O nascituro e sua personalidade jurídica

Resumo: O princípio da personalidade jurídica é um tema polêmico e divergente entre diversos doutrinadores, substancialmente em relação ao momento em que de fato se inicia a personalidade do indivíduo. O presente artigo apresenta as teorias que descrevem a natureza da personalidade jurídica e os reflexos da doutrina jurídica acerca dos direitos e garantias do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro.[1]

Palavras-chave: Personalidade jurídica. Nascituro.

Abstract: The principle of juridical personality is a controversial and divergent theme among several doctrinators in relation to the moment in which the personality of the individual actually begins. This article presents the theories that describe the nature of the legal personality and the reflexes of the legal doctrine about the rights and guarantees of the unborn child in the Brazilian legal system.

Keywords: Legal Personality. Unborn.

Sumário: Introdução. 1. Nascituro. 2. Personalidade jurídica. 3. Teorias da personalidade jurídica. 3.1 Teoria natalista. 3.2 Teoria da personalidade condicional. 3.3 Teoria concepcionista. 4. Processos judiciais referentes à personalidade do nascituro. 4.1 Indenização por danos morais ao nascituro pela morte de seu pai. 4.2. Rafinha Bastos é condenado a indenizar à família de Wanessa Camargo. 4.3 Pagamento de indenização do seguro obrigatório por acidente de trânsito pela morte do nascituro. Conclusão.  Referências bibliográficas

Introdução

É de suma importância à necessidade de reflexão sobre a situação jurídica do nascituro, o início da sua personalidade civil é muito debatida no âmbito jurídico, principalmente em relação a quais direitos e garantias lhe são atribuídas.

O reconhecimento de direitos inerentes ao nascituro possui diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais. É uma situação que ainda remeterá diversas discussões até que se encontre um consenso.

A presente pesquisa, de natureza exploratória e qualitativa, contempla o método indutivo de investigação e parte do registro de fatos particulares para se chegar à conclusão ampliada.

Inicialmente apresentaremos conceitos básicos referentes ao tema, posteriormente serão citadas as correntes nas quais se divergem as doutrinas e finalmente quais as consequências referentes à aplicação de uma ou outra corrente em processos judiciais.

1. Nascituro

Ferreira (2010, p.1453) descreve o nascituro da seguinte maneira: “Que há de nascer; Aquele que há de nascer; O ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como evento futuro e certo”.

Nascituro é aquele que irá nascer, que foi gerado, não se desligou do ventre materno e não nasceu ainda, diferentemente dos embriões produzidos e mantidos em laboratórios.

A questão abordada não está pautada no conceito de nascituro, mas no âmbito jurídico em relação ao surgimento da sua personalidade civil.

2. Personalidade jurídica

A personalidade jurídica baseia-se na capacidade genérica que um indivíduo tem de ser titular de diretos e obrigações, sendo um atributo indispensável para se tornar um sujeito de diretos.

O Código Civil brasileiro estabelece em seu artigo 2º que: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”.

De acordo com o artigo citado anteriormente a personalidade jurídica se inicia a partir do nascimento e aqueles que ainda estiverem por nascer terão seus direitos resguardados e garantidos desde a concepção.

Nos termos de nossa legislação surge um impasse, o nascituro pode titularizar direitos sem possuir personalidade, pois ela se inicia com o nascimento com vida.

Diante das controvérsias que delimitam sobre o início da personalidade se faz necessário um estudo mais detalhado a respeito das teorias fundamentais relativas ao princípio da personalidade.

3. Teorias da personalidade jurídica

Há três teorias referentes ao inicio da pessoa natural: a teoria natalista, a teoria da personalidade condicional e a teoria concepcionista. A seguir apresentaremos o posicionamento de cada uma delas.

3.1 Teoria natalista

A teoria natalista se baseia na interpretação literal e simplificada da lei, relata que a personalidade jurídica começa com o nascimento com vida, inexistindo quaisquer expectativas de direitos antes dele.

De acordo com Pereira (2007, p.153):

“O nascituro não é ainda pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito.”

Os doutrinadores que seguem essa linha de raciocínio não conferem personalidade jurídica ao nascituro, garantindo esse direito somente com o nascimento com vida.

3.2 Teoria da personalidade condicional

A teoria da personalidade condicional defende a personalidade jurídica do nascituro sob a condição de que ele nasça com vida, sem o nascimento com vida não haverá aquisição da personalidade.

Pussi (2008, p.87) relata que:

“A teoria da personalidade condicional é a que mais se aproxima da verdade, mas traz o inconveniente de levar a crer que a personalidade só existirá depois de cumprida a condição do nascimento, o que não representaria a verdade visto que a personalidade já existiria no momento da concepção.”

Segundo os doutrinadores que defendem essa teoria o nascituro possui uma personalidade condicional, subordinando sua eficácia a um evento futuro e incerto.

3.3 Teoria concepcionista

De acordo com a teoria concepcionista o nascituro é pessoa humana desde a concepção, sendo-lhe garantidos os direitos inerentes à personalidade.

Segundo Pamplona Filho e Araújo (2007):

“A doutrina concepcionista tem como base o fato de que, ao se proteger legalmente os direitos do nascituro, o ordenamento já o considera pessoa, na medida em que, segundo a sistematização do direito privado, somente pessoas são consideradas sujeitos de direito, e, consequentemente, possuem personalidade jurídica. Dessa forma, não há que se falar em expectativa de direitos para o nascituro, pois estes não estão condicionados ao nascimento com vida, existem independentemente dele.”

Seguindo o mesmo raciocínio, Diniz (2010, p. 36-37) afirma que:

“Uma vez tendo o Código Civil atribuído direitos aos nascituros, estes são, inegavelmente, considerados seres humanos, e possuem personalidade civil. Ademais, entende que seus direitos à vida, à dignidade, à integridade física, à saúde, ao nascimento, entre outros, são muito mais decorrência dos direitos humanos guarnecidos pela Constituição Federal do que da determinação do Código Civil.”

4. Processos judiciais referentes à personalidade do nascituro

Diversos casos já foram julgados no âmbito jurídico brasileiro em relação à personalidade do nascituro, apresentamos a seguir algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça.

4.1 Indenização por danos morais ao nascituro pela morte de seu pai

De acordo com Tartuce (2017, p.117), seguindo a teoria concepcionista o STJ julgou em 2002 a seguinte ação:

“Direito civil. Danos morais. Morte. Atropelamento. Composição férrea. Ação ajuizada 23 anos após o evento. Prescrição inexistente. Influência na quantificação do quantum. Precedentes da Turma. Nascituro. Direito aos danos morais. Doutrina. Atenuação. Fixação nesta instância. Possibilidade. Recurso parcialmente provido. I – Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II – O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. III – Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional (STJ, REsp 399.028/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 26.02.2002, DJ 15.04.2002 p. 232).”

4.2 Rafinha Bastos é condenado a indenizar à família de Wanessa Camargo

Em 2015 o STJ reconheceu a presença de danos morais ao nascituro devido a uma piada grosseira feita em rede nacional pelo humorista Rafinha Bastos, ele foi condenado a pagar 10 salários mínimos a título de indenização para cada um dos autores da ação: Wanessa Camargo, Marcus Buaiz, seu marido, e o filho do casal (nascituro).

4.3 Pagamento de indenização do seguro obrigatório por acidente de trânsito pela morte do nascituro

Tartuce (2017, p.118) relata que o STJ também considerou o feto como pessoa humana na seguinte processo julgado em 2011:

 “Recurso Especial. Direito securitário. Seguro DPVAT. Atropelamento de mulher grávida. Morte do feto. Direito à indenização. Interpretação da Lei 6194/74. 1 – Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação. 2 – Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto. 3 – Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intrauterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. 4 – Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei 6.194/74 (arts. 3.º e 4.º). 5 – Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido (STJ, REsp 1.120.676/SC, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ Acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 07.12.2010, DJe 04.02.2011).”

Conclusão

Não houve um posicionamento concreto no direito brasileiro a respeito do nascituro, pois afirma que a personalidade tem início a partir do nascimento com vida, mas também resguarda vários direitos desde a concepção.

Foram expostos diversos aspectos referentes à personalidade jurídica do nascituro, desde sua conceituação até as correntes doutrinárias relacionadas ao início da sua personalidade. É indiscutível a importância jurídica desse tema e o ponto crucial da discussão se refere quando se inicia de fato a atribuição de sujeito de direitos que o nascituro necessita para que lhe sejam concedidos todos demais direitos inerentes a qualquer pessoa.

Diante de todo o exposto observarmos que atualmente prevalece no cenário civilista brasileiro o entendimento de que o nascituro possui direitos de personalidade elencados pela teoria concepcionista, estendendo a protetividade das normas de direitos também aos que se encontram no ventre materno.

 

Referências
BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 04 de novembro de 2017.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2010.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua
portuguesa
. 5ª edição. Curitiba: Positivo, 2010.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. A tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 18, p. 33-48, maio/jun 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Direito de
Família. Vol. V. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
PUSSI, William Artur. Personalidade jurídica do nascituro. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2008.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Lei de Introdução e Parte Geral. 13ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
 
Nota
[1] Artigo orientado pela Profa. Ana Luiza Rocha de Melo Santos. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Itaúna em 2014 – Pós-graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina em 2009 – Graduada em Direito pela PUC Minas em 2004.


Informações Sobre os Autores

Filipe Aquino da Silva

Acadêmico de Direito na Faculdade Pitágoras

Josceli Rodrigues da Fonseca Junior

Acadêmico de Direito na Faculdade Pitágoras


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