser objetivamente provada”.

[10] Recorde-se, por oportuno, que o dispositivo pode ser modificado caso venha a ser aprovado o Projeto de Lei 6.960/02, de autoria do Dep. Ricardo Fiúza. O dispositivo passaria a ter a seguinte redação: “Art. 931. Ressalvados outros casos previsto em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação ou pelos serviços prestados” (grifamos). A reforma, contudo, recebeu parecer contrário do Relator (Dep. Vicente Arruda) que em seu parecer afirma: “A responsabilidade pelos serviços prestados que ora se pretende inserir já está contida no art. 927 do Código, que impõe a obrigação de reparar o dano ilícito. O produto, pela sua entrada em circulação, já acarreta a responsabilidade do produtor. A do serviço implica em falha na prestação, ou seja, quebra de prestação contratual. Pela rejeição”.

[11] Evitam tecer qualquer comentário específico ao dispositivo, entre outros autores, Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil – Responsabilidade Civil, vol. IV, 3ª edição, São Paulo, Atlas, 2003) e também Álvaro Villaça Azevedo e Sílvio de Salvo Venosa (Código Civil Anotado e Legislação Complementar, São Paulo, Atlas, 2004). Também guardam silêncio Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito CivilResponsabilidade Civil, vol. III, São Paulo, Saraiva, 2003.

[12] Pelo fato de nossa análise ter por supedâneo o disposto no art. 931 do Código Civil, analisaremos doravante as normas do CDC relativas ao fato do produto (arts. 12, 13 e 17). Certo é, entretanto, que os requisitos para a responsabilidade e suas excludentes são aplicáveis, mutatis mutandis, ao fato do serviço (art. 14), feita a única exceção à responsabilidade pessoal do profissional liberal, uma vez que esta permanece fundada na culpa (art. 14, § 4° do CDC).

[13] Veja-se, neste sentido, o disposto no art. 982 do Código Civil, que reza: “Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais”. Observe-se ainda que o conceito de empresa vem expresso no art. 966 do mesmo diploma legal, verbis: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.

[14] Recorda Luiz Gastão Paes de Barros Leães (A Responsabilidade do Fabricante pelo Fato do Produto, São Paulo, Saraiva, 1987, pp. 153/154) as diversas redações que recebeu o dispositivo até que se alcançasse a versão final que foi promulgada e afirma que “a redação desse artigo é, para dizer o mínimo, curiosa. Regra geral, a responsabilidade do fabricante pelos danos causados por produtos postos em circulação é de natureza objetiva, mas, através de lei especial, o legislador ordinário poderá excepcionar determinadas atividades. Há de se convir que a situação acolhida pelo projeto é exótica, sem falar na impropriedade técnica do binômio ‘empresários individuais-empresa’”. Este aspecto foi também ressaltado por Anderson Schreiber (“Arbitramento do Dano Moral no Novo Código Civil”, in Direito, Estado e Sociedade, número 20, Rio de Janeiro, PUC-Rio, jan./jul. de 2002, p. 18, nota 4), que afirma: “Não obstante a inovação, houve descuidos do legislador na redação deste dispositivo: (i) primeiro, referiu-se a empresas, que são o objeto, quando deveria tratar de sociedades empresárias ou empresários coletivos, que são os sujeitos; (ii) depois, por razões que não ficam claras, limitou-se aos produtos, não estendendo a proteção às vítimas de danos causados por serviços prestados pelos empresários; e, por fim, (iii) utilizou a expressão “postos em circulação” que não esclarece se a intenção foi proteger o destinatário final (consumidor) do produto ou qualquer pessoa, seja destinatário final ou não”.

Sérgio Cavalieri Filho e Carlos Alberto Menezes Direito (Comentários ao Novo Código Civil, volume XIII, Rio de Janeiro, Forense, 2004, pp. 181/182, recordam que este dispositivo sequer constava do projeto original, tendo sido introduzido na Câmara dos Deputados com a finalidade específica de proteger o consumidor.

[15] As deficiências da aplicação da garantia contra os vícios redibitórios, no plano contratual, foram sintetizadas por Antônio Herman Benjamin (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, São Paulo, Saraiva, 1991, pp. 30/36) em duas classes: deficiências jurídicas e deficiências fáticas. Entre as deficiências jurídicas podem ser lembradas: I) a necessidade de vínculo contratual entre o alienante e o adquirente do produto, o que impede que o consumidor acione diretamente o fabricante; II) a exigüidade dos prazos para o adquirente exercer seu direito de redibir o contrato ou de, conservando o produto adquirido, pedir abatimento do preço; III) o próprio conceito de vício redibitório, que afasta hipóteses de menor importância e, o que é mais grave, não contempla a falta de segurança do bem adquirido; IV) as duas opções reconhecidas ao consumidor (redibir o contrato ou pedir abatimento do preço) nem sempre são do seu agrado, pois este pode preferir, por exemplo, o conserto do produto; V) só é cabível a indenização das perdas e danos sofridos pelo adquirente quando o alienante procedeu de má-fé (art. 443 do Código Civil); VI) a dificuldade de prova do vício, que, além de oculto, deve já existir ao tempo da tradição do produto. Já como deficiências fáticas podem ser apontadas: I) a ignorância da garantia pelo comprador; II) os óbices da via judicial.

Na responsabilidade extracontratual a grande dificuldade estava na demonstração da culpa do fabricante, prova esta que deveria incumbir à vítima em atenção ao disposto no diploma processual civil (art. 333, I). Em conseqüência disto é que a jurisprudência francesa criou a distinção entre guarda da estrutura e guarda do comportamento do produto, respondendo o fabricante por aquela mesmo após a introdução deste no mercado. Ainda como desdobramento desta visão, os tribunais terminaram por impor aos fabricantes “uma responsabilidade aquiliana severa e rigorosa, quase uma responsabilidade objectiva” (João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, Livraria Almedina, 1990, p. 421). Mas esta construção jurisprudencial não chegou a ser plenamente acolhida no Brasil (neste sentido pode ser visto Luiz Gastão Leães, Responsabilidade do fabricante pelo fato do produto, cit., p. 137, que afirmava que “se admitida a configuração de uma garde de structure, imputável ao fabricante, como possibilitar-lhe os meios para dirigir e controlar mercadorias, com uma estrutura sujeita a um dinamismo interno, pelas quais é responsável?”).

[16] É o que recorda Luiz Gastão Paes de Barros Leães, A Responsabilidade do fabricante, cit., p. 151, segundo o qual “a inevitabilidade de falhas no sistema de produção industrial seriada (os chamados Aussreiser, desertores, na terminologia alemã) e a impossibilidade prática de sua eliminação, não obstante o emprego da máxima diligência, fazem surgir eventos danosos, que, reconduzidos ao esquema de culpa, ficariam irressarcidos, pela inimputabilidade a qualquer ato ilícito. Grande, aliás, é o número, no mundo moderno, de danos ‘anônimos e inevitáveis’, que vêm a produzir-se pelo simples fato do funcionamento de uma atividade, por certo tendo como titular o empresário, perfeitamente identificado. A figura concreta do agente, cujo comportamento volitivo gerou o dano, se esfuma ante a origem industrial e mecânica do evento danoso”.

[17] Em verdade, o Código Civil só trata, de forma expressa, da chamada culpa concorrente como fundamento para a redução da indenização, dispondo que: “Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. Observe-se que, no caso aqui versado, é irrelevante a culpa do fornecedor do produto pois estamos em um quadro de responsabilidade objetiva. Da mesma forma, só uma interpretação a fortiori poderá levar à afirmação de que, na hipótese de culpa exclusiva da vítima, será afastada qualquer espécie de indenização.

Outra hipótese de exclusão de responsabilidade prevista no diploma civil seria o caso fortuito ou força maior, constante, entretanto, das normas relativas à responsabilidade civil contratual, especificamente do art. 393, verbis: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

[18] Assim é que seriam reparados os danos causados pelo uso de uma faca afiada, de uma queda no assoalho e até mesmo pelo fato de o suicida ter sido frustrado em seu plano de morte, acidentando-se, em razão do rompimento da corda que amarrara ao pescoço (este último caso, noticiado pelo jornal O Globo de 01.03.2003, é recordado por Sérgio Cavalieri Filho, “Responsabilidade Civil no Novo Código Civil”, cit., p. 81).

[19] O mesmo temor de que o Código Civil termine por consagrar uma responsabilidade integral, caso não se exija a existência de um defeito no produto, foi expressado por Sérgio Cavalieri Filho nos seguintes termos: “Em conclusão, estou convencido de que na interpretação e aplicação do art. 931 do novo CC devemos também nos valer da mesma disciplina do art. 12 do CDC. O empresário, individual ou empresa, só responderá objetivamente pelo dano causado pelo defeito do produto, considerado como tal o produto que não oferece a segurança legitimamente esperada. Não sendo assim, não poderá haver a aplicação desse dispositivo, sob pena de se criar uma responsabilidade objetiva fundada no risco integral, transformando o empresário em segurador universal. Aí não haverá indenização que baste, nem fornecedor que agüente este tipo de responsabilidade” (“Responsabilidade Civil no Novo Código Civil”, cit., pp. 82 e 83).

[20] A afirmação é de um dos autores pioneiros no tratamento do tema do direito do consumidor no Brasil: Fábio Konder Comparato, “A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico”, in Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 491.

De fato, é inegável que houve uma “desfuncionalização do comércio”, a traduzir uma “alteração da função ou do papel do comerciante: de especialista e conselheiro do adquirente passa a simples distribuidor, a entreposto ou “estação intermédia”, mero elo de ligação entre o produtor e o consumidor e cuja função principal, quase exclusiva, está na armazenagem e distribuição dos produtos” (João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 24).

Atento a esta “desfuncionalização do comércio” é que o CDC prevê a responsabilidade do comerciante somente nas três hipóteses do seu art. 13, verbis: “Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I- o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II- o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III- não conservar adequadamente os produtos perecíveis”. Certo é que, nestas hipóteses, o comerciante se torna solidariamente responsável com os demais obrigados do art. 12 (fabricante, produtor, construtor, nacional ou estrangeiro, e importador), não se tratando, propriamente, de uma responsabilidade subsidiária pois não se exige “uma prévia execução dos obrigados principais, anteriormente à do comerciante” (Gustavo Tepedino, “A Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Consumo na Ótica Civil-constitucional”, in Temas de Direito Civil, cit., p. 275).

Também favorável à aplicação do art. 13 do CDC no âmbito do Código Civil é a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho e Carlos Alberto Menezes Direito, Comentários ao Novo Código Civil, cit., p. 190.

[21] “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. Exemplo de aplicação deste art. 17 pode ser observado em recente decisão do STJ (REsp. 181.580/SP, 3ª Turma, julg. 09.12.2003, publ. DJ 22.03.2004, Rel. Min. Castro Filho), assim ementada: “Processual Civil. Ação Civil Pública. Explosão de loja de fogos de artifício. Interesses individuais homogêneos. Legitimidade ativa da Procuradoria de Assistência Judiciária. Responsabilidade pelo fato do produto. Vítimas do evento. Equiparação a consumidores. I- Procuradoria de assistência judiciária tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando indenização por danos materiais e morais decorrentes de explosão de estabelecimento que explorava o comércio de fogos de artifício e congêneres, porquanto, no que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5°, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor expressamente que incumbe ao ‘Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor’. II- Em consonância com o artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas que, embora não tendo participado diretamente da relação de consumo, vêm a sofrer as conseqüências do evento danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o fato do produto ou do serviço, na modalidade vício de qualidade por insegurança. Recurso especial não conhecido”. Em seu voto, o Ministro-Relator afirma que “nesse passo, evidencia-se a subsunção da hipótese fática à norma prevista no artigo 17 do citado diploma legal, que disciplina a responsabilidade reparatória perante terceiros, denominados nos países da common law como bystanders, vale dizer, aquelas pessoas estranhas à relação de consumo que vêm a sofrer prejuízos em razão do evento danoso, aqui representados por todos aqueles que se encontravam nos arredores do estabelecimento comercial e que vieram a sofrer as conseqüências desse trágico acidente” (inteiro teor obtido no site www.stj.gov.br em 05.08.2004). Outro exemplo de incidência do dispositivo ocorreu no julgado proferido pela 09ª C.C. do TJRJ (Ap. Cív. 32.207/2003, julg. em 20.04.2004, Rel. para o acórdão Des. Maldonado de Carvalho) onde, por maioria de votos, condenou-se empresa exploradora de atividade petrolífera pelo vazamento de substância catalisadora que se supunha tóxica e que veio a atingir comunidades vizinhas à refinaria, sendo que um morador da área veio a ser internado temendo os efeitos negativos à sua saúde por ter inalado tal substância. Em seu voto afirma o Relator que “residindo o autor em área próxima à refinaria, assume a condição de consumidor por equiparação (bystander), vítima, portanto, do evento ocorrido em nos dias 14 e 15 de junho de 2001, cuja emissão de ‘catalisador’ pela ‘Unidade de Craqueamento Catalítico’, é de ser reconhecido como sendo a causa direta e imediata do dano moral suportado pelo consumidor”. A 15ª C.C. do mesmo tribunal (Ap. Cív. 3004/2002, julg. em 11.09.2002, Rel. Des. José Pimentel Marques) entendeu que em um caso de danos sofridos por uma pessoa física em razão de defeito na prestação do serviço de transporte (acidente de trânsito envolvendo ônibus) é indiferente que se determine se a vítima é ou não passageira do coletivo pois “o acidente de trânsito, neste passo, caracteriza-se como fato do serviço, pouco importando, pois, estivesse a demandante no coletivo da empresa de ônibus”. Outra aplicação do dispositivo foi reconhecida pela 02ª C.C. do mesmo TJRJ (Ap. Cív. 25191/2003, julg. em 19.11.2003, Rel. Des. Leila Mariano) no caso em que alguém, utilizando-se de documento falso, obteve financiamento junto a instituição financeira e não honrou o contrato firmado. Desta forma, a instituição financeira determinou a negativação, junto a associação comercial, do nome que constava nos documentos apresentados. No voto da Relatora lê-se que “conquanto a apelante jamais tenha tido relação creditícia com a financeira que determinou à associação ré a negativação de seu nome, em razão de débito de terceiro, que se utilizou de seus dados pessoais, é de se invocar a proteção do diploma consumerista, ex vi do seu art. 17”. O inteiro teor dos três últimos julgados foi obtido no site www.tj.rj.gov.br em 30.10.2004.

Hipótese semelhante a esta última foi apreciada pela 10ª C.C. do TJRS (Ap. Cív. 70007643430, julg. em 15.04.2004, Rel. Des. Luiz Lúcio Merg) em que se condenou instituição financeira que, recebendo para compensação cheque falsificado, devolveu-o, por duas vezes, por insuficiência de fundos, quando, na verdade, o pretenso emitente nem mesmo fazia parte do quadro de seus correntistas. Em seu voto o Relator afirma que “no caso, o autor figura como vítima do evento, sendo elevado à categoria de consumidor por força do art. 17 do CDC. A falha, diante da devolução por insuficiência de fundos, quando nem mesmo o demandante era correntista do Banco, é mais do que evidente”. O inteiro teor do acórdão foi obtido no site www.tj.rs.gov.br em 30.10.2004.

[22] O exemplo encontra-se em James Marins et al., Código do Consumidor Comentado e legislação correlata, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 50. Pode-se pensar o mesmo no caso de dano sofrido pelo dono de um supermercado que vem a ser ferido pela explosão de um recipiente que apresente um defeito de fabricação (o exemplo é apresentado por Antônio Herman Benjamin, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 81).

[23] Em sentido contrário, entendendo que o disposto no art. 17 do CDC aplica-se indiferentemente à pessoa física e à pessoa jurídica que venham a sofrer danos por defeitos nos produtos, embora não sejam destinatárias finas dos mesmos, podem ser vistos James Marins et al. (Código do Consumidor Comentado, cit., p. 50) e Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 209). Afirma o último autor citado: “Uma questão relevante que tem sido enfrentada pela doutrina refere-se à extensão da responsabilidade do fornecedor em relação à vítima profissional, que não se enquadra no conceito de consumidor. As pessoas jurídicas, assim como os intermediários da cadeia de consumo, incluindo comerciantes, atacadistas, varejistas, transportadores, também podem ser vítimas de acidente de consumo. Normalmente, essas pessoas não seriam consideradas consumidoras para efeito de incidência do CDC, salvo quando destinatárias finais do produto ou do serviço (art. 2° do CDC). Todavia, em face da regra do art. 17 do CDC, a pessoa jurídica e o intermediário, ainda que não sejam destinatários finais, ficam equiparados ao consumidor, caso sejam vítimas de um acidente de consumo” (grifamos).

[24] Em sentido semelhante ao que afirmamos pode ser visto Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 184), que afirma: “Embora comuns as áreas de incidência do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor e a deste art. 931 do novo Código Civil, as disciplinas jurídicas de ambos os diplomas legais estão em perfeita sintonia, fundadas nos mesmos princípios e com vistas aos mesmos objetivos. A disciplina do primeiro, todavia, por sua especialidade, só tem incidência quando há relação de consumo, reservando-se ao Código Civil, muito mais abrangente, a aplicação de sua cláusula geral nas demais relações jurídicas, contratuais e extracontratuais” (grifamos).

O mesmo se encontra em Anderson Schreiber (“Arbitramento do Dano Moral no Novo Código Civil”, cit., pp. 17/18), segundo o qual o art. 931 é “norma que deve ser entendida como aplicável não apenas ao consumidor, destinatário final do produto, já protegido pela responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor, mas também a quaisquer vítimas dos danos derivados do produto, ainda que participantes da própria cadeia de fornecimento, como o transportador, o armazenador, o comerciante etc.”

Também para Ruy Rosado de Aguiar Júnior (“O novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor – pontos de convergência”, in Revista de Direito do Consumidor, número 48, São Paulo, Revista dos Tribunais, out./dez. de 2003, p. 65) a norma do Código Civil encontra aplicação quando não se vislumbre uma relação de consumo. Afirma o Autor: “A outra norma, a do art. 931, que atribui responsabilidade ao empresário que põe em circulação produtos, não se aplica à relação de consumo, porque a própria disposição legal esclarece que ela será usada se não houver disposição específica de outra norma. Como temos uma legislação específica para o consumidor, ela em princípio não se estende à relação de consumo”.

Acreditamos, por fim, que raciocínio semelhante possa ser encontrado em Gustavo Tepedino (“As relações de consumo e a nova teoria contratual”, in Temas de Direito Civil, cit., p. 233) que, após comentar a interpretação extensiva que se tem dado aos arts. 17 e 29 do CDC, afirma não acreditar “que pudéssemos, como pretendem alguns valorosos colegas, a partir apenas desses dois artigos, dar uma dimensão generalizante às regras ali emanadas, extraindo interpretação que vá além das vítimas na responsabilidade por acidente de consumo e daquele que está prestes a se tornar consumidor ou que potencialmente é consumidor”.

[25] A definição de Diretiva pode ser encontrada na doutrina de Pietro Perlingieri e Pasquale Femia (Nozioni Introduttive e Principi Fondamentali del Diritto Civile, Napoli, ESI, 2000, p. 53), que afirmam que “a diretiva não é imediatamente aplicável, mas reclama que cada Estado a atue, emanando normas internas correspondentes. Se o Estado não recepciona uma diretiva é responsável pelo dano que a inércia ou o retardo na recepção provoca para o cidadão. Já há algum tempo individualizou-se uma categoria de diretivas com eficácia direta: quando elas sejam incondicionadas, suficientemente precisas e tenha esgotado o prazo concedido ao Estado membro para a recepção, a diretiva é diretamente aplicável nas relações entre o cidadão e autoridade estatal (a chamada eficácia vertical); é afastada a aplicação direta das diretivas nas relações entre cidadãos (a chamada eficácia horizontal)”. A Diretiva 85/374/CEE, aprovada em 25.07.1985, destina-se à “aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos”. Este documento fixou prazo de três anos (art. 19) para que os países elaborassem suas normas internas, o que nem sempre foi observado, como ocorreu, por exemplo, com a França, que só elaborou sua lei nacional (Lei 98-389) em 19.05.1998, acrescentando 18 novas disposições ao art. 1.386 do Código Civil.

[26] A imprescindibilidade do defeito para a configuração da responsabilidade do fornecedor por fato do produto já foi perfeitamente ressaltada por Antônio Herman Benjamin (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 60), segundo o qual “não há responsabilidade civil por acidente de consumo quando inexiste defeito no produto ou no serviço”. O mesmo aspecto foi ressaltado por Cláudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, pp. 1.039/1.040), que afirma: “O dever legal instituído pelo CDC seria, então, de só introduzir no mercado produtos livres de defeitos (art. 12, § 3°, I e II). Por conseguinte, não basta a atividade de risco de introduzir o produto no mercado e lucrar com isto (cujus commodum, ejus periculum), porque também os comerciantes-finais o fazem e não são responsáveis principais no sistema do CDC (art. 12, caput). Assim, na sistemática do Código, todos os fornecedores que ajudam a introduzir o produto no mercado podem ser potencialmente responsabilizados (é o caso do comerciante na hipótese do art. 13), mas a figura européia do defeito concentrou a imputação em alguns fornecedores, não com base no simples risco criado por sua atividade (ou imputaria a todos a responsabilidade, como no sistema norte-americano), mas com base em uma valoração legal específica. Imputou a responsabilidade principal ao fabricante, ao construtor e ao produtor porque presumivelmente deram origem ao defeito, ou poderiam ter, ao menos potencialmente, evitado sua existência; imputou ao importador, porque é o único fornecedor acessível ao consumidor brasileiro, uma vez que o fabricante tem sua sede em outro país; imputou também ao comerciante, quando este for o único fornecedor acessível (art. 13, I), ou, em decisão inovadora dos legisladores do CDC, também quando este descumprir o seu dever anexo de identificação clara da origem do produto (violação ao art. 31) ou quando for o real causador do defeito do produto perecível, por não ter cumprido seu dever de conservá-lo corretamente (violação ao art. 8°)” (grifos no original).

[27] Salienta Antônio Herman Benjamin (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 60) que “o Código não estabelece um sistema de segurança absoluta para os produtos e serviços. O que se requer é uma segurança dentro dos padrões da expectativa legítima dos consumidores. E esta não é aquela do consumidor-vítima. O padrão não é estabelecido tendo por base a concepção individual do consumidor, mas, muito ao contrário, a concepção coletiva da sociedade de consumo” (grifos no original).

[28] A observação é de Maria Angeles Parra Lucan, Daños por productos defectuosos y protección del consumidor, Barcelona, Bosch Editor, 1990, p. 505. Segundo a mesma Autora, contudo, a referência à segurança legitimamente esperada foi deliberadamente adotada pela Diretiva 85/374/CEE, e repetida pelo CDC, por ser superior às expressões legalmente e razoavelmente. De fato, se fosse adotada a primeira expressão, a responsabilidade do fornecedor ficaria afastada pelo simples cumprimento das normas sobre segurança; se adotado fosse o critério da segurança razoavelmente esperada, haveria o risco de serem considerados elementos econômicos e juízos de oportunidade relativos aos custos que dado nível de segurança pode comportar (Daños por productos defectuosos, cit., pp. 508 e 510).

Observe-se, porém, que o tema segue sendo objeto de disputa no seio da doutrina e jurisprudência européias, como atesta o relatório elaborado por Lovells a pedido da Comissão Européia. Neste documento lê-se que “há uma incerteza constante sobre o significado preciso do termo ‘defeito’. Isto é refletido em interpretações diferentes em alguns dos casos decididos pelos tribunais nacionais. Algumas das questões discutíveis incluem: a) há espaço para uma análise “risco/benefício” ao considerar o nível de segurança que uma pessoa tem o direito a esperar?; b) é a conduta do produtor um fato relevante? Por exemplo, é relevante considerar o cuidado (ou a falta de cuidado) tomado por um produtor na concepção, manufatura ou comercialização do produto?; c) quando a segurança de um produto for rigorosamente regulada, e o produtor respeitar todos os regulamentos relevantes, em que circunstâncias, se algumas, pode o produtor ser considerado para um nível mais alto de segurança para os fins de responsabilidade sob a Diretiva?; d) é suficiente para um consumidor lesado simplesmente provar que o produto falhou, deste modo causando lesões, ou o consumidor tem em adição de provar a causa do incumprimento?”. Em outra passagem, o mesmo relatório afirma que “à luz destas questões por resolver referentes ao conceito de ‘defeito’, pode ser sugerido que o conceito podia ser definido com mais precisão na Diretiva, a fim de esclarecer as questões que continuam discutíveis. Contudo, alguns argumentariam que é melhor não tentar definir o conceito com demasiada precisão, não menos, porque isto podia limitar a capacidade dos juízes de tratar destes assuntos numa base de caso por caso. Contudo, deve ser esperado que à medida que a experiência do uso da Diretiva em casos de litigação aumenta, que surgirá um organismo de jurisprudência que fornecerá o guia para a interpretação deste conceito fundamental. Também deve ser esperado que alguns aspectos do conceito de ‘defeito’ serão esclarecidos na devida altura pelo ECJ (Tribunal Europeu de Justiça)”. Este Relatório, elaborado após uma pesquisa realizada entre julho de 2002 e janeiro de 2003, em que foram ouvidos representantes dos consumidores, produtores e fornecedores de produtos, seguradoras, advogados e juristas, foi obtido no site europa.eu.int/commm/internal_market/en/goods/liability/lovells_study-pt.pdf em 05.08.2004. O pano de fundo do mesmo foi “fazer um estudo importante sobre os sistemas de responsabilidade do produto nos Estados-Membros da União Européia”.

[29] Recorde-se que o CDC traz como direito básico do consumidor (art. 6°, III) a informação sobre os riscos que o produto possa apresentar. Além disso, prevê em seu art. 8° que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”. No art. 9° reafirma o dever que tem o fornecedor de informar o consumidor a respeito da nocividade ou periculosidade do produto e, no art. 10, impõe que “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”.

Segundo consagrado consumerista (Antônio Herman Benjamin, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 47) os produtos podem ser divididos, quanto à sua segurança, em três grupos: a) os de periculosidade inerente (ou latente); b) os de periculosidade adquirida; c) os de periculosidade exagerada. No primeiro caso, a periculosidade integra a expectativa legítima dos consumidores, como no trivial exemplo de uma faca de cozinha afiada. No segundo caso ocorre reversão da legítima expectativa de segurança dos consumidores, podendo-se então falar na existência de defeito no produto. Já os produtos de periculosidade exagerada são, em verdade, dotados de uma periculosidade inerente mas para os quais “a informação adequada aos consumidores não produz maior resultado na mitigação de seus riscos”, uma vez que “seu potencial danoso é tamanho, que o requisito da previsibilidade não consegue ser totalmente preenchido pelas informações prestadas pelos fornecedores”, sendo exemplo um brinquedo que traz grandes possibilidades de sufocação de uma criança (Antônio Herman Benjamin, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., pp. 52/53).

[30] A classificação tripartite é apresentada por Antônio Herman Benjamin (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 61). Outros autores também a adotam, embora com pequenas mudanças na nomenclatura utilizada, sendo exemplos James Marins (Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto: os acidentes de consumo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, pp. 113/115) e Sílvio Luís Ferreira da Rocha (“A responsabilidade pelo fato do produto no Código de Defesa do Consumidor”, in Revista de Direito do Consumidor, número 05, São Paulo, Revista dos Tribunais, jan./mar. de 2003, p. 45).

[31] Neste sentido, Antônio Herman Benjamin, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 64. São defeitos temidos pelos fornecedores, que, uma vez tenham constatado o caráter defeituoso, costumam chamar os proprietários (recall) para a realização de consertos nos produtos. Recorde-se aqui o grande recall anunciado pela General Motors do Brasil em relação aos proprietários dos automóveis Corsa produzidos entre 1994 e 1999 para que fosse realizado um reforço no cinto de segurança, que, de outra forma, poderia sofrer fadiga com o tempo e mostrar-se inócuo em caso de uma batida ou mesmo freada mais brusca (o caso foi noticiado pela Revista Veja, número 42, ano 33, de 18.10.2000 e pelo Jornal do Brasil, edição de 11.10.2000, que publicaram que mais de um milhão de proprietários deveriam retornar às concessionárias para a colocação de uma peça de reforço nos cintos de segurança dianteiros).

[32] O aspecto é ressaltado por Christoph Fabian (O dever de informar no Direito Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 147), segundo o qual “o defeito de informação existe quando faltam instruções sobre o uso correto do produto ou advertências sobre o produto em si mesmo. Assim, a informação devida pelo fabricante visa a garantir a segurança necessária para a utilização do produto. A informação devida encontra-se em duas formas (art. 12, caput, do CDC): a informação sobre a utilização do produto e sobre os seus riscos”. Como exemplo de defeito de informação, João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., pp. 660/661) vislumbra o fato do fornecedor dispor no rótulo de uma injeção que a mesma não deve ser ministrada por via intravenosa, sem, contudo, informar que, se isto for feito, a conseqüência pode ser a morte do paciente.

[33] As características apontadas foram igualmente ressaltadas por Antônio Herman Benjamin (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., pp. 62/63). Como exemplos de defeitos de fabricação podem ser lembrados dois julgados do TJRJ: no primeiro (10ª Câmara Cível, Ap. Cív. 4.802/99, julg. 25.05.1999), o fabricante foi condenado a indenizar os danos (gastrite crônica) provocados pelo consumo de refrigerante que apresentava elevada quantidade de soda cáustica; no segundo (9ª Câmara Cível, Ap. Cív. 10.771/98, julg. 03.11.1998), o fabricante foi condenado a indenizar a perda quase total da visão de um dos olhos do consumidor resultante do desprendimento da tampa de garrafa de refrigerante em velocidade extremamente elevada.

[34] Esta presunção relativa dispensa o consumidor de fazer a prova cabal do tipo de defeito e decorre do fato de ter o CDC adotado como excludente de responsabilidade a prova, a cargo do fornecedor, da inexistência de defeito (art. 12, § 3°, II). No mesmo sentido do que aqui é afirmado podem ser vistos: Gustavo Tepedino, “A Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Consumo”, cit., p. 269; Antônio Herman Benjamin, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 59; Cláudia Lima Marques, Contratos no CDC, cit., p. 1.039; Sérgio Cavalieri Filho, “Responsabilidade Civil por danos causados por remédios”, in Revista de Direito do Consumidor, número 29, São Paulo, Revista dos Tribunais, jan./mar. de 1999, p. 60; Carlos Roberto Barbosa Moreira, “Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor”, in Revista de Direito do Consumidor, número 22, São Paulo, Revista dos Tribunais, abr./jun. de 1997, p. 135, nota 1 e Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 90.

Em sentido contrário, afirmando que o CDC não afastou a aplicação do art. 333, I do Código de Processo Civil, que impõe ao autor a prova do “fato constitutivo de seu direito”, como é o defeito do produto, podem ser vistos: James Marins, Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., pp. 57/58 e Eduardo Arruda Alvim, “Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto no Código de Defesa do Consumidor”, in Revista de Direito do Consumidor, número 15, São Paulo, Revista dos Tribunais, jul./set. de 1995, p. 142. Para estes autores, só poderia ocorrer a inversão de tal ônus em caso de verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor (CDC, art. 6°, VIII).

[35] Dispõe o art. 4° da Diretiva 85/374/CEE: “Art. 4°. Cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano”.

[36] Afirma o art. 6°, inciso VIII do CDC que é um direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. É tema controverso na doutrina a caracterização (ope legis ou ope iudicis), o momento em que se dá e os requisitos para a inversão do ônus da prova, não cabendo aqui uma análise pormenorizada do assunto. Compartilhamos, em linhas gerais, o pensamento de Carlos Roberto Barbosa Moreira, “Notas sobre a inversão do ônus da prova”, cit., pp. 139/141, segundo o qual a inversão opera-se por meio de expressa manifestação judicial (caráter ope iudicis), que, entretanto, será obrigatória uma vez que se verifique um dos dois requisitos legais. Afirma o Autor (p. 141): “O ato judicial, devidamente motivado, indicará a ocorrência de uma dentre essas duas situações: a) a alegação do consumidor é verossímil; ou b) o consumidor é hipossuficiente. O emprego da conjunção alternativa – e não da aditiva e – significa que o juiz não haverá de exigir a configuração simultânea de ambas as situações, bastando que ocorra a primeira ou a segunda” (grifos no original). Esta doutrina é também recordada por Gustavo Tepedino, “A Responsabilidade Médica na Experiência Brasileira Contemporânea”, in Revista Trimestral de Direito Civil, número 02, Rio de Janeiro, PADMA, abr./jun. de 2000, p. 72.

Lembre-se ainda que em julgado proferido pelo TJRJ (9ª Câmara Cível, Ap. Cív. 10.771/98, julg. 03.11.1998) a demonstração de nexo causal entre o desprendimento da tampa de refrigerante e os danos provocados no consumidor (perda quase total da visão de um dos olhos) resultou de prova indiciária, tendo sido afirmado que “evidente que é impossível trazer uma prova cabal e segura que o fato se deu exatamente como contou a Autora, mas é certo que os indícios são veementes no sentido de que ele ocorreu exatamente como descrito na peça vestibular e, afinal, aceito na sentença. (…) a prova direta é de difícil apuração, devendo o julgador também se valer da prova indiciária, desde, obviamente, que esta seja robusta, clara, e não contrariada por outros elementos probatórios”.

Também na Europa a dificuldade da demonstração do nexo causal entre o defeito do produto e o dano por ele provocado tem sido objeto de consideração pela doutrina, podendo ser visto João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., pp. 712/713), segundo o qual “nesta matéria, não nos encontramos, pois, no domínio das certezas, em que o resultado seja obtido através de fórmulas exactas, mas antes num campo em que a normalidade ou a regularidade é a linha de orientação do julgador”. Neste sentido é que o Parecer elaborado pela Comissão do Meio Ambiente, da Saúde Pública e da Política do Consumidor e destinado à Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno do Parlamento Europeu propõe mudanças na Diretiva 85/374/CEE, de forma que seja “aligeirado o ônus da prova, em benefício do consumidor”, em especial “nos casos em que a experiência geral permita concluir, com base numa sucessão típica de acontecimentos, pela existência de um nexo causal entre defeito e dano”, a fim de que o consumidor possa “comprovar o dano mediante prova de presunção”. Este Parecer foi elaborado em 26.01.2000 e obtido no site www.euspaceropa.eu.int/comm.internal_market em 16.05.2002. Também no citado estudo elaborado por Lovells a pedido da Comissão Européia, afirmou-se que o tema do ônus da prova continua discutível, havendo a percepção “da parte de alguns Representantes do Consumidor que os consumidores estão injustamente em posição desvantajosa pelo ônus de terem de provar defeito e/ou causação em reclamações de responsabilidade do produto. A preocupação resulta principalmente das dificuldades notadas em provar reclamações devido a uma falta de recursos legais ou outros precisos para investigá-las propriamente, ou a uma incapacidade de ganhar acesso a informações essenciais. Estes problemas são vistos ser particularmente agudos em relação aos produtos técnicos, ou quando as alegadas lesões forem de uma natureza complicada. Por outro lado, os Produtores e as Seguradoras, estão preocupados que qualquer relaxamento nas regras relativas ao ônus da prova venha a ter o efeito de encorajar ‘reclamações falsas’. Na realidade, alguns Produtores sugeriram que devia haver uma maior obrigação sobre os reclamantes para substanciar as suas reclamações nas fases iniciais dos processos judiciais”.

[37] Afirma Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 482): “A rigor, esta excludente prejudica as demais. Se o fato gerador da responsabilidade do fornecedor é o defeito do produto ou serviço, logicamente sempre que não existir defeito não haverá que se falar em responsabilidade. Se ocorrer o acidente a causa terá sido outra, não imputável ao fornecedor. O Código, todavia, na busca de uma disciplina clara, espancadora de qualquer dúvida, explicitou outras causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor que, na sua essência, decorrem da inexistência de defeito do produto ou do serviço” (grifo no original).

[38] Controverte a doutrina acerca da permanência do dever de reparar integralmente o consumidor na hipótese do dano ter decorrido também da culpa concorrente deste. Entendemos que não há exclusão de responsabilidade, mas sua mitigação, “uma vez que o nexo causal persiste no que tange à parcela do dano efetivamente causada pelo defeito” (Gustavo Tepedino, “A Responsabilidade Médica na Experiência Brasileira Contemporânea”, cit., p. 65). No mesmo sentido pode ser visto James Marins (Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., p. 152) e recente julgado do STJ (REsp. 287.849/SP, 4ª Turma, julg. 17.04.2001, publ. RSTJ 154/163, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar) assim ementado: “Código de Defesa do Consumidor – Responsabilidade do fornecedor – Culpa concorrente da vítima – Hotel – Piscina – Agência de viagens. Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC. A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao fornecedor. Art. 12, § 2° (sic), III, do CDC. A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorre do mau serviço do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo. Recursos conhecidos e providos em parte”.

[39] Pode-se dizer, contudo, que contra o fornecedor pesa a presunção relativa de que, se o produto está no mercado, é porque foi voluntariamente por ele introduzido (neste sentido pode ser visto James Marins, Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., p. 146). Ao fornecedor caberá então o ônus de provar que a introdução do produto no mercado decorreu, por exemplo, de roubo, furto ou falsificação.

Não especificou o CDC, tal como não o fez a Diretiva 85/374/CEE, o momento em que se considera o produto introduzido no mercado de consumo. Quanto ao tema podem ser vistos James Marins (Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., p. 147) e Eduardo Arruda Alvim (“Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto no Código de Defesa do Consumidor”, cit., pp. 141/142) que entendem aplicáveis no Brasil as normas constantes do D.P.R. 224/88 (art. 7°), norma de transposição para o direito italiano da diretiva européia. Segundo este último diploma: a) considera-se introduzido no mercado de consumo o produto que mesmo a título de mostruário ou prova, seja confiado ao consumidor ou a quem o represente; b) considera-se introduzido o produto no mercado de consumo a partir do momento em que o fornecedor o entrega ao transportador ou despachante para envio ao consumidor ou usuário; c) considera-se introduzido o produto no mercado de consumo mesmo nos casos de execução forçada de bens, como, por exemplo, na hipótese de leilão judicial de mercadorias penhoradas em processo de execução, ou nos processos falimentares, no momento em que se opere a tradição dos bens.

[40] Utiliza as expressões “fortuito interno” e “fortuito externo” Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 487. No mesmo sentido do afirmado no texto podem ser vistos Gustavo Tepedino, “A Responsabilidade Médica na Experiência Brasileira Contemporânea”, cit., p. 65, embora o Autor esteja tratando de hipótese relativa a fato do serviço, e também James Marins, Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., pp. 153/154.

Observe-se que também a Diretiva européia silencia a respeito, mas a doutrina adota tal hipótese como excludente de responsabilidade (neste sentido pode ser visto João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, cit., pp. 737/738.

[41] Podem ser igualmente consultadas as definições de Antônio Herman Benjamin (Comentários ao Código de Proteção, cit., p. 67) e James Marins (Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., p. 128). O primeiro salienta que risco do desenvolvimento é “aquele risco que não pode ser cientificamente conhecido ao momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço”. Para o segundo autor citado risco do desenvolvimento é a “possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo todavia que, posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores”.

Recorde-se igualmente a observação de Jean-Luc Fagnart (“La responsabilité du fait des produits en droit belge”, in La Directive 85/374/CEE relative à la responsabilité du fait des produits: dix ans après, Louvain-la-Neuve, Monique Goyens, 1996, p. 95) para quem a expressão “riscos do desenvolvimento” é “infeliz”, pois o desenvolvimento da ciência não constitui um risco, mas busca precisamente eliminá-lo. Também pode ser vista a opinião de Maria Angeles Parra Lucan, Daños por productos defectuosos, cit., p. 519, nota 141, segundo a qual a expressão riscos do desenvolvimento corresponde ao uso abreviado de “riscos que o desenvolvimento técnico e científico permite descobrir”.

[42] O caso dos cigarros é recordado por Luiz Gastão Paes Leães (A Responsabilidade do Fabricante pelo Fato do Produto, cit., p. 164), que salienta que o produto só não foi retirado do mercado, embora seja indispensável a advertência sobre os riscos relacionados ao seu consumo, pelo fato de se acreditar na assunção destes mesmos riscos pelas possíveis vítimas.

Atualmente, no entanto, os fabricantes de cigarros têm sido acionados pelos consumidores pleiteando a reparação dos danos decorrentes de seu consumo. Neste sentido o REsp. 140097/SP, 4ª Turma, julg. 04.05.2000, publ. Revista dos Tribunais, volume 785, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, pp. 184/191, Rel. Min. César Asfor Rocha, que não enfrentou o mérito da questão, mas permitiu o prosseguimento da ação movida por uma associação de defesa dos consumidores em face de duas companhias fabricantes de cigarros. Ao admitir a inversão do ônus da prova, o Relator do recurso afirmou que “uma empresa de tamanho porte, com atuação em quase todos os quadrantes do mundo, certamente não iria propositadamente fabricar produtos com a convicção de que neles haveria um componente a causar dependência maléfica à saúde. E, se, pelo estágio atual da ciência, a questão da nocividade constitui, ao menos, ponto aberto ao debate, que ela faça essa prova de forma irretorquível, pois mais do que qualquer consumidor ou entidade poderá a ré-recorrente evidenciar essa assertiva, que a recorrente tem como verdadeira”. Sobre o mesmo tema pode ainda ser visto o julgado proferido pelo TJRJ (09ª Câmara Cível, Ap. Cív. 2003.001.03822, julg. 12.08.2003, Rel. Des. Laerson Mauro), quando se asseverou que “sendo lícita a atividade de industrialização e comercialização de fumo, regulamentada, inclusive, sua propaganda, o livre arbítrio do consumidor de lançar-se ao vício do fumo não tipifica qualquer conduta ilícita dentre as que se encontram previstas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC. As campanhas educativas e de prevenção, sempre acompanhadas das necessárias advertências, indicam as conseqüências maléficas causadas pelo uso constante do cigarro. O consumidor que permanece fumando assume para si, conscientemente, o risco do resultado e, por conseguinte, a responsabilidade exclusiva pelos danos decorrentes. Improvimento da apelação”. Este julgado foi obtido no site www.tj.rj.gov.br em 30.10.2004. Sobre o mesmo tema podem ser vistos dois julgados em sentidos opostos do TJRS publicados na Revista Trimestral de Direito Civil, número 18, Rio de Janeiro, PADMA, 2004, pp. 137/193. Estes julgados são acompanhados de interessante comentário (pp. 195/211) intitulado “Comentário à jurisprudência recente sobre os danos causados pelo consumo de cigarros”, da autoria de Cláudio Fortunato Michelon Júnior.

[43] João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 123, nota 1) salienta tratar-se de um anti-colesterol que entre 1960 e 1962 foi utilizado nos EUA e provocou efeitos secundários em mais de 5.000 pessoas. Num dos primeiros processos instaurados contra seu fabricante o montante da indenização atingiu um milhão e duzentos mil dólares.

[44] João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 124, nota 5) lembra que referido talco provocou a intoxicação de mais de 200 crianças, entendendo, entretanto, que se tratava de um “erro de fabrico”, pois o produto continha mais de 6% de um bactericida cuja presença em elevada quantidade tornava-o tóxico.

[45] É também João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 123, nota 1) quem lembra que a talidomida era um sedativo muito utilizado entre os anos de 1958 e 1962 e que só na Alemanha, país de sua fabricação, acarretou o nascimento de quatro mil crianças fisicamente mal formadas. Salienta que o produtor do mesmo remédio despendeu cento e dez milhões de marcos para a reparação dos danos provocados pela utilização do produto. Afirma ainda que no Japão chegou a ser criado um centro de bem-estar Talidomida.

Para María Paz Rubio (“Los riesgos de desarrollo en la responsabilidad por daños causados por productos defectuosos. Su impacto en el Derecho Español”, in Revista de Direito do Consumidor, número 30, abr./jun. de 1999, pp. 77/78, nota 33) este medicamento teria provocado graves danos em oito mil crianças em todo o mundo mas não são conhecidas muitas decisões judiciais sobre o tema por força dos acordos extrajudiciais realizados.

A deformação, que decorre do fato de a Talidomida ultrapassar a barreira placentária, é conhecida como “focomelia”, pois provoca a aproximação ou encurtamento dos membros junto ao tronco do feto, tornando-os semelhantes ao de uma foca. Também pode acarretar defeitos visuais, auditivos, da coluna vertebral e até do tubo digestivo e problemas cardíacos.

No Brasil, com a aprovação da Lei 7.070/82, foi o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível aos portadores da deficiência física conhecida como “Síndrome da Talidomida” (art. 1° de referida Lei). Tal pensão especial é mantida e paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social, por conta do Tesouro Nacional (art. 4° da mesma Lei), tendo seu valor sido corrigido pela Lei 8.686/93, não podendo ser inferior a um salário mínimo (art. 1°, parágrafo único desta última Lei).

Deve ser observado, porém, que a Talidomida foi reintroduzida no mercado de consumo uma vez que tem uma ação benéfica no tratamento de doenças como AIDS, Lupus e até Câncer. Mas, atualmente, a Lei 10.651/03 dispõe sobre a forma de comercialização do produto, impondo, entre outras obrigações, que o mesmo seja prescrito em formulário especial e numerado e que da embalagem e rótulo conste a vedação à sua utilização por mulheres grávidas ou sob risco de engravidar, “acompanhada de texto, em linguagem popular, que explicite a grande probabilidade de ocorrência de efeitos teratogênicos associados a esse uso” (art. 1°, III da Lei). O art. 4°, II desta última Lei dispõe ainda que cabe ao Poder Público “incentivar o desenvolvimento científico de droga mais segura para substituir a talidomida no tratamento das doenças nas quais ela vem sendo utilizada”.

Todos estes dados constam da página virtual da Associação Brasileira dos Portadores da Síndrome de Talidomida (Abpst), associação civil sediada em São Paulo, que conta com mais de 800 vítimas da Talidomida cadastradas (www.members.tripod.com/~abpstalidomida, acesso em 10.08.2004).

[46] Trata-se de um medicamento anti-colesterol que teria sido usado por seis milhões de pessoas em todo o mundo e que foi retirado do mercado por seu fabricante, a Bayer, pois teria provocado a morte de 31 pessoas só nos EUA (os dados são do Jornal O Globo, edição de 09.08.2001). O mesmo jornal, na edição de 23.08.2001, relatou o caso de morte de um brasileiro que fez uso da mesma droga, mas salientou que o fabricante alegara em sua defesa que o medicamento em si não era perigoso, vindo a causar os danos narrados quando em combinação com outras drogas, sendo que a bula do remédio já indicava o perigo de interação de seu uso com outros remédios. Na edição de 22.10.2002, o mesmo jornal noticiou que a Bayer já estava enfrentando mais de 3.500 processos relacionados ao uso do remédio, que teria provocado enfraquecimento muscular em mais de mil pacientes e mais de cem mortes, tendo havido acordos em cem casos. Segundo analistas, o montante dos prejuízos oscilará entre US$ 1,5 bilhão e US$ 9,7 bilhões, tendo um representante da empresa farmacêutica, entretanto, informado que a mesma está segurada contra estes prejuízos, não havendo “razão para acreditar neste momento que será necessário estabelecer provisões”.

[47] Na edição de 04.09.2001 o jornal O Globo noticiava que o medicamento Propulsid era utilizado contra distúrbios gastrointestinais e teria acarretado problemas cardíacos naqueles que dele fizeram uso, terminando por provocar a morte de 80 americanos até ser retirado do mercado por seu fabricante, a Janssen Pharmaceutica Inc., unidade farmacêutica da Johnson & Johnson. Segundo o mesmo jornal, posteriormente teria sido fabricado o remédio Prepulsid, de fórmula diferente do Propulsid e que não acarretaria os danos atribuídos a este. No site www.propulsid.legalhelp.com (acesso em 21.12.2002) noticiou-se que a agência americana responsável pela autorização para a comercialização de medicamentos (FDA) determinara a retirada do produto do mercado americano, o que ocorreu em 14.07.2000, pois teriam sido relatadas 80 mortes entre pessoas que dele fizeram uso. Também se noticiou que um júri do Mississipi condenou a Janssen Pharmaceutica a pagar 100 milhões de dólares a 10 pessoas que teriam sofrido danos em razão da utilização do produto.

[48] Noticiava o jornal O Globo, na edição de 29.09.2002, a realização de uma pesquisa britânica que, corroborando quatro pesquisas anteriormente realizadas nos EUA, revela que a terapia de reposição hormonal (TRH) – realizada por mulheres como forma de reduzir os sintomas da menopausa (osteoporose, ondas de calor e alterações de humor) – pode, igualmente, aumentar o risco de câncer de mama, embolia pulmonar e derrame.

[49] Tem merecido especial atenção em nosso País a questão da comercialização de soja geneticamente modificada. De fato, por meio da Lei 10.688/03 o Poder Público estabeleceu normas de controle sobre a comercialização da soja da safra de 2003, pois a mesma poderia conter organismo geneticamente modificado. O mesmo se deu em relação à soja da safra de 2004, regulada pela medida provisória 131/2003.

Em termos mais genéricos, o Decreto 4.680/03 estabelece normas para a comercialização de “alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados”.

[50] Adalberto Pasqualotto (“Proteção contra produtos defeituosos: das origens ao Mercosul”, in Revista de Direito do Consumidor, número 42, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 78) lembra as controvérsias já existentes acerca da “radiação dos telefones celulares e dos fornos de microondas”. Neste sentido, pode ser recordado que o governo britânico está financiando um programa de pesquisa no valor de 7 milhões de libras esterlinas para que se tente descobrir os efeitos do uso dos telefones celulares sobre a saúde humana (notícia veiculada no site www.oglobo.com.br, acesso em 28.12.2000).

[51] María Paz Rubio (“Los riesgos de desarrollo en la responsabilidad por daños causados por productos defectuosos”, cit., p. 68) recorda que no momento da elaboração da Diretiva comunitária os representantes dos Estados-Membros estavam divididos em dois blocos: o primeiro bloco era formado por aqueles países (Bélgica, Luxemburgo, França, Dinamarca, Grécia e Irlanda) que buscavam responsabilizar o fornecedor na hipótese de riscos do desenvolvimento sob o argumento principal de que, se tais riscos recaíssem sobre o fornecedor, poderiam ser repassados ao custo do respectivo seguro e ao preço final dos produtos, com a repartição destes custos entre todos os consumidores; já o outro grande bloco (Itália, Holanda, Reino Unido) defendia a exoneração de responsabilidade do fornecedor sob o argumento principal de possibilitar o desenvolvimento da indústria européia, em especial em relação aos produtos de tecnologia mais avançada.

Maria Parra Lucan (Daños por productos defectuosos, cit., pp. 519/520, nota 142) recorda que a exclusão da responsabilidade do fornecedor na hipótese de riscos do desenvolvimento não constava de nenhum dos Anteprojetos de Diretiva preparados pela Comissão das Comunidades Européias em agosto de 1974 e julho de 1975. De fato, a proposta de Diretiva de 1976 dispunha em seu art. 1°, número 2: “O fabricante é igualmente responsável, mesmo se a coisa em função do desenvolvimento científico e tecnológico prevalecente no momento em que a colocou em circulação não poderia ser considerada defeituosa”. Somente em 1979, após apertada votação (catorze votos contra doze), é que a Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno, seguindo opinião da Comissão Econômica e Monetária do Parlamento Europeu e contrariando a opinião da Comissão do Meio-Ambiente, Saúde Pública e Política do Consumidor, aceitou a excludente e foi elaborada a Resolução de 26 de abril de 1979 propondo que o fornecedor se exonerasse de responsabilidade pelos riscos do desenvolvimento.

[52] A expressão é encontrada em diversos autores europeus, podendo-se apontar João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 505).

[53] O art. 7° da Diretiva 85/374/CEE apresenta um rol de excludentes de responsabilidade do fornecedor, afirmando que “o produtor não é responsável nos termos da presente diretiva se provar: e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto não lhe permitiu detectar a existência do defeito”.

[54] É o que consta do art. 15 do diploma comunitário, verbis: “Art. 15. 1. Qualquer Estado-membro pode: b) Em derrogação da alínea e) do art. 7°, manter ou, sem prejuízo do procedimento definido no número 2, prever na sua legislação que o produtor é responsável, mesmo se este provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação do produto em circulação não lhe permitia detectar a existência do defeito”.

A fundamentar a possibilidade de derrogação da excludente pode ser visto o seguinte Considerando da Diretiva 85/374/CEE: “Considerando que, por motivos análogos, a possibilidade facultada ao produtor de se eximir da responsabilidade se provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da entrada em circulação do produto não lhe permitia detectar a existência de um tal defeito pode ser considerada em determinados Estados-membros como uma restrição injustificada da proteção dos consumidores; que deve, por conseguinte, ser possível um Estado-membro manter na sua legislação ou estabelecer por uma nova legislação a inadmissibilidade desta prova exoneradora; que, no caso de nova legislação, o recurso a esta derrogação deve, contudo, ser subordinado a um procedimento de stand-still comunitário para aumentar, se possível, o nível de proteção na Comunidade de modo uniforme”.

Saliente-se ainda que o mesmo art. 15, em seu número 3, afirma que “dez anos após a data de notificação da presente diretiva, a Comissão submeterá ao conselho um relatório sobre a incidência, no que respeita à proteção dos consumidores e ao funcionamento do mercado comum, da aplicação pelos tribunais da alínea e) do art. 7° e do número 1, alínea b), do presente artigo. Com base nesse relatório, o Conselho, deliberando sob proposta da Comissão nas condições previstas no art. 100 do Tratado, decidirá a revogação da alínea e) do art. 7°”.

Em verdade, contudo, a Diretiva 85/374/CEE não foi modificada no que respeita ao tema dos riscos do desenvolvimento. Somente sofreu, por força da Diretiva 1999/34/CE, uma modificação na definição de “produto”, de modo a incluir neste conceito os produtos agrícolas defeituosos, visto que a redação original da Diretiva 85/374/CEE definia produto (art. 2°) como “qualquer bem móvel, excluindo as matérias-primas agrícolas e os produtos da caça, mesmo se estiver incorporado noutro bem móvel ou imóvel. Por ‘matérias-primas agrícolas’ entende-se os produtos do solo, da pecuária e da pesca, excluindo os produtos que tenham sido objeto de uma primeira transformação. A palavra ‘produto’ designa igualmente a eletricidade”. A nova redação do art. 2° é a seguinte: “Art. 2°. Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende-se por ‘produto’ qualquer bem móvel, mesmo se incorporado noutro bem móvel ou imóvel. A palavra ‘produto’ designa igualmente a eletricidade”. Esta modificação foi uma resposta aos possíveis danos que podem decorrer do consumo de carne provinda de rebanhos acometidos do chamado “mal da vaca louca”.

Na citada pesquisa elaborada por Lovells e endereçada à Comissão Européia reafirma-se que a defesa fundada nos riscos do desenvolvimento “continua discutível”, pois “as seguradoras e os produtores claramente continuam a considerá-la importante”, ao passo que “os representantes dos consumidores sugeriram que a mesma fosse abolida”. No mesmo documento salienta-se que tal excludente será objeto de um estudo específico (assim, não se entende a afirmação de Fabiana Maria Martins, “Sociedade de Risco e o Futuro do Consumidor”, in Revista de Direito do Consumidor, número 44, São Paulo, Revista dos Tribunais, out./dez. de 2002, p. 136, no sentido de que “a Diretiva 85/374/CEE foi alterada pela 1999/34/CEE considerando a viabilidade da responsabilidade civil do produtor por risco de desenvolvimento, pois a segurança dos produtos e a reparação de danos constituem imperativos sociais a serem garantidos pelo mercado interno”).

[55] Os dados legislativos que citamos a seguir constam do segundo apêndice do estudo elaborado por Lovells a pedido da Comissão Européia.

[56] Recorda Thierry Bougoignie (La Directive 85/374/CEE relative à la responsabilité du fait des produits: dix ans après, cit., p. 35) que a jurisprudência belga anterior à edição da diretiva – por meio de uma interpretação alargada da garantia contra os vícios redibitórios – responsabilizava o vendedor profissional, mas este entendimento acabou não sendo sufragado pelo legislador nacional.

[57] A assertiva é confirmada por Klaus-Ulrich Link e Thomas Sambuc, European Product Liability, Kent, Butterworths, 1992, p. 152. Para María Paz Rubio (“Los riesgos de desarrollo en la responsabilidad por daños causados por productos defectuosos”, cit., p. 76) a previsão de responsabilidade nesta lei específica é conseqüência, sobretudo, dos tristes episódios derivados do uso da talidomida.

[58] Na Espanha a matéria é regulada pela Lei 22/1994. Para Silvia Diaz Alabart (“Adaptation du droit espagnol à la directive communautaire sur la responsabilité pour produits défetueux”, in La Directive 85/374/CEE relative à la responsabilité du fait des produits défectueux: dix ans après, cit., p. 109) o legislador previu a responsabilidade para os fornecedores de alimentos e medicamentos provavelmente para manter a coerência com a lei nacional anterior, de 1984, que impunha a responsabilidade nestas hipóteses e que foi elaborada após o episódio do envenenamento maciço causado por um produto utilizado na alimentação, o óleo de canola (João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 125, nota 2, salienta que referido “azeite impróprio para consumo” teria vitimado centenas de pessoas e provocado a intoxicação de mais de quinze mil, causando a “pneumonia atípica”, que acarreta lesões ao sistema nervoso, terminando por provocar “transtornos musculares nos membros superiores e inferiores, impedindo as pessoas atingidas de caminhar normalmente”).

[59] A matéria foi regulada na França por meio da Lei 98-389, de 19.05.1998, que, como dito, acrescentou 18 números ao art. 1.386 do Código Civil. No art. 1.386-11, número 4°, prevê-se a exoneração de responsabilidade do fornecedor quando este provar que “o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em que ele colocou o produto em circulação, não permitiu descobrir a existência do defeito”. Já no art. 1.386-12 prevê-se que “o produtor não pode invocar a causa de exoneração prevista no número 4° do art. 1.386-11 quando o dano foi causado por um elemento do corpo humano ou pelos produtos deste saídos. O produtor não pode invocar as causas de exoneração previstas nos números 4° e 5° do art. 1.386-11 se, em presença de um defeito que se tenha revelado em um lapso de dez anos após a entrada em circulação do produto, ele não tomou as disposições próprias a prevenir suas conseqüências danosas”. Observe-se que esta segunda parte do dispositivo parece fazer uma concessão à apreciação da culpa do fornecedor, o que é ainda confirmado pelo disposto no art. 1.386-16, segundo o qual “salvo culpa do produtor, a responsabilidade deste, fundada sobre as disposições do presente título, é afastada dez anos após a entrada em circulação do produto mesmo que causou o dano a menos que, durante este período, a vítima tenha iniciado uma ação na justiça”. Neste mesmo sentido o disposto no art. 1.386-18, segunda parte, que assevera: “O produtor permanece responsável pelas conseqüências da sua culpa e daquela das pessoas pelas quais responde”. Esta assertiva é ainda confirmada pelo fato de a França estar sendo acionada perante a Corte de Justiça das Comunidades Européias, após ter sido advertida pela Comissão Européia que a Diretiva 85/374/CEE não passa a prever a responsabilidade do fornecedor quando este não toma medidas de prevenção do dano dentro do prazo de responsabilidade de dez anos (notícia obtida no site europa.eu.int/comm/internalmarket/em/goods/infr/99-594.htm, acesso em 25.12.2002). A primeira exceção prevista na lei francesa deve-se certamente ao fato de ter ocorrido na França uma contaminação maciça em decorrência da utilização de sangue humano. Phillippe Kourilsky e Geneviève Viney (Le Principe de Precaution, artigo obtido no site www.environnement.gov.fr/ministere/comiteconseils/cfdd_2k01htm, acesso em 20.08.2000) recordam que este fato levou à criação de um fundo de indenização em benefício das vítimas. Para obter esta indenização bastava que a vítima provasse ter sofrido uma transfusão de sangue durante o período precedente à decisão que impôs o aquecimento (“chauffage”) dos produtos sanguíneos.

[60] É o que consta do art. 13 da Diretiva 85/374/CEE, verbis: “Art. 13. A presente diretiva não prejudica os direitos que o lesado pode invocar nos termos do direito da responsabilidade contratual ou extracontratual ou nos termos de um regime especial de responsabilidade que exista no momento da notificação da presente diretiva”.

É com fundamento neste dispositivo que Jean Calais-Auloy (“Le risque de développement: une exonération contestable”, in Mélanges Michel Cabrillac, Paris, Dalloz, pp. 81/90, resenha realizada por Geraldo de Faria Martins e publicada na Revista de Direito do Consumidor, número 42, São Paulo, Revista dos Tribunais, abr./jun. de 2002, pp. 313/316) entende possível a responsabilização dos fornecedores de outros produtos além daqueles expressamente ressalvados pela Lei 98-389, pois o sistema “propriamente francês”, fundado em uma presunção absoluta de que o fornecedor conhece todos os defeitos da coisa, impõe a responsabilidade mesmo na hipótese de riscos do desenvolvimento.

[61] Este prazo consta do art. 11 da Diretiva 85/374/CEE, que é do seguinte teor: “Art. 11. Os Estados-membros estabelecerão na sua legislação que os direitos concedidos ao lesado nos termos da presente diretiva se extinguem no termo de um período de dez anos a contar da data em que o produtor colocou em circulação o produto que causou o dano, exceto se a vítima tiver intentado uma ação judicial contra o produtor neste período”. A justificar este prazo pode ser visto o seguinte Considerando: “Considerando que os produtos se deterioram com o tempo, que as normas de segurança se tornam mais rigorosas e que os conhecimentos científicos e técnicos progridem; que não seria, portanto, razoável exigir do produtor uma responsabilidade ilimitada no tempo pelos defeitos do seu produto; que a sua responsabilidade deve, por conseguinte, extinguir-se após um prazo razoável, sem prejuízo, contudo, das ações pendentes”.

 Além deste prazo, a Diretiva prevê o prazo de prescrição da ação de indenização em seu art. 10, que transcrevemos: “Art. 10. 1. Os Estados-membros estabelecerão na sua legislação que o direito de indenização previsto na presente diretiva prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado tomou ou deveria ter tomado conhecimento do dano, do defeito e da identidade do produtor; 2. A presente diretiva não prejudica as disposições dos Estados-membros que regulam a suspensão ou a interrupção da prescrição”.

[62] Salienta Maria Angeles Parra Lucan (Daños por productos defectuosos, cit., p. 609) que este prazo foi “concebido como contrapartida da introdução de uma responsabilidade por riscos do desenvolvimento” e só deveria ser mantido nos países que prevêem tais riscos como ensejadores da responsabilidade civil do fornecedor, pois a sua previsão de forma genérica, ou seja, sem distinguir a natureza e características do produto, torna tal prazo “arbitrário”. Conclui a Autora afirmando que, embora normalmente sejam poucos os danos ocasionados por um produto após dez anos de sua entrada em circulação, “é fora de dúvida que em ocasiões o art. 11 da Diretiva impedirá injustamente à vítima o acesso aos tribunais” (p. 611).

Também para Yvan Markovits (La Directive CEE du 25 juillet 1985 sur la responsabilité du fait des produits defectueux, Paris, LGDJ, 1990, pp. 247/248) a previsão deste prazo sempre esteve ligada à responsabilização do fornecedor pelos riscos do desenvolvimento, sustentando que “fazer suportar o produtor o peso da evolução das normas de segurança durante um tempo infinitamente longo seria iníquo. É ainda mais evidente que o fabricante poderá se cobrir mais facilmente por um seguro se sua responsabilidade está limitada no tempo”.

Para João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p 741) “a fixação do prazo de caducidade protege, indubitavelmente, o produtor, não sendo do agrado dos consumidores. Visa, no entanto, estabelecer certo equilíbrio entre os interesses em presença. Se tivermos presentes a natureza objectiva da responsabilidade, a conveniência de um seguro, o progresso da ciência e da técnica, o desgaste que os produtos sofrem com o uso, a presunção da probabilidade da existência do defeito no momento em que o produto é posto em circulação (art. 5°, al. “b”) e a dificuldade da prova, à distância de anos, compreender-se-á e aceitar-se-á que a responsabilidade objectiva não pode ser ilimitada no tempo”.

[63] Salienta, de fato, João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., pp. 741/742) que este prazo não se interrompe nem se suspende, sendo contado a partir da introdução no mercado do produto causador do dano, produto concreto, e não daquele da introdução de uma série. São palavras do Autor português: “Assim, se os produtos de uma série começam a ser postos em circulação em 1 de Janeiro de 1990, mas o produto que concretamente causou o dano só o foi em 1 de junho do mesmo ano, é este o dies a quo”. O único fato impeditivo da consumação do prazo é, como visto, a propositura de ação de indenização pelo consumidor, sendo ônus do fornecedor provar que a ação é extemporânea.

[64] João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 509.

[65] Neste sentido é que o Reino Unido foi acusado de consagrar uma responsabilidade subjetiva do fornecedor ao dispor, na Primeira Parte de seu Consumer Protection Act – em vigor desde 1° de março de 1988 e que realizou a transposição para o direito nacional da Diretiva 85/374/CEE – que o fornecedor não é responsável se demonstrar que “no momento relevante, o estado dos conhecimentos científicos e técnicos não permitia esperar que um fabricante de produtos análogos ao produto de que se trate teria podido descobrir o defeito se este tivesse existido em seus produtos enquanto estes permaneciam sob seu controle”. Considerou-se que o teor literal deste dispositivo, quando faz referência ao que se espera de um fabricante de produtos análogos ao produto de que se trate, autorizava ter em conta os conhecimentos subjetivos que tem um fabricante normalmente diligente, levando-se em conta as precauções usuais no setor industrial em questão. Esta impugnação, todavia, foi rechaçada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades, em sentença proferida em 29 de maio de 1997, sob os argumentos de que o Consumer Protection Act, da mesma forma que a Diretiva européia, faz recair sobre o fornecedor a prova da excludente de responsabilidade; o dispositivo da lei nacional não apresenta nenhuma restrição ao estado e grau dos conhecimentos técnicos e científicos que devem ser levados em consideração no momento relevante; o teor literal do dispositivo não permite entender que a aplicação da excludente dependa dos conhecimentos técnicos e científicos de um fornecedor normalmente diligente; por fim, o Tribunal de Justiça considerou que o alcance das disposições internas de transposição da Diretiva comunitária deve ser apreciado tendo em conta a interpretação a elas dadas pelos Tribunais nacionais e não se tinha invocado na ação proposta nenhuma decisão dos tribunais ingleses que fosse contrária ao disposto na Diretiva européia. Toda esta controvérsia é recordada por María Paz Rubio, “Los riesgos de desarrollo en la responsabilidad por daños causados por productos defectuosos”, cit., p. 69, nota 10.

[66] Afirma o mesmo João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 512) que “não sendo o estado da arte um conceito determinado e fechado, mas um conceito movente carecido de aferição nas circunstância do caso, a sua moldura deve ser a possibilidade científica e técnica que se haja imposto no respectivo domínio e tenha passado a estar à disposição geral, mesmo que não seja ainda a praticada no respectivo ramo industrial. Ao acatamento deste novo e mais atual estado geral da ciência e da técnica, sem fronteiras ou limites territoriais, é que o produtor está vinculado, e não a um anterior, ainda que vazado na práxis industrial” (grifos no original).

[67] Nas palavras de João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 514) “a concepção da culpa como conduta deficiente toma como padrão o homem médio e normal, enquanto o estado da arte tido como possibilidade tecnológica acaba por ter por estalão o produtor ideal – aquele fabricante que observa no seu campo ou especialidade o mais avançado estado da ciência e da técnica, mesmo que ainda não praticado pelo produtor normal” (grifos no original). Em passagem anterior (p. 513) o mesmo Autor já salientara “que o estado da arte ou estado da ciência e da técnica é critério da cognoscibilidade do defeito e não padrão da conduta do produtor (…). O que conta, pois, é a impossibilidade absoluta, a impossibilidade geral da ciência e da técnica para descobrir a existência do defeito, e não a impossibilidade subjectiva do produtor; relevante é que as possibilidades objectivas de conhecimento do defeito não existam em geral no mundo, que os riscos e vícios do produto não sejam pura e simplesmente cognoscíveis” (grifos no original).

[68] São palavras de João Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 521): “O já conhecido estalão do estado da ciência e da técnica serve de linha de fronteira entre os defeitos de concepção e os chamados defeitos do desenvolvimento, ficando, do primeiro lado, os riscos conhecidos, cognoscíveis ou previsíveis, e, do outro, os riscos ignotos, incognoscíveis ou imprevisíveis: por aqueles, o produtor responde na base da culpa ou independentemente de culpa; por estes, o produtor não é responsável. Deste modo, o estado dos conhecimentos técnicos e científicos, tal como o entendemos, constitui a pedra de toque da responsabilidade ou irresponsabilidade do produtor: da responsabilidade pelos defeitos de concepção e informação; da irresponsabilidade pelos riscos do desenvolvimento” e remata dizendo “que, pela sua natureza, os riscos do desenvolvimento podem ser assimilados aos defeitos de concepção, funcionando como uma espécie de vasos comunicantes: riscos que num certo estádio dos conhecimentos científicos e técnicos constituem defeitos do desenvolvimento, num estádio ulterior do progresso técnico e científico já serão defeitos de concepção ou projecto”. O Autor fornece o exemplo do anticoagulante Factor VIII que terminou por acarretar efeito danoso (AIDS) nos hemofílicos. Se no “momento da colocação em circulação do Factor VIII o estado da ciência e da técnica permitia detectar o efeito danoso nos hemofílicos – a sida – teremos um caso de defeito de concepção, pelo qual o produtor é responsável pelo menos objectivamente, porque encarado como produtor ideal; mas se esse mesmo defeito não era detectável pelo estado da ciência e da técnica contemporâneo da sua emissão no mercado, o caso já será de riscos do desenvolvimento e o produtor não responderá pelos respectivos danos”.

Também para Maria Angeles Parra Lucan (Daños por productos defectuosos, cit., pp. 522/525), na hipótese de riscos do desenvolvimento, o produto é objetivamente defeituoso, recordando que, por se tratar de responsabilidade objetiva, “nada importa que o produtor não conhecesse ou inclusive que, dado o estado dos conhecimentos científicos e técnicos do momento em que o produto foi posto em circulação, não pudesse conhecer o caráter defeituoso do produto”. Critica em seguida a doutrina que tenta afastar o caráter defeituoso do produto sob o fundamento de que ninguém pode esperar mais do que a própria ciência é capaz de fornecer no momento da introdução do produto no mercado. Para a Autora a referência a este momento “não se encaminha a excluir os danos ocasionados pelos riscos do desenvolvimento, como já vimos, mas a proteger o produtor das demandas por danos causados por um produto que, quando posto em circulação, oferecia a segurança que legitimamente cabia esperar”. Assim, a questão pode ser posta nos seguintes termos: “com caráter geral pode imaginar o público que o medicamento que está usando durante anos de acordo com a prescrição facultativa e que se adquire sem problemas na farmácia produz câncer? Não era legítimo esperar que a thalidomida não tivesse nenhuma conseqüência danosa para o menino que levava em seu interior a mãe?” Para a Autora, portanto, a exclusão de responsabilidade do fornecedor na hipótese de riscos do desenvolvimento somente se justifica por outros pressupostos, como, por exemplo, a necessidade de se evitar o retraimento da pesquisa e da inovação tecnológica e industrial. É, em última análise, uma “opção política”, que termina afastando o “sistema de responsabilidade geral previsto no texto comunitário, no qual se prescinde da culpa do produtor”, pois “para os riscos do desenvolvimento o art. 7°.e) da Diretiva permite ao produtor demonstrar que não atuou negligentemente”.

A visão do defeito de desenvolvimento como espécie do gênero defeito de concepção também tem acolhida no Brasil. Neste sentido podem ser vistos Antônio Herman Benjamin (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., p. 67), Eduardo Arruda Alvim (“Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto no Código de Defesa do Consumidor”, cit., p. 148) e Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 489). Este último Autor, contudo, entende que a hipótese recebe melhor enquadramento como caso de “fortuito interno – risco integrante da atividade do fornecedor –, pelo que não exonerativo da sua responsabilidade”.

Podem também ser consultados como autores que defendem a responsabilidade do fornecedor na hipótese de riscos do desenvolvimento: Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, pp. 248/250; Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 111; Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor, cit., pp. 317/321; Adalberto Pasqualotto, “A responsabilidade civil do fabricante e os riscos do desenvolvimento”, in AJURIS, número 59, Porto Alegre, s/ed., 1993, p. 165 e Fabiana Maria Martins, “Sociedade de risco e o futuro do consumidor”, cit., p. 138.

[69] Gustavo Tepedino, “A Responsabilidade Médica na Experiência Brasileira Contemporânea”, cit., p. 68. Este pensamento foi posteriormente confirmado na terceira edição de sua obra Temas de Direito Civil, cit., p. 274, onde o Autor afirma que “para o Código do Consumidor, convém insistir, defeito não se confunde com nocividade (há inúmeros produtos, na praça, que, embora nocivos, não são defeituosos, desde que as informações prestadas pelo fornecedor esclareçam bem o seu grau de nocividade). E não há defeito imputável ao fornecedor quando, nos termos do art. 12, § 1°, III, tendo em conta a época em que o produto foi posto em circulação, inexiste vício de insegurança, consubstanciado na ruptura entre o funcionamento do produto ou serviço e o que deles espera legitimamente o consumidor, com base no atual conhecimento científico”.

Semelhante conclusão fora anteriormente apresentada por James Marins (Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., p. 136), segundo o qual, na hipótese de riscos do desenvolvimento, há defeito juridicamente irrelevante, incapaz de gerar responsabilidade civil, pois esta só tem lugar na hipótese de defeito juridicamente relevante (defeito de informação, defeito de produção e defeito de criação). Em verdade, na hipótese de riscos de desenvolvimento, não há defeito de informação, pois os riscos eram “incognoscíveis pelo homem em seu estágio científico evolutivo”, não havendo “falsidade, insuficiência ou omissão de informação relevante sobre o produto”; não há defeito de produção pois “a característica desta espécie de imperfeição é que não atinge todos os produtos, mas apenas alguns, ou uma série atingida por falha meramente produtiva de sua industrialização, o que não é o caso para riscos de desenvolvimento que atingem toda a produção indistintamente”; não seria igualmente defeito de criação pois “o produto foi concebido sem qualquer espécie de falha de projeto ou fórmula então cognoscível pelo homem, isto é, no momento de sua introdução em circulação, não decorriam do projeto ou da fórmula do produto qualquer espécie de risco à saúde ou segurança dos consumidores”. E conclui o Autor afirmando que, se se levar em conta a época em que o produto foi posto em circulação, circunstância obrigatoriamente relevante (art. 12, § 1°, III), a hipótese seria realmente de inexistência de defeito, pois “qualquer expectativa de segurança somente é legítima se não pretender que o produto possa superar o próprio grau de conhecimento científico existente quando de sua introdução no mercado”, estando a hipótese subsumida na regra do art. 12, § 3°, II, inexistindo responsabilidade do fornecedor.

Também pode ser visto como autor contrário à responsabilização do fornecedor na hipótese de riscos do desenvolvimento Fábio Ulhoa Coelho, O empresário e os direitos do consumidor: o cálculo empresarial na interpretação do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Saraiva, 1994, pp. 82/89. Para este Autor, contudo, a excludente tende a ser futuramente afastada, no momento em que “cálculos atuariais permitirem constatar que o socorro às vítimas de acidente de consumo originado por risco de desenvolvimento não mais comprometeria os investimentos em pesquisa científica e tecnológica” (p. 89).

[70] A expressão é apresentada por James Marins, Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto, cit., p. 133.

[71] Neste sentido deve ser lembrado que a Comissão Européia já encomendou à Lovells a realização de um estudo específico sobre o impacto econômico da remoção da defesa fundada nos riscos do desenvolvimento, mas que até o momento não foi concluído (este dado consta do já referido relatório sobre a Responsabilidade do Produto na União Européia).

[72] Aqui também pode ser visto o já referido relatório elaborado por Lovells a pedido da Comissão Européia, segundo o qual “há um ponto de vista cada vez maior, particularmente entre advogados e acadêmicos, de que a defesa é lida tão estritamente como sendo de pouco valor prático para os produtores na sua forma atual”. Acrescenta ainda que “parece haver só um exemplo reportado de quando a defesa foi usada com êxito”, contudo “é interessante notar que um tribunal do Reino Unido decidiu num caso posterior que não havia defesa em circunstâncias semelhantes”, sendo esta decisão uma de “pelo menos seis casos reportados na UE em que os réus falharam nas suas tentativas de confiar na defesa”.

[73] Certamente que não se está falando aqui dos danos amplamente previsíveis para o consumidor, como aqueles resultantes da utilização de uma faca de cozinha afiada ou da queda no assoalho. Pensamos, ao contrário, nos danos decorrentes, por exemplo, da utilização de remédios, danos estes de que a história, infelizmente, dá testemunho em número elevado de vítimas.

[74] Atende-se assim, com efeito, a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a saber, a promoção e defesa da dignidade da pessoa humana (Constituição da República, art. 1°, III).

[75] Lembre-se em favor desta tese que é um princípio da Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4°, III do CDC) a “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores” (grifamos).

[76] “Art. 205. A prescrição ocorre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

[77] “Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.

[78] A necessidade da atuação legislativa é igualmente encarecida por Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e a defesa do fornecedor, cit., p. 320) e por Gustavo Tepedino, “A Responsabilidade Civil por Acidentes de Consumo na Ótica Civil-constitucional”, cit., p. 274, embora este último Autor, como visto, entenda não ser possível a responsabilidade do fornecedor pelos riscos do desenvolvimento, uma vez que inexistiria defeito no produto ou serviço. Mas acompanhamos o entendimento deste último quando afirma (p. 273): “Cuidando-se de responsabilidade objetiva, não seria consentido ao intérprete admitir excludente não prevista em lei, fonte da responsabilidade objetiva. Daí o acerto da legislação européia em tratar expressamente do tema, evitando-se imprecisões ou incertezas. Na realidade brasileira, tratando-se de responsabilidade objetiva, tanto os pressupostos para deflagrar o dever de reparar quanto as excludentes só podem ser extraídos da fonte legislativa, no caso, o Código de Defesa do Consumidor. Seria arbitrário tanto a admissão de excludente não prevista em lei, quanto a responsabilização que não encontrasse respaldo dos pressupostos legislativos que lhe dão origem (fonte da responsabilidade objetiva)”.

[79] Idêntico entendimento observa-se no Enunciado 43 da Comissão responsável pelo tema da responsabilidade civil quando da realização da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal, em setembro de 2002. Afirma referido Enunciado que “a responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no art. 931 do novo Código Civil, também inclui os riscos do desenvolvimento”.


Informações Sobre o Autor

Marcelo Junqueira Calixto

Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Adjunto do Departamento de Direito da PUC-Rio. Professor dos cursos de Pós-Graduação da PUC-Rio, FGV, UERJ e UCAM. Advogado. Conferencista da EMERJ e da ESAP. Advogado.


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