As medidas judiciais utilizadas para recebimento de medicamentos e tratamentos de alto custo

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Resumo: A saúde é, senão o primeiro, um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto de existência, seja como condição para uma boa qualidade de vida. A Saúde e o correlato Direito à saúde são o tema do artigo. Delimita-se o tema a algumas particularidades das ações judiciais com fundamento no artigo 196 da Constituição Federal que pleiteiam o fornecimento de medicamentos de alto custo.


Palavras-chave:  Direito à saúde. Fornecimento de medicamentos. Direito Constitucional


Sumário: 1. Introdução. 2. O direito ao fornecimento de medicamentos de alto custo. 3. Conclusões. Referências


INTRODUÇÃO


Trata-se da Saúde e do correlato Direito à saúde, este também é o tema do Trabalho de Conclusão de Curso de Direito cuja parte central é aqui apresentada em forma de artigo científico. Para satisfazer a necessidade de rigor metodológico na pesquisa e elaboração daquele Trabalho, o tema foi delimitado ao fornecimento de medicamentos de alto custo pelo Estado, eis que é nesse ponto que se concentram a maioria das ações judiciais que tocam o tema.


O artigo é parte integrante do Trabalho mencionado e relata especificamente os resultados da pesquisa sobre algumas particularidades das ações judiciais com fundamento no artigo 196 da Constituição Federal de 1988. O objetivo geral do artigo é trazer os vários posicionamentos doutrinários a respeito do tema e, especificamente pretende-se fornecer um aporte teórico básico para o entendimento das particularidades das ações judiciais que requerem do Poder Público o fornecimento de medicamentos de alto custo.


Justifica-se a importância do tema em sua delimitação, haja vista o grande número de ações judiciais atualmente registradas relacionadas ao requerimento mencionado e as divergências existentes tanto na doutrina quanto na jurisprudência. O tema também é importante em razão da necessidade social, levando-se em conta o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro.


O DIREITO AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO


Primeiramente é necessário trazer o conceito de “Saúde”. Tal conceito evoluiu, não é mais definido como mera ausência de doenças; assim, o conceito de Direito à saúde não é mais visto simplesmente como o direito de acesso a condições sanitárias adequadas. O Direito à saúde foi considerado pela Constituição de 1988 um direito fundamental. Todavia, percebe-se que o Estado não tem conseguido cumprir o que determina o Art. 196 da Constituição Federal de 1988 que dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, e deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. O que tem sido notado, por exemplo, é a reprodução incessante de ações judiciais com o intuito de desrespeitar a descentralização da gestão do sistema público de saúde, visando compelir o Estado-Membro a fornecer todo tipo de medicamentos.


Assim, para satisfazer a necessidade de rigor metodológico na pesquisa e elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, o tema foi delimitado no fornecimento de medicamentos de alto custo pelo Estado, eis que é nesse ponto que se concentram a maioria das ações judiciais que tocam o tema.


A obra do professor Allan Weston de Lima Wanderley, intitulada “A Eficácia do Direito à Saúde, limites relativos ao fornecimento de medicamentos excepcionais”, foi a principal fonte bibliográfica utilizada na pesquisa para a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso. Na obra, o autor apresenta a proteção à saúde como uma das principais finalidades do Estado, com vistas ao desenvolvimento social e consolidação do direito constitucional. Concentra-se o autor na escassez dos recursos públicos ante a necessária efetivação do direito à saúde, especificamente quanto ao fornecimento de medicamentos excepcionais, também denominados “medicamentos de alto custo”, em face da garantia posta no artigo 196 da CF/88.


Wanderley afirma que, se saúde não pode ser conceituada somente a assistência fornecida ao indivíduo doente ou como a cura de doenças, o direito à saúde vai além, “exige um conjunto de medidas sociais e econômicas que protejam o indivíduo, evitando a doença e conferindo-lhe bem-estar físico, social e espiritual” Ele conclui que, “diante da grandeza dessas medidas, há a necessidade do Estado organizar-se administrativamente, eis que praticamente tudo interfere na saúde do cidadão” (WANDERLEY, 2011, p. 37).


Nem sempre os indivíduos conseguem adquirir os medicamentos necessários para manutenção da sua própria vida. Em sua maioria, os medicamentos possuem um custo muito alto, sendo inacessível para grande parcela da população portadora de doenças crônicas. Nos últimos anos, vem crescendo a quantidade de demandas judiciais, individuais e coletivas, que, com fundamento no artigo 196 da Constituição Federal, visam a obtenção de ordem judicial que determine ao Poder Público o fornecimento de medicamentos de alto custo, não incluídos no cadastro do Sistema Único de Saúde, principalmente para o tratamento de doenças crônicas como a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – AIDS, as mais diversas variações de câncer, doenças renais e outras.


As ações judiciais com pretensões dessa natureza ocupam, atualmente, boa parte do número de processos que tramitam nas Varas da Fazenda Pública e tem provocado inúmeras e grandes discussões em relação aos efeitos das decisões proferidas pelos magistrados espalhados por todo o país. Além de demandas individuais, as associações dos portadores de doenças crônicas e o Ministério Público, na qualidade de substituto processual, também figuram como autores em diversas ações coletivas.


Em 2010, Ministério da Saúde usou R$ 132,58 milhões para comprar medicamentos de alto custo cujo fornecimento havia sido determinado pela Justiça. Os valores gastos pelo Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais que determinavam o fornecimento de medicamentos de alto custo aumentaram mais de 5.000% nos últimos seis anos. Foram gastos R$ 2,24 milhões em 2005 contra R$ 132,58 milhões em 2010. Segundo José Miguel do Nascimento Junior, diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério, os valores gastos no ano passado, 2010, representaram 1,8% do total do orçamento destinado ao departamento. No ano passado, a União foi citada em cerca de 3,4 mil ações judiciais em busca de medicamentos. Em 2009 foram pelo menos 3,2 mil processos do gênero. Na maioria dos casos, a Justiça determinou a entrega de medicamentos de alto custo – usados especialmente no tratamento oncológico ou de doenças raras (ASCON – GM, 2011).


Em pronunciamentos reiterados, o Poder Judiciário, até mesmo os Tribunais Superiores, acabaram encampando o entendimento de que o artigo 196 da Constituição Federal, constitui um mandamento imperativo de caráter amplo que objetiva resguardar a saúde do indivíduo, não se revestindo de discricionariedade no que tange ao fornecimento gratuito de remédios. O Estado é obrigado a fornecer todo e qualquer medicamento comprovadamente necessário para a manutenção da saúde do indivíduo, independentemente de estar incluído na lista dos remédios adquiridos e distribuídos pelo Sistema Único de Saúde.


Ocorrendo a negativa de fornecimento de determinada prestação relativa à saúde, por decisão administrativa, é possível que a motivação esteja pautada na seguintes situações: o Sistema Único de Saúde – SUS não dispõe de tratamento algum para determinada patologia; ou, embora o SUS disponha de tratamento alternativo, este não é adequado ao paciente.


Defende o Ministro Gilmar Mendes, por exemplo, que, em regra, o tratamento oferecido pelo SUS deve ser privilegiado em detrimento da opção reclamada pelo paciente, sempre que não for provada a ineficácia da política de saúde existente ao caso particular daquela pessoa (BRASIL, 2010, P. 20).


Em princípio, a obrigação do Estado restringe-se a fornecer o tratamento indicado pelo SUS, por ser este precedido de rigoroso consenso científico, submetido ao crivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, e que, a princípio, está apto a atender à necessidade da população.


Se política pública se apresentar comprovadamente inadequada à especificidade de determinada pessoa, seja por questões fisiológicas, seja por defasagem na revisão dos protocolos registrados junto à agência reguladora, caberá à Administração Pública determinar medida diversa que seja capaz de atender eficazmente àquela demanda; não lhe será facultado ignorar o direito à preservação da saúde do indivíduo. Ocorrendo a omissão da Administração Pública, esta poderá ser suprida pelo Poder Judiciário, que atribuirá de efeitos concretos a norma programática em questão. Pode acontecer a situação na qual não se dispõe de tratamento específico na rede pública. Esclarece o Ministro Gilmar Mendes, “nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro” (BRASIL, 2010, p. 21).


Tratamentos denominados experimentais, não possuem, ainda, chancela da comunidade científica quanto a sua eficácia, levando-se em consideração os benefícios e os riscos que podem acarretar ao usuário. Eles constituem pesquisas que ainda não foram totalmente testadas e aprovadas. Sem a aprovação as drogas ou procedimentos utilizados sequer podem ser comercializados. Nesse caso há vedação legal a sua dispensação, ressalvando-se o uso exclusivo para fins de pesquisa médica. Entende o Ministro Gilmar Mendes que não é possível obrigar o SUS a custear os tratamentos ditos meramente experimentais, justamente porque sequer estão disponíveis no mercado para aquisição pelo próprio Estado.


Pode acontecer, também, a situação da existência de novos medicamentos ou tratamentos que ainda não foram incorporados ao SUS, mas que, por terem alcançado aprovação da comunidade científica e após terem sido registrados na ANVISA e autorizada a sua comercialização, vêm sendo prestados pela iniciativa privada. Nesta segunda hipótese, diversamente da anterior, o Ministro complementa afirmando que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada.


No “Programa de Medicamentos Excepcionais”, instituído pelo Ministério da saúde, objetivando fornecer medicamentos de alto custo, geralmente de uso contínuo, utilizados em nível ambulatorial no tratamento de doenças crônicas e raras, os recursos financeiros são independentes dos destinados aos medicamentos da assistência básica. São abertos processos individuais para cada solicitação e analisados por comissão. Para Wanderley, é aí que surgem os problemas que resultam no que hoje é chamado “judicialização da saúde” (WANDERLEY, 2011, p. 96). Nesse grupo de medicamentos de dispensação excepcional, regulado pela Portaria n. 1587, de 3 de setembro de 2002, e posteriormente complementada e regulamentada pela Portaria n. 2577/GM, de 27 de outubro de 2006, que se encontra a fonte principal dos inúmeros litígios que buscam decisões judiciais.


As revisões e atualizações nos protocolos já existentes podem não ocorrer com a periodicidade desejável. Isso acontece por força da estrutura burocrática do Estado. A última alteração que ocorreu na lista dos medicamentos excepcionais foi em setembro de 2008, conforme relação constante na Portaria n.1869, de 4 de setembro de 2008.


Outro problema sério é a questão da legitimidade passiva. Muitos aplicadores do direito questionam a legitimidade passiva dos entes federativos perante o Poder Judiciário. A incumbência de atuar na preservação da saúde está posta no artigo 23 da CF/88, o qual trata da competência material comum de todos os entes públicos. Todos os entes participam do sistema de saúde implantado, de forma ordenada, coordenada, por meio de uma rede descentralizada, regionalizada e hierarquizada, objetivando o melhor aproveitamento dos recursos públicos, viabilizando uma maior acessibilidade e eficácia na gestão da saúde pública.


O sistema foi denominado “Único” tendo em vista as obrigações recíprocas e permanentes que todas as esferas da federação possuem em relação à saúde. Assim, se uma delas não cumpre com suas obrigações, a outra deverá fazê-lo, tornando linear a responsabilidade de todos os entes federativos, com responsabilidade comum e solidária.


É oportuno tratar do princípio da integralidade de assistência, previsto no artigo 198, III da CF/88. O SUS visa à integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitam em qualquer grau de complexidade.  Wanderley cita o Desembargador Leonel Cunha:


“(…) não poderá qualquer ente da federação eximir-se da responsabilidade de assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves, alegando ser a responsabilidade de outro ente federado, ou ainda, de que este atendimento está vinculado à previsão orçamentária, pois o SUS é composto pela União, estados-membros e Municípios. É de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade de quaisquer deles no pólo passivo, em caso de demanda judicial pleiteando dita assistência” (CUNHA apud WANDERLEY, 2011, P. 88).


 


Sobre o artigo 7º, II, da Lei n. 8080/90, Wanderley explica que a integralidade implica o dever do Estado de oferecer serviços integrais à saúde, qualquer que seja a doença ou agravo:


“Vale dizer, o cidadão tem o direito a tratamento para qualquer patologia, ainda que de extrema complexidade e de elevado custo. (…) No caso da rede do SUS, porém, a integralidade é princípio constitucional e fundamenta, inclusive, a obrigação do poder público oferecer serviços em todas as especialidades e complexidades, mesmo quando não rotineiramente incluídas na sua lista de serviços. Não pode o Poder Público deixar de prestar adequado atendimento, ainda que se trate de mal raro. A integralidade de atendimento compreende, ainda, a obrigação do Poder Público fornecer medicamentos e correlatos, mesmo a pacientes não internados, na linha do vetor da prevenção estipulado no inciso II do artigo 198. evidente, porém, que apenas medicamentos devidamente registrados nos órgãos nacionais de vigilância sanitária devem ser fornecidos. Por outro lado, há parcial discricionariedade do Poder Público para definir, dentre os vários remédios disponíveis no mercado, os mais eficazes e compatíveis com as patologias tratadas. Essa discricionariedade, todavia, não permite a recusa em fornecer produtos caros ou específicos para certas moléstias raras” (WEICHERT apud WANDERLEY, 2011, p. 88).


Quando alguém necessita de cuidados médicos e recorre ao SUS, procura, salvo exceções, uma unidade de saúde municipal. Essa unidade tem o dever de prestar o atendimento e de fornecer os medicamentos receitados. Se o Município não puder prestar o serviço cabível, tendo em vista as obrigatoriedades assumidas, nos termos de seu nível de inserção ao SUS, o que está definido na política estadual, ou não contar com o medicamento exigível, deve encaminhar o paciente ao Estado ou requisitar, do Estado, o medicamento.


Como o SUS é um sistema hierarquizado, essa é a forma de participação solidária do Município. Encaminhado ao Estado ou requisitado o medicamento da instância superior, cessam as obrigações do Município, salvo quanto à continuidade de atendimento do paciente, dentro de suas possibilidades, e quanto à cobrança das ações a serem desenvolvidas pelo Estado.


Um dos principais problemas das ações judiciais é que não se observam os regimes de pactuação da assistência farmacêutica, o que pode resultar na responsabilização indevida de um ente federado, que terá de arcar com as despesas provenientes de liminar judicial até que o caso seja sentenciado.


O bom senso recomenda que seja observada, como orientação não vinculativa, a distribuição de atribuições, pois medicamentos ou tratamentos de alta complexidade ou custo pleiteados em vista de um pequeno município poderiam consumir significativa parcela do orçamento da saúde. Melhor será acionar o Estado Federado ou a União neste caso. 


Havendo solidariedade, surge a questão da possibilidade de o ente acionado judicialmente promover a intervenção forçada de outra esfera. Ao invocar as regras administrativas de atribuição de competências para afirmar que não está obrigado à prestação postulada, o ente administrativo busca a nomeação à autoria de outro ente, colocando como alternativa a denunciação à lide para dividir a responsabilidade, se reconhecida a solidariedade.


O SUS é financiado pela União, estados-membros, Distrito Federal e municípios, e é solidária responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde que devem ser prestados em favor da população, consoante o expresso no artigo 23, II da CF/88, ainda que exista hierarquia interna na divisão de responsabilidades, em especial no tocante à dispensação dos medicamentos.


As concessões de medidas liminares, de antecipação de tutela e mandados de segurança para fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde de alto custo tornam-se cada vez mais polêmicas no meio jurídico. Se junta a essa polêmica a frequente estratégia de defesa dos órgãos administrativos nas ações judiciais, que são baseadas no princípio da Reserva do Possível e impossibilidade orçamentária.


Encontram-se com maior frequência as ações ajuizadas contra os entes da União, Estados e municípios (de residência dos autores) com pedidos de antecipação de tutela. Para esta ação deverá ser apresentado ao juiz o fundamento de que o dano poderá ser irreversível ao paciente, baseando-se no artigo 273 e seguintes do Código de Processo Civil – CPC.


A Lei 10.173, de 9/1/2001, acrescentou artigo ao CPC para determinar a prioridade na tramitação de procedimentos judiciais em que seja parte pessoa com 65 anos ou mais. Esta mesma lei é hoje usada com sucesso, como parâmetro para que o paciente de câncer ou outras doenças graves que requerem urgência, possa requerer também a prioridade no andamento de seus processos. Para a obtenção do benefício, deve o paciente, por meio de seu advogado, em qualquer fase do processo, requerer isonomia ao juiz da causa, baseando-se na fragilidade do estado de saúde e na menor expectativa de vida.


Em tese, a antecipação de tutela é melhor opção do que o Mandado de Segurança, porque neste deverá ser apontado o órgão ou pessoa infratora do direito, “fumus bonis iuris”, “periculum in mora” e a prova do direito líquido e certo (requisitos básicos para o Mandado de Segurança). Pode ser perfeitamente realizado, mas reduziria consideravelmente a possibilidade de êxito do determinado pedido. No caso, a ação seria ajuizada somente contra o órgão ou sujeito infrator e não contra todos os entes federativos, o que aumenta, e muito, a possibilidade de insucesso do pedido.


As ações judiciais para fornecimento de medicamentos ou tratamentos diferenciados são baseadas em dispositivos constitucionais e em leis infraconstitucionais. Assim, deve-se levar em consideração os efeitos do descumprimento de tais ordens judiciais, que são construídos pelo Código Penal, Código de Processo Civil, pela doutrina e jurisprudência. As astreintes ou multas, por exemplo, são fixadas aos órgãos responsáveis ou pólos passivos da ação, com base no artigo 14 e seguintes do CPC, por entender que qualquer ato negativo ao cumprimento da ordem judicial trata-se de ato atentatório à dignidade da justiça. Inúmeros julgados são favoráveis à possibilidade de se punir os órgãos ou seus responsáveis que não cumprirem os mandados judiciais com multas diárias e até mesmo com prisões. Ainda, os artigos 461 e 461-A do CPC dão amparo aos juízes para estipularem as multas pelo descumprimento das ordens judiciais concedidas.


Além das multas e sequestros de valores das contas públicas, também se pode garantir o cumprimento das ordens judiciais por parte dos responsáveis pelo sistema de saúde dos municípios, estados, Distrito Federal e União com a possibilidade de enquadramento destas pessoas em crimes, de acordo com o Código Penal. É comum encontrar decisões que fazem referência à possibilidade de punição dos responsáveis pelos órgãos relacionados à saúde que descumprem ou se mostram de alguma forma propensos a protelar as ordens judiciais de fornecimento de medicamentos ou tratamentos. Tais pessoas são enquadradas no crime de Prevaricação (artigo 319) e Desobediência (artigo 330), todos do Código Penal.


Todavia, ainda que seja uma ordem judicial reconhecendo o direito do cidadão, não há a certeza de que será adequadamente acatada. Também são comuns os casos morte de pacientes graves enquanto aguardam o cumprimento das decisões judiciais para fornecimento de medicamentos, tratamento de alto custo, internações em Unidades de Tratamento Intensivo, etc. Portanto, que o cidadão tem direito à saúde e o Estado um dever de prestá-la é inegável. Mas o reconhecimento deste fato como premissa válida não significa sua materialização efetiva.


A implantação das políticas sociais que concretizam os direitos desta natureza carecem de recursos que, na realidade, são escassos. As necessidades são crescentes e os recursos, escassos; surge o problema da escolha de quais casos serão atendidos. Quem vai a juízo com uma pretensão, exercendo direito de ação, não busca meramente uma decisão judicial, mas sim um efeito fático-jurídico concreto. A pretensão relativa a um medicamento ou tratamento não terá seu direito atendido com uma mera declaração judicial acerca de sua existência. Busca-se uma tutela condenatória ou mandamental, isto é, uma tutela marcada pelo sancionamento. O problema maior reside em fazer incidir o sancionamento sobre o Estado.


A primeira questão surge no definir a espécie de obrigação, se de dar ou de fazer, pois os meios de coerção já são determinados a partir dessa especificação. A fixação de multa diária, por exemplo, é própria das obrigações de fazer e não de dar coisa certa ou incerta. A obrigação de fornecer um medicamento é, em linha de princípio, de dar coisa certa, mas envolve também a obrigação de disponibilização, que em última análise é de fazer algo. Considerá-la obrigação de dar reduz os meios de coerção e conduz à ineficácia prática da tutela jurisdicional.


Qualquer dos meios de coerção apresenta problemas sérios frente ao Estado. A pena pelo crime de desobediência, mais própria da tutela mandamental, conforme explanado anteriormente, encontra grave óbice na consideração de que a falta de recursos não pode ser diretamente imputada ao administrador e a escolha de atendimento de um caso em detrimento de outro se encontra em um nebuloso campo próximo ao mérito administrativo.


A multa diária também é um mecanismo normalmente eficaz, mas no caso da Fazenda Pública, onera os contribuintes, agravando a carência do Estado, e se fixada em patamar elevado, gera o paradoxo de ser mais vantajoso para o beneficiário o descumprimento da decisão do que o seu pronto acatamento, já que a multa pode lhe fornecer recursos que lhe permitam suprir suas necessidades e ainda restar saldo, gerando verdadeiro enriquecimento ilícito.


No que tange aos medicamentos e tratamentos de alto custo, existem correntes doutrinárias afirmando que não pode haver o fornecimento de um medicamento ou tratamento de alto custo em detrimento de outros pacientes que não têm acesso a tratamentos tão onerosos. As negativas da satisfação do direito à saúde também se justificam com base apenas na teoria da reserva do possível e nos princípios da competência parlamentar em matéria orçamentária, nem o da separação dos poderes.


CONCLUSÕES


Com políticas públicas de saúde que não abrangem todos os tipos de tratamento e que se tornam cada vez mais omissas aos casos mais urgentes, o cidadão não vê outra saída a não ser a via judicial. Não apenas os usuários do Sistema Único de Saúde estão fadados a tal sorte; um usuário de Planos de Saúde pode se deparar com a necessidade de utilização de um medicamento de alto custo e não ter qualquer possibilidade financeira de adquiri-lo.


A cada ano, os valores financeiros gastos pelos entes federativos por força de determinações judiciais que reconhecem a urgência dos casos de saúde e, principalmente, os direitos garantidos constitucionalmente, vêm aumentando de forma considerável. Assim, é flagrante a relevância do tema aqui apresentado e a necessidade social da pesquisa e estudo do mesmo.


Assim, em caráter conclusivo, antecipando o restante da pesquisa relatada no Trabalho de Conclusão de Curso noticiado, faz-se necessário apontar um dos principais paradoxos que envolvem as ações judiciais que demandam do Poder Público a aquisição de medicamentos: o Princípio da reserva do possível. Tal teoria foi desenvolvida pelo Tribunal Constitucional Alemão, ao argumento de que a efetivação dos direitos sociais depende da disponibilidade de recursos financeiros, os quais, quase sempre se concentram na política discricionária do Poder Executivo. Assim, surge a possibilidade do ente público alegar o Princípio da reserva do possível, demonstrando que está fazendo o máximo que pode diante dos recursos financeiros disponíveis. O Princípio da reserva do possível condiciona a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis. Observam-se em algumas decisões, que a Reserva do Possível e a limitação orçamentária é utilizada na defesa de um ou todos os entes do pólo passivo da ação. Mas também se pode verificar que muitos Juízes não se baseiam nesse princípio para negar o fornecimento de liminar, e sim em circunstâncias técnicas. Ainda, outros Juízes simplesmente relativizam o pedido, determinando o fornecimento de outro tratamento indicado pelo perito da justiça e não o medicamento específico indicado pelo médico da paciente. Os tribunais de segunda instância também não são unânimes na confirmação do direito ao recebimento dos medicamentos.


O posicionamento do Supremo Tribunal Federal, acompanhado pelas demais instâncias do Poder Judiciário, é no sentido de obrigar o Estado a fornecer os medicamentos pleiteados, estejam eles inseridos em uma política pública ou não e tais decisões podem prejudicar financeiramente os programas e políticas públicas de saúde.


As considerações retiradas de decisões judiciais, inclusive do STF, de que o direito à saúde integral é subjetivo público, corroboram para o fato de que não há um caminho diferenciado para a obtenção desse direito em casos especiais. Ou seja, o judiciário continuará a analisar os casos individualmente, uma vez que os orçamentos para a saúde são escassos, não havendo a possibilidade de atender a todos de forma integral e com despesas elevadas.


Assim como diversos outros direitos fundamentais, o direito à saúde ainda não foi regulamentado pelo Legislativo de modo a garantir a necessária concretização, tampouco é efetivado de forma satisfatória pelo Poder Executivo. Aqueles que são privados do exercício do seu direito acabam por buscar no Poder Judiciário a concretização desse direito, com isso o número de ações tem aumentado cada vez mais e o Judiciário vem decidindo pela condenação do Estado para que cumpra o mandamento constitucional.


 


Referências:

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GRINOVER, Ada Pellegrini. O Controle de Políticas Públicas pelo Poder Judiciário. Revista Magister, Porto Alegre, n.30, mai./jun. 2009. Disponível em: <https://www.magisteronline.com.br/mgstrnet/lpext.dll?f=templates&fn=main-hit-j.htm&2.0>. Acesso em: 5 jul. 2010.

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MEZZOMO, Marcelo Colombelli. O direito à saúde em juízo. Jusnavigandi – 01/2006. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7894> Acesso em 05/03/2011.

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WANDERLEY, Allan Weston de Lima. A eficácia do direito à saúde – Limites relativos ao fornecimento de medicamentos excepcionais, Cascavel: Assoeste, 2011.


Informações Sobre os Autores

Ilca Silva de Souza

Acadêmica de Direito na Faculdade Arnaldo Horácio Ferreira – FAAHF.

Celia Cristina Muraro

Professora Coordenadora do Curso de Direito da UNYAHNA – BA, Mestre em Educação pela UFMT/IE Cuiabá – MT


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