Do Estado Laico a Liberdade de Crença, Uma Questão de Democracia

Autor: Mateus Crepaldi Bernardes

Orientador: Fernando Chaim Guedes Farage – Mestre em Hermenêutica e Direitos Fundamentais pela Universidade Presidente Antônio Carlos de Juiz de Fora/MG. Tem graduação em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior de Juiz de Fora/MG. Advogado atuante na área cível e trabalhista. Professor das Disciplinas de Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito das Obrigações, Direito Previdenciário e Eleitoral nas Faculdades Sudamérica em Cataguases/MG.Membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do curso de Direito das Faculdades Sudamérica em Cataguases/MG.

 

Resumo: O objetivo principal deste trabalho é analisar os conflitos sociais provenientes da liberdade religiosa em face de um estado Laico, o que gera uma enorme variedade de opiniões e questionamentos referentes a aplicabilidade do tema na esfera jurídica e sociológica.

Palavras-Chave: Liberdade religiosa. Conflitos. Estado Laico.

 

Abstract: The main objective of this paper is to analyze the social conflicts arising from religious freedom in the face of a secular state, which generates a huge variety of opinions and questions regarding the applicability of the theme in the legal and sociological sphere.

Keyword: Religious freedom. Conflict. Secular State.

 

Sumário: Introdução. 1. O conceito de liberdade religiosa na história do Direito mundial. 1.1. Contexto histórico. 2. O conceito de liberdade religiosa no Brasil. 2.1. A Constituição Federal e a religião. 3. As dificuldades e os problemas em realizar a garantia da liberdade religiosa na atualidade. 4. Possíveis soluções e a necessidade de uma compreensão adequada do tema. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Ao analisar o ordenamento jurídico vigente, observa-se que, segundo Oliveira (2010), O Brasil é um país laico, ou seja, um país que abrange todas as religiões, não se confundindo com um país ateu.

Calado (2010) informa que no Brasil, a Laicidade teve início no ano de 1890, com o Decreto nº 119-a, sendo tal condição confirmada posteriormente com a Constituição de 1891 e todas as demais, inclusive a atual, datada do ano de 1988. A Constituição Federal teve o objetivo de descaracterizar o caráter Teocrático, bem como o Confessional, pois não permite a subvenção, comum em Estados Confessionais, a aliança ou a dependência, via de regra, do Brasil com qualquer instituição religiosa.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na qualidade de norma majoritária, descreve sobre o tema:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: – Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou suas representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. (Brasil, 1988).

Outrossim, no rol dos direitos fundamentais, é assegurado aos cidadãos as liberdades de crença e de culto, além da igualdade, independentemente de suas convicções religiosas:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: – e assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; (Brasil, 1988).

A princípio, a religião é uma prática que se perpetua na sociedade desde a Idade Primitiva. Nesse ínterim, observa-se que as religiões possuem inúmeros costumes expressivos na sociedade, entre eles, os símbolos, que através deles, o indivíduo manifesta analogicamente o seu credo em algum ente superior.

A palavra símbolo possui inúmeras maneiras para ser conceituada na Língua Portuguesa. Ao consultar o Dicionário, obtém-se que, segundo Aurélio:  o símbolo é um “formulário que contém os principais artigos da fé de uma religião” – “Figura pela qual se substitui o nome de uma coisa pelo de um sinal que o uso adotou para a designar” (Aurélio, 2019).

Em se tratando de Órgãos Públicos, a presença dos símbolos religiosos tem causado inúmeras discussões acerca da Laicidade do Estado. Partindo do pressuposto de que o estado é um estado para todos, alguns críticos alegam que essa manifestação simbólica sendo de uma determinada religião, ainda que a mesma for predominante no território nacional, iria causar constrangimento aos indivíduos que não compartilharem do mesmo credo religioso.

Para analisarmos detalhadamente o tema discutido, o presente artigo se ramifica em cinco partes: a primeira analisa o conceito de liberdade religiosa na história do Direito Mundial; a segunda analisa o conceito de liberdade religiosa na história do Brasil; a terceira analisa as dificuldades e os problemas em realizar a garantia da liberdade religiosa na atualidade; a quarta analisa as possíveis soluções e a necessidade de uma compreensão adequada do tema.

 

1. O conceito de liberdade religiosa na história do Direito Mundial

Atualmente, obtém-se uma maior autonomia para o indivíduo escolher qual religião irá professar e seguir suas doutrinas, constituindo-se o direito de crença uma liberdade pública inviolável. Todavia, no passado, a manifestação religiosa não era bem aceita como é nos dias atuais. No entanto, a sociedade travou inúmeros conflitos que ensejavam uma determinada mudança no paradigma da comunidade internacional sobre a aceitação religiosa.

Rawls (2002a) define o princípio da formação de uma ideia de tolerância, com bases do liberalismo político, na reforma protestante, analisando que:

O problema, na verdade, era: como é possível a convivência de pessoas de diferentes convicções religiosas? Qual poderia ser a base da tolerância religiosa? Para muitos, não havia base nenhuma, pois esta implicaria aceitar heresias em relação a pontos fundamentais, bem como a calamidade decorrente da falta de unidade religiosa. […] Assim, a origem histórica do liberalismo político (e do liberalismo em geral) está na Reforma e em suas consequências, com as longas controvérsias sobre a tolerância religiosa nos séculos XVI e XVII. Foi a partir daí que teve início algo parecido com a noção moderna de liberdade de consciência e de pensamento. Como Hegel sabia muito bem, o pluralismo possibilitou a liberdade religiosa, algo que certamente não era intenção de Lutero, nem de Calvino (RAWLS, 2002a, p. 32).

A palavra “tolerância” poderia significar a simples aceitação das concepções do outro e compactação com seus erros, ainda que de malgrado. Não é assim, entretanto, que Gaarder, Hellern e Notaker (2005) encaram o tema. Eles esclarecem aquilo que eles chamam de “palavra-chave no estudo das religiões” da seguinte forma:

Não significa necessariamente o desaparecimento das diferenças e contradições, ou que não importa no que você acredita, se é que acredita em alguma coisa. Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma sólida fé e com a tentativa de converter os outros. Porém, a tolerância não é compatível com atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros. (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 17).

Para uma melhor compreensão dessa ideia é necessário realizar uma análise histórica sobre a formação desse pensamento. Procura-se, então, nas linhas seguintes, traçar uma breve análise histórica da afirmação da liberdade de religião como direito inalienável, rumo à construção de uma ideia aceitável de tolerância.

 

1.1 Contexto Histórico

Na obra de Edith Maria Barbosa e Jefferson Fernando (2013), afirmam que segundo os relatos históricos, desde os tempos antigos a religião vem permeando nas civilizações. Modificando suas origens, a sociedade do Ocidente passou do politeísmo (crença em diversos deuses) ao monoteísmo (crença em um único deus). Na Idade Primitiva e Antiga, foram contempladas inúmeras manifestações de credo religioso nas civilizações. Na época, o exercício do poder governamental nas civilizações era baseado na crença e ensinamentos emanados por determinado Deus, coincidindo-se entre poder religioso e estatal.

A esse respeito, encontramos a seguinte colocação: Segundo Soriano (2002), a sociedade greco-romana tinha por característica a onipotência do Estado, redundando em nenhuma liberdade individual. Não havia, portanto, liberdade em escolher o culto a ser seguido, e quem não adorava o deus da cidade era severamente punido. Paralelamente, Oliveira (2010) informa que, na Idade Antiga, especialmente na Grécia, a liberdade apenas era entendida como uma oposição à situação de escravo, segundo o autor:

Na Antiguidade Clássica, a liberdade não era entendida como na atualidade, não se atribuía uma dimensão interna a mesma, porque não havia diferença entre querer e poder. O homem era entendido como pertencente ao grupo social e sua individualidade não era passível de ser exercida plenamente sem pensar o que era e possível no grupo […] Lembre-se que o cidadão grego ainda estava bem perto, cronologicamente, da ideia declã – oriunda dos povos primitivos, não sendo capaz de imaginar-se fora do contexto do grupo social, com querer próprio e contrário ao grupo que pertencia. (OLIVEIRA, 2010, p. 34-35).

Segundo os estudiosos Edith Maria Barbosa e Jefferson Fernando (2013), foi no período romano que começou a propagação do cristianismo. No entanto, os cristãos começaram a sofrer inúmeras perseguições por se oporem a autoridade divina do imperador. Não obstante, a seita aumentou consideravelmente seu número de adeptos, até o ponto de o próprio imperador Constantino se converter e, no ano de 313 d. C., liberar o culto aos seguidores pelo Edito de Milão. Posteriormente, o imperador Teodósio declara o Cristianismo como religião oficial do Império. A posteriori, muitas mudanças começaram a ser contempladas, o que inclui a perseguição a outras seitas religiosas, tidas por heréticas; assim, os que tinham sido perseguidos tornaram-se perseguidores ainda mais insistentes.

Em 476 d.C., houve uma queda do império romano do ocidente, o que causou um enorme vazio político que foi preenchido pela igreja católica, por conseguinte, a igreja se tornou a instituição de maior poder social da idade média (NEVES, 2019).

Com o Período Renascentista (Séculos XIV e XV), houve um considerável avanço científico, juntamente com as grandes navegações, construíram novos pensamentos que quebraram alguns ensinamentos impostos pela igreja. Nesse período, desencadeou-se a Reforma Protestante que tinha como objetivo a construção de igrejas nacionais independência eclesiástica dos preceitos impostos pela igreja da Roma. Em ato de contrarreforma, para manter sua governança, a Igreja iniciou vários movimentos de perseguição religiosa aos dissidentes, em especial através da famigerada Santa Inquisição. (RAMOS, ROCHA, 2013).

Conforme os ensinamentos de Rawls (2002a), foi a Reforma que colocou os primeiros alicerces de uma noção de liberdade de consciência e pensamento, no aspecto individual. Soriano (2002), nesse contexto, aponta que o nascedouro da liberdade religiosa é a Reforma Protestante.

Com surgimento do movimento Iluminista e as influências das ideias liberais, as Revoluções Americana e Francesa do Século XVIII foram pioneiras em embasar a liberdade religiosa como direito fundamental do indivíduo.  Aldir Soriano (2009) ressalta que esse direito foi primeiro explicitado nas declarações de direito americanas (fundamentadas na democracia liberal), servindo essas de paradigma de reprodução para quase que todas as outras declarações ocidentais de direitos. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa de 1789 dispõe, em seu artigo 10º, que:

Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. (COMPARATO, 2001, p. 153).

A Constituição americana, em sua Primeira Emenda, também evidencia esse pioneirismo, ao dispor que:

O Congresso não editará lei instituindo uma religião, ou proibindo seu exercício; nem restringirá a liberdade de palavra ou de imprensa; ou o direito de o povo reunir-se pacificamente, ou o de petição ao governo para a correção de injustiças. (COMPARATO, 2001, p. 119).

No Século XX, após as duas grandes guerras mundiais, com o intuito de promover a paz e a preservação de direitos humanos básicos, criou-se a Organização das Nações Unidas – ONU. Um dos primeiros frutos da ONU foi a consagração de direito humanos, que foram expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948. A referida Declaração coloca como direito humano a liberdade religiosa:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. (DUDH, 1948, Art.18).

A mesma organização, em 1981, proclamou também a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções. Diversos países têm reconhecido a liberdade de religião no bojo de suas constituições. Ademais, junto com a progressiva laicização dos Estados, esse direito vem sendo cada vez mais consolidado, com a sua proteção na integralidade de seu conteúdo.

 

 2. O conceito de liberdade religiosa na história do Brasil

O Brasil desde o período colonial é um país que tem uma ligação muito forte com as religiões cristãs. Entretanto, a sociedade vive em uma dinâmica evolução pela busca das liberdades individuais em face as diretrizes trazidas pelo surgimento do Estado Democrático de Direito. Consequentemente, embora nem sempre tenha sido observada na prática, as características do Estado Laico foram gradativamente implementadas no ordenamento jurídico nacional.

Maria Helena Diniz, ao conceituar a liberdade como um direito do indivíduo, afirma que “[…] todos os cidadãos têm de não sofrerem restrições no exercício de seus direitos, salvo nos casos determinados por lei”. (DINIZ, 1998, p.121).

Nesse ínterim, busca-se alguns elementos históricos que facilite o entendimento e a compreensão do surgimento de tal conceito.

No século IX, por volta do ano 311, o imperador Galério criou o chamado “Edito da Tolerância” buscando renunciar as perseguições religiosas. Em 313 Constantino concedeu o “Edito de Milão” onde reconhecia ao Cristianismo o mesmo status de outras religiões, restituindo, às igrejas cristãs, os bens antes confiscados e concedendo-lhes uma personalidade civil.

Nos Tempos modernos, as primeiras reivindicações de liberdade religiosa são refletidas através da Revolução Francesa. O principal ato que motivou a reivindicação dos colonos americanos para a liberdade religiosa foi a insatisfação e a falta de opções religiosas ocasionada pelo rompimento das relações da Inglaterra com a Igreja Católica.

Através da Revolução Americana cria-se a primeira declaração de Direitos a qual contém os chamados direitos humanos de primeira geração que são os direitos de liberdade, onde inclui-se a liberdade religiosa juntamente com as liberdades civis e políticas.

Entretanto, somente em 10 de dezembro de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é que temos uma positivação mais completa dessa liberdade. A partir desse documento é que a liberdade religiosa começa a ser introduzida em ordenamentos de países inspirados e norteados por essa Declaração, esse foi o primeiro passo para a proteção da liberdade religiosa em todo o mundo, como prevê seu artigo II:

“Toda pessoa tem capacidade para gozar dos direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinções de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.

A averbação da previsão legal manifesta a importância que foi dada pela referida Declaração à liberdade de religião, pois não distingue as pessoas por sua opção religiosa tanto quanto por sua raça, cor, sexo e opinião política, evidenciando o claro objetivo da Declaração que era proteger a diversidade, dando à liberdade religiosa importância fundamental.

Para a Declaração, não pode haver igualdade sem liberdade e nem liberdade sem igualdade. Somente com o processo de maior secularização do Estado é que se pode caminhar para uma maior igualdade e liberdade religiosa e, assim como em outros países, o Brasil teve sua evolução no campo das liberdades e entre elas a da liberdade religiosa.

 

2.1 A Constituição Federal e a Religião

A Constituição Federal garante a liberdade religiosa em suas variadas formas. Vejamos: A Constituição Federal, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

O inciso VII afirma ser assegurado, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

O inciso VII do artigo 5º, estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

O artigo 19, I, veda aos Estados, Municípios, à União e ao Distrito Federal o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou suas representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

O artigo 150, VI, “b”, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto, salientando no parágrafo 4º do mesmo artigo que as vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

O artigo 120 assevera que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, salientando no parágrafo 1º que o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

O artigo 213 dispõe que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. Salientando ainda no parágrafo 1º que os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

O artigo 226, parágrafo 3º, assevera que o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

No entanto, observa-se a grande diversidade de formas que a Liberdade religiosa se faz presente no ordenamento jurídico, refletindo sua imensurável importância no Estado Democrático de Direito.

 

 3. As dificuldades e os problemas em realizar a garantia da liberdade religiosa na atualidade

O Brasil, na característica de Estado Laico concede permissão a todas as práticas religiosas em seu território. De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no País seguidores da fé católica, evangélica e espírita, do candomblé, umbanda, judaísmo, islamismo, hinduísmo, budismo e tradições indígenas, entre outras, ambas dotadas de uma liberdade de exercício garantida constitucionalmente (IBGE, 2010).

No entanto, existem inúmeros conflitos sociais referentes a prática religiosa, haja vista, que algumas religiões possuem pensamentos, doutrinas e costumes que se diferem entre si. Nesse contexto, surgem algumas dificuldades para que haja a garantia ao exercício pleno da liberdade religiosa.

Marcelo Azevedo, advogado e doutor em Direito pela PUC-SP ressalta, dentre três grandes ameaças à liberdade religiosa no Brasil, justamente as ofensas de caráter simbólico, como a ridicularização da fé na esfera pública e profanação de imagens, objetos e ritos.

O tema de retirada de símbolos religiosos em repartições públicas já vem sendo discutido, tanto nos tribunais quanto na doutrina, mas ainda não se chegou a um consenso majoritário. Alguns doutrinadores acreditam que o tema é de pouca relevância, pois a simples presença de um símbolo não feriria a laicidade do Estado. A doutrina majoritária é favorável à discussão.

Outras duas grandes ameaças, na visão de Azevedo, rondam como um espectro um Brasil cujo Judiciário é crescentemente ativista. O advogado é claro ao iluminar esses espectros: a indevida intromissão do Estado na esfera espiritual, como nas recentes tentativas de criminalização da homofobia; e a ameaça de vedação da participação de cristãos e das Igrejas na discussão pública, restringido a experiência religiosa à vida privada.

Nesse cenário, o estado está constantemente intervindo na esfera religiosa através das decisões emitidas pelo poder judiciário. Contrapartida, o poder Público busca anular qualquer possibilidade de intervenção de credo religioso na esfera Pública. Logo, gera uma determinada insegurança quanto a garantia constitucional da liberdade Religiosa.

 

4. Possíveis soluções e a necessidade de uma compreensão adequada do tema

Em se tratando dos Conflitos Religiosos, observa-se uma enorme complexidade quanto ao assunto na atualidade, visto que o mesmo foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no ano de 2016.

Ainda hoje, em pleno século XXI, a liberdade religiosa ainda gera alguns questionamentos na sociedade. Em determinados casos, a problemática surge a partir da não compreensão adequada do tema. Visto que, há uma grande confusão social, principalmente entre os conceitos de liberdade e libertinagem.

Em uma pesquisa conceitual, obtém-se a seguinte compreensão: A liberdade baseia-se no direito de se movimentar livremente, de se comportar segundo a sua própria vontade, partindo do princípio que esse comportamento não influencia negativamente outra pessoa. Em concepção filosófica, a liberdade é a independência, autonomia e espontaneidade do ser humano.

Por outro lado, a libertinagem é fruto de um uso errado da liberdade, porque demonstra irresponsabilidade, que pode prejudicar não só a própria pessoa, mas outras pessoas também. Quem age com libertinagem, revela não se importar com as consequências que o seu comportamento pode ter.

A famosa frase “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.”, atribuída por muitas pessoas ao filósofo inglês Herbert Spencer, indica que a verdadeira liberdade respeita o próximo, e o seus direitos.

Em virtude dessa confusão do real significado da Liberdade Religiosa, ocorre um desrespeito de ambos os lados. Alguns indivíduos abusam do exercício do seu credo religioso, gerando um constrangimento aos demais indivíduos. Outros, agindo conforme garantia constitucional, sofrem perseguições desrespeitosas e intolerantes por pessoas que não compartilham da mesma fé.

A maior esperança para sanar esses conflitos se resume em uma única palavra: o respeito. Muito se fala em intolerância religiosa, o que automaticamente gera a presunção de que uma sociedade pacífica tem o dever de tolerar, quando na verdade há uma necessidade de respeito.

Em consulta ao Dicionário da Língua Portuguesa, obtém-se o conceito gramatical de tolerância:

TOLERÂNCIA: Ação de tolerar, de aceitar ou suportar, com indulgência; clemência. (Aurélio,2019).

No mesmo ínterim, observa-se também o conceito de respeito:

RESPEITO: Consideração; sentimento que leva alguém a tratar outra pessoa com grande atenção, profunda deferência, consideração ou reverência: respeito filial. (Aurélio,2019).

A palavra tolerância vem gerando um certo incômodo, não pelo significado, mas pela forma como é abordada no cotidiano. A sociedade atribui a tolerância ao ato de aceitar algo, desde que aquilo não interfira diretamente na vida do indivíduo. Já o respeito, é um sentimento muito além do que simplesmente tolerar, não só aceitando determinadas práticas, mas buscando incansavelmente a boa convivência social.

É importante lembrar que a maioria das religiões estão assentadas em dogmas e preceitos que prezam pelo aprimoramento de cada um e de toda a sociedade. A fé deveria, portanto, ser utilizada como forma de desenvolvimento harmônico da humanidade e não como pretexto de acabar com o outro.

O problema é que, enquanto em um nível individual, a gente não conseguir conviver com respeito, sempre haverá organizações e instituições prontas para incentivar o conflito religioso. Movidos por grandes interesses, governos e empresas acabam endossando nossa intolerância em relação às crenças das outras pessoas, o que gera grandes e intermináveis guerras. E o que está em jogo nisso tudo é a nossa sobrevivência enquanto humanidade.

A intolerância religiosa se deve à vaidade de se achar o único correto. (Daniel Melgaço).

Outra possível solução para sanar os conflitos gerados pela intolerância religiosa, seria a reformulação do conteúdo exposto pela matéria de Ensino Religioso nas instituições nacionais de educação básica, buscando apresentar aos alunos de forma exclusivamente teórica, uma análise histórica sobre as características e o surgimento de todas as religiões presentes no país.

No ano de 2017, em uma medida drástica, o ensino religioso foi excluído da nova versão da base nacional curricular, documento que servirá como referência para o ensino das escolas públicas e particulares de todo o país. Presente nas duas primeiras versões, a matéria foi retirada da última edição do documento, que foi entregue ao Conselho Nacional de Educação, órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC). (MEDEIROS, 2017).

A justificativa baseia-se em assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e proibir quaisquer formas de conversão a determinada religião. Porém, essa omissão de conteúdo não trará bons resultados, haja vista, que cada indivíduo detém uma preconcepção religiosa baseada em seu convívio social-familiar.

Consequentemente, mediante a falta de familiarização e conhecimento sobre a existência das demais religiões, o indivíduo irá desenvolver um pré-conceito de que tudo aquilo que não se adequar ao seu credo é passível de repúdio. Afinal, ninguém nasce preconceituoso, a pessoa aprende com o que lhe é mostrado e vivenciado.

Não existe, de fato, uma solução unicamente eficaz para sanar tal conflito. Porém, existem inúmeras possibilidades, as quais atuando de maneira simultânea, poderão trazer resultados positivos na busca pela obtenção da liberdade religiosa.

Em destaque, o conhecimento é um ponto indispensável nesses conflitos, pois, um indivíduo devidamente informado detém uma maior sensibilidade para compreensão das características e importâncias das religiões no cenário atual. Outro ponto fundamental é o respeito, o qual se caracteriza como a peça mais importante na busca pela obtenção de uma sociedade pacífica, não só no âmbito religioso, mas em qualquer aspecto de convívio social.

 

Conclusão

Dado o exposto, busca-se analisar os conflitos sociais provenientes da liberdade religiosa em face de um estado Laico, o que gera uma enorme variedade de opiniões e questionamentos referentes a aplicabilidade do tema na esfera jurídica e sociológica.

Em virtude dos fatos mencionados, observa-se que em decorrência de uma grande variedade de religiões presentes no Brasil e no mundo, acaba por gerar alguns conflitos ocasionados pelas divergências entre as doutrinas e costumes religiosos os quais começam a gerar questionamentos sobre a interpretação errônea da liberdade religiosa.

A Constituição Federal de 1988, no rol dos Direitos Fundamentais garante que todo indivíduo é detentor de liberdade. Em concepção filosófica, a liberdade é a independência, autonomia e espontaneidade do ser humano.

Porém, na prática, há uma extrapolação do direito à liberdade, consequentemente, surgindo a libertinagem, que é fruto de um uso errado da liberdade, porque demonstra irresponsabilidade, que pode prejudicar não só a própria pessoa, mas outras pessoas também. Quem age com libertinagem, revela não se importar com as consequências que o seu comportamento pode ter.

Levando-se em conta o que foi observado, nota-se predominância dos conflitos referentes as ofensas de caráter simbólico, como a ridicularização da fé na esfera pública e profanação de imagens, objetos e ritos. Dado o exposto, percebe-se alguns aspectos que adequam as condutas comissivas ao ato de intolerância religiosa.

É-se levado a acreditar que o direito à Liberdade Religiosa não está gerando eficácia plena, pois, atualmente está se discutindo com extrema frequência sobre a retirada dos símbolos religiosos das repartições públicas sob o argumento da laicidade estatal. Nesse ínterim, nota-se de forma clara que a sociedade está confundindo o real significado de um estado laico, que abrange todas as religiões, com um estado ateu, ou seja, que não possui nenhuma religião.

Inquestionavelmente, percebe-se a necessidade de uma melhor compreensão do tema por parte da sociedade, haja vista, que a maior razão dos conflitos é a falta de familiarização com a religião alheia, ou seja, com aquilo que é diferente do seu credo. O estado deveria reforçar a abrangência desse tema nas escolas, com o objetivo de dar ciência e informar, pois, a religião é um assunto de suma importância e passível de repercussão geral.

É imprescindível que todos se conscientizem de que o respeito àquilo que é diferente contribui de forma imensurável para o desenvolvimento harmônico de uma sociedade digna e pacífica. Seja na esfera religiosa, na esfera familiar ou qualquer ou meio de sociedade, a quantidade de respeito que é emitida reflete a quantidade de respeito que será alcançada.

Pela observação dos aspectos analisados, conclui-se que na maioria das vezes a intolerância religiosa surge a partir de uma má interpretação dos conceitos de Liberdade religiosa e Laicidade Estatal. Erro este, que pode ser revertido através de uma maior divulgação e conscientização sobre o tema por parte do estado, haja vista, que em determinadas situações é mais viável informar do que apenas reprimir. Consequentemente, a sociedade obterá uma maior familiarização com o tema, automaticamente, produzirá efeitos positivos incentivando a evolução da tolerância para se tornar o devido respeito. É necessário que a população saiba respeitar os valores de rituais e credos diferentes. A religião dá o autoconhecimento e oferece o lado humano da boa convivência.

 

Referências

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