Normalmente ao deixar o carro em estacionamentos pagos ou não, o cliente se confronta com bilhetes ou cupons com os seguintes dizeres: “Não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior do veículo.” Após ler o ‘recado’ o cliente dá uma olhada no interior de seu veículo para ver se não está ficando para trás nenhum objeto de valor e segue seu caminho.
Surge então o seguinte questionamento: Até que ponto estes avisos são válidos? Será que o fato de o estacionamento avisar ao cliente que não se responsabiliza pelos objetos no interior do veículo ou até pelo próprio veículo o insenta de responder por possíveis danos causados a estes?
A questão é muito bem respondida pela súmula 130 do STJ, que resolve as controvérsias acerca da existência ou não da responsabilidade do estabelecimento, pelos veículos que permanecem em seus estacionamentos:
“A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
A responsabilidade sem dúvida existe. O Estabelecimento responsável – seja ele supermercado, shopping, ou qualquer outro estabelecimento que forneça o serviço de guarda de veículos, pago ou não – terá o dever de reparação proporcional ao prejuízo que se consolide, bastando para tanto que se comprove o dano e o nexo de causalidade.
Se alguém, ao retornar ao estacionamento onde deixou seu carro, não encontrá-lo, não encontrar seus bens no interior do veículo ou encontrá-lo danificado com vidros quebrados, lataria amassada, pneus furados, etc, terá direito à reparação dos danos, sem que seja necessária, para tanto, a prova da culpa da empresa. A responsabilidade do estacionamento será objetiva, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, cujo art. 14 responsabiliza, sem culpa, os prestadores de serviço.
No caso de comércios, o fundamento da responsabilidade por fatos ocorridos em seus estacionamentos vem da colocação à disposição do cliente um serviço que, pela lógica, deve ser efetivo e eficiente, de modo que qualquer dano ali causado ao usuário deve ser reparado.
Avisos como “não nos responsabilizamos pelo veículo ou pelos objetos deixados no veículo”, que configuram verdadeiras cláusulas de não-indenizar, não são admitidos como lícitos.
Interessa destacar que o fato de o estacionamento ser gratuito não o exime da responsabilidade sobre os danos sofridos, basta que o proprietário se coloque na posição de garantidor do veículo, por murar ou gradear o local ou ainda por colocar vigilantes, porteiros etc.
É o que ensina a jurisprudência:
“EMENTA: INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL – ROUBO VEÍCULO – ESTACIONAMENTO SUPERMERCADO – DEVER DE INDENIZAR – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REDUÇÃO – DESNECESSIDADE – SENTENÇA MANTIDA. O estabelecimento comercial tem o dever de guarda e vigilância sobre os veículos ali estacionados, respondendo, por indenização em caso de furto ou roubo. A instituição que oferece estacionamento a seus usuários, ainda que de forma gratuita, assume o dever de guarda sobre o veículo, devendo, pois, responder por eventual furto ou roubo ocasionado. Não se reduz o valor dos honorários advocatícios, se o mesmo não se revela excessivo.” (Número do processo: 1.0024.06.089888-9/001(1) – Relator: ANTÔNIO DE PÁDUA – Data da Publicação: 10/10/2008)
“EMENTA: ESTACIONAMENTO – SUPERMERCADO – ROUBO – RESPONSABILIDADE CIVIL. O supermercado responde por qualquer evento criminoso ocorrido nas suas dependências, obrigando-se a reparar os danos sofridos pelos clientes.” (Número do processo: 1.0024.05.750083-7/001(1) – Relator: FABIO MAIA VIANI – Data da Publicação: 24/11/2008)
“EMENTA: APELAÇÃO – RESSARCIMENTO DE DANOS – VEÍCULO SUBTRAÍDO EM ESTACIONAMENTO – LEGITIMIDADE DO ESTACIONAMENTO – CONTRATO DE DEPÓSITO – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – ALEGAÇÃO DE FORÇA MAIOR – RISCO DO NEGÓCIO. As empresas públicas ou privadas que exploram estacionamentos pagos são partes legítimas para responderem pelos prejuízos causados aos seus usuários por furto ou roubo, tanto do carro como de qualquer dos seus acessórios, pois se trata de risco inerente à atividade comercial. Não há que se falar em responsabilidade do Estado pela ocorrência de roubo dentro de estabelecimento particular vez que o dever de guarda, vigilância e conservação é deste, que celebrou contrato de depósito com o condutor do veículo segurado.” (Número do processo: 2.0000.00.497018-5/000(1) – Relator: ELIAS CAMILO – Data da Publicação: 26/10/2005)
Como visto, o estacionamento deverá se responsabilizar pelos prejuízos causados ao cliente. Mas como já salientado, é necessário comprovar o dano e o nexo de causalidade. O ticket ou bilhete de estacionamento é prova bastante da relação de guarda do veículo, no dia e hora lá referidos e o Boletim de Ocorrência também é prova do bem furtado ou roubado. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VIII, o juiz poderá inverter o ônus da prova, passando a ser do estacionamento o ônus de provar que o consumidor não estacionou o veículo no estabelecimento no dia em que aconteceu o dano.
Ainda existem controvérsias sobre o assunto, mas entende-se que o estacionamento não responderá se comprovar alguma das excludentes de responsabilidade civil, como o caso fortuito e a força maior, além da culpa exclusiva da vítima, o que romperá o nexo causal. Por outro lado, ainda que algumas situações sejam inevitáveis, como o roubo à mão armada, pode-se afirmar que responde o estacionamento, não sendo lícito imputar-se o dano ao consumidor.
Enfim, sem dúvida são nulas as cláusulas que busquem afastar ou mesmo atenuar a responsabilidade do dono do estacionamento, em conformidade com o art. 25 do Código de Defesa do Consumidor:
“É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”
Independentemente de se entregarem tickets ou cupons na entrada de estacionamentos ou afixarem avisos ou cartazes nos mesmos avisando a não responsabilidade pelos veículos ou por bens no interior do veículo, serão todos nulos e o estabelecimento, de modo geral, se responsabilizará civilmente pelos prejuízos sofridos pelo cliente.
Informações Sobre o Autor
Luciana Santos Trindade Capelari
Advogada trabalhista e empresarial, Especialista em Direito Processual, e em Direito do Trabalho e mestranda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC Minas