A política e a Constituição

Resumo: A Constituição jamais será efetivada sem a política, a qual só será exercida, nesse quadrante, com a devida ética.

Palavras-chave: Constituição. Política. Efetivação.

Abstract: The Constitution will never be implemented without the policy, which will only be exercised, in this quadrant, with due ethics.

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Keywords: Constitution. Policy. Effectiveness.

Sumário: Introdução. 1. O direito e a moral. 2. A política e a Constituição. 3. A Constituição simbólica. Considerações finais. Referências.

Introdução

Desde o mensalão até os escândalos recentes envolvendo os ex-Presidentes da República Dilma Rousseff e Lula, o atual Chefe do Executivo Federal Michel Temer, variados parlamentares, empresários poderosíssimos e outros, temos destituído a ideia de que se tratava de algo imaginário os escritos de Karl Marx no sentido de que o Estado estaria a serviço dos interesses dos detentores dos meios de produção, os quais o utilizam como instrumento de opressão às classes economicamente menos favorecidas.

Há de se destacar, atento a essa construção teórica, quando do julgamento recente da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral, em conformidade com Isadora Peron, Anne Warth e Renan Truffi (2017), o Ministro Relator da ação, Herman Benjamin, sustentou que o Brasil sempre inova no campo da corrupção e hoje já está comprovado que leis foram compradas no Congresso por grandes empresários; que em comparação com o que já foi revelado pela Operação Lava Jato, o escândalo do mensalão resulta extremamente modesto e, hoje, seria julgado como pequenas causas; que já não se fala mais do aparelhamento ou captura do Estado pelo poder econômico, mas sim da compra de governantes; que já não se vendia mais apenas o acesso aos gabinetes, mas se entregavam os produtos do trabalho no Executivo e no Legislativo; que os recursos ilícitos desviados não são mais usados apenas para alimentar as campanhas em ano eleitoral, mas investidos em um projeto de poder e; que esses sucessivos escândalos de corrupção no País ocorrem porque os poderosos não têm medo de serem punidos.

Essas constatações retratam uma verdadeira guerra de interesses, não somente entre os representantes do povo, mas também, no âmbito do próprio povo, donde encontramos argumentos falaciosos, desmedidos, impensados, irrazoáveis e mesquinhos, tudo em prol de interesses não republicanos.

Ao mesmo tempo, presenciamos muitas das previsões constitucionais normativas, principalmente, aquelas relativas aos direitos fundamentais, se reduzirem a meras promessas, o que nos faz refletir em que medida as mais diversas versões morais individuais e/ou grupais encontram-se na base desse problema. 

Para apresentar nossas ideias, procuraremos estabelecer as relações entre o direito e a moral, e, exploraremos alguns pensamentos sobre a definição Constituição Simbólica.

1. O direito e a moral

Direito e a moral não se confundem, apesar de terem muitas intersecções. Ambos insurgem como instrumentos de controle social, e, não se pode negar, se influenciam e se complementam. Sobre essa relação, Paulo Nader escreveu:

“A análise comparativa entre a ordem moral e a jurídica é importante não apenas quando indica pontos de distinção, mas também quando destaca os focos de convergência. A compreensão cabal do Direito não pode prescindir do exame dos mais intricados problemas que esta matéria apresenta. Apesar de antigo, o tema oferece aspectos que se renovam e despertam o interesse científico dos estudiosos. […] Direito e moral são instrumentos de controle social que não se excluem, antes, se completam e mutuamente se influenciam. Embora cada qual tenha seu objetivo próprio, é indispensável que a análise cuidadosa do assunto mostre a ação conjunta desses processos, evitando-se colocar um abismo entre o Direito e a Moral. Seria um grave erro, portanto, pretender-se a separação ou o isolamento de ambos, como se fossem sistemas absolutamente autônomos, sem qualquer comunicação, estranhos entre si. O Direito, malgrado distinguir-se cientificamente da Moral, é grandemente influenciado por esta, de quem recebe valiosa substância. […] (NADER, 2012, p. 35).  

O estudo das relações entre o Direito e a Moral, pelo dinamismo da sociedade, há muito é explorado, principalmente, quando se pensa no conceito de direito e na tentativa de se “[…] harmonizar o que é com o que deve ser” (REALE, 2014, p. 68).

Não há dúvidas, entretanto, no âmbito de um Estado de Direito o que impera é a norma jurídica. O Direito, logo, independe, fatalmente, de uma moral absoluta, quiçá na era contemporânea, extremamente plural e complexa, conforme Hans Kelsen alertou:

“Quando uma teoria do Direito positivo se propõe distinguir Direito e Moral em geral e Direito e Justiça em particular, para não os confundir entre si, ela volta-se contra a concepção tradicional, tida como indiscutível pela maioria dos juristas, que pressupõe que apenas existe uma única Moral válida – que é, portanto, absoluta – da qual resulta uma Justiça absoluta. A exigência de uma separação entre Direito e Moral, Direito e Justiça, significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente desta Moral absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral” (KELSEN, 2006, p. 75).             

Portanto, qualquer conceito moral pode ser abraçado pelo direito, desde que passe pelo crivo de uma norma jurídica e como resultado funcional dos órgãos estatais dotados de autoridade para isso.

“Se pressupusermos somente valores morais relativos, então a exigência de que o Direito deve ser moral, isto é, justo, apenas pode significar que o Direito positivo deve corresponder a um determinado sistema de Moral entre os vários sistemas morais possíveis. Mas com isso não fica excluída a possibilidade da pretensão que exija que o Direito positivo deve harmonizar-se com um outro sistema moral e com ele venha eventualmente a concordar de fato, contradizendo um sistema moral diferente deste” (KELSEN, 2006, p. 75).

Postas essas considerações, note-se, toda norma jurídica “é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato (F) ao qual se liga a uma consequência (C)” (REALE, 2014, p. 93). Perceba-se, assim, a norma jurídica, enquanto elemento nuclear do direito apresenta, conforme Miguel Reale, uma estrutura tridimensional, a saber:

“Como se vê, há no modelo normativo a previsão de um fato ou de um complexo fático (F), que é a base necessária à formulação da hipótese, da qual resultará uma consequência (C). […] Se, por outro lado, se enuncia da consequência, declarando-a obrigatória, é sinal que se pretende atingir um objetivo, realizando-se algo de valioso, ou impedindo a ocorrência de valores negativos. […] Finalmente, essa correlação entre fato e valor se dá em razão de um enlace deôntico, isto é, em termos lógicos de dever ser, com que se instaura a norma” (REALE, 2014, p. 93).

Além da estrutura ora trabalhada, imprescindível ressaltar que as normas jurídicas detêm como características a biteralidade, a imperatividade, a coercibilidade (guardadas as discussões a respeito), a imperatividade, a abstratividade e a generalidade.       

Não se está aqui para tratar de moral, mas de direito, o qual, como vimos, pode abarcar qualquer concepção dessa natureza. A Constituição, devido à sua supremacia, simboliza o patamar normativo e valorativo máximo, isso todos sabemos. Interroguemo-nos, entretanto, os motivos pelos quais a Carta Magna cidadã de 1988, embora imersa e consagradora de um Estado Democrático de Direito tem sido efetivada seletivamente. 

2. A política e o direito

Como sustenta Martonio Barreto Lima no texto Idealismo e efetivação constitucional: a impossibilidade da realização da Constituição sem a política (2006), o Estado brasileiro, a partir de 1988, normativamente dizendo, rechaçou a diferença por força de nascimento, de status, de educação etc.

Essa ideia está clara no preâmbulo da Constituição da República, quando o constituinte originário assim promulgou:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (BRASIL, 2017, p. S.N.).

Conforme se verifica na seara constitucional, por mais que haja divergência sobre a força normativa ou não do preâmbulo da Constituição, resta claro na jurisprudência do Supremo Tribunal:

“[…] ao Preâmbulo da Constituição, no qual se contém a explicitação dos valores que dominam a obra constitucional de 1988 (…). Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos (…). E, referindo-se, expressamente, ao Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, escolia José Afonso da Silva que “O Estado Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores supremos. ‘Assegurar’ tem, no contexto, função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de garantia dos valores abstratamente considerados, mas do seu ‘exercício’. Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de ‘assegurar’, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos valores em direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que dão a esses valores conteúdo específico” (…). Na esteira destes valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o princípio jurídico da solidariedade. [ADI 2.649, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-5-2008, P, DJE de 17-10-2008.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 13).

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Perceba-se, ao mesmo tempo em que reconhece o projeto Constitucional igualitário e solidário, o Supremo Tribunal Federal trabalha a ideia de tratar-se de um programa a ser abraçado pelo Estado e a sociedade como um tudo, muito se assemelhando à definição de Constituição Simbólica sustentada por Marcelo Neves. Ou seja, oferece-se conquistas apenas no papel, no texto normativo, no ideal, para, mais tarde, no campo do realismo, impedir-se ações realistas que levem a sua efetivação.

Barreto Lima (2006) fomenta a ideia de que o constituinte criou a Constituição Federal com o fito de torna-la realidade por meio da concretização por intermédio da política. No entanto, o tempo vem passando e não vemos a concretização exponencial da nossa Magna Carta. É preciso, logo, explorar a construção conceitual de Marcelo Neves.

3. A Constituição simbólica

Segundo Marcelo Neves (1996), pode-se afirmar, primeiramente, a discussão em torno da constitucionalização simbólica nasceu na década de 80 do século passado, revelando uma faceta político-ideológica do texto constitucional que pode ser atrelada ao simbolismo freudiano a partir do binômio significado latente e significado manifesto, donde prevaleceria o primeiro.

Para explicar seus pensamentos Neves (1996) lança mão das ideias de diversos autores como Gusfield, Edelman, Arnold, Massing, Bourdeau, Habermas entre outros, aduzindo tratar-se a constitucionalização simbólica de um problema hipertrofiante gerador de um prejuízo instrumental-normativo devido a amplitude dos âmbitos material e pessoal do direito constitucional, principalmente, em países periféricos e detentores de Constituições dirigentes.

Em outras palavras, para Marcelo Neves (1996), Constituições normativas europeias e a Constituição dos Estados Unidos possuem eficácia socialmente mais relevante devido a maior participação, liberdade, igualdade e de interferência intersubjetiva e de orientação das expectativas de comportamento, por funcionar, realmente, como uma instância reflexiva de um sistema vigente e eficaz.

Já no caso da constitucionalização simbólica, à atividade constituinte e à emissão do texto constitucional não se segue uma normatividade jurídica generalizada, uma abrangente concretização normativa do texto constitucional.

“[…] Sua definição engloba esses dois momentos: de um lado, sua função não é direcionar as condutas e orientar expectativas conforme as determinações jurídicas das respectivas disposições constitucionais; mas, por outro lado, ela responde a exigências e objetivos políticos concretos. “Isso pode ser a reverência retórica diante de determinados valores (democracia, paz). Pode tratar-se também de propaganda perante o estrangeiro” (Bryde, 1982: 28) (NEVES, 1996, p. 326).

A crítica se põe (Neves, 1996) no sentido de que a constitucionalização simbólica se apresenta num contexto em que a realização do modelo anunciado só seria possível com uma completa reforma da sociedade, com condições sociais totalmente diversas, ou o figurino constitucional atua como ideal, que por meio dos “donos do poder” e sem prejuízo para os grupos privilegiados deverá ser realizado, desenvolvendo-se, então, a fórmula retórica da “boa intenção” do legislador constituinte e dos governantes em geral. De acordo com o autor:

“O “Constitucionalismo aparente” (Grimm, 1989: 634 ou 1991: 13) implica, nessas condições, uma representação ilusória em relação à realidade constitucional, servindo antes para imunizar o sistema político contra outras alternativas. Por meio dele, não apenas podem permanecer inalterados os problemas e relações que seriam normatizados com base nas respectivas disposições constitucionais (Bryde, 1982: 28s.), mas também ser obstruído o caminho das mudanças sociais em direção ao proclamado Estado Constitucional (Cabe advertir, porém, que mesmo as Constituições normativas não podem resolver diretamente os problemas sociais, mas apenas influenciar-lhes mediatamente a solução – Grimm, 1989: 638 ou 1991: 19). Ao discurso do poder pertence, então, a invocação permanente do documento constitucional como estrutura normativa garantidora dos direitos fundamentais (civis, políticos e sociais), da “divisão” de poderes e da eleição democrática, e o recurso retórico a essas instituições como conquistas do Estado Governo e provas da existência da democracia no país. A fórmula ideologicamente carregada “sociedade democrática” é utilizada pelos governantes (em sentido amplo) com “Constituições simbólicas” tão regularmente como pelos seus colegas sob “Constituições normativas”, supondo-se que se trata da mesma realidade constitucional. Daí decorre uma deturpação pragmática da linguagem constitucional, que, se, por um lado, diminui a tensão social e obstrui os caminhos para a transformação da sociedade, imunizando o sistema contra outras alternativas, pode, por outro lado, conduzir, nos casos extremos, à desconfiança pública no sistema político e nos agentes estatais. Isso importa que a própria função ideológica da constitucionalização simbólica tem os seus limites, podendo inverter-se, contraditoriamente, a situação, no sentido de uma tomada de consciência da discrepância entre ação política e discurso constitucionalista” (NAVES, 1996, p. 326).

Em suma, para Marcelo Neves (1996), constitucionalização simbólica implica adoção ou mudança do texto constitucional sem correspondente alteração das estruturas reais subjacentes, servindo mesmo como mecanismo construtivo de ilusões, podendo conduzir a interpretações simplistas de que seriam totalmente vãs as tentativas de transformações sociais intermediadas por mutações do documento constitucional.

O próprio autor (Neves, 1996) aduz que a constitucionalização simbólica, embora relevante no jogo político, não se segue, principalmente na estrutura excludente da sociedade brasileira, “lealdade das massas”, que pressuporia um Estado de bem-estar eficiente. Contraditoriamente, à medida que se ampliam extremamente a falta de concretização normativa do documento constitucional e, simultaneamente, o discurso constitucionalista do poder, intensifica-se o grau de desconfiança no Estado. A autoridade pública cai em descrédito. A inconsistência da “ordem constitucional” desgasta o próprio discurso constitucionalista dos críticos do sistema de dominação. Desmascarada a farsa constitucionalista, segue-se o cinismo das elites e a apatia do público. Temos ou não presenciado esses desenvolvimentos no universo brasileiro?

Considerações finais

Para finalizar este texto, mas sem a pretensão de esgotar o assunto, propomos uma análise que perpasse três paradigmas, a fim de se buscar uma mediania à lá Aristóteles, conforme salientamos, tanto do ponto de vista coletivo quanto do individual. Tratam-se do constitucional (como não poderia deixar de ser), do ético e do compreensivo. 

Da perspectiva constitucional, gostamos muito de uma passagem de Luis Roberto Barroso (2015) quando trabalha a ideia de que o Direito, enquanto norma jurídica positivada, oferece possibilidade de que o beneficiário da previsão normativa a faça atuar em seu favor, inclusive por meio de recurso à coação estatal. Normas jurídicas, segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, e, especialmente, as normas constitucionais, tutelam bens jurídicos socialmente relevantes e interesses individuais.

Assim, conforme Barroso (2015) um direito subjetivo constitucional confere a seu titular a faculdade de invocar a norma constitucional para assegurar-lhe a realização da situação jurídica nela contemplada e por ora não entregue. Via de regra, na vida social, as normas jurídicas são espontaneamente observadas e os direitos subjetivos delas decorrentes realizam-se por um processo natural e simples. Portanto, as normas jurídicas teriam, por si mesmas, uma eficácia racional ou intelectual, por tutelarem, em regra, valores que têm ascendência no espírito das pessoas.

É bem verdade, como lembrou Daniel Sarmento (2010), as ordens jurídicas baseiam-se, de maneira explicita, ou não, em alguma ideia sobre o ser, o humano. Porém, tanto do ponto de vista da felicidade coletiva, quanto da individual, aqui trabalhadas, encontramo-nos, no Brasil, diante do chamado estado de coisas inconstitucional devido à ineficácia social de normas protetivas a direitos ligados às suas consecuções.

Sabe-se, não há o devido respeito às normas consagradoras de direitos que demandem ações estatais afirmativas como saúde, educação, cultura e trabalho adequados, bem como àquelas ligadas a questões muito intimas e atreladas ao respeito às crenças e religiões, à sexualidade e à eutanásia e seus desmembramentos, entre outros.

É fato, algumas circunstancias tem impedido que sejamos livres e iguais, o que ocasiona, fatalmente, uma falência político-jurídica de convivência social. Pensamos que isso, muito se deve, à ausência do devido preparo educacional e cultural, o que leva a uma grande falta de ética.

Como Sarmento (2010) lembrou, desenvolvendo Sérgio Buarque de Holanda, o Brasil é marcado como aquele país detentor do povo cordial, e isso tem aspectos positivos e negativos. Do primeiro, são reconhecidos seu calor humano, a simpatia e a generosidade. Quanto à última (generosidade), se mostra bastante questionável do nosso ponto de vista, estamos mais propensos à existência de uma conveniência oportunista. Bom, do segundo, há uma imensa dificuldade no sentido de cumprir e exigir o cumprimento de normas gerais e impessoais de conduta, preferindo-se o famoso “jeitinho” brasileiro.

Essas constatações, aliadas ao atual estágio da ética neoliberal e à ausência de referenciais densos educacionais, culturais e, acima de tudo, éticos, podem revelar valiosa sugestão para entendermos melhor os problemas por nós enfrentados, os quais obstam a efetivação constitucional.

Mario Sergio Cortella (s.d.), em diálogo com Clóvis de Barros Filho sobre a ideia da ética como instrução, fomenta tratar-se a mesma de uma natureza exemplar, aspecto que, principalmente, algumas famílias, empresas e maior parte da mídia esquecem. Ou seja, como a nossa formação, dentro de uma sociedade e cultura, se dá a partir daquilo que temos como espelhamento de conduta, crianças e jovens, em grande medida, se formam eticamente a partir daquilo que observam como conduta prática correta do pai e da mãe, avô, avó, tio, tia etc., e, mais tarde, a partir da convivência com os amigos, no trabalho, bem como dos referencias passados pela mídia escrita e falada. Interroguemo-nos, nesse horizonte, qual discurso as crianças e jovens em geral têm assistido em suas casas e nesses demais locais? Nos parece, em regra, o narcísico-consumista.

Ao que tudo indica, como José Luiz Quadros de Magalhães (2010) já havia salientado, a representação do mundo é fundamental para a manutenção das relações sociais, pois representar é significar. Logo, quem tem poder domina os processos de construção dos significados dos significantes, possuindo a capacidade de construir o senso comum, seja em casa, no trabalho, na mídia, ou noutro lugar. Sob a perspectiva, estariam os idealistas dos significantes do consumo construindo significados aptos a, adotando os dizeres de Bourdieu (2010), alocar na consciência coletiva símbolos a serviço da dominação, contribuindo para a integração real da classe dominante e uma integração fictícia da sociedade em seu conjunto, desmobilizando as classes dominadas.

Percebamos assim, o processo de compreensão do mundo encontra-se maculado para uma imensa maioria, a qual tem se deparado com um único referencial de vida, aquele voltado ao gozo imediato, o qual encontra-se atrelado ao ter, ao possuir, ao consumir, seja a coisa (objeto) ou a pessoa (enquanto objeto). As pessoas, reiteramos, em regra, pelo que vemos, dormem e acordam com esse objetivo.

Temos que a consecução da Constituição Cidadã de 1988 se dará a partir de uma hermenêutica constitucional que faça valer questões coletivas e individuais, sendo o primeiro passo para tanto, uma reconstrução do processo de compreensão existencial e de mundo contemporâneos, no qual o giro hermenêutico se apresenta como ferramenta essencial, apresentando-se as teorias de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer muito contundentes para a proposta.

O primeiro, Heidegger (1988), com o seu Dasein, ou ser-aí, ou ser-no-mundo, trabalhou a ideia de que as condições e possibilidades existenciais da pessoa se manifestam a partir das escolhas que se dariam a partir dos fenômenos historicamente situados. Ou seja, conforme Pereira (2007), as ocorrências mundanas são compreendidas, pode-se dizer, com base nos fatos (fenômenos) enquanto tais e não do subjetivismo humano.

Indo além, o segundo, Gadamer (1998), sustentou que a compreensão da verdade depende sempre de uma situação hermenêutica, do giro hermenêutico, que reivindica uma troca entre o compreender histórico e o modo ser da pessoa. Ou seja, todos nós temos pré-compreensões do mundo, as quais foram construídas por nossos conceitos filosóficos, sociológicos, políticos, econômicos etc., até então acumulados. Entretanto, quando nos deparamos com os fenômenos historicamente situados, deveremos procurar compreendê-los a partir desses e não sob as arestas das nossas preconcepções sobre o mundo posto, pois cada fenômeno tem algo a revelar sobre si, o que só poderá ser escancarado e, logo, descoberto, com essa troca de perspectiva.    

Em outras palavras, e para finalizar, somos da opinião que somente avançaremos no sentido de obtermos uma leitura ideal do mundo contemporâneo e a consequente efetivação da Constituição, com uma reforma no espírito do brasileiro nos termos hermenêuticos propostos, pois se isso não ocorrer, prosseguiremos como estamos, donde encontramos pessoas extremamente individualistas e voltadas à satisfação pessoal, negando a existência do outro e dos seus direitos.

 

Referências
BARRETO LIMA, Martonio Mont’Alverne. Idealismo e efetivação constitucional: a impossibilidade da realização da Constituição sem a política. In: Diálogos constitucionais: direito, neoliberalismo e desenvolvimento me países periféricos. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Martorio Mont’Alverne Barreto Lima (orgs). Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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CORTELLA, Mario Sergio; BARROS FILHO, Clóvis de. Ética e vergonha na cara. Le livros. DPG Editora e Papirus Editora.  
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HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1998.
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NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 
PERON, Isadora; WARTH, Anne; TRUFFI, Renan. Benjamin faz alerta contra a 'compra de leis' no País. In: Estadão. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,benjamin-faz-alerta-contra-a-compra-de-leis-no-pais,70001831964. Acesso em 01 de julho de 2017.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. 13ª Tiragem (2014). São Paulo: Saraiva, 2002.
SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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Informações Sobre os Autores

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Viviane Pereira de Moura

Acadêmica de Direito

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


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