A Medida Provisória e o processo legislativo

Alexandre Tito Mourão – Servidor Público Municipal. Consultor Parlamentar da Câmara de Palmas/TO. Pós Graduado em Direito Civil, Empresarial, Público e Tributário. Pós Graduando em Direito Eleitoral.

 

Resumo: Esse artigo tem o objetivo de expor de maneira simples como se dá o processo legislativo decorrente da edição de Medida Provisória, de acordo com os principais julgados sobre o tema.

Palavras-chave: Medida Provisória. Prazo. Efeitos. Processo Legislativo.

 

Abstract: The President can edit a legal act before the parliament analysis. It is an exception, called Medida Provisória. The present search intends to show in simples words how occurs the relation between government and congress in the production of that act.  

Keywords: Medida Provisória. Effects. Survival. Process of creation.

 

Sumário. Introdução. 1. Do legitimado. 2. Dos pressupostos. 3. Do prazo. 4. Da tramitação da Medida Provisória no parlamento. 5. Da possibilidade de o Chefe do Executivo desistir da Medida Provisória por ele editada. 6. Da possibilidade de revogação da Medida Provisória. 7. Da possibilidade de criação da Medida Provisória pelos demais entes federativos. 8. Da possibilidade de controle de constitucionalidade repressivo da Medida Provisória. 9. Da possibilidade de convalidação de Medida Provisória com vícios em sua edição. 10. Da tramitação por comissão mista. 11. Da conclusão. 12. Das referências.

 

Introdução

            A Medida Provisória é o instrumento favorito do Presidente para governar. Os demais chefes do executivo, naquelas unidades federativas cujas constituições a preveem, utilizam constantemente do mesmo expediente.

Isso porque, com uma simples assinatura, ela passa a inovar no mundo jurídico, regulando relações, obrigado pessoas, estabelecendo procedimentos, enfim, assuntos das mais variadas matérias que são passíveis de sua edição.

Esse artifício quase milagroso não poderia vir desacompanhado de profundo estudo sobre as suas consequências e os seus necessários limites, itens sobre as quais se tratará da maneira mais simples possível, nas linhas que seguem.

 

1.         Do Legitimado

Conforme artigo 62, caput, o legitimado é o Presidente da República. Os demais entes federados também podem criar Medida Provisória, devendo ser observada a simetria.

Dessa forma, caso um Município crie Medida Provisória, por exemplo, a iniciativa será do Prefeito.

Um cuidado que se deve ter é que a competência para a iniciativa permanece devendo ser observada, sob pena de inconstitucionalidade formal. [1]

Assim, o Chefe do Poder Executivo não poderá, por exemplo, por meio de Medida Provisória, invadir a competência exclusiva do Poder Judiciário para a iniciativa de Lei que diga respeito à carreira de magistrados. Isso porque a Constituição Federal estipula que essa competência é reservada ao Supremo Tribunal Federal.

 

  1. Dos pressupostos

Os pressupostos são relevância e urgência.

A Constituição Federal não especifica como ocorrerá a configuração desses pressupostos, sendo uma questão de bom senso e análise de decisões anteriores do STF.

 

  1. Do prazo

É fator que gera elevadas discussões de cunho jurídico. O artigo 62 traz as previsões sobre o assunto, estabelecendo, em resumo, que:

  1. A Medida Provisória perde a eficácia, desde a edição, se não convertida em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável por mais sessenta;
  2. o termo a quo do prazo é a publicação da Medida Provisória;
  3. o prazo suspende-se no recesso parlamentar;
  4. não havendo apreciação em 45 dias, entra em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das casas do Congresso Nacional;
  5. o efeito desse regime de urgência é sobrestar todas as demais deliberações da casa (trancamento de pauta);
  6. Perdendo a eficácia, o Congresso deve disciplinar, por Decreto Legislativo, no prazo de sessenta dias, as relações jurídicas dela decorrentes;
  7. O termo a quo desses sessenta dias para a edição do Decreto Legislativo é a rejeição ou perda de eficácia (rejeição tácita) da Medida Provisória;
  8. Descumpridos esses sessenta dias do Congresso, as relações jurídicas ocorridas no período da Medida Provisória conservar-se-ão por ela regidas;
  9. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da Medida Provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto;

A interpretação desses dispositivos de acordo com a melhor doutrina e julgamentos do STF é que:

  1. Com a conversão em lei, os quinze dias para sanção são preservados sem que isso afete a eficácia da Medida Provisória;[2]
  2. Somente travam a pauta os projetos de Lei Ordinária envolvendo matérias reguláveis por Medida Provisória (ou seja, não incidentes nas vedações materiais do artigo 62).[3]
  3. A Medida Provisória somente trava a pauta das sessões ordinárias. [4]
  4. Em caso de convocação extraordinária do parlamento, as Medidas Provisórias serão automaticamente incluídas em pauta;[5]
  5. Ultrapassados os 45 dias, tranca a pauta das duas casas. Quer dizer, se os 45 são estourados na Câmara dos Deputados, o projeto já chega no Senado trancando a pauta. Os 45 dias não são renovados quando o projeto chega no Senado;

 

  1. Da tramitação da Medida Provisória no parlamento

O parágrafo oitavo do artigo 62 diz que a tramitação da Medida Provisória inicia-se na Câmara dos Deputados, passa por comissão mista para análise de admissibilidade e quanto ao mérito (decisão não vinculante), indo, em seguida, para deliberação por cada uma das casas do Congresso, em sessão separada.

Os destinos da Medida Provisória podem ser os seguintes:

  1. Aprovação sem alteração.

a.1. O Presidente do Congresso Nacional, que é o mesmo do Senado Federal, promulga a lei de conversão. Ou seja, aprovação sem alteração não precisa retornar para o Chefe do Poder Executivo para a promulgação, cabendo a essa última autoridade somente o ato de publicar.

  1. Aprovação com alteração.

 

b.1. Como visto, até a sanção ou veto, a Medida Provisória mantém os seus efeitos.

b.2. Essa previsão é objeto de muitas críticas, afinal dá a uma Medida Provisória eficácia mesmo após rejeição do parlamento. Mas foi a opção do legislador, em busca de evitar o vácuo normativo entre a alteração da Medida Provisória e a sanção ou veto do projeto dela decorrente.

b.3. É imprescindível que as emendas guardem pertinência temática. Se o Executivo não colocou determinada matéria como de urgência e relevância, não cabe ao Parlamento fazê-lo, por meio de “emendas jabuti”. Pensar diferente seria admitir a burla ao processo legislativo. [6]

b.4. Logicamente, a Medida Provisória não será alterada 100%. Assim, parte será novidade, outra não. A parte novidade só vale a partir da lei de conversão, enquanto que a parte mantida valerá desde a edição da Medida Provisória.[7]

 

  1. Não apreciação / Rejeição tácita.

 

c.1. Ocorre após o prazo de 120 dias, sem a apreciação pelas duas casas do Congresso.

c.2. A consequência é a mesma que a rejeição expressa e o efeito é ex tunc, retrocedendo, portanto, desde a edição da Medida Provisória.

c.3. O Congresso tem 60 dias para a edição de Decreto Legislativo disciplinando as relações jurídicas relativas ao período em que valia a Medida Provisória, sob pena de essa última permanecer regulando tais relações. [8]

c.4. E como ficam esses 60 dias entre a caducidade da Medida Provisória e o término do prazo para a edição do Decreto Legislativo. Prevalece que esses 60 dias também permanecem regulados pela Medida Provisória, sob pena de se permitir um vácuo normativo.

c.5. E o que vem a ser essa permanência de regulação das relações jurídicas pela Medida Provisória caducada? Isso significa que não haverá retroação de efeitos da caducidade.

c.6. Essa não retroação de efeitos deve ser aplicada com cuidado. A regra da Medida Provisória é a precariedade. Ela não gera direitos adquiridos. Desse modo, não poderá gerar efeitos futuros caso caduque.

c.7. assim, por exemplo, uma Medida Provisória rejeitada que deu aumento de salário a servidores públicos. Esse valor recebido a mais não poderá ser base de cálculo do décimo terceiro salário, na medida em que Medida Provisória não gera efeitos futuros.

c.8. essas relações jurídicas que permanecem reguladas pela Medida Provisória em caso de omissão do parlamento referem-se a sujeitos de direito, não à criação de órgãos. É possível inferir da doutrina de Gilmar Mendes, inclusive, que a criação de órgãos parece medida incompatível com a essência de uma Medida Provisória. [9]

 

  1. Rejeição expressa.

d.1. na rejeição expressa, uma das maiores peculiaridades, segundo a melhor doutrina. Mesmo com a rejeição, a Medida Provisória pode prosseguir tendo efeito por sessenta dias, caso o parlamento, nesse período, não edite o Decreto Legislativo;

d.2. com a rejeição, a Medida Provisória não pode ser reeditada na mesma sessão legislativa, que, no Congresso Nacional, é de 02 de fevereiro a 22 de dezembro. Trata-se do princípio da irrepetibilidade.

d.3. é preciso cuidado. Na Medida Provisória, o princípio da irrepetibilidade é absoluto. Ou seja, nem mesmo proposta da maioria absoluta da casa legislativa pode excepcioná-lo.

d.4. o princípio da irrepetibilidade não alcança a edição de Medida Provisória em período de convocação extraordinária do Congresso Nacional. [10]

d.5. isso quer dizer que uma Medida Provisória rejeitada no dia 05 de janeiro, em convocação extraordinária, poderá ser reeditada em 05 de fevereiro. É estranho, mas é manobra que encontra guarida no ordenamento. [11]

d.6. o ponto relevante para se aferir irrepetibilidade é o momento da rejeição, não o momento da edição. Assim, uma Medida Provisória editada em 2018 cuja rejeição somente ocorreu na sessão legislativa ordinária de 2019 fica com a reedição impedida até a sessão legislativa ordinária de 2020 ou eventual convocação extraordinária do Congresso promovida após 22 de dezembro de 2019. [12]

 

  1. Da possibilidade de o Chefe do Executivo desistir da Medida Provisória por ele editada

Essa possibilidade não existe. A Medida Provisória tem efeitos imediatos, não se podendo simplesmente desistir dela, tal qual um projeto de lei comum.[13]

 

  1. Da possibilidade de revogação da Medida Provisória

Uma Medida Provisória pode ser revogada por outra.

Nessa hipótese, a contagem da Medida Provisória revogada fica suspensa, aguardando o trâmite do projeto decorrente da Medida Provisória revogadora. [14]

Dessa forma, se a Medida Provisória “X” tinha 100 dias antes da Medida Provisória “X2” a revogar – e a “X2” vindo a ser rejeitada, expressa ou tacitamente – a Medida Provisória “X” terá de volta os seus 20 dias restantes de prazo.

É lógico que um governante inclinado ao cesarismo pode jogar com essa possibilidade, manejando sucessivas Medidas Provisórias, uma revogando a outra, mudando pequenos detalhes, de modo a poder governar o máximo possível sem a participação do parlamento. Mas é preciso lembrar que o abuso das Medidas Provisórias abre a possibilidade do judicial review, de modo que, uma vez identificada essa “jogada”, surge o cabimento de ADIN.

 

  1. Da possibilidade de criação da Medida Provisória pelos demais entes federativos

É possível aos demais entes a criação de Medida Provisória.[15]

Ocorre que será preciso a observância do modelo federal. Quer dizer, a criação de Medida Provisória é opcional, mas, uma vez criada, haverá um modelo que obrigatoriamente será seguido. [16]

 

  1. Da possibilidade de controle de constitucionalidade repressivo da Medida Provisória

A Medida Provisória é sindicável, sobretudo no que toca à analise dos requisitos de relevância e urgência.[17]

Como visto, são diversos os destinos que uma Medida Provisória pode tomar. Esses destinos trazem repercussões processuais, abaixo listadas. [18]

 

– situação 1. Medida Provisória convertida em lei sem alteração de  texto.

 

A ADIN poderá continuar, mas é preciso que o autor da ação adite a ação, de modo a constar o novo objeto de impugnação;

Nesse sentido, ADI 4.048 (Gilmar Mendes. DJ: 22/08/2008) e ADI 4.049 (Ayres Brito. DJ: 08/05/2009):

Conversão da medida provisória na Lei 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória.

No mesmo sentido, ainda, ADI 691 (Min. Sepúlveda Pertence. DJ: 19/06/1992):

(…) medida provisória convertida em lei sem alterações: arguição não prejudicada. Não prejudica a ação direta de inconstitucionalidade material de medida provisória a sua intercorrente conversão em lei sem alterações, dado que a sua aprovação e promulgação integrais apenas lhe tornam definitiva a vigência, com eficácia ex tunc e sem solução de continuidade, preservada a identidade originária do seu conteúdo normativo, objeto da arguição de invalidade.

 

– situação 2. Medida Provisória revogada por outra Medida Provisória.

Não foi encontrada doutrina propriamente sobre esse assunto. Mas é possível inferir que a ADIN não necessariamente perderia o seu objeto. A ação somente ficaria suspensa, tal qual o seu objeto.

 

– situação 3. Medida Provisória, objeto de ADIN, convertida em Lei, porém com alteração de texto no Parlamento.

Nessa situação, a ADIN perde o seu objeto, afinal, a situação em exame não mais será a mesma. Nessa situação, entendemos que será preciso ingressar com uma nova ADIN ou pedir a extensão do pedido para a nova Lei.

Nesse sentido, ADI 1.125 (Min. Carlos Velloso. DJ: 31/03/1995):

No caso de reedição da medida provisória, ou no caso de sua conversão em lei, poderá o autor da ação direta pedir a extensão da ação à medida provisória reeditada ou à lei de conversão, para que a inconstitucionalidade arguida venha a ser apreciada pelo STF, inclusive no que toca a liminar pleiteada.

 

– situação 4. ADI cujo objeto seja unicamente a inobservância dos pressupostos da Medida Provisória.

Nessa situação, é indiferente o assunto veiculado na Medida Provisória. A análise restringe-se aos seus requisitos próprios, especialmente a relevância e urgência. Nessa situação, entendemos que não há perda de objeto. Nesse sentido, ADI 1.691 (Min. Sepúlveda Pertence. DJ: 19/06/1992):

Quando uma medida provisória é convertida em lei, a arguição de inconstitucionalidade deve atacar esta e não aquela. Essa regra, porém, não se aplica a casos em que a inconstitucionalidade que se alega com relação à medida provisória diz respeito exclusivamente a ela (o de ser, ou não, cabível medida provisória para instituir ou aumentar imposto), refletindo-se sobre a lei de conversão no tocante a sua vigência para o efeito da observância do princípio constitucional da anterioridade.

 

  1. Da possibilidade de convalidação de Medida Provisória com vícios em sua edição

Prevalece que não é possível convalidar Medida Provisória com vícios. Ou seja, mesmo que ela perpasse por todo o processo legislativo de conversão poderá ser declarada nula. [19]

 

  1. Da tramitação por comissão mista

Esse não é requisito facultativo. Não é possível, tal qual antes se fazia, a simples designação de relator para apresentação de parecer. É imprescindível a efetiva constituição e consequente parecer próprio da comissão mista, que reunirá membros da Câmara e do Senado para apreciar tanto a admissibilidade quanto o mérito da norma.[20]

 

  1. Da conclusão

O processo de amadurecimento da espécie legislativa Medida Provisória mostra um intuito de resistência ao seu uso indiscriminado.

Se de um lado o Poder Executivo pretende conferir celeridade a suas políticas, de outro o parlamento busca manter o seu papel institucional de preservar em si o protagonismo na elaboração das leis.

Na tarefa de encontrar um meio-termo entre esses dois propósitos, a atuação do Supremo Tribunal Federal foi fundamental. A partir de seus julgados, a Medida Provisória foi ganhando contornos mais bem definidos, contornos estes que representaram a orientação maior para a presente pesquisa.

 

  1. Das referências

MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 2017. 12ª edição. Saraiva. São Paulo.

MORAES. Alexandre. Direito Constitucional. 2018. 34ª edição. Atlas. São Paulo.

LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2019. 23ª edição. Saraiva. São Paulo.

MS 27.931. Julgamento em 29 de junho de 2017. Relator: Ministro Celso de Mello.

ADI 5.127. DJ: 11/05/2016. Relatora: Ministra Rosa Weber.

ADI 2.010. Julgamento em 30 de setembro de 1999. Relator: Ministro Celso de Mello.

ADI 2.984. DJ: 14/05/2004. Min. Elllen Gracie.

ADI 2.391. DJ: 16/03/2007. Relatora: Ministra Ellen Gracie.

ADI 4.029. DJE 27.06.2012. Ministro Relator: Luiz Fux.

ADI 4.048. DJ: 22/08/2008. Ministro Gilmar Mendes.

ADI 4.049. DJ: 08/05/2009. Ministro Ayres Brito.

ADI 691. DJ: 19/06/1992. Min. Sepúlveda Pertence.

ADI 1.125. DJ: 31/03/1995. Min. Carlos Velloso.

ADI 1.691. DJ: 19/06/1992. Min. Sepúlveda Pertence.

 

[1] “Não será cabível regular por medida provisória matéria que a Constituição reserva à iniciativa legislativa exclusiva de outro Poder que não o Executivo”. MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 2018. 12ª edição. Fl. 954).

[2] Além disso, estabelece o pg. 12 do art. 62 da Constituição Federal que “aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da Medida Provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto”. O dispositivo assegura ao Presidente da República os quinze dias úteis para o exame do projeto de lei de conversão, antes de se decidir sobre sanção ou veto. Assim, não fica o Chefe do Executivo premido a ter de decidir sobre a sanção ou veto do projeto de lei de conversão, por exemplo, em apenas vinte e quatro horas, no caso de somente faltar um dia para a caducidade da Medida Provisória. O dispositivo, de toda sorte, cria uma hipótese de prorrogação da vigência da Medida Provisória para além do prazo de cento e vinte dias. MENDES. Gilmar. Ibid. Fl. 964).

[3] MS 27.931. Julgamento em 29 de junho de 2017. Relator: Ministro Celso de Mello.

[4] Segundo Gilmar Mendes, a decisão entendeu que o sobrestamento determinado não prejudica senão as sessões ordinárias da Câmara. MENDES. Gilmar. Ibid. 962.

[5] Art. 57. (…) § 8º – Havendo medidas provisórias em vigor na data da convocação extraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta da convocação. É importante não confundir “sessão extraordinária” com “sessão legislativa extraordinária”. A primeira refere-se a evento fora do calendário normal do congresso, o que não se confunde com o recesso. De acordo com a defesa de Michel Temer no MS 27.931, aparentemente acolhido pelo STF, somente as sessões ordinárias teriam o bloqueio da Medida Provisórias. A sessão legislativa extraordinária, por sua vez, ocorre quando o Congresso é convocado no período de recesso para deliberar. Quanto a esse momento, não há dúvida que a Medida Provisória entra imediatamente em pauta, tendo em vista previsão constitucional expressa.

[6] 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática de inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória. ADI 5.127. DJ: 11/05/2016. Relatora: Ministra Rosa Weber.

[7] As emendas significam recusa da Medida Provisória nos pontos em que alteram a sua normação. Nas partes em que a Medida Provisória foi alterada, as normas valerão para o futuro, a partir da vigência da própria lei de conversão. Na parte em que a Medida Provisória foi confirmada, opera-se a sua ratificação desde quando foi editada. MENDES. Gilmar. Fl. 965.

[8] (…) uma hipótese de ultra-atividade da Medida Provisória não convertida em lei, mas apenas para a disciplina das relações formadas com base na mesma Medida Provisória e durante a sua vigência. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 966).

[9] Se o que se preservam são as relações jurídicas durante o período de vigência da Medida Provisória, o dispositivo constitucional deve ser entendido como a alcançar situações de inter-relacionamento entre sujeitos de direito e não normas institutivas de órgãos e pessoas jurídicas. A rejeição de Medida Provisória que cria um órgão seria inócua, com prejuízo do princípio de que em matéria própria de legislação há de se conferir preponderância à vontade do legislativo, se se entendesse que a própria criação do órgão é ato que se aproveita da ultra-atividade da Medida Provisória de que trata o pg. 11 do art. 62 da Constituição Federal. MENDES. Gilmar. Ibid. FL. 966.

[10] A norma insculpida no art. 67 da Constituição – que consagra o postulado da irrepetibilidade dos projetos rejeitados na mesma sessão legislativa – não impede o Presidente da República de submeter, à apreciação do Congresso Nacional, reunido em convocação extraordinária (Constituição Federal, art. 57, § 6º, II), projeto de lei versando, total ou parcialmente, a mesma matéria que constituiu objeto de medida provisória rejeitada pelo Parlamento, em sessão legislativa realizada no ano anterior. ADI 2.010. Julgamento em 30 de setembro de 1999. Relator: Ministro Celso de Mello.

[11] Observe-se que a sessão legislativa seguinte pode ocorrer no mesmo ano em que se dá a rejeição da Medida Provisória ou do projeto de lei, já que é possível que a Medida Provisória seja rejeitada, por exemplo, no mês de janeiro, durante sessão legislativa extraordinária, ocorrida por força de convocação do Congresso Nacional, o que enseja que a medida seja editada no início da sessão legislativa ordinária, no mês seguinte. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 961.

[12] A Medida Provisória pode ser reeditada na sessão legislativa seguinte àquela em que ocorreu a rejeição (e não na seguinte àquela em que foi editada), já que o fenômeno relevante a ser tomado em conta é a manifestação negativa do Congresso (ou o decurso do prazo para aprovação da medida. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 961.

[13] A partir do momento em que o Presidente edita a Medida Provisória, ele não mais tem controle sobre ela, já que, de imediato, deverá submetê-la à análise do Congresso Nacional, não podendo retirá-la de sua apreciação. LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2019. Fl. 703.

[14] Porque possui força de lei e eficácia imediata a partir de sua publicação, a medida provisória não pode ser “retirada” pelo presidente da República à apreciação do Congresso Nacional. (…) Como qualquer outro ato legislativo, a medida provisória é passível de ab-rogação mediante diploma de igual ou superior hierarquia. (…) A revogação da medida provisória por outra apenas suspende a eficácia da norma ab-rogada, que voltará a vigorar pelo tempo que lhe reste para apreciação, caso caduque ou seja rejeitada a medida provisória ab-rogante. Consequentemente, o ato revocatório não subtrai ao Congresso Nacional o exame da matéria contida na medida provisória revogada. ADI 2.984 Relatora: Min. Elllen Gracie. DJ: 14/05/2004.

[15] Conforme já estudado em tópico anterior, o Supremo Tribunal Federal considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição Federal como modelos obrigatórios às Constituições Estaduais. Tal entendimento, que igualmente se aplica às Leis Orgânicas dos Municípios, acaba por permitir que no âmbito estadual e municipal haja previsão de medidas provisórias a serem editadas. (grifos nossos). MORAES. Alexandre. Direito Constitucional. 2018. Fl. 758.

[16] Adoção de medida provisória por Estado-membro. Possibilidade. Arts. 62 e 84, XXVI, da CF. EC 32, de 11-9-2001, que alterou substancialmente a redação do art. 62. (…) Inexistência de vedação expressa quanto às medidas provisórias. Necessidade de previsão no texto da Carta estadual e da estrita observância dos princípios e limitações impostas pelo modelo federal. ADI 2.391. DJ: 16/03/2007. Relatora: Ministra Ellen Gracie.

[17] A Medida Provisória enquanto espécie normativa definitiva e acabada, apesar de seu caráter de temporariedade, estará sujeita ao controle de constitucionalidade, como todas as demais leis e ato normativos. O controle jurisdicional das medidas provisórias é possível, tanto em relação à disciplina dada a matéria tratada pela mesma, quanto em relação aos próprios limites materiais e aos requisitos de relevância e urgência. A essa última forma de controle jurisdicional, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, desde a Constituição anterior e a respeito dos antigos Decretos-leis, é inadmiti-lo, por invasão da esfera discricionária do Poder Executivo, salvo quando flagrante o desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar. A hipótese, portanto, é possível para evitar arbitrariedade, porém, excepcional. Nossa Corte Suprema entende que “os requisitos de relevância e urgência da matéria seriam passiveis de controle pelo STF, desde que houvesse demonstração cabal da sua inexistência.

(…)

Portanto, os requisitos de relevância e urgência, em regra, somente deverão ser analisados, primeiramente, pelo próprio Presidente da República, no momento da edição de Medida Provisória, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, que poderá deixar de convertê-la em lei, por ausência dos pressupostos constitucionais. Excepcionalmente, porém, quando presente desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Poder Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da República, garantindo-se a supremacia constitucional. Como ressaltado pelo Ministro Celso de Mello, “a mera possibilidade de avaliação arbitrária daqueles pressupostos (relevância e urgência), pelo Chefe do Poder Executivo, constitui razão bastante para justificar o controle jurisdicional. O reconhecimento de imunidade jurisdicional, que pré-excluísse de apreciação judicial o exame de tais pressupostos, caso admitido fosse, implicaria consagrar, de modo inaceitável, em favor do Presidente da República, uma ilimitada expansão de seu poder para editar Medidas Provisórias, sem qualquer possibilidade de controle, o que se revelaria incompatível com o nosso sistema constitucional. MORAES. Alexandre. Ibid. fl. 758.

[18] O Supremo Tribunal Federal já fixou o entendimento de que, se a Medida Provisória, no caso de não manifestação do Congresso, vier a ser reeditada, ou vier a ser convertida em lei, será necessário que o autor adite pedido de extensão da ação direta proposta à nova medida provisória ou à lei de conversão, para que a inconstitucionalidade arguida possa ser apreciada, inclusive no tocante à medida liminar requerida. Tal posicionamento decorre da circunstância de que a ação direta de inconstitucionalidade perde o seu objeto quando o ato normativo impugnado deixa de vigorar, o que ocorre com a medida provisória que, para não ter sua eficácia temporária desconstituída ex tunc, necessita de que seu conteúdo seja objeto de nova medida provisória ou de lei de conversão, hipóteses em que o ato normativo em vigor será essa nova medida provisória ou a lei de conversão.

A conversão da Medida Provisória em lei, sem alterações em seu conteúdo, não acarretará a prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade material da mesma, posto que sua aprovação e promulgação integrais apenas transformaram-se em espécie normativa definitiva, com eficácia ex tunc e sem solução de continuidade, preservado seu conteúdo original.

Ressalte-se, porém, que haverá necessidade do autor da ação direta aditar seu pedido, juntando o texto definitivo da lei de conversão.

Observe-se, ainda, que a conversão da Medida Provisória em lei não afastará a possibilidade de análise judicial da presença dos indispensáveis requisitos formais necessários à edição das medidas provisórias, cuja ausência acarretará sua nulidade, sem possibilidade de convalidação. O STF passou a entender que a lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. MORAES. Alexandre. Ibid. 758.

 

[19] A questão torna-se mais sutil quando se indaga da possibilidade de uma Medida Provisória que sofra de vício de inconstitucionalidade – por exemplo, por dispor sobre direito penal – vir a ser confirmada pelo Congresso Nacional, transformando-se em lei. Nesse caso, apenas a Medida Provisória será inconstitucional? Pode a lei que a confirmou ser considerada válida a partir de sua edição? A lei de conversão, nesse caso, há de ser tida por inconstitucional, contaminada que está pelo defeito da Medida Provisória de que resulta. Havendo a confirmação da Medida Provisória, o STF entende especiosa a distinção entre lei de conversão e a própria Medida Provisória. A lei de conversão não é impermeável aos vícios da Medida Provisória. Afinal, aquela é a ratificação desta. A Medida Provisória foi o fato deflagrador do processo legislativo da lei que a ratificou. Se o processo legislativo está maculado, na sua origem, por ter sido provocado por um ato que a Constituição tem como inválido, não é possível dissociar a lei daí resultante do grave vício ocorrido no seu nascedouro. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 965).

[20] 4. As Comissões Mistas e a magnitude das funções das mesmas no processo de conversão de Medidas Provisórias decorrem da necessidade, imposta pela Constituição, de assegurar uma reflexão mais detida sobre o ato normativo primário emanado pelo Executivo, evitando que a apreciação pelo Plenário seja feita de maneira inopinada, percebendo-se, assim, que o parecer desse colegiado representa, em vez de formalidade desimportante, uma garantia de que o Legislativo fiscalize o exercício atípico da função legiferante pelo Executivo. ADI 4.029. DJE 27.06.2012. Ministro Relator: Luiz Fux.

 

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