Resumo: Este artigo filosófico-processual tem por objetivo discutir a determinação de caução, fiança ou depósito, prevista no art. 7º, inciso III, da Lei n° 12.016, de 7 de agosto de 2009, para a concessão de liminar em mandado de segurança. Analisa-se a origem e a evolução da garantia constitucional e elabora-se um estudo da sua finalidade sopesando a sua efetivação com as restrições impostas à concessão de liminar.
Palavras-chave: Mandado de Segurança. Medida Liminar. Caução.
Sumário: Introdução. 1. O mandado de segurança. 1.1. Conceito. 1.2. Breve histórico. 1.3. Alcance Teleológico da garantia constitucional. 1.4. requisitos de concessão da liminar. 2. A dificuldade para a obtenção de liminar em sede de mandado de segurança. 3. As alterações promovidas pela lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. 3.1. Considerações gerais. 3.2. Novos impedimentos à obtenção de liminar. Conclusão. Referências.
Introdução.
A garantia constitucional do mandado de segurança está presente no direito brasileiro desde a Carta Republicana de 1891. Com poucas mudanças conceituais e formais, perdura como o instituto que tem o objetivo de defender direito líquido e certo daquele que sofre ou tem possibilidade de sofrer violação no seu direito quando o responsável pelo ato ilegal, contrário à lei ou praticado com abuso de poder, for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Teleologicamente é perfeita a intenção e a necessidade desse instituto tendo em vista a disparidade de forças entre o Estado e seus subordinados. Todavia, o que se percebe desde o surgimento dessa garantia constitucional é a sua descaracterização pelo legislador derivado através da criação de barreiras infraconstitucionais para a sua aplicação. Aliás, não permitidas pela norma constitucional tendo em vista que ela por si trata exaustivamente dos requisitos para a impetração dessa ação especial.
O problema destacado no presente trabalho consiste na identificação e exposição da descaracterização do instituto do mandado de segurança em sua natureza jurídica e finalista, em especial em relação à concessão da liminar.
Esse tema é bastante relevante, haja vista a importância do mandado de segurança no âmbito do direito brasileiro e a nova sistemática inaugurada com a Lei n° 12.016, de 7 de agosto de 2009.
Examinar-se-á brevemente essa garantia constitucional expondo seu conceito e o seu alcance teleológico, bem como realizando um breve histórico desde o início da sua aplicação até os dias atuais.
Após, estudar-se-á as dificuldades que já existiam na legislação revogada para a obtenção de liminares finalizando com os novos requisitos e impedimentos inaugurados com a nova lei que regulamenta esse instituto.
Considerando que não existe metodologia pré-estabelecida e consagrada para a elaboração de artigos científicos no âmbito do Direito, assim como existem nas ciências exatas, as quais são procedimentos replicáveis em qualquer situação por diversos pesquisadores, e considerando o caráter opinativo do autor, em especial na conclusão, este trabalho, articulando uma seqüência lógica de procedimentos, foi elaborado por meio de pesquisas bibliográficas em livros da área processual. E considerando o aspecto filosófico da análise elaborada, foram pesquisadas bibliografias referentes à Teoria do Estado. Também foram utilizados, além da legislação, a doutrina e entendimentos jurisprudenciais, todos devidamente citados na bibliografia ao final do trabalho.
Por fim, a conclusão resume o caráter opinativo do artigo onde é feita uma síntese dos argumentos expostos ressaltando as críticas constatadas pelo autor.
1.O MANDADO DE SEGURANÇA
Para se chegar ao cerne do presente estudo, qual seja, o de demonstrar que a garantia do mandando de segurança, em especial a concessão de liminar, encontra-se desfigurada da sua essência, é necessário refletir e ambientar esse instituto.
Assim, introduzir-se-á nesse capítulo um breve estudo através da sistematização do conceito, das origens dessa garantia constitucional no direito brasileiro e os requisitos necessários à concessão da liminar.
1.1. Conceito.
O mandado de segurança se encontra contemporaneamente previsto no art. 5º, inciso LXIX da Constituição Federal e é regulado por legislação especial. Há bem pouco tempo era a Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951, com as alterações da Lei nº 4.166/62, da Lei nº 4.348/64 e da Lei nº 5.021/66, sendo que todas essas normas foram revogadas expressamente pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, que passou a regular integralmente essa ação especial, in verbis:
“LEI Nº 12.016, DE 7 DE AGOSTO DE 2009.
Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”. (…)
Na atual regulamentação ele pode ser repressivo ou preventivo, individual ou coletivo, e possui como requisitos para sua impetração a ameaça ou a violação a direito líquido e certo por ato ilegal, contrário à lei ou praticado com abuso de poder, perpetrado por uma autoridade coatora.
Segundo Hely Lopes Meirelles (1999, pg. 34):
“Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais”.
Deve-se seguir, em relação aos pressupostos processuais e condições da ação, a legislação processual ordinária (art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual…), em especial os artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil.
1.2. Breve histórico.
O surgimento dessa garantia constitucional remonta longo tempo, mais precisamente com a Constituição Republicana de 1891.
Nessa Carta Magna não havia a previsão expressa da utilização do mandado de segurança para a aplicação dada atualmente. Mas já previa outra garantia constitucional que, de uma forma ampla, também era utilizada para todo e qualquer direito violado ou sob ameaça de violação, qual seja, o habeas corpus. É certo que se utilizava de uma forma transversa e bastante ampla, tendo em vista que etimologicamente o habeas corpus está restrito aos direitos de ir, vir e ficar. Mas isso ocorria porque não havia outra forma processual dos juristas protegerem outros direitos violados ou sob ameaça de violação senão impetrando habeas corpus.
Após alguns anos, na reforma constitucional de 1926, o habeas corpus ficou restrito aos casos de prisão ou constrangimento ilegal na liberdade de locomoção, criando um hiato entre 1926 até 1934 sem qualquer garantia processual para outros direitos violados.
Somente com a Constituição Federal de 1934 que, pela primeira vez, houve previsão expressa da garantia constitucional do mandado de segurança, com o nomen iuris e forma conhecida atualmente, sendo integrado ao ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do art. 133, § 33, in verbis:
“Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
33) Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.” (…)
No Estado Novo, Getúlio Vargas outorgou nova Lex Mater em 1937 que fez desaparecer a recém conquistada garantia constitucional do mandado de segurança. Todavia, isso não prejudicou a sua impetração, pois a Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936, forneceu o respaldo jurídico para sua utilização.
Assim, depois de 1934, a única Carta Magna que não previu o mandado de segurança foi a Constituição de 1937, permanecendo essa garantia constitucional praticamente imutável na sua conceituação e forma até os dias atuais.
1.3. Alcance Teleológico da garantia constitucional.
O Estado, da forma como existe atualmente, surgiu da renúncia de parte da liberdade de cada pessoa que o compõe. Representa a materialização da ansiedade, quiçá necessidade, do ser humano em estar organizado.
Apesar das diversas teorias sobre a formação do Estado, considerar-se-á nesse estudo, tendo em vista a formação hobbesiana do autor, unicamente a doutrina formulada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) para a análise teleológica dessa garantia constitucional. Brevemente, pode-se resumir a doutrina hobbesiana na afirmação na qual a insociabilidade inerente ao ser humano obrigou-o, como supedâneo para a própria sobrevivência, a consentir num pacto social onde o poder coercitivo foi transferido para o Estado, que tem a obrigação de limitar os desejos beligerantes da condição humana, instaurando a paz e a manutenção da sociedade.
Por alcance teleológico ou argumento teleológico entende-se pela doutrina filosófica que analisa a relação de um fato com a sua finalidade. É a base da argumentação, da dialética e do conhecimento no qual se verifica se os fatos antecedentes possuem relação com os conseqüentes, se os propósitos estão sendo cumpridos. (HUISMAN, 2001).
Segundo Thomas Hobbes, o homem é mau por natureza. Se não fossem as regras e valores da sociedade, certamente, a humanidade estaria fadada ao fracasso. (BOBBIO, 1991).
No Leviatã, livro que registra esse pensamento, Hobbes parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades. Para ele, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se apresenta é o caos, uma “guerra de todos contra todos”. Nessa sociedade, a vida do homem é “solitária, pobre, suja, brutal e curta”. A luta ocorre porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem se preocupar se isso atingirá os interesses de outros indivíduos.
Para regular essa sociedade, Hobbes e tantos outros filósofos fantasiaram a existência do pacto social. Pacto esse representado num contrato de todos em prol da sobrevivência da coletividade.
Independentemente da diferença entre os contratos sociais preconizados, o certo é que o desenvolvimento desse pacto levou a sociedade à paz. E o Estado, em conseqüência, passou a ter o povo nomeado no cargo de soberano, em prejuízo do comando por uma única pessoa.
Ocorre que quanto mais se desenvolve o Estado, maior a possibilidade de opressão à própria coletividade que o sustenta.
Se antigamente o soberano determinava as regras, hoje esse papel é feito pelo povo, direta ou indiretamente. E o Estado emprega servidores para que a paz seja mantida. Mas não poucas vezes algum integrante dessa sociedade suporta alguma ação ilegal ou abusiva do Estado ou de alguém na função de Estado, necessitando de formas para se defender.
Resumidamente, essa é a motivação para o surgimento das garantias constitucionais, entre elas o mandado de segurança, que possui a finalidade de confrontar o Estado contra seus excessos, seja porque os poderes constituídos não conseguem neutralizar os conflitos existentes, ou mesmo porque o achaque é realizado por esses poderes estatais. Combate-se um ato ilegal de um servidor (autoridade pública) na função de Estado, que, por sua vez, deveria atuar com base na legalidade e nos demais princípios da administração pública, mas que age erroneamente contra a própria coletividade.
1.4. requisitos de concessão da liminar.
Já na regulamentação anterior, Lei nº 1.533, de 1951, a obtenção de liminar era algo difícil de ser alcançado, tendo em vista a série de limitações à sua concessão. A possibilidade da concessão de liminar estava prevista no art. 7º, inciso II e atualmente (Lei nº 12.016, de 2009) também se encontra no art. 7º, mas no inciso III.
A liminar, como uma medida antecipatória, exige os requisitos do fumus boni juris (fatos suficientemente provados com os documentos acostados à inicial que serão analisados pelo magistrado numa cognição sumária) e do periculum in mora (risco de ineficácia do provimento final) e podia ser revogada pelo próprio juiz que a concedeu se esses requisitos especiais para a concessão da liminar não mais subsistissem.
Se estiver comprovado que o ato impugnado poderá causar lesão a direito líquido e certo frustrando, através da prova dos dois requisitos especiais, os objetivos da própria ação mandamental, a concessão da liminar será medida judicial obrigatória, afastada a discricionariedade.
Hely Lopes Meirelles (1999, pg. 71) sustenta que:
“A liminar não é uma liberalidade da Justiça; é medida acauteladora do direito do impetrante, que não pode ser negada quando ocorrer seus pressupostos como, também, não deve ser concedida quando ausentes os requisitos de sua admissibilidade”.
Destarte, a liminar é medida provisória com o objetivo de evitar dano ao direito do impetrante tendo em vista a demora na prestação jurisdicional. Não é uma generosidade da justiça, mas direito garantido, não cabendo ao magistrado estabelecer novos requisitos, exceto os determinados na própria lei.
2. A dificuldade para a obtenção de liminar em sede de mandado de segurança.
A liminar no mandado de segurança deve ser concedida quando demonstrados os requisitos para sua concessão com o objetivo primordial de dar utilidade prática ao mandamus, bem como proteger o direito líquido e certo do impetrante.
Todavia, a mera alegação do fumus boni juris e do periculum in mora não enseja a obrigação ao magistrado conceder a medida liminar porque esses requisitos devem ser demonstrados de plano, de modo cristalino e induvidoso, em conjunto com os requisitos próprios do mandado de segurança.
Se aqueles forem duvidosos, v.g. ausência de demonstração da ineficácia do provimento final caso não seja concedida a liminar, não poderá o magistrado conceder a medida liminar.
Mais grave ainda se o direito se mostrar incerto, pois o mandado de segurança não será a ação processual correta para o pólo ativo. Não se discute “fato” em sede de mandado de segurança, tendo em vista a ausência de dilação probatória, devendo estar o direito e os fatos constituídos no momento da impetração, provados com documentos.
E assim também é para os requisitos específicos da medida liminar. A “relevância do fundamento” e a “ineficácia da medida” não permitem superficialidade na demonstração. Há de serem minuciosas e austeras quando do pedido da medida liminar, trazendo segurança ao magistrado de que a pretensão descrita no mandamus será acolhida definitivamente no momento da sentença.
Da mesma forma que a liminar tem o objetivo de proteger o direito líquido e certo do impetrante, sua análise deve ser cuidadosa para que o poder público não seja prejudicado. Apesar da análise da liminar ocorrer em cognição sumária, os fundamentos para sua concessão devem ser colacionados de forma a apresentarem, objetivamente, amparo e solidez nas alegações.
Assim, a dificuldade em se obter uma liminar já ocorria na apresentação dos requisitos concessivos para ela, pois não bastava um julgamento subjetivo do impetrante. Entretanto, até este ponto, nada mais certo que ocorresse dessa forma.
Além disso, existiam restrições legais e jurisprudenciais que impediam a concessão da liminar, v.g. art. 1º, § 4º, da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966; art. 1º, da Lei nº 2.770, de 4 de maio de 1956; a suspensão de segurança, instituto previsto no art. 4º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, bem como o art. 5º dessa mesma lei, entre outras, que se mantiveram na atual lei disciplinadora do mandado de segurança.
3. As alterações promovidas pela lei 12.016, de 7 de agosto de 2009.
3.1. Considerações gerais.
A nova lei que regulamenta o mandado de segurança, Lei nº 12.016, de 2009, surgiu da análise e proposta feita por uma comissão de juristas que tentou dar maior coerência ao sistema vigente, consolidando a legislação existente, a jurisprudência consolidada e os regimentos internos dos tribunais, bem como dos ensinamentos de doutrinadores contemporâneos.
Foi grande a expectativa, no meio jurídico, por mudanças. Igualmente grande foi a decepção da nova regulamentação que manteve a semelhança com aquela que foi revogada acrescida das alterações negativas inseridas pelo legislador.
3.2. Novos impedimentos à obtenção de liminar.
A inovação mais desastrosa é a contida no inciso III do artigo 7º que, de forma sarcástica, a Ordem dos Advogados do Brasil na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.296, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, chamou de apartheid social, tendo em vista que introduziu um requisito impeditivo à obtenção de liminar, in verbis:
“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (…)
III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.” (grifo)
O legislador infraconstitucional extrapolou e inovou naquilo que o constituinte originário ficou silente quando da promulgação da Constituição Federal, pois concedeu ao magistrado a faculdade de condicionar a concessão de liminar à apresentação de caução, fiança ou depósito.
Ou seja, a concessão de medida liminar ao impetrante, que já tem de oferecer prova constituída[1], demonstrar de forma acachapante a violação de um direito derivado da ilegalidade de uma autoridade pública, que tem de demonstrar que o direito é líquido e certo, sem contar a possibilidade de agravo ou da previsão de requerimento da pessoa jurídica de direito público ou do Ministério Público em pedir a suspensão de liminar (art. 15 da Lei nº 12.016, de 2009), pode depender, ainda, de prestação de caução, ficando a critério do julgador a determinação do quantum.
Essa iniciativa macula a possibilidade de obtenção de liminar, subtraindo dos administrados a possibilidade de uso do mandado de segurança para cessar a violação ou a ameaça que, repita-se, tem de estar flagrantemente demonstrada no momento da impetração.
Embora necessária e viável a restrição da concessão de liminar em casos especialíssimos, que a legislação e a jurisprudência já conseguiram resguardar, v.g. o § 2º do art. 7º ao proibir a concessão de liminar no caso de compensação de créditos tributários, na entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, na reclassificação ou equiparação de servidores públicos e na concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza; o § 3º do art. 14, que impede a execução provisória da sentença; a Súmula 262 do Supremo Tribunal Federal et cetera, não se pode generalizar a dificuldade para a proteção concedida pela liminar.
Numa reflexão ontológica se pode inferir que a existência dessas restrições são elementos de proteção para o Estado, garantindo o interesse público quando existir a possibilidade de dano ao erário. E nesse sentido tais restrições à concessão da liminar se mostram acertadas.
Assim é a manifestação do Ministro Teori Albino Zavascki no MS nº 92.04.22449-5 – PR, julgado em 29.04.93 (1995, pg. 13):
“Assim, parece razoável concluir-se que a liminar em mandado de segurança reger-se-á pela lei especifica (art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51) quando tiver por conteúdo a suspensão do ato atacado, já praticado pela autoridade coatora ou em vias de ser. No entanto, liminar com providências de outra natureza – como, por exemplo, a de autorizar certo comportamento do impetrante – tem sua legitimidade ancorada no poder geral da cautela do Código de Processo Civil razão pela qual, nestas hipóteses, não seria descabida a exigência de contracautela, como previsto no art. 804.” (grifo)
Injustificada é a generalização de mais um requisito que penalizará todos os administrados. Foi o que a OAB quis retratar com o termo apartheid social, pois serão mais penalizados os pobres, aumentando ainda mais a segregação social existente no país, tendo em vista que somente aqueles administrados que tem dinheiro poderão cumprir com mais essa exigência.
Embora não seja cogente para o magistrado, pois é “facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica”, é razoável prenunciar que essa exigência se tornará regra, pois sempre existirá algum perigo no caso concreto. E como a lei não trouxe as condições para se quantificar o valor mínimo de ressarcimento a partir do qual se deve assegurar a pessoa jurídica, ou qualificar o tipo de dano que merece proteção, há que se esperar a definição pela jurisprudência qual a extensão de lesão do patrimônio público, ou a partir de qual graduação de risco para o poder público o magistrado terá de exigir a caução.
Conclusão.
A alteração inaugurada pelo art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009, só piora a situação que já existia, qual seja: para todo o mandado de segurança impetrado pelo cidadão havia uma ação de suspensão a segurança ou alguma restrição à concessão de liminar. Já nessa situação a realidade judicial era cruel, pois só poderia se defender do poder público quem possuía dinheiro, pois a contestação em sede de suspensão de segurança, e todo o restante dos procedimentos como agravos et cetera, teriam de ser subscritos por patrono. Mesmo não cabendo honorário de sucumbência em sede de mandado de segurança, é certo que todo o patrono cobra pro-labore.
Essa lei dificultou a concessão da medida liminar facultando ao magistrado a imposição de caução, fiança ou depósito se houver risco de que a medida possa gerar dano ao erário. Tirou do magistrado a possibilidade de avaliar a urgência e a conveniência de se conceder uma liminar sem determinar, por outro lado, as condições mínimas para que o magistrado consiga avaliar se a caução é necessária no caso concreto. Afinal, toda ação contra o poder público tem conteúdo patrimonial.
Pelo exposto, é evidente que o instituto do mandado de segurança está desfigurado em sua essência, em especial a liminar. O administrado, que há tempos atrás abdicou da sua liberdade em prol da coletividade, está assistindo o esvaziamento paulatino de mais uma garantia constitucional criada para sua defesa contra os excessos do poder público.
Provoca espanto a situação de que, se não prosperar a ADI em relação a essa teratia processual, ocorrerá uma atrofia dessa proteção constitucional até que ela caduque e se torne inútil, um fim em si mesma.
Informações Sobre o Autor
Diego Emanuel Campelo