Os direitos da personalidade sob a ótica dos direitos fundamentais

Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar os direitos da personalidade sob o enfoque dos direitos fundamentais. Verifica-se, no Direito o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, desta forma, analisamos o tema com o foco na Constituição da República de 05 de Outubro de 1988, para tanto, o texto volta à história, para contar como nasce a positivação dos direitos fundamentais, passando pelo Código Napoleônico, até chegar à alteração do foco, segundo o qual, o novo paradigma do Direito Civil passa a ser a pessoa humana, com vistas ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Direitos da Personalidade; Direito Civil; Direito Constitucional; Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Abstract: This article aims to study the personality rights under the focus of fundamental rights. There is no right the phenomenon of constitutionalisation of Civil law, in this way, we analyze the matter with focus on the Constitution of the Republic of October 5, 1988, for both the text back, story to tell of how a affirming of fundamental rights, passing by Napoleonic, until you reach the focus process, whereby the new paradigm of Civil law has become a human person with the principle of human dignity.

Keywords: fundamental rights; Personality rights. Civil Law; Constitutional Law; The principle of human dignity.

Sumário. Introdução; 2. Desenvolvimento. 2.1 A Revolução Francesa como marco dos direitos fundamentais; 2.2. A visão oitocentista influenciadora do Código Civil de 1916; 2.3. Alteração do foco: ser versus ter. Novos Paradigmas do Direito Civil-constitucional; 2.4 A dignidade da pessoa humana como núcleo dos direitos da personalidade; Conclusão; Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa tecer considerações acerca dos direitos da personalidade. Tais direitos têm previsão no Código Civil de 2002, a partir do art. 11, mas não consubstanciam apenas direitos privados egoístas, pelo contrário, a nova codificação civil unida à contemporânea leitura das regras de direito privado[1] vai além.

Para explicar o alcance das normas relativas aos direitos da personalidade, demos a ela o devido enfoque constitucional, ou seja, olhamos para tais normas com a atenção voltada para os direitos fundamentais, notadamente o princípio da dignidade humana, que apesar de não ser propriamente um direito fundamental, é fundamento da República Federativa do Brasil.

Assim, optamos, neste trabalho, por tecer alguns comentários sobre a carga histórica dos direitos fundamentais, entendendo-os no seu “nascedouro”. Tal histórico nos condiciona inexoravelmente a entender que as coisas têm preço, as pessoas, dignidade[2].

Tal visão, contudo, não era observada pelo Código Civil de 1916, que segundo consta, era marcado por uma visão patrimonialista. Porém, com a Constituinte de 1988, novos paradigmas foram lançados e o foco, alterado. O que no Código de 1916 era valorado em bens, no Código Civil de 2002 foi alçado a algo quase intangível, a citar, p. ex., a proteção patrimonial do bem de família.

Por fim, não se pode olvidar, num trabalho em que se quer analisar direitos inerentes ao ser humano, pelo simples fato de ser pessoa, a dignidade da pessoa humana com seus principais desdobramentos.

A doutrina mais moderna é a base de nossos esforços, bem assim, como a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. A Revolução Francesa como Marco dos Direitos Fundamentais

Houve uma época em que a Igreja detinha o Poder. A noção de Estado era tímida demais, ficando apenas no campo das ideias de Aristóteles. O Papado, porém, impunha seus credos, não aceitando outro pensamento acerca de Deus ou da espiritualidade senão aquele que ele pregava. Este fato fez com que a Igreja se impusesse com violência sobre aqueles que a desafiavam[3].

A Igreja foi perdendo poder, e assim reagiu de forma violenta, notadamente contra protestantes, que cristalizavam a Reforma, sob a inspiração e a liderança de Luthero e Calvino[4]. Os escritores da época começaram a publicar suas ideias. Os principais foram Jean Bodin e Giovani Botero. A Igreja perdeu a batalha assinando o Tratado Paz de Vestfália, em 1648, assegurando liberdade de culto para católicos e protestantes e pondo fim à Guerra dos Trinta Anos, que devastava a Europa Medieval.

Aproveitando tal situação o Rei tomou o Poder e o concentrou, por inteiro, em suas mãos. Em contrapartida àquela doutrina monarcolatra[5], alguns autores se levantaram contra o absolutismo monárquico. O grande precursor desta reação antiabsolutista foi John Locke, que com uma pregação racionalista, fugindo da teologização incutida na mente do povo pela Igreja, entendia que a soberania do povo deveria limitar a autoridade real.

Luiz XIV se autodenominava Rei Sol, o paradigma dos monarcas. Com toda a sua prepotência se dizia o próprio Estado (L’Etat c’est moi). Seguindo ainda a linha teológica do Estado Medieval, que tinha a Igreja com o poder de sujeitar os reis, Luiz XV chegou a declarar textualmente que “nós não temos a nossa coroa senão de Deus e o direito de fazer as leis nos pertence sem coparticipação ou dependência[6]”(grifamos).

O liberalismo começou a ganhar forças. Unindo-se às ideias de Locke outros pensadores externavam as suas convicções. Montesquieu pregou a separação dos poderes, atingindo assim o fundamento do absolutismo, que era ter concentrado no Rei o Poder. E o abade Emmanuel Sieyés, por sua vez, firmou as bases da soberania do povo, com a publicação de “O que é o Terceiro Estado”, no qual ensinava que a soberania estava com o povo.

Sob esta nova concepção político-filosófica, instituía-se o Estado Liberal. Sendo que a Assembleia Nacional passava a representar a vontade da maioria. E foi através dela que foi criada a Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem.

Pronto. Ai está um primeiro documento formal a tratar de direitos fundamentais de que se tem notícia. Porém, ainda se vinculava à ideia de direitos naturais, todavia foi a primeira positivação deles.

Em que pese ter sido, o Estado Liberal, a maior evolução do Estado, ele não deixou de cometer seus erros, que o levaram à decadência.

Tenha-se presente que não foi apenas o ideário político-filosófico que depôs o Rei e instituiu a Assembleia Nacional, senão que a ajuda burguesa que necessitava de liberdade para contratar, sem interferências estatais exageradas.

Está aí o grande erro.

A liberdade tão sonhada pela burguesia e tão útil ao exército napoleônico, instituiu o Código Civil Francês de 1808, que se baseava num tripé: proteção da vida, à segurança e, principalmente, à propriedade.

Nas precisas palavras de Sahid Maluf, “o liberalismo que se apresentara perfeito na teoria bem cedo se revelou irrealizável por inadequado à solução dos problemas reais da sociedade. Converteu-se reino da ficção, com cidadãos teoricamente livres e materialmente escravizados”.

Talvez o liberalismo tenha sido bom apenas para a burguesia, que cada vez mais enriquecia, enquanto que o trabalhador se tornava escravo. Essa escravidão se acentua com a Revolução Industrial que começou a colocar na rua milhares de operários. Seu trabalho era remunerado de modo ínfimo em contrapartida de 15 horas de trabalho. A família inteira tinha que estar no trabalho para sustentar a casa e a velhice precoce transformava o trabalhador jovem, com aparência de velho, a pedir esmolas.

Perceba-se como o liberalismo que pregava tanta liberdade, em verdade escravizava os donos do poder, ao passo que as minorias com cada vez mais intensidade enriquecia. Era o ter sobre o ser!

Por mais paradoxal que seja, foi a própria Igreja quem percebeu isto. Através da Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, formalmente se opõe ao pernicioso quadro. Vale a pena transcrever um pequeno trecho do Pontífice neste ensaio sobre direitos fundamentais e da personalidade, litteris:

“O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como vis instrumentos de lucro e não os estimar senão na proporção do vigor de seus braços. Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário, ou do de sua família, nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências impõem à sua pessoa. Mas desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres[7]”.

É no Estado Social que o Homem é visto como sujeito de direitos para além da liberdade, vida e propriedade. O Homem ganha finalmente dignidade. Agora, o marco deste novo modelo estatal são as constituições Mexicana de 1917 e a da República de Weimar, na Alemanha, datada de 1919. A doutrina informa que tais constituições preenchiam um catálogo de direitos fundamentais, a reconhecer a pessoa com a sua correlata dignidade.

Mas não se pode deslembrar que a História ainda passa por momentos de perda da humanidade, isto é, de ver a pessoa como objeto, como meio e não como fim em si mesmo. A exemplo, podemos mencionar as duas grandes guerras, os horrores do nazismo e modernamente o terrorismo mulçumano.

Contudo, a humanidade ganhou muito positivando os direitos humanos, tornando-os fundamentais através de um catálogo de direitos dentro da Carta Política de um Estado, sem prejuízo do Direito Cosmopolita, veiculado nos Tratados Internacionais.

2.2. A visão oitocentista influenciadora do Código Civil de 1916

O modelo liberal de Estado como óbvio influenciou as codificações da época. Na própria França, pouco tempo depois da Revolução Francesa, criou-se o Código Civil Napoleônico, de 1808, que como afirmado alhures, tinha um conteúdo extremamente patrimonialista.

Esta codificação influenciou sobremaneira o nosso Código Civil de 1916. No entanto, a gênese do nosso Direito Civil, encontra amparo nas Ordenações Filipinas, que foram introduzidas no Brasil, por Portugal. Tais Ordenações ainda tiveram aplicação no Brasil, mesmo após a proclamação da República, até que foi editado o nosso Código de 1916, que marcadamente se influenciava nestas Ordenações.

Ocorre que, Portugal, sofria quase diretamente os influxos do liberalismo econômico, notadamente pelo Código Napoleônico, que por esta via influenciou a nossa legislação.

O tom desta legislação oitocentista é justamente a liberdade, liberdade como direito fundamental de primeira geração, importando, na verdade, uma verdadeira abstenção do Estado. O Estado devia ao povo prestações negativas, isto é, de não fazer. Garantiria apenas a vida, a segurança e a propriedade. A autonomia de vontade vigorava no cenário privado, sem possibilidade de intervenção estatal.

E foi com esta visão egoísta, individualista e, sobretudo patrimonialista, que o Código Civil de 1916 se baseou.

Porém esta liberdade, como visto, ocasionou diversos problemas sociais ou nas palavras de SCHREIBER “esta concepção liberal oitocentista, que vigorou por todo o século XIX, não passaria ilesa às profundas transformações do século XX” e continua o eminente doutrinador “os termos da contratação de mão-de-obra no auge do capitalismo industrial demonstravam, com força incontestável, que o manto do direito liberal não era suficiente a esconder as condições aviltantes a que se submetiam os trabalhadores, no ‘livre’ exercício de sua autonomia contratual[8]”.

Isto unido a outros fatores como as Guerras Mundiais, os horrores do holocausto, as bombas atômicas, evidenciaram a extrema fragilidade do Homem. Com isso a legislação sente a necessidade de mudança de paradigma e percebe o Homem como um valor. É o que veremos no próximo item.

2.3. Alteração do foco: ser versus ter. Novos Paradigmas do Direito Civil-constitucional

Como já tratado exaustivamente, as codificações anteriores foram marcadas pelo liberalismo econômico que vigorou no século XIX. Característica marcante deste estado é a autonomia de vontade, porém, esta autonomia levou a abusos, e mais, levou à miséria o povo francês.

Assim, percebe-se que o foco da codificação era justamente o patrimonialismo. O sujeito era visto pelo que tinha, não pela pessoa humana, que era.

A personalidade era concebida como a aptidão para a aquisição de direitos subjetivos patrimoniais, um sinônimo para a capacidade de direito[9]. Também no dizer de ROSENVALD “as codificações liberais conceberam a personalidade à semelhança do direito de propriedade[10]”.

Ainda em relação à criação de direitos subjetivos relativos aos direitos da personalidade a doutrina narra que houve, no passado um entendimento de que não se formariam direitos subjetivos inerentes à personalidade. Tal teoria é a negativista.

Para esta teoria, a titularidade de direitos da personalidade não poderia ao mesmo tempo ser considerada com objeto dele, o que para Savigny, autorizaria a legitimação do suicídio ou mesmo a autolesão[11]. Para esta doutrina, estaria englobado na categoria do ‘ter’ o direito à vida, à honra, à saúde, etc.

Outro, porém é o ensinamento de PERLINGERI, para quem “esta matéria não se pode aplicar o direito subjetivo elaborado sobre a categoria do ‘ter’[12]”. Para este autor, o foco é a pessoa, que está na categoria do “ser” e nesta categoria “não existe dualidade entre sujeito e objeto, por que ambos representam o ‘ser’ (…) torna-se necessidade lógica reconhecer, pela especial natureza do interesse protegido, que é justamente a pessoa a constituir ao mesmo tempo o sujeito titular do direito e o ponto de referência objetivo da relação[13]”.

Compartilha mesmo entendimento TEPEDINO, ao afirmar que “tem-se a personalidade como conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico. A pessoa, vista deste ângulo, há de ser tutelada das agressões que afetam a sua personalidade, identificando a doutrina, por isso mesmo, a existência de situações jurídicas subjetivas oponíveis erga omnes[14]” (grifamos).

Mas como diz PERLINGIERI, onde o objeto de tutela é a pessoa, a perspectiva deve mudar[15]. A começar pela Revolução Industrial. Neste momento histórico podemos notar que os trabalhadores começaram a ser substituídos pelo maquinário, vale dizer, uma máquina tirava o emprego de centenas de trabalhadores, isto era melhor para o empregador, que gastava menos com mão-de-obra. Nitidamente se nota que o valor dado ao homem era justamente o seu salário, aferível em dinheiro.

Depois da Revolução Francesa, outro marco importante no Direito Constitucional, com reflexos no direito civil, foram as Constituições Mexicana de 1917 e da República de Weimar, na Alemanha, de 1919, que traziam em seu bojo, uma gama de direitos sociais, que começaram a ver a pessoa sob o seu real prisma: um ser humano.

Enquanto isto acontecia, o nosso Código de 1916 surgia sem contar com um capítulo próprio destinado à proteção da personalidade, pois a pessoa era acautelada pelo que tinha, não pelo que efetivamente era[16]. Mas o cenário começou a mudar. No entanto, precisamos de duas guerras, do totalitarismo na Itália e na Alemanha, mais modernamente atentados terroristas. Com isso o ser humano passou a ter positivado os direitos da personalidade no sentido de ver seus direitos, enquanto pessoa, garantidos.

É certo que a dignidade da pessoa humana é de longa data. Podemos vê-lo na literatura grega Antígona, na qual, a personagem homônima debatendo com Creonte, diz que, embora conheça do Decreto ao qual desobedecera, assim o fez, pois havia direitos ainda maiores que o dele. O Cristianismo também pode ser apontado como propagador de direitos fundamentais, ao afirmar que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. No Alcorão, há dispositivo que diz que o homem que mata outro homem, assassina toda a sociedade.

Mas para o Direito, temos referências raras na História. A começar pela própria Declaração dos Direitos do Homem, elaborada pelos pensadores da Revolução Francesa, mas volta-se a afirmar, que os horrores da Guerra deram um grande passo para o reconhecimento dos direitos da personalidade, sendo mesmo, promulgado em 1948, pela ONU, a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Esta declaração é tão importante para o reconhecimento da humanidade do Homem que levou Paulo Bonavides a comparar o feito da Revolução com o próprio Cristianismo, verbis: “Escreveram os ingleses a Magna Carta, o Bill of Rights, o Instrument of Government; os americanos, as Cartas coloniais e o Pacto Federativo da Filadélfia, mas só os franceses ao lavrarem a Declaração Universal dos Direitos do Homem, procederam como havia procedido o apóstolo Paulo com o Cristianismo. Dilataram as fronteiras da nova fé política. De tal sorte que o governo livre deixava de ser a prerrogativa de uma raça ou etnia para ser o apanágio de cada ente humano; em Roma, universalizou-se uma religião; em Paris, uma ideologia. O homem-cidadão sucedia ao homem-súdito[17]” (grifamos), daí afirmarmos que o marco dos direitos fundamentais repousa da Revolução.

Os Códigos Civis francês, alemão e italiano eram silentes em relação aos direitos da personalidade, e estes eram os paradigmas do nosso Código de 1916, mas a Codificação de 2002 venceu todo este histórico e num sem precedentes no Brasil, instituiu-se uma legislação baseada na eticidade, solidariedade e boa-fé, tornando o homem reificado em um sujeito de direitos de acordo com sua principal característica, a humanidade.

Nessa baila de direitos fundamentais e com a modificação do pensamento constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana começa a surgir e, de acordo com Nelson Rosenvald “a reconstrução do conceito de pessoa, com a exaltação do ser por suas qualidades intrínsecas e não pela sua conjuntura econômica, deve ser creditada ao princípio da dignidade da pessoa humana, como valor fundante de toda ordem privada[18]”.

2.4. A dignidade da Pessoa Humana como núcleo dos direitos da Personalidade

Pois bem, sendo a dignidade da pessoa humana o valor fundante de toda ordem privada, tratemos dela.

A dignidade da pessoa humana orienta diversas relações jurídicas. Podemos ver sua aplicação em diversas passagens da jurisprudência, como, v.g., quando o STJ julgou procedente pedido de certa mãe a levantar seu saldo de FGTS para ajudar no tratamento de AIDS de seu filho[19]; ou quando o Supremo concedeu prisão domiciliar para idoso com problemas de saúde, em que pese ter cometido crime hediondo (onde não há previsão legal para esta medida), reconhecendo a condição de princípio fundamental da República[20]. Mais especificamente, dentro dos direitos da personalidade, a jurisprudência também trabalha o princípio, quando reconhece que “o direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana, princípio alçado a fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, inciso III) [21]”, ou quando entende intangível o corpo humano, ocasião em que o Supremo deu basta à situação de levar determinada pessoa coercitivamente para o laboratório a fim de realizar exame de DNA[22], enfim, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana pelos Tribunais Superiores é inconteste.

No presente trabalho, o leitor atento já percebeu que atrelamos os direitos da personalidade aos direitos fundamentais e que estes decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana. Haveria então, uma cláusula geral dos direitos da personalidade?

A resposta que se impõe é afirmativa.

PERLINGIERI reconhece duas teorias quando faz uma crítica aos ditos direitos da personalidade: o reconhecimento de uma cláusula geral dos direitos da personalidade e uma teoria pluralista (que reconhece uma série aberta de direitos [atipicidade] ou fechada [tipicidade]).

Este autor indica o art. 2º da Constituição de seu país (Itália) como uma cláusula geral dos direitos da personalidade e arremata “o seu conteúdo não se limita a resumir os direitos tipicamente previstos por outros artigos da Constituição, mas permite estender a tutela a situações atípicas[23]”.

Na doutrina pátria o entendimento é o mesmo. A dicotomia público-privada (já noticiada em nota de rodapé supra), não encontra mais guarida haja vista o movimento jurídico de constitucionalização do direito. Tal dicotomia deita raízes no liberalismo francês em que se afirmava ser o Código Civil a “constituição privada”. Visto isso, estamos com ROSENVALD[24] quando afirma que os direitos da personalidade quando positivados, convertem-se em direitos fundamentais de igual conteúdo daqueles previstos em Constituição. E ainda com CANOTILHO que adverte “em face da concepção de um direito geral da personalidade como ‘direito à pessoa ser e à pessoa devir’, cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos da personalidade e vice-versa[25]”.

Mas, no nosso ordenamento qual seria a cláusula geral desses direitos da personalidade? A resposta não pode ser outra senão o princípio da dignidade da pessoa humana, pois sendo a dignidade humana o núcleo essencial dos direitos fundamentais e, reconhecendo que quando os direitos da personalidade são positivados ganham conteúdo de direitos fundamentais, será a dignidade da pessoa humana a cláusula geral dos direitos da personalidade.

Estas afirmações nos levam a crer que os artigos 11 e seguintes do Código Civil trazem um rol meramente exemplificativo, já que “nenhuma previsão normativa, porém, adquire pretensão exaustiva nesta seara. As exigências do ser humano não serão condicionadas a tipos rígidos, pois elas assumem dignidade superior[26]”.

A guisa de conclusão deste ponto é importante mencionar que os direitos da personalidade não dependem de tutela específica. Vemos que a Constituição Federal em seu art. 5º, X, assegura tutela à intimidade, vida privada, honra, mas não trata, p. ex., do direito à disposição do próprio corpo. No entanto, “o juiz não poderá negar tutela a quem peça garantia sobre um aspecto de sua existência que não tem previsão específica, por que aquele interesse já tem relevância ao nível de ordenamento e, portanto, uma tutela também em via judicial[27]”.

Isto se dá, por que o Homem é anterior ao ordenamento e, direitos outros, que não encontram previsão no ordenamento, podem ser ameaçados e, não por isso deixarão de receber tutela. Em verdade, o ordenamento serve à pessoa e não a pessoa ao ordenamento.

CONCLUSÃO

Chega-se, por fim, à conclusão de que os direitos da personalidade são atrelados aos direitos fundamentais, devendo ser estudados juntamente com eles, mesmo por que, é na Constituição que encontramos o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, sendo, pois a dignidade da pessoa humana o valor fundamental da República e princípio orientador dos direitos da personalidade.

A história nos conta como se chegou a tal pensamento e, é valorizando os percalços e sofrimentos vividos pela Humanidade que precisamos estudar e tutelar os direitos da pessoa humana, pelo simples fato de ser humana. Mesmo por que é estudando o passado que entendemos o presente e nos projetamos para o futuro.

Basta ver que a Revolução Francesa foi profética. Profética no sentido de que em seu lema encontramos direitos que à época sequer foram avalizados pela Revolução, isto é, a igualdade dos franceses era igualdade formal e vemos que a verdadeira igualdade é a que temos hoje. A História não nos apresenta um exemplo de fraternidade, mas atualmente temos toda uma disciplina dos direitos de proteção ao meio ambiente, ao idoso, à criança e ao adolescente.

Fruto da profética Revolução Francesa.

Isso tudo nos leva a alterar o foco. O pensamento jurídico se transformou (e isto é história), conquistando hoje a tutela da condição humana, fugindo do patrimonialismo exagerado e tecendo uma rede de direitos que garantem tal condição.

 

Referências
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
MALUF, Said. Teoria Geral do Estado. 28ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
ROSENVALD. Nelson. Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento Contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pág. 43.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 4ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
WWW.STF.JUS.BR. Acesso em 13.12.2012.
WWW.STJ.JUS.BR. Acesso em 13.12.2012.
 
Notas:
 
[1] A dicotomia direito público x direito privado, atualmente, perdeu um pouco do sentido, haja vista a doutrina da publicização do direito, isto é, dar ao direito, seja o ramo que for, o enfoque constitucional.

[2] Frase usada pelo Min. Eros Grau no seu voto na ADPF 153, julgamento em 29‑4‑2010, Plenário, DJE de 6‑8‑2010.

[3] Até o Imperador Henrique IV teve que se submeter ao poder do Papa, apesar de ter resistido a este poder, não prevaleceu tendo que se subjugar ao Papado. Este episódio deu mais força ao Governo da Igreja (Teoria Geral do Estado. Sahid Maluf).

[4] MALUF, Said. Teoria Geral do Estado. 28ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

[5] São os escritores partidários do poder absoluto dos reis.

[6] Op. cit. Pág. 129

[7] Op. Cit. Pág. 140

[8] SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento Contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pág. 43.

[9] ROSENVALD. Nelson. Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

[10] Idem, pág. 20

[11] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 4ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[12] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

[13] Idem, pág. 155

[14] Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, op. cit., pág. 29.

[15] Idem, pág. 155

[16] Nelson Rosenval. Dignidade humana e boa-fé no código civil, cit., pág. 21.

[17] BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pág. 30.

[18] Idem, pág. 21.

[19] STJ, REsp 249026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJU de 26-06-2000.

[20] STF, HC 83.358, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 04-06-2004.

[21] STF, RE 248.869, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 12-03-2003.

[22] STF, HC 71.373, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 22-11-2001.

[23] Pietro Perlingieri. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil constitucional. Op. Cit., pág.. 155.

[24] Nelson Rosenvald. Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil, Op. Cit., pág., 32.

[25] CANOTILHO, J.J. Gomes, apud, ROSENVALD, Nelson in Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil. Op. Cit., pág., 32.

[26] Nelson Rosenvald. Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil, Op. Cit., pág., 31.

[27] Pietro Perlingieri. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil constitucional. Op. Cit., pág.. 156.


Informações Sobre o Autor

Heres Pereira Silva

Advogado Militante no Rio de Janeiro. Pós-graduado em Direito Constitucional (2011) pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil


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