1 – INTRODUÇÃO.
As duas últimas décadas proporcionaram ao país a sensível valorização dos princípios democráticos que elevaram a pessoa humana ao status de valor fonte fundamental do Direito e este, por sua vez, representa o estabelecimento de normas de conduta destinadas a possibilitar a convivência social. Neste clima de novos ares e novos direitos, vem o país deixando para trás duas “décadas de chumbo” quando se vivenciou a mais completa desconsideração aos direitos individuais e coletivos do ser humano e, também por isso, o Poder Judiciário passou a exercer papel fundamental na vida das pessoas na efetivação da tutela de tais prerrogativas.
Este Poder que chegou a representar um mero órgão técnico do governo ou, quando muito, apenas a “boca da lei”, passou a freqüentar o imaginário da comunidade e dos profissionais do Direito inspirados em idéias e ideais libertários e democráticos e sobre ele lançando a extrema responsabilidade de ser o garantidor maior dos direitos de todos, independentemente de classe social, poder financeiro, político ou qualquer outra forma de subjugar o próximo, o concretizador das aspirações de liberdade.[2] Essa liberdade inerente ao regime democrático envolve mais do que simplesmente fazer o que se deseja, pois, numa sociedade moderna e globalizada, as ações e condutas produzem conseqüências mais profundas do que as que podem ser visualizadas no momento do ato, funcionando como caixa de ressonância, o que justifica uma preocupação coletiva mais aguda no sentido de voltar os olhos para a necessidade de observância de que as ações, condutas e relações jurídicas devem ser pautadas pela solidariedade, pela preocupação com o próximo, sem descurar da necessária individualidade pessoal que há de ser preservada[3].
É esse o vetor a pautar a atuação do Poder Judiciário para compor as lides através de decisões que, proferidas por juizes imparciais e eqüidistantes das partes, na relatividade que tais termos possa propiciar, conduza a decisões justas e legítimas.
1.1 – Liberdade e Imparcialidade.
Talvez o termo que mais identifique o princípio democrático de direito fundamentado na Constituição Federal, seja LIBERDADE que não se imagina desvinculada de uma posição de imparcialidade a respeito do tema, posicionamento científico exigido do pesquisador e, também, do julgador. No entanto, há uma consciência da utopia em imaginar-se uma pessoa totalmente neutra, visto que, em qualquer situação, até mesmo de omissão, é impossível desfazer-se dos conceitos, princípios e valores que foram se amalgamando ao caráter, à personalidade e à própria alma de cada um. A pessoa, historicamente, sempre esteve pautada e suas atuações limitadas e, às vezes, impostas pelos estreitos parâmetros da religião, da moral e da preservação do patrimônio, cedendo espaço, portanto, à liberdade que, em sua plenitude, talvez representasse a implantação do caos. [4]
Pressuposto fundamental da legitimidade e eficiência das decisões judiciais, a imparcialidade há de ser estudada, não como às vezes apregoada, estigmatizante, paralisante, alienante que ofusca e cega, impedindo que se veja e se caminhe adiante. Faz-se necessário, implantar ou aprofundar o princípio da liberdade de pensar, que envolve de forma objetiva, o próprio conceito de democracia. Mais uma vez Hannah Arendt[5] esclarece que o tema só começou a despertar o interesse dos filósofos quando a liberdade não mais foi experimentada no fato de agir e de associar-se com outros, mas no querer e no comércio consigo mesmo, em síntese, quando a liberdade se tornou livre-arbítrio.
A liberdade só se manifesta, conclui ela, quando o eu quero e o eu posso coincidem. Não é apenas desejo contra desejo, o que é próprio do livre-arbítrio, mas junção de desejo e poder. Nas grandes metrópoles – inventa-se e desenvolve-se a democracia, como campo fértil ao exercício da liberdade. Nelas também se manifestam os entraves ao exercício dessa mesma liberdade. Na filosofia de Aristóteles, o fundamento do direito está na própria pólis. Como o direito existe na sociedade, já que o homem é animal político, segue-se que o fundamento é imanente à própria sociedade num Estado democrático de direito: O homem deve buscar a vida boa, que só pode obter se se integrar ao sistema social em que vive. O fim do Estado não é meramente a vida, mas a boa qualidade de vida[6].
O homem nasceu livre, escreveu Rousseau[7], mas é preciso que a independência do indivíduo natural não lhe seja roubada, quando entra na sociedade e se torna um cidadão. Nessa linha de pensamento, o problema consiste em encontrar um sistema social em que as exigências da ordem e da liberdade não sejam contraditórias. É, pois, o desafio dos nossos tempos: hoje, as grandes cidades concentram o melhor e o pior, o justo e o injusto, o novo e o velho, o natural e o artificial, a liberdade e a ordem. Qualquer discussão sobre a democracia e liberdade que não tome como ponto de partida as cidades modernas e os problemas nelas vivenciados notadamente originados do relacionamento entre as pessoas, tende a ser mais uma abstração. De qualquer sorte, o paradoxo reside em que essa liberdade que se busca e à qual tanto se aspira é também aquela em cujo nome já se desencadearam guerras, mortes, ódios e rancores que atravessam séculos.
A despeito dessas distorções, a liberdade tem sua força transcendental e reforça-se na época contemporânea como inafastável ao ser humano, eis que deve conduzir à utopia de criação de uma sociedade solidária. Não deve conduzir ao isolamento, à solidão, à competição, ao esmagamento do fraco pelo forte, ao homem-lobo-do-homem, à ruptura dos elos. Essa ruptura leva tanto à esquizofrenia individual como à social.
2 – O QUE SE HÁ DE BUSCAR: FUNÇÃO DE TODO E QUALQUER PROFISSIONAL DO DIREITO.
Diante de tantas incertezas, revela-se fundamental a necessidade de uma reflexão crítico-construtivo da democracia que vivemos e do papel do Poder Judiciário, em direção a um sistema jurídico liberto de distorções preconceituosas e fundado em “fetiches” que, muitas vezes, impede de pensar e ver o que está diante dos olhos, e para tanto, o caminho que se há de trilhar é o da legitimidade de suas decisões como forma de efetivação do princípio constitucional de valorização da pessoa humana como centro de irradiação de todo o sistema e destinatária de todas as preocupações e atenções, perpassando os sistemas de Justiça tradicionais.
Na tentativa de traçar alguma delimitação teórica no quadro de crise em que se encontra o Poder Judiciário e, de forma geral, todo o Poder, serão concentradas as atenções em um dos vários aspectos desse amplo panorama: o da ineficiência da Justiça brasileira medida em relação a um adequado desencargo de suas atribuições constitucionais dentro de um Estado Democrático de Direito de forma a se atingir a legitimidade de suas decisões.
A falha dos mecanismos estatais em assegurar uma prestação segura e eficiente de serviços judiciais, no entanto, a par de não espelhar uma realidade propriamente nova, vem agora ganhando um especial relevo que não apenas a torna ma questão extremamente atual, como traduz-se em um reflexo positivo de uma progressiva conscientização social, na medida em que a cobrança pela realização do justo é um anseio próprio da cidadania.[8]
E, não se tem mais qualquer dúvida em afirmar que o acesso à ordem jurídica justa, é prerrogativa constitucionalmente assegurada como, também, consiste naquela parcela considerada como mínimo indispensável à manutenção da dignidade da pessoa humana. Para Ricardo Lobo Torres[9] o mínimo é direito subjetivo protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais.[10] O aspecto de “universalidade” dos direitos humanos é peculiar a essa modalidade de direitos e se manifesta, primeiramente, na promulgação da Declaração Francesa de 1789 e, posteriormente, em 1948, na Declaração da ONU.[11]
Os movimentos internacionais voltados à preservação e à proteção dos direitos humanos vêm ganhando força e prestígio, a ponto de que, em diversos países, inclusive o Brasil, os tratados que contem com a adesão formal são incorporados pela ordem jurídica com status de norma constitucional, notadamente diante da norma expressa inserida na Constituição Federal através da recente Emenda número 45 que superou o antagonismo entre os sistemas monista e dualista. Se, por um lado, tal fato pode pouco representar diante de forças atuantes que dificultam sua concretização, de outro, rende ensejo a que movimentos organizados a partir da força popular exerçam pressão política cada vez mais eficaz.
3 – O PODER JUDICIÁRIO – FOCO DAS ATENÇÕES POPULARES.
A atuação eficaz do Poder Público (princípio da eficiência – direito fundamental dos cidadãos) se mostra relevante para a plenitude do exercício e preservação da democracia, que tem como elemento primordial o homem, e, no que interessa a pesquisa que se pretende desenvolver, do Poder Judiciário atuando com independência e consciência de sua relevância, de forma a tornar real a norma até então existente apenas no plano da abstração. A força da hermenêutica se faz presente no sentido de buscar a aplicação das normas legais e constitucionais de forma que propiciem o respeito aos direitos humanos e fundamentais, até mesmo como caminho de tornar concreto o mandamento de que todo o poder emana do povo, que, em certos momentos, vem sendo solapado pelo que se passou a denominar de “reserva do possível”, termo que vem se banalizando para justificar a ineficiência do Poder Público.
O tema passa, necessariamente, por uma análise do papel do Poder Judiciário no que diz respeito ao amparo das pretensões positivas, ou seja, se seria possível ao magistrado tutelar tais pretensões ou se ele estaria limitado ao controle do discurso em face da separação dos poderes, já que diante da “reserva do possível” negar-se-ia a competência dos juízes (não legitimados pelo voto) a dispor sobre medidas de políticas sociais que exigem gastos orçamentários.
Conhecido é o sistema de posições jurídicas fundamentais de Alexy[12], veiculado em sua teoria analítica dos direitos subjetivos, em que há uma tríplice divisão: direito a algo, liberdades e competências. O direito a algo é concebido como uma relação trilateral na qual o primeiro membro é o titular do direito, o segundo é o destinatário do direito e o terceiro é o objeto do direito. Quando se cogita sobre os direitos em face do Estado, os direitos a ações negativas são chamados de direitos de defesa, enquanto os direitos a ações positivas coincidiriam, parcialmente, com os direitos a prestações, em uma conceituação restrita de prestação. Os direitos a ações negativas subdividem-se em: a) direito ao não-impedimento de ações; b) direito à não-afetação de propriedade (bens) e situações (jurídico-subjetivas); e c) direito à não-eliminação de posições jurídicas. Por seu turno, os direitos a ações positivas desmembrar-se-iam em direitos a ações positivas fáticas e direitos a ações positivas normativas.
Pela evolução histórica e pelas características originais, os direitos voltados ao valor liberdade foram inicialmente classificados como direitos negativos, na qualidade de limites constitucionais ao poder do Estado. Como corolário dessa visão, os direitos da liberdade seriam sempre eficazes, já que não dependeriam de regulamentação. Conquanto fosse admitida a regulação das liberdades, o gozo das mesmas decorreria da própria Constituição, e não do trabalho do legislador inferior. Por outro lado, os direitos sociais foram inicialmente reconhecidos como voltados não a uma abstenção do Estado, mas a uma ação, o que lhes dá a característica de positivos (a expressão “direitos positivos” aqui lançada não guarda qualquer relação com a emblemática oposição entre “direitos positivos” e “direitos naturais”. A “positividade” está na ação do Estado dentro do campo material).[13] E, remata J. J. Gomes Canotilho[14] que a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro de uma “reserva do possível” aponta à dependência dos recursos econômicos. A elevação do nível da sua realização estaria sempre condicionada pelo volume de recursos suscetível de ser mobilizado para esse efeito. Nessa visão, a limitação dos recursos públicos passa a ser considerada verdadeiro limite fático à efetivação dos direitos sociais prestacionais.
Por força da indigitada limitação de recursos, parcela substancial da doutrina vem defendendo que apenas o “mínimo existencial” poderia ser garantido, isto é, apenas esse conjunto – formado pela seleção dos direitos sociais, econômicos e culturais considerados mais relevantes, por integrarem o núcleo da dignidade da pessoa ou por decorrerem do direito básico da liberdade – teria validade erga omnes e seria diretamente sindicável. Estaria incluído neste núcleo sindicável o acesso à ordem jurídica justa (Art. 3o, I, CRFB), com todas as conseqüências de eventual resposta positiva, desde o aprimoramento cultural e social dos magistrados e demais profissionais que exerçam funções essenciais à Justiça, até a implantação de equipamentos e instrumentais necessários a atender uma demanda que vem se avolumando sobremaneira, dia após dia?
À luz de todo o exposto, importa informar desde já que a ausência de recursos materiais constitui uma barreira fática à efetividade dos direitos sociais, esteja a aplicação dos correspondentes recursos na esfera de competência do legislador, do administrador ou do judiciário. Ou seja, esteja a decisão das políticas públicas vinculada ou não a uma reserva de competência parlamentar, o fato é que a efetividade da prestação sempre depende da existência dos meios necessários.
Existe a possibilidade de se reconhecerem direitos subjetivos a prestações, tutelados pelo Poder Judiciário, independentemente ou além da concretização do legislador. Robert Alexy[15] observa que, apenas quando a garantia material do padrão mínimo em direitos sociais puder ser tida como prioritária, estando presente uma restrição proporcional dos bens jurídicos (fundamentais ou não) colidentes, há como se admitir um direito subjetivo à determinada prestação social.
Para a definição do patamar mínimo a permitir a superação da limitação imposta pela reserva do possível, ressalvado o limite real de escassez há que se ter como parâmetro demarcatório o valor fundamental da dignidade da pessoa humana (Art. 1o, III, CRFB), que representaria o verdadeiro limite à restrição dos direitos fundamentais, coibindo abusos que pudessem levar ao seu esvaziamento ou à sua supressão e essa tarefa incumbe ao juiz, ainda que dele não seja exclusiva. Alguns argumentam que, em tempos de crise, até mesmo a garantia de direitos sociais mínimos poderia colocar em risco a estabilidade econômica, impondo-se o “embalsamamento” do Poder Judiciário, como o fez o documento 319 do Banco Mundial. No entanto, é importante salientar, com Alexy, que, justamente em tais circunstâncias, uma proteção de posições jurídicas fundamentais na esfera social, por menor que seja, revela-se indispensável, mas, para tanto, o Judiciário há que se mostrar independente o suficiente dos demais poderes, de ingerências e influências.[16]
Por esse motivo, toda a normatização legal e os princípios constitucionais encontram sua razão e origem no homem e na sua liberdade, daí o papel fundamental do Direito enquanto técnica de convivência indispensável para a manutenção e reforma, quando necessária, da sociedade, fundamentadas em procedimentos que, enquanto legalidade, conferem qualidade ao exercício do poder, sendo por isso mesmo, indispensáveis, dada a relevância entre meios e fins e o nexo estreito que existe entre procedimentos e resultados.[17]
O resultado da tortura, lembra Norberto Bobbio[18], pode ser a obtenção da verdade. Entretanto, trata-se de procedimento que desqualifica os resultados. Os meios, portanto, condicionam os fins, e os fins só justificam os meios quando os meios não corrompem e desfiguram os fins almejados. Exatamente nesse sentido, há que ser pensado o positivismo, não mais como forma de repressão, mas sim de aprimoramento da democracia, da igualdade de oportunidades garantida pelo procedimento equilibrado e veraz que, na lição de Habermas, ao individualizar a situação ideal do discurso vem a significar exatamente o desenvolvimento do diálogo e da dialética procedimental por pessoas e interlocutores preparados para tal mister, gerando o equilíbrio necessário de forças para conduzir a um resultado justo obtido pelo exercício potencializado da liberdade. A liberdade positiva fundante e fundada na lei, conforme afirmou Rousseau[19]: As leis não são, propriamente, mais do que as condições da associação civil. O povo, submetido às leis, deve ser o seu autor. Só àqueles que se associam cabe regulamentar as condições da sociedade.
Há que se buscar uma fórmula de garantir a igualdade de oportunidades – a igualdade verdadeira, aquela que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais –, idealizada na República de Weimar e em sua Constituição de 1919, que inaugurou, na Alemanha, o Estado Social de Direito. Esses ares solidários e protetivos se fizeram sentir no Direito norte-americano por meio da jurisprudência que se formou em torno da V Emenda da Constituição (1791), resultando no due process of law e com a inclusão, em 1868, da XIV Emenda da cláusula equal protection of the law, que viria a ser o suporte do controle e respeito pela igualdade, cuja análise merece atenção visto que vêm se aproximando, no Brasil, os sistemas do common law e civil law. [20]
Nunca pareceu tão oportuna a célebre frase do sofista grego Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”. Qual o papel legítimo do Poder Judiciário nesse quadro?
A dignidade constitui um valor universal. A despeito das diversidades socioculturais perversas e de todas as diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, as pessoas são detentoras de igual dignidade, embora diferentes em suas individualidades. Elas apresentam, em função da humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais, e o respeito não pode ser considerado como generosidade, mas sim como dever de solidariedade imposto a todos pela ética, e não necessariamente pelo direito, pela religião ou por outra qualquer força estruturante.
Nesse caminhar, sendo o Direito integrado por princípios gerais, escritos ou não (regras e princípios), que dão suporte a todo o ordenamento jurídico, vem sendo propagada a idéia de que o Direito é um sistema não apenas de regras, mas também de princípios que operam, já não mais como fontes subsidiárias, mas sim primárias e prevalentes, sobrepondo-se, inclusive, aos textos legais. Esse movimento convida ainda a que sejam interpretados de forma abrangente e expansiva, alçando o intérprete e aplicador da norma à condição de responsável pela concretização dos direitos humanos. Considerando, portanto, sua aplicabilidade direta e imediata, os princípios impregnam, com toda sua carga valorativa, as normas jurídicas, relacionando-se de forma mais próxima com os direitos da personalidade e os direitos fundamentais. Pari passu ganharam força as normas legais de conteúdo aberto, o enfoque do ordenamento jurídico permeável, necessitando sempre da complementação, integração e atualização, que são funções do intérprete.
A existência de um Poder Judiciário forte constitui uma garantia de equilíbrio e de pacificação das relações entre os poderes. Sua ausência representa de pronto uma das causas maiores do fracasso dos regimes franceses de separação estrita de poderes. Essa condição política do Judiciário revela-se, também, pela capacidade de controlar a constitucionalidade dos atos dos outros poderes e de defender a sociedade dos abusos eventualmente cometidos pelo Estado.
4 – A LEGITIMIDADE UTÓPICA DAS DECISÕES JUDICIAIS.
Para Hannah Arendt[21], a igualdade não é um dado, mas um construído, de forma que a todos cabe enfatizar a busca da aplicação e da concretização dos direitos humanos, notadamente quando alçados ao status constitucional que, num regime democrático de direito, impõe, possibilita e conta com a participação ativa e efetiva de todos. É absolutamente atual a lição de Rousseau, quando perquire, no prefácio do “Discurso sobre a desigualdade dos homens”: Como conhecer, pois, a origem da desigualdade entre os homens, a não ser começando por conhecer o próprio homem?
Ao passo em que se percebe um grande número de conceitos abertos utilizados pelo sistema normativo vigente, a atuação da justiça de forma a complementar, aprimorar e atualizar os significados nele existentes se revela utópica, não no sentido vernacular (ou seja, como projeto irrealizável, quimera), mas sim como ensina João Baptista Herkenhoff:[22] a utopia é o contrário do mito, ou seja, utopia é a representação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se o homem lutar para sua concretização. A utopia alimenta o projeto de luta e faz a História. (sem destaque no original). Não se ignora a massificação da agressão e da própria suplantação dos direitos humanos, tanto local como universalmente. Basta abrir os jornais que trazem diariamente demonstração de miséria, violência, discriminação, prepotência, corrupção, para concluir que o ser humano clama por justiça, igualdade e fraternidade. Como ainda ensina Herkenhoff,[23] as pessoas têm uma dignidade humana que tem que ser reverenciada. O Direito não pode ser instrumento legitimador da exploração do homem pelo homem. Direito que legitima a espoliação não é Direito, mas corrupção do Direito.
Clara demonstração dessa assertiva está no artigo 12 do novo Código Civil (“Pode-se exigir que cesse a ameaça ou a lesão, a direito da personalidade e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”) e também no artigo 2o (“A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”). A distribuição de justiça de forma eqüitativa, equilibrada e isonômica, realizadora da Constituição Federal, dos projetos nela inseridos e do próprio sentimento constitucional, nas palavras de Pablo Lucas Verdú[24] é o que justifica a existência do Poder Judiciário.
Num ambiente de democracia ainda frágil, correntes menos interessadas na justiça se aproveitam para lançar teses que, no fundo, representam o engessamento do Poder Judiciário, transformando-o em mera instituição ou órgão técnico a serviço de forças econômicas.[25] O Banco Mundial através do documento que tem o título O setor judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para reforma, identificado como Documento Técnico nº 319 cuja primeira edição já data de meados de 1996, produzido nos Estados Unidos, prevê claramente a necessidade de reformas de fundo nos Poderes Judiciários da América Latina e do Caribe. Propõe, então, um projeto de reforma global, com adaptações às condições específicas de cada país, mas com o mesmo princípio e a mesma lógica: quebrar a natureza monopolística do Judiciário, melhor garantir o direito de propriedade e propiciar o desenvolvimento econômico e do setor privado, fragilizando a expressão institucional do Poder Judiciário e tornando-o menos operante nas garantias de direitos e liberdades, desde que estejam em jogo as necessidades do capital, sobretudo do capital internacional, o que é, por certo, afronta direta à Constituição Federal e à soberania nacional.
O desenvolvimento econômico é, por certo, finalidade a ser obtida pelos governos. Mas não é, decididamente, tarefa do Judiciário. O Judiciário não produz e não deve produzir desenvolvimento econômico. O Judiciário produz e deve produzir justiça. De outra sorte, para aceitar as mudanças técnicas, é necessária uma mudança cultural, desde a formação dos profissionais em direito, em especial com a desformalização do processo ao mínimo necessário e a redução do garantismo excessivo com o respectivo aumento no grau de confiança nas próprias decisões, até porque, como afirmado por Liebman[26], as formas são necessárias, mas o formalismo é uma deformação. Assim, não parece restar dúvidas de que a justiça se alcança por meio da tutela dos direitos constitucionalmente amparados e da legitimidade de suas decisões.
Os princípios fundamentais do Estado democrático de direito brasileiro, que se positivam no artigo 1o da Constituição Federal, incorporam a idéia de segurança que, ponderada e razoavelmente, imanta a dignidade, a soberania, a livre iniciativa e o trabalho, a cidadania e o pluralismo político. Os princípios de segurança jurídica entram no jogo de ponderação com os princípios de justiça, na busca do equilíbrio entre a segurança justa ou a justiça segura, tornando-se ideal ético e jurídico, com os seus reflexos sobre a ponderação entre os princípios da legalidade e da distribuição de bens.
Parece ser bem evidente que a noção de democracia não pode ser reduzida a uma simples idéia majoritária. Democracia significa também participação, tolerância e liberdade. Um Judiciário razoavelmente independente dos caprichos, talvez momentâneos da maioria, pode dar uma grande colaboração à democracia; e para isso pode em muito colaborar um judiciário suficientemente ativo, dinâmico e criativo, tanto que seja capaz de assegurar a preservação do sistema de cheks and balances, em face do crescimento dos poderes políticos, e também controles adequados perante outros centros de poder.[27]
A legitimidade (ou legitimação) se alcança pela justificação, necessariamente ligada aos fundamentos dos direitos que, na lição de Ricardo Lobo Torres[28] é um tema geral que se abre a diferentes respostas, inclusive positivistas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. A legitimidade do Estado moderno tem que ser vista, sobretudo, a partir do equilíbrio e harmonia entre valores e princípios jurídicos afirmados por consenso.
A doutrina de Kelsen[29] procurava superar as ideologias da legitimidade, identificando o Estado com o Direito, entendido como ordenamento coercitivo da conduta humana, sobre o qual a moral e a justiça nada têm a dizer, com o que restringia o princípio da legitimidade à questão da competência dos órgãos ou da validade da norma, sempre dependentes de uma norma superior do ordenamento. A legitimidade da conduta está umbilicalmente vinculada à idéia de validade ética que é entendida como a adequação do direito a valores e idéias aceitos pela comunidade a distinção entre legitimidade e legitimação, em síntese, está em que aquela se apóia no consenso sobre a adequação entre o ordenamento positivo e os valores, enquanto a legitimação consiste no próprio processo de justificação da Constituição e de seus princípios fundamentais.
O Estado legitima-se por intermédio da manifestação da vontade geral e do contrato social, desde que prevaleça a tríade da Revolução Francesa.[30] A segurança jurídica fundamentada apenas na força da lei acabou por perder sua credibilidade quando se realçou o Estado social, no qual preponderava a segurança social, e não a individual até porque a liberdade já não se confunde com a só legalidade, senão que vai se abrir também para o diálogo com a justiça e a segurança. A justiça perde o conteúdo que se acreditou ter por intermédio de regras de ouro e passa a ser procedimental, aberta a regras que fundamentam a democracia. A segurança jurídica compreende também a segurança social que, através de princípios como os da dignidade humana e da cidadania, vai ganhar seu lugar na Constituição.
Nesse ponto, mesmo os princípios da dignidade, da liberdade e da justiça sofrem a influência da ponderação, da razoabilidade, da transparência e da igualdade. Robert Alexy, diz que a legitimação da decisão judicial só pode derivar da argumentação jurídica racional, que a idéia de racionalidade discursiva apenas se realiza em um Estado Democrático Constitucional e que é impossível um Estado Democrático Constitucional sem discurso, sem argumentação e sem justificação, o que conduz à absoluta preponderância do valor da interpretação das normas.[31]
5. EMBASAMENTO TEÓRICO NECESSÁRIO À CONSECUÇÃO DOS OBJETIVOS PRECÍPUOS DO ESTADO E DO PODER JUDICIÁRIO.
Na vida da ciência – da ciência jurídica ou de qualquer outra – não há, nem pode haver, ponto de repouso definitivo. O que antes se tiver virado do avesso pode sempre, a todo tempo, ser revirado: não no sentido de dar marcha à ré, de abrir mão do avanço consumado, de desprezar as recentes conquistas; mas no de averiguar se, com a ajuda das novas lentes, porventura não se obtêm, olhando noutra direção, quiçá no sentido contrário, imagens também novas e igualmente enriquecedoras.[32] A eterna busca por um conceito de justiça reflete o anseio dos juristas por um parâmetro, um "código doador de sentido" capaz de avaliar a legitimidade do direito positivo. Um sentido que permaneça firme perante a mutabilidade da ordem social e da vontade dos governantes.
A palavra justo remete à proporção, exata medida, harmonia, adequação. Nessa linha, é o conceito de justiça fornecido pelo livro I, título I, das Institutas de JUSTINIANO[33]: justiça é a vontade constante e perpétua de dar o seu direito a cada um. Tal conceito é reafirmado no título I, parágrafo 3º, ao serem enunciados os preceitos jurídicos que devem informar a vida de todos os seres humanos: viver honestamente, não ofender a outrem, dar a cada um o que é seu.
Na história do conceito de justiça, tal fórmula une-se à amplamente difundida concepção aristotélica. Para o filósofo grego, a justiça pode ser vista sob duas perspectivas distintas, a justiça comutativa, "que obedece relação absoluta, numérica ou aritmética", e a justiça distributiva, "de caráter corretivo, destinada a reger, proporcionalmente, as relações sociais em função do devido a cada um segundo seus méritos ou responsabilidades"[34]. Essa última seria a justiça das relações sociais, a justiça do direito, por meio da qual buscar-se-ia implementar a igualdade entre os seres humanos. Para Hans Kelsen o anseio por justiça é o eterno anseio do homem por felicidade.
Na obra de Gustav Radbruch[35] encontra-se solução que, de certa forma, concilia as vertentes expostas pelo estabelecimento dos parâmetros substanciais do conceito de justiça e realizado pelos princípios fundamentais que informam certa ordem social, os quais variarão de acordo com o momento histórico e com os fins a que a sociedade almeja alcançar. Em conjunto com as idéias de justiça e de finalidade, diante da mutabilidade dos fins passíveis de serem eleitos, assoma a idéia de segurança, a qual, tendo como instrumento o direito positivo, estabiliza e torna objetivos os fins a serem perseguidos pela sociedade. Ou seja, a justiça ganha um sentido concreto à medida que balizada por valores abarcados pelo direito positivo. Para Radbruch, essa seria a coordenação normal entre justiça, fim e segurança. No entanto, tal sincronia não é absoluta. Em situações excepcionais quando o respeito a essa ordem provoca grande ofensa a um desses prismas, especialmente nos casos de grave ofensa à justiça, ela pode ser momentaneamente quebrada.
O juiz não pode prostrar-se diante do caso concreto como uma máquina insensível. Sua atividade desenvolve-se com o objetivo de pacificar com justiça o conflito de interesses submetido a sua apreciação. Para tanto, não pode o julgador acomodar-se sob os influxos da lógica do razoável, o juiz moderno é desafiado a assumir cada vez mais um papel ativo e criativo na interpretação da lei, adaptando-a, em nome da justiça, aos princípios e valores de seu tempo. Sendo da essência dos princípios que eles entrem freqüentemente em conflito entre si, cumpre ao intérprete encontrar um compromisso, pelo qual se destine, a cada princípio, um determinado âmbito de aplicação. Diante do conflito entre princípios, não se deve de modo algum tentar eliminar algum deles. A missão do intérprete é buscar uma solução conciliadora, definir a área de atuação de cada um dos princípios. Nessa ordem de idéias, Paulo Bonavides[36] aduz não haver uma única solução para o conflito entre princípios jurídicos. Prevalecerá sempre aquele que, especificamente no caso concreto, tiver maior força. Tal prevalência não implica restrição em abstrato da força impositiva do princípio afastado. Em outras circunstâncias, diante de novos fatores relevantes, o princípio antes afastado está pronto para ser aplicado.
5.1 – REFLEXÕES SOBRE O PODER, A LIBERDADE, A JUSTIÇA E O DIREITO.
O que é justiça? Talvez esta seja uma das indagações mais antigas formuladas pelo homem. Segundo o conceito normativo, justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar, não se confundindo, porém, com esses outros fins sociais porque se tratam de termos descritivos. Aristóteles, fundador da ética como ciência, em meio à crise ética grega, examina a justiça como uma excelência moral fundamental, a maior das virtudes, no Ética a Nicômaco, Livro V, e, a partir da análise do comportamento justo e do injusto, proclama a justiça distributiva e a corretiva – esta última subdividida em justiça comutativa e judicial – distinção aceita de maneira geral e prestigiada até os dias atuais. Nesse contexto, a partir de formulações geométricas e matemáticas, são examinados o princípio da igualdade, o princípio da atribuição por merecimento, o princípio da reciprocidade e o princípio da retribuição.
5.2 – DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL.
O traço mais marcante da sociedade brasileira, e nela a Justiça, é a profunda desigualdade na distribuição de riquezas que a estigmatiza. E não se trata de situação passageira, que resulte apenas da atual conjuntura econômica. Pelo contrário, esta característica da sociedade tem a idade da Nação. A Constituição de 1988 ao invés de fechar os olhos para esta barbárie, assumiu, como metas capitais, a construção de sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da miséria, e a redução das desigualdades sociais e regionais Passados dezessete anos de sua promulgação, constata-se que evoluímos significativamente em muitos pontos em relação ao regime pretérito, e parte dos sucessos institucionais pode ser creditada à aplicação da Carta de 88. Porém, no quesito da justiça social, ainda há muito a ser feito.
Uma dogmática constitucional comprometida com a justiça distributiva, a inclusão social e a solidariedade, contribui para a construção de um país menos injusto. O convívio de democracia e constitucionalismo é sujeito a tensões. Num primeiro olhar, a democracia postula o governo do povo, através do predomínio da vontade da maioria, enquanto que o constitucionalismo, como doutrina que preconiza a limitação jurídica do exercício do poder, estabelece freios e contrapesos para a soberania popular. São dois ideais que nasceram de visões políticas não convergentes: o ideário democrático propõe o fortalecimento do poder, desde que exercido pelo próprio povo, e o ideário constitucionalista busca a contenção jurídica do poder, em prol da liberdade dos governados. O primeiro aposta na vontade das maiorias e o segundo desconfia dela, temendo o despotismo das multidões. Embora na visão contemporânea do Estado Democrático de Direito, democracia e constitucionalismo sejam vistos como valores complementares, interdependentes e até sinérgicos, a correta dosagem dos ingredientes desta fórmula é essencial para o seu sucesso. Por um lado, constitucionalismo em excesso pode asfixiar a vontade popular e frustrar a autonomia política do cidadão. Por outro, uma “democracia” sem limites tenderia a pôr em sério risco os direitos fundamentais das minorias e outros valores essenciais, que são condições para a manutenção ao longo do tempo da própria empreitada democrática.[37]
No contexto de reabertura do Direito Constitucional ao universo dos valores, a democracia tem de figurar como um elemento essencial na interpretação jurídica. A democracia é a única forma de governar que trata a todos com igualdade, na medida em que atribui a cada indivíduo um idêntico poder de influência nas decisões coletivas que atingirão sua vida. É na democracia que as pessoas são tratadas como sujeitos e não como objetos, uma vez que apenas no regime democrático se reconhece em cada indivíduo um cidadão livre, dotado da estatura moral para, em igualdade com seus concidadãos, participar de decisões vinculativas para toda a comunidade. Só no regime democrático ganha concretude o princípio da dignidade da pessoa – epicentro axiológico de qualquer ordenamento constitucional humanitário -, pois denegar a cada um o direito de participar ativamente da construção do futuro coletivo da comunidade a que pertence é fazer pouco da sua humanidade.
Sob o ângulo sistêmico, verifica-se que, já no preâmbulo do texto constitucional, afirma-se que o objetivo da Assembléia Nacional Constituinte foi instituir um Estado Democrático de Direito, e a mesma expressão é empregada logo em seguida, no artigo primeiro, para qualificar o que seria o novo Estado Brasileiro. Pela primeira vez em nossa história o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico, é elevado à condição de limite intransponível ao poder de reforma constitucional, no afã de coartar qualquer possibilidade de recaída autoritária.
5.3 – Uma aproximação entre as Teorias da Justiça de Benthm, Rawls e Habermas.
Na busca da possibilidade da efetivação do princípio democrático de valorização da pessoa humana como epicentro, força motriz e principal valor axiológico da Constituição, faz-se a análise da função do Poder Judiciário como elemento fundamental à Democracia através da justiça, eqüidade, eticidade e legitimidade de suas decisões.
Nesse caminhar se procurará adequar à época atual a Teoria da Justiça de Jeremy Bentham[38] com a afirmação de que o bom cidadão, sob o governo das leis, deve obedecer pontualmente e censurar livremente, dotado que é de livre-arbítrio através do qual a vontade humana expressa através do legislador deve solucionar os problemas surgidos, para o que se fazem necessários a busca e uso do esclarecimento racional. É que esclarecimento, segundo Kant, de forma a eliminar qualquer dúvida que possa surgir a respeito do que se entende por livre pensar, responsabiliza o ser humano por suas próprias decisões (ou indecisões) e o faz afirmando que esclarecimento é a saída do homem de sua mediocridade, da qual ele próprio é culpado. O homem é o próprio culpado dessa mediocridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a diretção de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.[39]
Uma sociedade democrática não poderá ser construída com indivíduos acríticos e que se limitem a obedecer de forma passiva, ou seja, por mero respeito à autoridade estabelecida. Ao contrário, a escolha consciente, que se obtém através de uma decisão pensada, racional, e não imposta deve ser o objetivo de governantes na busca da felicidade do maior número de governados, e quando assim não agem, tornam ilegítimos seus procedimentos, descaracterizando o regime democrático representativo. Assim, a etapa da deliberação e do equilíbrio reflexivo pugnada por Rawls[40] há de ser objeto de discussão balanceada e ética de forças entre as partes que, segundo Habermas[41] se consegue através de um sistema procedimentalista que enfatize a prática comunicativa democrática. Não pode tratar-se de uma adesão apenas formal, ou simbólica, a valores aceitos pela comunidade internacional. Esse tipo de adesão é chamado por Habermas, de “brazilização”: Nesses países, a realidade social desmente a validade das normas, para cuja implementação faltam as condições efetivas e a vontade política. Uma semelhante tendência à “brazilização” poderia até mesmo se apossar das democracias estabelecidas do Ocidente. Pois também aí a substância normativa das ordens constitucionais é esvaziada quando não se consegue criar um novo equilíbrio entre os mercados globalizados e uma política que precisaria ser estendida para além das fronteiras do Estado nacional e, não obstante, conservar uma legitimação democrática.[42]
CONCLUSÃO.
Neste cenário, portanto, de aparente conflito entre a incessante busca por JUSTIÇA, o, cada vez mais inflamado, clamor público pelo pleno exercício dos direitos mínimos, irrenunciáveis da dignidade democrática, do atendimento básico às necessidades de cada pessoa, a atividade jurisdicional encontra-se sob os holofotes populares, não só por conta de sua conhecida ineficiência no atender prontamente aos anseios da comunidade (individuais e coletivos) como também por ser essa ineficiência e a tão propalada demora, elementos estimulantes da criminalidade, da afronta aos direitos alheios na certeza, quase sempre confirmada, da impunidade.
Neste ponto, há que se aprimorar todo o sistema, inclusive e principalmente, no que pertine à esfera criminal, com o aparelhamento humano e instrumental das instituições voltadas à investigação e deflagração do procedimento jurisdicional apropriado à esfera da persecução penal que há de ser focada sob tríplice aspecto: preventivo – no sentido de evitar-se que os delitos ocorram; efetivo – se fazendo presente e imediata a atuação das instituições que devem agir quando constatada a lesão ou ameaça de lesão a direitos legalmente tutelados e, repressivo – com a efetivação do cumprimento das medidas impostas àqueles que, em sociedade, tiveram comportamento discrepante daquele que se impõe a todos quantos se proponham a viver entre seus iguais.
Esses objetivos não serão implantados e concretizados imediata e instantaneamente como num passe de mágica e só poderão resultar da atuação persistente, eficaz, séria e comprometida com os objetivos ético-institucionais tanto dos membros do Poder Judiciário quanto daqueles que desempenham atribuições que são essenciais ao seu funcionamento (Polícia: Civil, Militar e Federal, Ministério Público, Advocacia, Defensoria Pública, Procuradorias das Pessoas Jurídicas de Direito Público), ou seja, a JUSTIÇA, não é um dado, mas um construído constante, permanente, diuturno, às vezes sujeito à fracassos, tropeços, obstáculos e frustrações, mas há que ser o fim último e maior de todos nós.
Informações Sobre o Autor
Mauro Nicolau Junior
Juiz de Direito, Mestre em Direito Público e Evolução Social, Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Cândido Mendes e professor palestrante da EMERJ-Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.