Liberdade De Informação e o Princípio Da Presunção Da Inocência

Autora: SILVA, Ana Paula Fernandes. E-mail: [email protected]. Acadêmica de Direito na Universidade UNIRG e FURLAN,

Orientadora: Fernando Palma Pimenta. E-mail: furlanadvocacia@hotmail. Professor e Orientador Especialista do Curso de Direito da Universidade UNIRG.

Resumo: Este artigo tem como objetivo demonstrar a maneira como os meios de comunicação se utilizam, de forma sagaz, da prerrogativa da proibição da censura pela Constituição Federal, o que garante a liberdade de informação jornalística, para manipular fatos, impor opiniões e influenciar a população. Ao agir dessa maneira, a mídia, ao retratar acontecimentos criminais, viola outras garantias igualmente constitucionais, invadindo privacidades, presumindo culpas e decretando inocên­cias. Em prosseguimento, discorre acerca do desenvolvimento da liberdade de informação, com fulcro na sua função social e na aplicabilidade da presunção de inocência, considerando os aspectos processuais e sociais de um Estado firmado na luta dos direitos humanos, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988.  A metodologia utilizada durante este artigo foi a Pesquisa Bibliográfica e tem como propósito evidenciar a maneira como os meios de comunicação se utilizam da prerrogativa da proibição da censura pela Constituição Federal, para assim manipular fatos, impor opiniões e influenciar a população.

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Palavras-chave: Presunção de Inocência. Direitos Fundamentais. Liberdade de Informação. Violação. Constituição.

 

Abstract: This legal research project aimed to demonstrate how the media use the prerogative of the prohibition of censorship by the Federal Constitution, which guarantees the freedom of journalistic information, to manipulate facts, impose opinions and influence the population. By acting in this way, the media, by portraying criminal events, violate other equally constitutional guarantees, invading privacies, assuming guilt and decreeing innocence. It causes a collision of fundamental rights that is harmonized using the Principle of Proportionality, depending on the specific case. In continuation, it discusses the development of freedom of information, with focus on its social function, and the applicability of the presumption of innocence, considering the procedural and social aspects of a State signed in the struggle for human rights, especially after the promulgation of the 1988 Federal Constitution.  The methodology used during this project was the Bibliographical Research and its purpose is to highlight the way in which the media use the prerogative of the prohibition of censorship by the Federal Constitution, which ensures the freedom of journalistic information, in order to manipulate facts, impose opinions and influence the population.

Keywords: Presumption of Innocence. Fundamental Rights. Freedom of Information. Violation. Constitution

 

Sumário: Introdução. 1. Historicidade e Liberdade de Imprensa. 1.1. Aspectos Gerais e Contexto Histórico. 1.2 Previsão Legal da Liberdade de Imprensa 2.O Sensacionalismo Jornalístico e o Impacto Da Mídia Nos Direitos Fundamentais Do Acusado 3. Mídia e o Princípio da Presunção de Inocência. 3.1 Breves Considerações Sobre a Consagração da Liberdade de Imprensa. 3.2. O Princípio da Presunção de Inocência e sua Aplicabilidade Processual e Social. 4. Conflito Constitucional. 4.1. Critérios de Solução de Conflito Entre os Direitos Fundamentais. 4.2. Modos de Tutelar os Direitos da Personalidade Face o Conflito entre Liberdade de Informação e Presunção de Inocência. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

A implantação dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro foi bastante defendido no perpassar do século XX no campo internacional. A discussão sobre os direitos humanos e a urgência de se elaborar mecanismos estatais para fomentar e garantir dignidade ao homem ocasionou a produção de textos constitucionais conduzidos a atender essas aspirações nacionais.

Após o fim da ditadura militar em 1964, foi instituída no Brasil a Constituição de 1988, que vigora até os dias de hoje. O texto da lei reconheceu um rol significativo de direitos fundamentais, corroborando os princípios de um Estado Democrático de Direito.

Com o avanço dos meios de comunicação, o acesso às informações instantâneas e (em grande parte das vezes) sem censura precedente, baseada meramente na liberdade de informação, promoveu-se grandes discussões acerca dos limites no que tange à prática dos profissionais da imprensa. Um dos pontos discutidos diz respeito ao confronto entre a liberdade funcional do jornalismo e a presunção de inocência do indivíduo suspeito ou acusado de praticar determinado delito penal.

Por conta disso, cabem os questionamentos, como problemáticas desta pesquisa, acerca da afetação do trabalho da imprensa nos direitos da personalidade, do prevalecimento da ocultação ou veiculação de noticiário e também, possíveis formas para a solução dos conflitos que permeiam os ditames emanados da Constituição e também os meios para se tutelar os direitos da personalidade quando há violações provenientes da forma que se dá a atuação dos meios de comunicação.

O presente trabalho, a partir da situação-problema acima relatada, objetiva estudar a eventual limitação da veiculação de informações quando em confronto com a presunção de inocência, bem como verificar a conceituação e historicidade dos direitos da personalidade, conjuntamente com a atuação dos meios de comunicação e com o devido processo legal fundado na ideia de inocência antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

 

  1. HISTORICIDADE E LIBERDADE DE IMPRENSA

1.1 Aspectos Gerais e Contexto Histórico

A imprensa despontou no Brasil com a chegada da família real portuguesa, por volta de 1808, juntamente com a fundação do jornal “A gazeta do Rio de Janeiro”, o qual foi criado com o único intuito de publicar notícias sobre o reino.

Em 1821, ao fim da censura, surgiram inúmeros jornais, dos quais boa parte destes defendiam o movimento da independência. Em contrapartida havia aqueles que permaneciam em pró-atividade para que a Coroa permanecesse no poder.

Conforme cita Farias (2014) “No ano de 1946, a Constituição Federal, em seu artigo 113 inciso IX, determinou a livre manifestação de pensamento sem dependência de censura, respondendo individualmente por cada abuso que cometer, proibindo o anonimato e assegurando o direito de resposta”.

A liberdade de informação jornalística é um direito fundamental e que, além disso, desempenha função social, visto que opera como instrumento do “pensamento e vontade popular”, por intermédio do qual a sociedade encontra um método de defesa em combate as atividades despóticas do Estado, estabelecendo, portanto, representação da liberdade humana.

1.2 Previsão Legal da Liberdade de Imprensa

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) garante em seu art. 5°, incisos IV e XIV, de modo respectivo, a liberdade de manifestação de pensamento e a liberdade de informação, uma vez que, há entre elas uma correlação de dependência.

O direito à liberdade de imprensa também está previsto na Constituição Federal no artigo 220 § 2º:

 

Art. 5º […] IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

 

Declara Silva (2007) que “a liberdade de informação se centra na liberdade de expressão ou manifestação de pensamento, mas que da primeira depende a efetividade desta última”.

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A liberdade de informação inclui a liberdade de informar e a liberdade de ser informado, dado que, a primeira, segundo Greco (apud SILVA, 2007) coincide com a liberdade de manifestação de pensamento e a segunda, por sua vez, demonstra o interesse da coletividade em estar informada para exercer, conscientemente, as liberdades públicas.

A liberdade de informação é, por conseguinte realizada na procura, no receber, no acessar e no ato de difundir informações e ideias.

Diante disso, preocupou-se a Constituição em proteger tal liberdade, consagrando-a como um direito fundamental, a fim de impedir que o Poder Público crie empecilhos ao livre trânsito das informações (ARAUJO, NUNES JR., 2002).

É sobre isso o texto constitucional, no art. 220, caput “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (BRASIL, 1988).

Nota-se, na elocução acima, o uso pelo legislador da locução “sob qualquer forma”, ratificando, dessa forma, segundo o § 1° do próprio artigo, que a liberdade à informação, até mesmo à informação jornalística nos meios de comunicação social, deverá ser absoluta, e nenhuma lei poderá conter nenhum preceito que possam ocasionar obstáculos a ela, sendo proibida qualquer espécie de censura prévia, segundo dispõe o seu § 2° (BRASIL, 1988).

É na liberdade de informação jornalística que se realiza a liberdade de informação (antigamente, denominada de liberdade de imprensa), ou seja, o acesso à informação, a sua obtenção e transmissão sob a forma de notícia, comentário ou opinião, por qualquer veículo de comunicação social, seja ele impresso ou de radiodifusão, e o direito de ser informado (SILVA, 2007).

Para tanto, a Constituição Federal gera repulsa a qualquer tipo de censura prévia à imprensa, significando dizer que nenhum texto ou programa destinado à exibição ao público necessita, previamente, ser submetido a controle ou intervenção (MORAIS, 2005).

Essa dispensabilidade de análise ou proibição da censura, contudo, não deve ser compreendida de modo a propiciar à imprensa liberdade plena. Ao contrário, a liberdade de informação jornalística tem por obrigação confrontar limitações perante aos outros direitos fundamentais equitativamente assegurados pela Carta Magna.

Importante ressaltar que a função dos veículos populares de comunicação é servir à comunidade, reunindo e distribuindo notícias, de forma correta e verdadeira, transformando-as em propriedade comum da nação (BRIGGS; BUNKE, 2006; FERNANDES; FERNANDES, 2002). Como leciona Miranda (apud COSTA, 2008, p. 04):

 

A verdadeira missão da imprensa, mais do que a de informar e de divulgar fatos, é a de difundir conhecimentos, disseminar a cultura, iluminar as consciências, canalizar as aspirações e os anseios populares, enfim, orientar a opinião pública no sentido do bem e da verdade.

 

A imprensa possibilita o desenvolvimento da opinião pública por meio do pensamento crítico ou opinião que incide sobre a notícia, e que assegura reflexões construtivas para que dessa forma os indivíduos possam renunciar ou escolher diante do que lhes é reclamado pela sociedade.

Assim, a divulgação pela imprensa de fatos ou notícias que não demonstram nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico e que acarretam danos à dignidade humana pode resultar na prévia proibição da matéria, além de possível responsabilidade posterior em virtude do abuso no exercício do direito à informação (MORAIS, 2005)

 

2. O SENSACIONALISMO JORNALÍSTICO E O IMPACTO DA MÍDIA NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO ACUSADO

Ao considerar a liberdade de informação, Silva (2004) colabora com a discussão ao citar que a mencionada garantia constitucional de atuação dos profissionais da comunicação está exclusivamente pautada no direito das pessoas de serem informadas de modo correto e imparcial. Concerne-se de levar fatos e informações de interesse público através de uma análise precedente de veracidade e relevância.

Há, comumente, duas maneiras de noticiar os acontecimentos. De acordo com as lições de Vidal Júnior (1997), elas se manifestam mediante a notícia e a crítica. A notícia diz respeito à transcrição objetiva de certo fato, ao passo que a crítica apenas diz respeito.

A informação é o elemento que mais aproxima pessoas, locais e coisas, até aquelas que se encontram distantes. É, porém, no campo da crítica, que se instala um debate de conflito constitucional. A utilização da comunicação sem barreiras e, especialmente, com a finalidade de alcançar telespectadores, leitores e/ou ouvintes, favorece o que se intitula de jornalismo sensacionalista, com violação da liberdade de informar e desrespeito aos direitos elencados na Constituição Federal.

A comercialização do direito de informar e de ser informado, contudo, pode infringir garantias fundamentais qual seja a presunção de inocência do indivíduo acusado do crime, refletindo, do mesmo modo, nos direitos da personalidade, principalmente na honra, imagem e intimidade.

Segundo Pinho (2007, p. 90), “liberdade deve ser exercida de forma compatível com a tutela constitucional da intimidade e da honra das pessoas, evitando situações de abuso ao direito de informação previsto na Constituição”. No entanto, há várias situações em que essa premissa não se recepciona resguardada no aspecto fático.

A imprensa utiliza uma forma significativa para influenciar, através de seus textos, o ponto de vista da sociedade. Em matéria criminal, sobretudo, os indivíduos inclinam-se a fazer um pré-julgamento do crime atribuído a algum agente, antes mesmo que haja uma sentença condenatória. E o meio de comunicação, visando à audiência, abraça-se ao sensacionalismo policial para conquistar seu espaço na mídia.

Com o objetivo de agradar o público, consoante Edgar Morin (2002), o veículo de comunicação busca exibir aquilo que suscita a atenção do público, tornando o fato criminoso em um espetáculo, divertimento e mercadoria. Dessa forma, decepciona-se, assim, o intuito do jornalismo de atender ao interesse público, pois se fundamenta no interesse do público, com característica sensacionalista, de conquistar a audiência do povo.

O sensacionalismo, conforme Gustavo Barbosa e Carlos Alberto Rabaça (2002) consiste no uso de um episódio de forma descomedida, esmiuçando o fato com o objetivo de criar emoções no público. A supramencionada característica concretiza-se por meio da escrita ou da visibilidade, por exemplo, de forma a atrair a atenção da sociedade sobre fato específico.

Isto posto, o jornalismo centrado na área policial/criminal, situa-se em um ambiente de interesse do público. As práticas violentas, frequentemente observadas nos crimes de grande repercussão, revelam-se, segundo Yves Michaud (1989, p. 49), como “um alimento privilegiado para a mídia, com vantagem para as violências espetaculares, sangrentas ou atrozes sobre as violências comuns, banais e instaladas”.

O meio apelativo utilizado para gerar sensações nos espectadores converte-se em um instrumento de mobilização popular em prol da condenação dos acusados, negando o princípio constitucional da presunção de inocência. Antes mesmo de finalizar o processo judicial, a imprensa, em algumas vezes, já condena preliminarmente o indivíduo protagonizador do caso, sem mesmo haver direito de defesa.

Gomes de Mello (2010, p. 117) finaliza ao referir-se que a mídia ao utilizar completa ao referir que a mídia ao utilizar fatos policiais “[…] vai produzindo celebridades para poder realimentar-se delas a cada instante […]”. Não há, portanto, o reconhecimento dos direitos da personalidade do ser humano, e sim o uso de sua imagem e o detrimento da honra em face de audiências apelativas, cuja característica principal é a condenação.

Dessa forma, a atuação jornalística sem barreiras, manifesta-se como um instrumento que forma opinião pública, expandindo o debate da penalização dos indivíduos envoltos, em algum fato tipificado pela legislação penal.

A vista dessa realidade midiática, proveniente do conflito constitucional de liberdade de informação e presunção de inocência, Juliana Livtin (2007, p. 73) considera:

A imprensa deveria ter o cuidado de resguardar bens jurídicos que pudessem ser, eventualmente, atingidos com a publicação de uma notícia criminal, tais como a presunção de inocência, a intimidade, o devido processo legal e a plenitude de defesa.

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As mídias conjuntamente com as instituições envoltas na investigação de casos criminais geraram uma sinergia ímpar, capaz de viabilizar objetivos comuns. As empresas que trabalham com comunicação demandam a venda do produto (informação), e os casos criminais, especificamente quando arranjados sob o estereótipo de crimes notáveis, despertam grande interesse dos consumidores.

A força policial juntamente com o Ministério Público atrai apoio para si por possuírem a simpatia dos cidadãos, devido ao seu trabalho purgativo de “lutar contra o crime”.

É certo que o apoio da população ao MP foi o estímulo necessário, que encorajou o Ministério Público Federal a adotar uma campanha midiática destinada à alteração da legislação brasileira vigente, objetivando ser mais rigoroso com o tratamento criminal perante crimes de corrupção.

Nessa combinação entre mídia e instituições responsáveis pela investigação de casos criminais, tem-se a impressão que todos saem ganhando: empresas de comunicação desfrutam, as instituições tais como a força policial, ganham apoio e juntas aumentam as chances de validação judicial sob suas versões apresentadas, visto que o convencimento da população da genuinidade das acusações provoca um clima de séria desconfiança em relação ao Juiz que, contraditando todas as perspectivas, delibera questões em favor do investigado. Nesse ponto, falta considerar o próprio investigado e a devida atenção aos seus direitos e garantias fundamentais

 

3. A MÍDIA E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

3.1 Breves Considerações Sobre a Consagração da Liberdade de Imprensa

O Brasil, colônia de Portugal até 1822, teve poucos avanços nos seus três séculos de descobrimento inicial. A subordinação em relação à capital portuguesa não deixou que o território brasileiro conquistasse sua própria glória. A liberdade de informação, através da imprensa, especialmente escrita, apesar de ter surgido remotamente, somente obteve seu espaço mais tarde.

O século XIX, com a chegada da Corte Portuguesa no Brasil, chancela também a inauguração da imprensa. Contudo, não havia uma ação democrática de conferir informações à sociedade como atualmente é observado.

Para Mota (2014, p. 01), em virtude à profissionalização do jornalismo, surgiram necessidades, quais eram:

Regulamentar a profissão e sua atividade, surgindo nesta época o conceito de Liberdade de Imprensa. A Suécia, foi o primeiro país do mundo que implementou a Liberdade de Imprensa através de uma lei criada no ano de 1766. Através desta lei, foi garantido que os profissionais de jornalismo e os jornais da Suécia poderiam publicar qualquer tipo de notícia, desde que ela fosse real e que não houvesse difamação. A atividade de Jornalismo teve outro grande salto tecnológico no ano de 1844, com a invenção do Telégrafo. O Telégrafo, aparelho considerado o pai de toda a comunicação moderna, permitiu que textos que levariam horas ou até dias para serem transportados, fossem repassados pelos profissionais de jornalismo as redações em questão de minutos. O telégrafo permitiu então que a imprensa se tornasse muito mais ágil: uma notícia que aconteceu de manhã poderia agora facilmente ser publicada a tarde em um jornal.

 

A Constituição Federal de 1988, depois um longo caminho de avanços e retrocessos no sistema político brasileiro, estabeleceu uma democracia com vigorosa consagração de direitos e liberdades fundamentais. A liberdade de informação, na qualidade de núcleo inclusivo dos direitos de imprensa está garantida na Lei Maior e com estimada escala de prerrogativas aos veículos de comunicação.

 

3.2 O Princípio da Presunção de Inocência e sua Aplicabilidade Processual e Social

Entre as garantias protegidas, a Constituição Federal de 1988 garante, em seu artigo 5º, LVII, a presunção de inocência. Versa o princípio da Presunção de Inocência que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, com embasamento no sistema acusatório, assinalado, conforme Avena (2015), pela divisão absoluta das funções de acusação, defesa e julgamento, com isonomia processual e direito à defesa e ao contraditório.

No ano de 1948, a presunção de inocência também foi regulamentada pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. O artigo 26 declara: “Parte-se do princípio que todo acusado é inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade.” O documento foi lavrado, dessa maneira, conforme explicado em seu preâmbulo, em respeito aos direitos essenciais da pessoa humana.

Internacionalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, também ressoou o princípio da presunção de inocência. O artigo 11º-1 assegura: “Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa sejam asseguradas”.

Constata-se, portanto, que os constituintes brasileiros, inspirados na retomada da democracia e na demanda social onde havia se consolidado os direitos fundamentais, adotaram a tendência mundial de garantir a presunção de inocência. A presunção de inocência, nos ensinamentos de Moraes (2007), consiste em uma garantia processual voltada à tutela da liberdade individual. Dessa forma, o suspeito ou acusado de determinado delito deve ser visto socialmente como inocente, uma vez que a culpabilidade precisa ser comprovada judicialmente por meio de um processo penal democrático, transparente e justo.

Salienta-se, ainda, que o supracitado princípio está relacionado a outras garantias constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Juntos, os elementos legais vão ao encontro da limitação do poder do Estado na persecução penal, uma vez que o Judiciário somente pode condenar alguém depois de percorrido todo o trâmite processual democrático e respeitando, a defesa do acusado.

Extrai-se do exposto que o acusado, apesar de responder a um processo-crime, segue na condição de sujeito de direitos. “A pessoa acusada, no sistema jurídico moderno, ao contrário de outros sistemas, possui direitos. Estes direitos transformam a pessoa acusada, de mero objeto do poder punitivo do Estado, em sujeito de direitos”, conforme as palavras de Bedin (2002, p. 52).

Diante do sistema penal acusatório estabelecido no país, parece coerente afirmar que a presunção de inocência somente pode ser afastada no momento em que ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, com fundamentos probatórios suficientes, claros, precisos e submetidos à defesa para o devido contraditório em face da autoria do delito.

Dessa forma, se a culpabilidade do agente, somente pode ser determinada pelo Poder Judiciário, através de um processo justo, razoável e democrático, a sociedade não pode, de forma alguma, seja pela gravidade do delito cometido, seja na luta contra a impunidade, considerá-lo culpado e condená-lo antes do trâmite processual finalizado, sob o risco de se afrontar uma garantia fundamental e constitucional: a presunção de inocência.

 

4. CONFLITO CONSTITUCIONAL

4.1 Critérios de Solução de Conflito Entre os Direitos Fundamentais

Um país como o Brasil, que viabiliza um conjunto de direitos fundamentais, tem em sua própria natureza eventos que geram conflitos normativos.

O amplo rol de direitos fundamentais, que compreende, conforme Luño (1995, p. 48), “[…] um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos […]”, pende a gerar conflitos em certas situações, principalmente em um Estado democrático e garantista.

Diversas vezes munido de caráter principiológico, os direitos fundamentais, se enfrentam na seara constitucional. O conflito de mandamentos radicados na Constituição Federal, a exemplo do caso da liberdade de informação versus presunção de inocência, fundamentada, da mesma forma, nos direitos da personalidade, aponta ao julgador a indispensabilidade de se equiparar a critérios diversos dos comumente utilizados para determinar a aplicabilidade de uma regra em prejuízo de outra.

Em razão de não serem reconhecidos como mandamentos absolutos, os citados direitos fundamentais oriundos da Constituição necessitam ser limitados quando os elementos exigirem.

Considerando como maior objetivo a preservação dos direitos fundamentais, leciona Filho (2006, p. 103), que o Princípio da Proporcionalidade caminha simultaneamente à ponderação entre as normas constitucionais em conflito. O referido princípio aponta os parâmetros que devem ser zelados no momento de ponderar os direitos e garantias fundamentais e, de modo consequente, determinar-lhes limitações.

Na prática, a aplicação da proporcionalidade requer do julgador a análise quanto às três dimensões integrantes do princípio, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade. Essas condições devem, segundo Marmelstein Lima (2008, p. 374), estar presentes na avaliação decisória, sob risco de não se atender à sua finalidade própria, que é a de encontrar uma solução sem lesionar os direitos invocados.

A adequação diz respeito à exigência de que o Magistrado – quando define a medida judicial que deverá ser aplicada ao caso – deve averiguar se a sua atitude trará efetivamente como consequência, o objetivo desejado. Dessa forma, se a privacidade de alguém for violada, a decisão do Estado-Juiz precisa ser norteada para que esse direito seja garantido, visto que essa é a razão de o litígio chegar ao Judiciário.

Ademais, a medida judicial deve permanecer inclinada na necessidade. A sentença prolatada deve ser um instrumento que atenda o direito da vítima, mas não deprecie o direito do autor do fato.

A ponderação versa em avaliar os direitos em contenda, com a intenção de privilegiar um lado, mas de modo que não restrinja os direitos do outro de forma alguma. Os litígios que tratam sobre o abuso do direito de informar e a violação aos direitos de personalidade são, em síntese, deliberados pela ponderação, pois se acata a liberdade de comunicar-se e ao mesmo tempo há valorização da gênese humana, contudo, sobrepondo um direito sobre o outro.

À vista disso, ponderados os princípios da proporcionalidade e da ponderação, começa a se avaliar sobre as medidas de solução de conflitos.

A concordância prática, de acordo com Farias (1996), está profundamente ligada à solução dos confrontos entre direitos fundamentais que, de acordo com a teoria, se encontram hierarquicamente iguais perante o texto constitucional. Dessa forma, o princípio supracitado tem como desígnio compatibilizar ambos os direitos, resguardando a essência de cada um, mas, de outro modo, priorizando um diante do outro sob a perspectiva da ponderação.

Constata-se, que a conflagração constitucional da liberdade de informação versus a presunção de inocência, instituída nos direitos da personalidade, será decidida com certa liberalidade pelo magistrado, apesar de quê as decisões necessitem ser motivadas, visto que não há critérios absolutos em nosso ordenamento jurídico que estabeleçam a resolução da problemática demonstrada, mas, sim, arraigada em mandamentos principiológicos.

As propensões em contenda no que tange à liberdade de informação e à presunção de inocência, com particularidades nos direitos da personalidade, por conseguinte, serão adotados sob a ótica da proporcionalidade e da ponderação, apetecendo limitar um dos direitos em questão, mas sem afastar dele a sua essência instituidora. Dessa forma, quando houver transgressão da liberdade de informar, o magistrado deverá valer-se de meios para tutelar a personalidade da vítima.

 

4.2 Modos de Tutelar os Direitos da Personalidade Face o Conflito Entre Liberdade de Informação e Presunção de Inocência

A contenda constitucional entre liberdade de informação e presunção de inocência, conforme as considerações realizadas até o momento possibilitam variadas análises com base nas circunstâncias fáticas. Contudo, uma conclusão pode ser extraída é que: a violação da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas gera direito à indenização material ou moral.

O uso exacerbado do direito de informar, gênero da liberdade de imprensa, ou a prática do jornalismo sensacionalista pode desencadear, na divulgação de matérias policiais, a condenação antecipada de agente suspeito ou réu de determinado fato criminoso. Essa condenação, que vai de encontro ao mandamento da presunção de inocência, atinge os direitos da personalidade, de forma a promover a responsabilidade pecuniária como sanção do ilícito.

A atividade de determinar coercitivamente, através de uma decisão judicial, o dever de reparar, ou ao menos intentar, o dano causado a outro é amparada no princípio basal da dignidade da pessoa humana. Nessa perspectiva, Dallari (2004) indica que o ser humano é o mais valioso dos elementos existentes e a dignidade o eleva sobre todas as coisas descobertas na natureza.

A indenização, embora constantemente presente nos julgados atinentes a direitos da personalidade, não é a única maneira de tutelá-los. Nessa perspectiva Bittar (1999, p. 49) ressalta que:

 

“[…] tutela geral dos direitos da personalidade compreende modos vários de reação, que permitem ao lesado a obtenção de respostas distintas, em função dos interesses visados, estruturáveis, basicamente, em consonância com os seguintes objetivos: a) cessação de práticas lesivas; b) apreensão de materiais oriundos dessas práticas; c) submissão do agente à cominação de pena; d) reparação de danos materiais e morais; e e) perseguição criminal do agente. ”

 

A preservação dos direitos à vida e à integridade física, psíquica e moral, consolidada nos direitos ao corpo humano, à voz, à liberdade, às criações intelectuais, à privacidade, ao segredo pessoal, profissional e doméstico, bem como à honra, à imagem a identidade, conforme leciona Pamplona Filho (2014), são amplamente citadas em nosso ordenamento jurídico, desde a Constituição até as leis esparsas.

Além do mais, ao ponderar sobre a necessidade e importância de que se garanta o respeito ao direito do indivíduo, em síntese, Sarlet (2002, p. 61) acresce que:

 

“[…] onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para a existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e autonomia, a igualdade (em direito e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio de injustiças.”

 

Dessa maneira, o proceder dos órgãos de imprensa necessita estar baseado em limites auferidos do texto constitucional, respeitando-se os direitos fundamentais alicerçados na ideia de dignidade.

O uso da informação como show para obter leitores/ouvintes/ telespectadores é descontinuado pelo ordenamento jurídico, uma vez que conflitua com os fundamentos de um Estado que almeja ser imparcial com os seus cidadãos. Dessa maneira, a liberdade de informação, cultivada em excesso ou com sensacionalismo, atenta contra a dignidade da pessoa humana.

Em nenhum momento o jornalismo poderá se submeter ao sensacionalismo e à divulgação de elementos que unam o agente à condenação, no caso de ainda restar direito à defesa. Cabe ao veículo de comunicação trazer ao conhecimento do público informações apropriadas e úteis, porém conservando a intimidade, honra e a imagem do acusado, sob o perigo de incorrer em conflito constitucional e o dever de indenizar.

Atentos a isso, os tribunais brasileiros têm se atentado aos direitos da personalidade, não somente no viés cível, como também nas derivações do processo penal, com amparo na presunção de inocência. Devido sua importância e responsabilidade social, os órgãos de imprensa, conforme Andrade (2007) devem demonstrar o interesse público do fato narrado. De outro modo, se o conteúdo for puramente tendencioso ou contrário aos atributos da pessoa humana, enquanto protagonista da reportagem, nasce o conflito e a transgressão normativa do direito de informar.

Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a Apelação Cível nº 1088301-09.2014.8.26.0100, é notório o uso do princípio da proporcionalidade na apreciação do caso fático e dos resultados lesivos aos direitos da personalidade advindos da condenação precipitada feita pela matéria jornalística, sem observar o princípio constitucional da presunção de inocência, violando as limitações razoáveis da liberdade de informação:

 

“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. Insurgência dos réus contra sentença de procedência. Reforma apenas com relação ao quantum indenizatório. Reportagem veiculada em programa televisivo, divulgando imagem e nome do autor, imputando-lhe crime de estupro. Inquérito policial sequer instaurado. Absolvição posterior. Abuso da liberdade de expressão, do direito de informar e de criticar. Narrativa sensacionalista. Violação à honra e imagem do autor. Lesão aos direitos da personalidade caracterizada. Dever de indenizar por dano moral configurado. Indenização, todavia, reduzida para R$ 60.000,00 de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recursos parcialmente providos. (SÃO PAULO, 2017, grifo nosso).”

 

O acórdão traz ainda em sua argumentação:

 

“São notórios os danos morais sofridos pelo autor que teve seu nome e imagem vinculados àquela reportagem. A imputação de crime em reportagem de televisão tem uma repercussão que supera, em muito, meros transtornos ou aborrecimentos. Implica constrangimentos, vergonha e humilhação, além de evidentes abalos à reputação e ao bom nome que possuía entre as pessoas de sua família e de seu círculo profissional. (SÃO PAULO, 2017).”

 

Assim sendo, Caldas (1997, p. 132) soma ao considerar que, apesar da ideia acerca da sanção ser reparar na totalidade o dano moral sofrido, “[…] a técnica da restituição do bem do ofendido ao status quo ante é difícil, embora não possível.”

Pouco provável, contudo, que o constrangimento experimentado pela vítima será extinto com a indenização pecuniária. Porém, a sanção civil, atualmente, é o meio utilizado judicialmente para, ao menos, reduzir o dano e punir o infrator para que não volte à infringir novamente.

 

CONCLUSÃO

O artigo discorreu sobre o conflito constitucional entre a liberdade de informação e a presunção de inocência na República Federativa do Brasil. A consolidação da imprensa no sistema democrático, o acatamento aos direitos da personalidade e à presunção de inocência, ambos abalizados como garantias hierarquicamente igualitárias no cerne da Constituição Federal de 1988, acarreta obstáculos ao magistrado e à sociedade na ocasião de seu confronto fático.

O instituto da Presunção de inocência, com base no devido processo legal, tem aplicabilidade processual no que se refere ao desenvolvimento da persecução penal e social, relacionando-se dessa forma com a atuação jornalística.

Todavia, conforme analisado no presente estudo, há situações corriqueiras em que a busca frenética por audiência ou prestígio provoca o chamado jornalismo sensacionalista. Nesses casos, a liberdade de informação, por vezes, choca-se quando a matéria em discussão trata de processo-crime, no qual é importante manter a atenção ao princípio da presunção de inocência, garantia constitucional revestida dos direitos da personalidade.

Em um Estado democrático, como o Brasil, que tem como fundamento oportunizar o máximo acesso de informações aos indivíduos há, porém, situações nas quais os meios de comunicação em massa lançam um posicionamento sobre determinada situação, que podem afetar sobremaneira a reputação de alguém que eventualmente está na condição de réu em uma ação penal. Isso porque ser acusado, ainda sem sentença transitada em julgado, não é pressuposto de culpabilidade e mesmo assim, em grande parte das vezes a pessoa é condenada pela massa que sofreu influência do meio midiático.

À vista disso, os profissionais dos meios de comunicação, ao agirem de forma exasperada, injuriam um direito fundamental, que é a presunção de inocência, e, institucionalmente, condenam o suspeito, indiciado ou acusado de determinado delito, antes mesmo do efetivo trânsito em julgado de sentença condenatória que, em tese, seria o marco legal da condenação, retirando-lhe o caráter de inocente.

A solução para esse conflito, pelas análises doutrinárias e jurisprudenciais realizadas no decorrer do trabalho, é basicamente jurisdicional. O Poder Judiciário é convocado, por meio de ação própria, a tratar a colisão de direitos fundamentais, ou seja, liberdade de informação e presunção de inocência para proferir as partes e à sociedade qual mandamento constitucional deve predominar no caso que será analisado.

A busca pela informação, desse modo, perpassa a própria noção de ser humano enquanto cidadão. Os veículos de comunicação, no entanto, devem manter-se fieis ao seu compromisso profissional, não transgredindo a intimidade, a privacidade, a imagem e a honra da pessoa, uma vez que, assim comprovado, surge o dever de indenizar, que aparece, ao lado da sobreposição da presunção de inocência, como sanção à divulgação exacerbada.

A partir do exposto, a condenação antecipada de indivíduos envolvidos em persecuções criminais pela esfera jornalística, à vista do debatido no presente trabalho monográfico, é constante, mas o sistema judiciário, com apoio da doutrina e dos precedentes judiciais, tem caminhado no sentido de valorizar a pessoa humana, na sua essência, em detrimento da mercantilização da informação, sem, todavia, inibir o jornalista de sua função social.

 

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