A concretização dos direitos sociais: breves apontamentos

Resumo: Tema de grande importância que compõe o ordenamento jurídico Pátrio, os direitos sociais, como os direitos de segunda dimensão reclamam do Estado um papel prestacional de minoração das desigualdades, portanto é um direito fundamental. Para que cumpra esta obrigação, o Estado deve intervir na vida social buscando implementar os direitos fundamentais e desenvolver uma política de inclusão e desenvolvimento social através de incentivos e de leis.


Palavras-chave: Direitos sociais; direitos fundamentais; segunda dimensão, proibição retrocesso social; políticas públicas; ações afirmativas.


Abstract: Theme of great importance that renders the law the country, social rights, such as the rights of second dimension of the State demanding a role benefit of mitigation inequality, so it is a fundamental right. To that fulfills this obligation, the State should intervene in social life seeking implement fundamental rights and develop a policy of inclusion and social development through incentives and laws.


Keywords: Social rights, fundamental rights; second dimension, banning social backlash; public policy, affirmative action.


Sumário: Introdução; 1. Conceito de direitos fundamentais; 1.1. Os direitos fundamentais de segunda dimensão; 2. Dos direitos sociais; 2.. O objeto dos direitos sociais; 2.2. O princípio do não retrocesso social; 3. As gerações dos direitos fundamentais; 3.1. O princípio da eficiência; 3.2. As políticas públicas; 3.3. Ações afirmativas. Conclusão. Referências


INTRODUÇÃO


A efetividade, a aplicabilidade e a concretização dos direitos sociais exigem uma conduta estatal.


Mas para se falar em direitos sociais, convém inicialmente estudar o seu conceito, bem como a dimensão dos direitos sociais que se enquadra e a eficácia de tais direitos, principalmente na Constituição Federal.


No estudo sobre a efetiva concretização dos direitos sociais, que são os que primordialmente constituem direitos que exigem prestação positiva no Estado, serão analisados o princípio da eficiência, as políticas públicas e as ações afirmativas.


Simplificando, o principal desafio do presente trabalho será discorrer sobre alguns caminhos para uma melhor concretização dos direitos sociais.


1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS


Para melhor compreensão acerca dos direitos sociais, mister que se explane, primeiramente, o que são direitos fundamentais e os direitos fundamentais de segunda dimensão.


Os direitos fundamentais são também conhecidos como direitos humanos, direitos subjetivos públicos, direitos do homem, direitos individuais, liberdades fundamentais ou liberdades públicas. A própria Constituição da República de 1988 apresenta diversidade terminológica na abordagem dos direitos fundamentais, utilizando expressões como direitos humanos (artigo 4º, inciso II), direitos e garantias fundamentais (Título II e artigo 5º, parágrafo 1º), direitos e liberdades constitucionais (artigo 5º, inciso LXXI) e direitos e garantias individuais (artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV).


Optamos, dessa forma, por adotar a terminologia “Direitos Fundamentais”, pois esse termo abrange todas as demais espécies de direitos (SCALQUETTE, 2004, p. 18). Neste obstante, “a expressão direitos fundamentais é a mais precisa” (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 107-108).


Os direitos fundamentais surgiram com a necessidade de proteger o homem do poder estatal, a partir dos ideais advindos do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, mais particularmente com as concepções das constituições escritas.


Acerca do surgimento dos direitos fundamentais, Alexandre de Moraes afirma:


“[…] surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural.” (MORAES, 1999, p. 178)


Do ensinamento acima transcrito, concluí-se que a teoria dos direitos fundamentais, como conhecemos hoje, é o resultado de uma lenta e profunda transformação das instituições políticas e das concepções jurídicas.


A luta contra o poder absoluto dos soberanos, o reconhecimento de direitos naturais inerentes ao homem, isso sem deixar de mencionar “a agitação política em torno às idéias de Locke, Rousseau, os enciclopedistas, os liberais que conquistaram a independência americana” (CAVALCANTI, 1964, p. 194), constituíram os elementos essenciais que vieram a desenvolver as idéias concretizadas na Declaração de Virgínia de 1777 e na Declaração de Direitos do Homem, proclamadas pela Revolução Francesa em 1789.


As evoluções do direito e, principalmente, a influência dos problemas sociais, contribuíram grandemente para a dilatação daqueles velhos preceitos, conquistas dos movimentos do século XVIII, mais precisamente os direitos fundamentais de primeira geração, como se verá adiante.


José Afonso da Silva, em sua meritória obra sobre Direito Constitucional, ensina que os direitos fundamentais não são a contraposição dos cidadãos administrados à atividade pública, como uma limitação ao Estado, mas sim uma limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dele dependem (SILVA, 2001, p. 178).


Frisa-se, que além da função de proteger o homem de eventuais arbitrariedades cometidas pelo Poder Público, os direitos fundamentais também se prestam a compelir o Estado a tomar um conjunto de medidas que impliquem melhorias nas condições sociais dos cidadãos.


Em termos mais didáticos, citamos:


“Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade)”. (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 109-110)


Para um melhor entendimento, repisamos, os direitos fundamentais devem ser vistos como a categoria instituída com o objetivo de proteção aos direitos à dignidade, à liberdade, à propriedade e à igualdade de todos os seres humanos. A expressão fundamental demonstra que tais direitos são imprescindíveis à condição humana e ao convívio social. Esse o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet:


“Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.” (SARLET, 2005, p. 70)


Na Constituição Federal, os direitos fundamentais são observados no Título II da Constituição de 1988 e também em outros dispositivos nela dispersos nos quais se verifique características de historicidade, universalidade, limitabilidade, concorrência e irrenunciabilidade, próprias dos direitos fundamentais (SILVA, 2006), mas que não nos caberá explorar nesta oportunidade.


Imperioso mencionar os dizeres Jayme Benvenuto Lima Junior acerca dos direitos fundamentais e a Constituição Federal:


“A Constituição Brasileira de 1988 é, até o momento a que melhor acolhida faz aos Direitos Humanos em geral. Tanto em termos da quantidade e da qualidade dos direitos enumerados, como da concepção embutida no texto constitucional, a Carta de 1988 é inovadora”. (LIMA JUNIOR, 2001, p. 55)


1.1 Os direitos fundamentais de segunda dimensão


Insta mencionar, primeiramente, que os direitos sociais, como os direitos fundamentais de segunda dimensão, são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minoração das desigualdades sociais. Logo, os direitos sociais se equiparam aos direitos fundamentais de segunda dimensão. Por isso, vamos nos ater apenas à segunda dimensão dos direitos fundamentais.


Com o avanço do liberalismo político e econômico no inicio do século XX, após a Primeira Guerra Mundial, o mundo assistiu a deterioração do quadro social.


Ante a degradação do próprio homem, da vida humana, há o advento de um modelo novo de Estado, o Estado Social de Direito.


“[…] século marcado por convulsões bélicas, crises econômicas, mudança sociais e culturais e progresso técnico sem precedentes (mas não sem contradições), o século XX é, muito mais que o século anterior, a era das ideologias e das revoluções. […] É, portanto, um século em que o Direito público sofre poderosíssimos embates e em que à fase liberal do Estado constitucional vai seguir-se uma fase social”. (MIRANDA, 2000, p. 88)


Portanto, a segunda geração dos direitos fundamentais reclama do Estado uma ação que possa proporcionar condições mínimas de vida com dignidade, são os direitos sociais, econômicos e culturais. Sempre buscando diminuir as desigualdades sociais, notadamente proporcionando proteção aos mais fracos.


Importante mencionar que os direitos de segunda geração não negam, tampouco excluem os direitos de primeira geração, mas a estes se somam (FERREIRA FILHO, 2005, p. 41).


“A primeira geração de direitos viu-se igualmente complementada historicamente pelo legado do socialismo, cabe dizer, pelas reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do “bem-estar social”, entendido como os bens que os homens, através de um processo coletivo, vão acumulando no tempo. É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo welfare state, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los […] Daí a complementaridade, na perspectiva ex parte populi, entre os direitos de primeira e segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas.” (LAFER, 2006, p. 127)


A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, de propiciar o direito ao bem-estar social.


“A partir da terceira década do século XX, os Estados antes liberais começaram o processo de consagração dos direitos sociais ou direitos de segunda geração, que traduzem, sem dúvida, uma franca evolução na proteção da dignidade humana. Destarte, o homem, liberto do jugo do Poder Público, reclama uma nova forma de proteção da sua dignidade, como seja, a satisfação das carências mínimas, imprescindíveis, o que outorgará sentido à sua vida.” (ALARCÓN, 2004, p. 79)


Isto posto, os direitos da referida segunda geração estão ligados intimamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho, lazer, dentre outros.


Com os direitos da segunda geração, brotou um pensamento de que tão importante quanto preservar o indivíduo, segundo a definição clássica dos direitos de liberdade, era também despertar a conscientização de proteger a instituição, uma realidade social mais fecunda e aberta à participação e valoração da personalidade humana, que o tradicionalismo da solidão individualista, onde se externara o homem isolado, sem a qualidade de teores axiológicos existenciais, ao qual somente a parte social contempla. Nesse sentido, citamos os dizeres de Themistocles Brandão Cavalcanti:


“Assim, o direito ao trabalho, à subsistência, ao teto, constituem reivindicações admitidas por tôdas as correntes políticas, diante das exigências reiteradamente feitas pelas classes menos favorecidas no sentido de um maior nivelamento das condições econômicas, ou, pelo menos, uma disciplina pelo Estado das atividades privadas, a fim de evitar a supremacia demasiadamente absorvente dos interesses economicamente mais fortes.” (CAVALCANTI, 1964, p. 197)


Por derradeiro, por reclamarem pela presença do Estado em ações voltadas à minoração dos problemas sociais, os direitos fundamentais de segunda geração são também denominados de direitos positivos (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 116).


2 DOS DIREITOS SOCIAIS


2.1 O objeto dos direitos sociais


Os direitos sociais estão previstos no Título II, Capítulo II da Constituição da República, mais precisamente no artigo 6º, in verbis:


“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.


Cumpre mencionar, de antemão, que os direitos sociais não estão exaustivamente enumerados no Título II da Constituição Federal, muito menos no artigo 6º supra transcrito, existindo, portanto, direitos sociais dispersos ao longo de todo o seu texto.


Tal argumento se prova com a análise do Preâmbulo e do Título VIII, Da Ordem Social, artigos 193 a 230.


Como sobredito, os direitos sociais são marcados pelas reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do “bem-estar social”, entendido como os bens que os homens, através de um processo coletivo, vão acumulando no tempo (LAFER, 2006, p. 127).


“Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos de liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude”. (BONAVIDES, 1993, p. 477)


Portanto, os direitos sociais são voltados pela presença do Estado em ações voltadas à minoração dos problemas sociais, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social.


Para melhor entendermos o tema, citamos os ensinamentos de Andréas Krell:


“Os Direitos Fundamentais Sociais não direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais. São os Direitos Fundamentais do homem-social dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos antes que aos individuais”. (KRELL, 2002, p. 19)


Segundo José Afonso da Silva, os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem:


“[…] são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. […] Valem como pressupostos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 285)


Sobre o tema, Antonio Enrique Perez Luño leciona:


“Los derechos sociales tienen como principal objeto asegurar la participación en la vida política, económica, cultural y social de las personas individuales, así como de los grupos en los que se integran.” (LUÑO, 2004, p. 183)


Jorge Miranda, ao lecionar sobre o tema, afirma que o objeto dos direitos sociais corresponde “à teia de relações sociais em que a pessoa se move para realizar a sua vida em todas as suas potencialidades” (MIRANDA, 2000, p. 91).


Os direitos sociais, por estarem intimamente ligados ao princípio da igualdade, estão vinculados às tarefas de melhoria, distribuição e redistribuição dos recursos existentes, bem como a criação de bens essenciais não disponíveis para todos aqueles que deles necessitem.


“São estes direitos a prestações positivas por parte do Estado, visto como necessário para o desenvolvimento de condições mínimas de vida digna para todos os seres humanos”. (FERREIRA FILHO, 2006, p. 312)


Em dizeres mais simplistas, o objeto do direito social é, tipicamente, uma contraprestação sob a forma da prestação de um serviço por parte do Estado. Como exemplos citamos o serviço escolar, quanto ao direito à educação, o serviço médico-sanitário-hospitalar, quanto ao direito à saúde, os serviços desportivos, para o lazer, etc.


2.2 O princípio do não retrocesso social


Primeiramente, há de se explanar que o princípio do não retrocesso social está intimamente ligado à noção de segurança jurídica (SARLET, 2007, p. 443).


Todo e qualquer espécie de direitos sociais expresso no ordenamento jurídico Pátrio, v. g., direito à assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho, lazer, dentre outros, são constitucionalmente garantidos. Por conseguinte, todo ato que se traduza na prática de redução, anulação, revogação ou extinção desses direitos, que são fundamentais, importa em vício de inconstitucionalidade.


Acerca do tema, José Joaquim Gomes Canotilho leciona:


O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. […]


A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de “contra-revolução social” ou da “evolução reaccionária”. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e económicos (ex. direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido em determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional […] A “proibição de retrocesso social” nada mais pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex. segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde) […]” (CANOTILHO, 1998, p. 320)


Ou seja, a proibição do retrocesso se aplica a todo e qualquer ato normativo que venha, pura e simplesmente, subtrair supervenientemente a uma norma constitucional o grau de concretização (social) anterior que lhe foi outorgado pelo legislador.


“[…] por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido.” (BARROSO, 1996, p 158)


Como já salientado, existem mandamentos constitucionais dirigidos ao Estado determinando agir de forma a ocasionar o progresso e o bem estar de toda a sociedade. Por via reflexa, é perfeitamente cabível dizer que também existe um dever de não ocasionar um retrocesso. Trata-se de uma constatação lógica, já que quem causa um retrocesso, por óbvio está a deixar de realizar um progresso sobre o mesmo tema. Logo, a partir do disposto no artigo 3º, inciso II, da Constituição Federal, é perfeitamente viável afirmar que o princípio da proibição do retrocesso possui previsão constitucional específica.


Não há dúvidas de que o Estado, o Poder Público não pode agir contra os direitos sociais expressos no ordenamento jurídico, já reconhecidos.


Mas, e quanto aos legisladores, o Poder Legislativo? E quanto aos aplicadores e intérpretes da lei?


A nosso ver, o princípio da proibição de retrocesso social é, antes de tudo, um comando dirigido ao legislador. O legislador é aquele que, antes de todos, deve respeitar a fazer aplicar as normas que garantam o mínimo necessário à existência com dignidade, a aplicabilidade dos direitos sociais.


“[…] o legislador (assim como o poder público em geral) não pode, uma vez concretizado determinado direito social no plano da legislação infraconstitucional, mesmo com efeitos meramente prospectivos, voltar atrás e, mediante uma suspensão ou mesmo relativização (no sentido de uma restrição), afetar o núcleo essencial legislativamente concretizado de determinado direito social constitucionalmente assegurado.” (SARLET, 2007, p. 462)


Na mesma vertente se encontram os intérpretes das leis, uma vez que a interpretação das normas também não pode levar ao retrocesso social, aniquilando aquele núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.


Em suma, as normas constitucionais que reconhecem direitos sociais implicam uma proibição de retrocesso, pois uma vez dada satisfação ao direito, este se transforma num direito a que o Estado se abstenha de atentar contra ele.


“[…] negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte”. (SARLET, 2004, p. 149)


Por derradeiro, importante mencionar o direito à proibição de retrocesso social consiste numa importante conquista civilizatória. O conteúdo impeditivo deste princípio torna possível brecar planos políticos que enfraqueçam os direitos fundamentais. Funciona até mesmo como forma de mensuração para o controle de constitucionalidade em abstrato, favorecendo e fortalecendo o arcabouço de assistência social do Estado e as organizações envolvidas neste processo (ALMEIDA, 2007).


3 CAMINHOS PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS


No presente capítulo será abordado duas formas, caminhos para a realização e concretização dos direitos sociais: as políticas públicas e as ações afirmativas.


Contudo, necessário se faz, primeiramente, que se explane, mesmo que de forma sucinta, o princípio da eficiência no direito constitucional Pátrio.


3.1 O princípio da eficiência


A reforma administrativa implementada pela Emenda Constitucional n. 19/98 acrescentou o princípio da eficiência ao rol do caput do artigo 37 da Constituição Federal, vale lembrar, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.


Embora introduzido tardiamente no Texto Constitucional, o princípio da eficiência já constava de nossa legislação infraconstitucional, a exemplo das previsões constantes do Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967 (artigos 13 e 25, inciso V), da Lei de Concessões e Permissões (Lei n. 8987, de 13 de fevereiro de 1995, artigos 6º, parágrafo 1º, e 7º, inciso I) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, artigos 4º, inciso VII, 6º, inciso X, e 22, caput).


O princípio da eficiência tem o condão de informar a Administração Pública, visando aperfeiçoar os serviços e as atividades prestados, buscando otimizar os resultados e atender o interesse público com maiores índices de adequação, eficácia e satisfação.


Hely Lopes Meirelles conceitua o princípio da eficiência da seguinte forma:


“[…] o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 90-91)


Odete Medauar ministra:


“[…] a eficiência é o princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam a população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções.” (MEDAUAR, 2000, p. 145)


Por este Princípio, as autoridades administrativas devem ser eficientes na sua atuação para com os administrados, sendo vedadas atitudes que acarretem atrasos desnecessários, não razoáveis, resultando em prejuízos a toda coletividade.


O ilustre doutrinador José Afonso da Silva ensina:


“[…] a eficiência administrativa se obtém pelo melhor emprego dos recursos e meios (humanos, materiais e institucionais) para melhor satisfazer às necessidades coletivas num regime de igualdade dos usuários. Logo, o princípio da eficiência administrativa consiste na organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestação de serviços públicos de qualidade em condições econômicas de igualdade dos consumidores.” (SILVA, 2001, p. 651-652)


Sintetizando todo o explanado, que a “eficiência não é apenas gastar pouco ou gastar bem, é gerir com equilíbrio ponderação a coisa pública” (BUCCI, 2006, p. 182).


3.2 As políticas públicas


A noção de políticas públicas emergiu como tema de interesse para o direito com a configuração prestacional do Estado.


Políticas Públicas é a prestação de serviços que visem garantir a realização dos objetivos fundamentais do Estado, privilegiando a dignidade da pessoa humana, que incluem a proteção dos direitos fundamentais, juntamente com condições mínimas de existência. Denota um modo de agir do Estado nas funções de coordenação e fiscalização de agentes públicos e privados para a realização de certos fins. Fins estes ligados aos direitos sociais.


Para o ministro Eros Roberto Grau, toda a atuação estatal traduz um ato de intervenção na vida da comunidade. A expressão políticas públicas, segundo ele, denota a atuação do Estado, levando-se uma separação bem definida entre este e a sociedade. Políticas públicas, assim, podem ser definidas como todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social (GRAU, 1998, p. 22).


Jayme Benvenuto Lima Junior afirma:


“A intenção das políticas públicas é, claramente, a de compensar, seja pela ação do estado, seja pela ação da sociedade, as desigualdades advindas do acesso diferenciado a recursos econômicos ou de processos culturais que desconsideram especificidades de setores tidos como minoritários.” (LIMA JUNIOR, 2001, p. 132)


Rodolfo de Camargo Mancuso define políticas públicas:


“[…] é a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo ou exauriente, especialmente no tocante a eficiência dos meios empregados e a avaliação dos resultados alcançados.” (MILARÉ, 2001, p. 730-731)


As políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de ações governamentais direcionadas a intervenção do domínio social, por meio das quais são traçadas as metas a serem implementadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos direitos fundamentais disciplinados na Constituição da República.


Maria Paula Dallari Bucci, com maestria, define políticas públicas:


“Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas públicas são “metas coletivas conscientes” e, como tais, problema de direito público, em sentido lato.” (BUCCI, 2006, p. 241)


Há que se fazer uma distinção entre política pública e política de governo, vez que enquanto esta guarda profunda relação com um mandato eletivo, aquela, no mais das vezes, pode atravessar vários mandatos. Deve-se reconhecer, por outro lado, que o cenário político brasileiro demonstra ser comum a confusão entre estas duas categorias.


No Brasil, infelizmente, a cada eleição, principalmente quando ocorre alternância de partidos, grande parte das políticas públicas fomentadas pela gestão que deixa o poder é abandonada pela gestão que o assume.


Voltando para o tema em questão e finalizando-o, todas as manifestações do Estado, tendentes a organizar a atividade administrativa para a efetiva satisfação dos pleitos de interesse da comunidade podem ser resumidas como políticas sociais.


3.3 As ações afirmativas


As ações afirmativas, atualmente, são um poderoso instrumento de inclusão social. Constituem em medidas especiais que têm por objetivo acelerar o processo de igualdade, com o alcance da isonomia não apenas formal, mas, substantiva por parte dos, se assim podemos dizer, “grupos vulneráveis”.


“Na disciplina do princípio da igualdade, o constituinte tratou de proteger certo grupos que, a se entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições. São as chamadas ações afirmativas”. (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 122)


Da análise do ensinamento supra transcrito, concluí-se que a ação do Estado é essencial para regular juridicamente o processo de realização da política de reconhecimento da igualdade prática. O Estado de participar de forma a permitir que a política social se desenvolva por meio de incentivos e de leis.


“A base de argumentação para a defesa das Ações Afirmativas, portanto, é a existência de desigualdades históricas e culturalmente arraigadas, que justifiquem que em nível emergencial se estabeleçam condições vantajosas para determinados grupos humanos vitimas de violações continuadas aos direitos humanos.” (LIMA JUNIOR, 2001, p. 138)


No julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 903 MG, o supremo Tribunal Federal, em acórdão relatado pelo Ministro José Celso de Mello Filho, assentou:


“O legislador constituinte, atento á necessidade de resguardar os direitos e os interesses das pessoas portadoras de deficiência, assegurando-lhes a melhoria de sua condição individual, social e econômica – na linha inaugurada, no regime anterior, pela EC 12/78 – , criou mecanismos compensatórios destinados a ensejar a superação das desvantagens decorrentes dessas limitações de ordem pessoal”. (STF, ADI n. 903 MG, Rel. Min. José Celso de Mello Filho; Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 30/11/2007)


Neste obstante, as ações afirmativas estão umbilicalmente atreladas às tentativas de efetivação concreta do princípio da igualdade jurídica, no sentido de que, através delas, as minorias enquanto tais têm o reconhecimento formal de uma espécie de tutela positiva por parte do Estado.


Evidencia-se, portanto, que a igualdade, embora constante no Texto Constitucional, não tem o poder de fazer com que as pessoas se sintam igualizadas, ou seja, a titularidade do direito ao reconhecimento como iguais não encontra evidente coincidência no campo fático da vida cotidiana.


“A Ação Afirmativa tem a finalidade justamente de possibilitar, por meios mais ágeis, a igualação formalmente pretendida pela Constituição. Tratar desigualmente os desiguais, enquanto durar a desigualdade, é a fórmula para chegar a uma igualação prática sem para isso ser preciso esperar séculos de desenvolvimento social e cultural.” (LIMA JUNIOR, 2001, p. 139)


Por isso que as ações afirmativas são também o desenvolvimento de ações políticas no sentido de persuadir e divulgar a respeito de determinados direitos ou situações.


Como exemplo, citamos a disciplina constitucional da posse indígena (artigo 231, parágrafo 2º), o trabalho da mulher (artigo 7º, inciso XX), a reserva de mercado de cargos públicos para as pessoas portadoras de deficiência (artigo 37, inciso VIII).


CONCLUSÃO


No presente trabalho buscamos examinar a eficácia dos direitos sociais e apresentar algumas formas para que sejam efetivados, concretizados: as políticas públicas e as ações afirmativas.


Enquanto que pode ser mais facilmente identificada à eficácia dos direitos de primeira dimensão ou de direitos de liberdade, já que demandam especialmente abstenções, os direitos sociais, por serem, de regra, dependentes de prestações positivas por parte do Estado, encontram dificuldades quanto à real identificação de sua eficácia.


Ora, não é preciso fazer um profundo estudo para saber que nosso país é carente de infra-estrutura educacional, quanto ao direito à educação, de serviço médico-sanitário-hospitalar, quanto ao direito à saúde, de serviços desportivos, para o lazer, dentre outros.


Dado a essa complexidade, se assim podemos dizer, o Estado está vinculado às tarefas de melhoria, distribuição e redistribuição dos recursos existentes, bem como a criação de bens essenciais não disponíveis para todos aqueles que deles necessitem. Frise-se que, uma vez estabelecidas às normas que garantam a aplicabilidade dos direitos sociais, o Estado não pode retroceder e reduzir, anular, revogar ou extinguir tais direitos, que são fundamentais.


E par que tais tarefas sejam verdadeiramente aplicadas, o Estado deve intervir na vida social buscando implementar os direitos fundamentais, satisfazendo os interesses da comunidade, são as chamadas políticas públicas.


Ou ainda, desenvolver uma política de inclusão e desenvolvimento social através de incentivos e de leis, estas são as ações afirmativas. Noutros dizeres, não só aplicar, mas fazer aplicar a igualdade.


Apenas a título de complementação, diante de tudo o que foi elucidado no presente trabalho, outro entendimento não há senão o de que os direitos sociais têm status direito fundamental. Logo, sua violação importa em vício de inconstitucionalidade.


 


Referências

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Informações Sobre o Autor

Adriano dos Santos Iurconvite

Advogado e professor universitário. Mestre em Direito e Especialista em Direito Público.


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