Noções gerais sobre o direito material coletivo e o sistema único das ações coletivas

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Resumo: Em que pese a inexistência de codificação única, o Direito Material Coletivo vem se consolidando como uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro para tutelar direitos transindividuais. Entretanto, sua aplicação prática encontra dificuldades diversas, seja pela ausência de sistematização, seja pela falta de inserção desta matéria nas grades curriculares das universidades, o que justifica o debate sobre sua natureza jurídica, seus fundamentos, princípios e dimensões. Além disso, será abordada a superação da summa divisio clássica (direito público x direito privado) pela summa divisio constitucionalizada (direito individual x direito coletivo).

Palavras-Chave: Direito Material Coletivo. Direitos Transindividuais.

Abstract: Despite the absence of a single encoding, Material Law Collective is being consolidated as a reality in the Brazilian legal system to protect transindividual rights. However, their practical application encounters several difficulties, is the absence of systematization, is the lack of inclusion of this subject in the curricula of universities, which justifies the debate on their status in law, its foundations, principles and dimensions. Also, will be addressed the overcoming of classical summa divisio (public x private law) by the new summa divisio constitutionalized (individual right x collective right).

Keywords: Material Law Collective. Transindividual Rights.

Sumário: Introdução. 1. A tutela jurídica do Direito Coletivo Brasileiro. 2. Da Natureza Jurídica do Direito Material Coletivo. 3. Princípios do Direito Material Coletivo. 4. Dos Direitos Transindividuais. 4.1 Dos Direitos Difusos. 4.2 Direito Coletivos. 4.3 Direitos Individuais Homogêneos. 5. Dimensões do Direito Material Coletivo. 6. Redefinição da summa divisio pela ótica dos direitos individuais e coletivos. 7. Considerações Finais.

Introdução

O Direito Material Coletivo apresenta-se como uma realidade na atual ordem jurídica brasileira, ótica sobre a qual devem ser tutelados os direitos transindividuais, a fim de conferir eficácia ao projeto constitucional.

Entretanto, a visão liberal que ainda hoje impera em nossa sociedade, aliada à tradição individualista do Direito brasileiro e a ausência de sistematização codificada de forma una, constituem dificuldades para a compreensão do tema e justifica o aprofundamento dos estudos sobre sua origem e fundamentos.

1. A tutela jurídica do Direito Coletivo Brasileiro

Na lição do professor Gregório Assagra de Almeida[1] as tutelas jurídicas no Brasil podem ser divididas em três fases. A primeira delas abrange o período colonial, o Império e parte da República, no qual pôde se verificar uma absoluta prevalência da esfera individual na tutela de direitos. Posteriormente, a segunda fase, inaugurada com a Constituição de 1934, foi marcada pela proteção taxativa dos direitos massificados e contou com grandes avanços no plano dos direitos sociais como a Lei da Ação Popular (Lei 4717/65) e a Lei da Ação Civil Pública (lei 7347/85).

Mas somente a partir da Constituição da República de 1988 que foi inaugurada a terceira e atual fase, marcada pela tutela jurídica irrestrita, integral e ampla de direitos, que vem sendo construída e consolidada até os dias atuais com a finalidade precípua de conferir efetividade aos direitos fundamentais.

Depois da promulgação do texto constitucional, merece destaque, no plano coletivo, o Código de Defesa do Consumidor, (Lei 8.078/90) que dispôs expressamente sobre os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conceituando-os no artigo 81 e dispondo sobre a legitimidade ativa, a coisa julgada coletiva e execução coletiva nos artigos seguintes.

Oportuno mencionar que mesmo antes da Constituição de 1988, no Brasil já se tutelava direitos transindividuais através da Ação Popular, por intermédio de qualquer cidadão que estava legitimado a ingressar em juízo contra atos ilícitos de autoridade pública, lesivos ao patrimônio público. O que fez a Constituição de 1988, em seu artigo 5º, LXXIII, foi apenas ampliar o objeto da Ação Popular para assegurar além da defesa do patrimônio público, a moralidade administrativa, o patrimônio histórico e cultural e a proteção ao meio ambiente.

Além disso, desde 1985 a Lei da Ação Civil Pública já tornou possível a defesa coletiva contra quem quer que cometa ofensa aos interesses coletivos ou difusos, seja um administrador público ou particular.

Desta maneira, foi sendo construído um sistema único capaz de transbordar a esfera individual e passar a tutelar os direitos de toda a coletividade, em consonância com as diretrizes e objetivos da república traçados no texto constitucional.

2. Da Natureza Jurídica do Direito Material Coletivo

Na lição de Rizzatto Nunes[2], a natureza jurídica das legislações materiais coletivas do Direito Material Coletivo é principiológica, ou seja, as relações coletivas, dentro do sistema constitucional brasileiro, prevalecem sobre os demais sistemas, de modo que não se permite que nenhuma outra legislação interfira nos ditames por ele estabelecidos, em nome da preservação da vida e dignidade humana da coletividade.

Entretanto, perece-nos mais acertada a visão do professor Gregório Assagra de Almeida[3] para o qual o Direito Material Coletivo brasileiro “possui natureza jurídica de direito constitucional fundamental, pois está inserido no sistema jurídico brasileiro, ao lado do Direito Individual, dentro da teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais (Título II, Capítulo II, da CF/88)”.

Em assim sendo, o Direito Material Coletivo não se impõe sobre os demais sistemas, mas se coaduna com todos eles, por constituir cláusula pétrea da Constituição, cuja análise não abrange nenhuma interpretação restritiva, pelo contrário, exige do intérprete uma leitura extensiva, aberta e flexível, de forma a se assegurar os direitos fundamentais da coletividade e atingir a finalidade constitucional de transformação social.

3. Princípios do Direito Material Coletivo

A partir dos princípios constitucionais, é possível dar ao Direito Coletivo Brasileiro o caráter de disciplina autônoma na Ciência do Direito, uma vez que os princípios do Direito Coletivo nacional estão inseridos na Constituição Federal e dela decorrem. [4]

Destaca-se, desta forma, o Princípio Democrático, inserido no artigo 1º, caput da CF/88, que inspira e fundamenta a interpretação e a efetivação do Direito Coletivo brasileiro.

É a partir deste princípio que o sistema jurídico brasileiro se torna dinâmico e aberto e está em constante construção pelos canais e meios legítimos instituídos ou a serem constituídos no processo de mudança da realidade social. Os princípios da dignidade humana, da igualdade substancial e da solidariedade são resultantes do princípio democrático, e necessários à compreensão e à interpretação do Direito Coletivo.

Destaca-se ainda o Princípio da Solidariedade Coletiva¸ esculpido no artigo 3º, I, da CF/88 que se refere à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que como princípio fundamental constitucional, tem caráter irradiante e força vinculatória, constituindo ainda um compromisso da República Federativa do Brasil e uma base sólida do Direito coletivo.

Sob este mesmo prisma, o Princípio da Proibição do Retrocesso do Direito Coletivo, que apesar de não ter previsão expressa na Constituição Federal, determina que qualquer reforma no sistema pátrio ou decisão judicial tem que levar em conta aos objetivos fundamentais da república, de constante e progressivo aperfeiçoamento das relações sociais, do direito e da justiça, sendo portanto, vedado o retrocesso de direitos e garantias coletivas.

Seguindo a linha de entendimento do doutrinador, o Princípio da Aplicabilidade Imediata do Direito Coletivo (artigo 5º, § 1º, da CF/88) assegura que as normas definidoras dos direitos e garantias constitucionais fundamentais têm aplicação imediata, dada sua natureza de direito fundamental constitucional e cláusula pétrea da Constituição.

A doutrina de Almeida relaciona ainda outros princípios como, por exemplo, o Princípio da Priorização da Proteção Coletiva Preventiva, Princípio da Não-Taxatividade do Direito Coletivo, mas que, em suma, são sub-princípios ou decorrentes daqueles acima tratados.

4. Dos Direitos Transindividuais

Mesmo no meio acadêmico é comum a utilização da expressão “direitos coletivos” para se referir tanto aos direitos difusos, coletivos strictu senso quanto aos individuais homogêneos. Entretanto, tais diferenciações são necessárias para melhor compreensão do tema.

A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre direitos difusos e coletivos, mas os

parâmetros legais estão regulamentados no parágrafo único, do artigo 81 do CDC, assim

como a definição dos direitos individuais homogêneos. Veja-se:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

 Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

 I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

 II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

 III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

Entretanto, a conceituação legal não é suficiente para a compreensão do tema, encarregando-se a literatura especializada das explicações mais aprofundadas.

4.1 Dos Direitos Difusos

A essência do direito difuso é sua natureza indivisível, uma vez que ele só pode ser considerado como um todo. Ou seja, não é possível individualizar a pessoa atingida por uma lesão desse tipo de direito. Sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira[5] assim leciona:

“Não pertencem a uma pessoa isolada, nem a um grupo nitidamente delimitado de pessoas (ao contrário do que se dá em situações clássicas como a do condomínio ou a da pluralidade de credores numa única obrigação), mas a uma série indeterminada – e, ao menos para efeitos práticos, de difícil ou impossível determinação –, cujos membros não se ligam necessariamente por vínculo jurídico definido.”

Na lição de Hugo Nigro Mazzilli[6], os direitos difusos “são como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhadas por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas.”

Sobre a indeterminação ressalta-se que ela não precisa ser absoluta. Assim, os moradores de uma cidade, diante de um problema ambiental local, serão, para fins de enquadramento no sistema brasileiro, considerados como titulares indeterminados.

São exemplos de tutela judicial de direitos difusos as ações coletivas que visam coibir ou impedir a divulgação de propaganda enganosa e lesiva ao consumidor, ações que visem garantir um ambiente sadio para as presentes e futuras gerações, evitar e reparar a destruição do patrimônio artístico, histórico, turístico e paisagístico, defender o erário público, dentre outras.

4.2 Direito Coletivos

Como já mencionado, no que se refere aos direitos coletivos é preciso distinguir. A expressão é utilizada em sentido amplo para se referir a interesses transindividuais de classes, grupos ou categoria de pessoas. Entretanto, em sentido estrito, o conceito assume a vertente esculpida no parágrafo único, inciso II, artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor.

O direito ou interesse coletivo em sentido restrito “nasce da ideia de corporação, na medida em que são determináveis quanto a um grupo ou categoria. Entretanto, são direitos metaindividuais por não serem atribuídos aos membros de modo isolado, mas de forma coletiva, os quais estão unidos por uma mesma relação jurídica base.”[7]

Os direitos coletivos se assemelham aos difusos quanto à indivisibilidade, mas se diferenciam quanto à origem da lesão e abrangência do grupo. Isso porque os difusos supõem titulares indetermináveis, ligados por uma circunstância de fato, enquanto os coletivos dizem respeito a grupo, classe ou categoria de pessoas determinadas ou determináveis, ligadas pela mesma relação jurídica base.

Necessário ressaltar que, neste caso, a relação jurídica base necessita ser anterior à lesão. Por exemplo, no caso de uma publicidade enganosa também ocorre um elo entre os consumidores; entretanto este ele só passa a existir no momento em que a publicidade é exposta, ou seja, no momento da lesão. Antes da exposição não havia qualquer relação entre os componentes da coletividade lesada, nem tampouco com o fornecedor que veiculou a publicidade. Portanto, neste caso, estaremos diante de direitos difusos e não coletivos.

Já no caso do reajuste abusivo das mensalidades escolares o vínculo que os une à escola é preexistente a qualquer lesão que venha a ocorrer. Assim, é possível determinar quais são os sujeitos lesados (sujeitos determináveis) enquanto grupo de alunos e reparar a lesão no campo dos direitos coletivos.

Reforçando a distinção entre os direitos difusos ou coletivos, é a lição de Rodolfo de Camargo Mancuso[8]:

“a) conquanto os interesses coletivos e os difusos sejam espécies do gênero “interesses meta (ou super) individuais”, tudo que indica que entre eles existem pelo menos duas diferenças básicas, uma de ordem quantitativa, outra de ordem qualitativa: sob o primeiro enfoque, verifica-se que o interesse difuso concerne a um universo maior do que o interesse coletivo, visto que, enquanto aquele pode mesmo concernir até a toda humanidade, este apresenta menor amplitude, já pelo fato de estar adstrito a uma “relação-base, a um “vínculo jurídico”, o que o leva a aglutinar juntos a grupos sociais definidos; sob o segundo critério, vê-se que o interesse coletivo resulta do homem em sua projeção corporativa, ao passo que, no interesse difuso, o homem é considerado simplesmente enquanto ser humano; b) o utilizar indistintamente essas duas expressões conduz a resultados negativos, seja porque não contribui para aclarar o conteúdo e os contornos dos interesses em questão, seja porque estão em estágios diferentes de elaboração jurídica: os interesses coletivos já estão bastante burilados pela doutrina e jurisprudência; se eles ainda suscitam problema, como o da legitimação para agir, “ a técnica jurídica tem meios de resolvê-lo”, como lembra J. C. Barbosa Moreira; ao passo que os interesses difusos têm elaboração jurídica mais recente, não tendo ainda desvinculado do qualificativo e “personaggio absolutamente misterioso”. Daí porque se nos afigura conveniente e útil a tentativa de distinção entre esses dois interesses.

4.3 Direitos Individuais Homogêneos

Diferentemente do que ocorre com os direitos coletivos, para os direitos individuais homogêneos não importa se existe relação jurídica anterior ou vínculo que una os titulares entre si ou com a parte contrária, o que caracteriza o direito como individual homogêneo é a origem comum. Pedro Lenza[9] destaca as seguintes características:

“Por seu turno, os interesses individuais homogêneos caracterizam-se por sua divisibilidade plena, na medida em que, além de serem os seus sujeitos determinados, não existe, por rega, qualquer vínculo ou relação jurídica-base ligando-os, sendo que, em realidade, a conexão entre eles decorre de uma origem comum, como, por exemplo, o dano causado à saúde individual de determinados indivíduos, em decorrência da emissão de poluentes no ar por uma indústria. Diante disso, é perfeitamente identificável o prejuízo individual de cada qual, podendo-se dividir (cindir) o interesse, efetivando-se a prestação jurisdicional de maneira correlacionada ao dano particular”.

Observe que, sendo possível o fracionamento, não haverá tratamento unitário obrigatório, sendo factível a adoção de soluções diferenciadas para os interessados. Esses direitos são, portanto, essencialmente individuais e apenas acidentalmente coletivos. Para serem qualificados como homogêneos precisam envolver uma pluralidade de pessoas e decorrer de origem comum, situação essa que não exige unidade temporal e factual. Sobre a origem comum discorre com maestria Kazuo Watanabe[10]

“Origem comum não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculam por vários órgãos da imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquirido por vários consumidores em um largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos com homogeneidade tal que os tornam a ‘origem comum’ de todos eles.”

Não se trata de litisconsórcio, vez que não há simples reunião de pessoas para, em conjunto, defender seus direitos individuais. Também não impede o indivíduo de exercer o direito de ação individualmente. Segundo Carvalho Filho[11], esses direitos guardam distinção fundamental em relação aos interesses difusos e coletivos pelos seguintes motivos:

“Enquanto estes são transindividuais, porque o aspecto de relevo é o grupo, e não seus componentes, aqueles se situam dentro da órbita jurídica de cada indivíduo. Por outro lado, os direitos transindividuais são indivisíveis e seu titulares são indeterminados ou apenas determináveis, ao passo que os individuais homogêneos são divisíveis e seus titulares são determinados”.

5. Dimensões do Direito Material Coletivo

Como vimos, por se tratarem de direitos que extrapolam a esfera individual, os direitos transindividuais assumem especial relevo no atual projeto constitucional. O Estado de Direitos deve buscar, como objetivo fundamental, a transformação social, através da erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem estar social.

 

Não se pode olvidar que os direitos coletivos lato senso, são resultado de séculos de lutas e conflitos sociais, que obrigaram o seu reconhecimento e proteção pelo Estado. Os direitos fundamentais, notadamente aqueles relacionados à vida, à saúde, à segurança, à educação, visam garantir a dignidade humana não só na sua esfera individual, mas principalmente a dignidade coletiva.

Desta maneira, o campo de atuação do Direito Material Coletivo será aquele relacionado à proteção do meio ambiente, dos direitos dos consumidores, saúde e segurança pública, minorias e grupos vulneráveis como crianças e adolescentes, idosos, indígenas e portadores de necessidades especiais.

Definidas as dimensões, também oportuno a conceituação proposta por Gregório Assagra de Almeida[12]:

“O Direito Material Coletivo pode ser conceituado como a parte integrante da teoria constitucional dos direitos fundamentais, que compõe um dos blocos do sistema jurídico brasileiro e se integra pelo conjunto de princípios, garantias e regras disciplinadoras dos direitos ou interesses difusos, dos direitos ou interesses coletivos em sentido restrito, dos direitos e interesses individuais homogêneos e dos interesses objetivos coletivos legítimos”.

6 Redefinição da summa divisio pela ótica dos direitos individuais e coletivos

Tendo em vista todo o arcabouço até então desenhado, apesar de muito ousada e de vanguarda, bastante coerente a tese defendida pelo professor Gregório Assagra de Almeida[13].

Sob a atual ótica constitucional, que visa precipuamente a garantia e efetividade dos direitos fundamentais, com a finalidade de transformar a realidade social, não é mais concebível a clássica divisão entre direito público e direito privado. A dicotomia atual, feita pelo próprio legislador constituinte é direito individual e direito coletivo.

Como bem asseverou o autor, o que antes era visto como direito público, está inserido, salvo algumas exceções, dentro de direito coletivo, como um de seus capítulos. De maneira análoga, o chamado direito privado é abrangido pelo direito individual, de modo que, a divisão clássica foi totalmente superada pela divisão constitucionalizada.

Dessa constatação infere-se ainda que, apesar da ausência de sistematização através de um código, o direito coletivo possui um micro-sistema único, que rege a tutela das ações coletivas, composto principalmente da CF/88, da Lei da Ação Popular, da Lei da Ação Civil Pública, da lei do Mandado de Segurança e do Código de Defesa do Consumidor, que irão possibilitar a tutela destes direitos transindividuais.

7 Considerações Finais

O surgimento do Direito Material Coletivo e a sua tutela é resultado da evolução das sociedades e principalmente das lutas e conquistas sociais para que o Estado reconhecesse e possibilitasse a efetividades dos Direito Fundamentais.

No Brasil, de uma tutela totalmente individual, fomos evoluindo até uma tutela irrestrita, integral e ampla de direitos, modelo atual que vem sendo construído sob a orientação do projeto constitucional de 1988, com o bom e firme propósito de transformar o Estado Democrático de Direito.

Após a Constituição Federal de 1988, o Direito Coletivo recebeu o status de Direito Fundamental e houve um sensível aumento da regulamentação, através de leis ordinárias federais que passaram a tratar de assuntos como a defesa do consumidor, da criança e do adolescente, do idoso, dos portadores de deficiência, da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, das normas relativas ao meio ambiente e à sadia qualidade de vida, entre muitos outros assuntos, que contribuíram de forma significativa para o aperfeiçoamento e aplicação dos direitos coletivos.

Vimos ainda que a diferenciação entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é de suma importância para definição da atuação jurisdicional e que essa classificação leva em conta a titularidade, a divisibilidade e a origem do direito material.

A preocupação do legislador em conceituar e classificar os direitos transindividuais se justifica pela configuração atual da sociedade, pela massificação do mercado de consumo, pela percepção de que há direitos que pertencem à toda comunidade e pela necessidade de se evitar a repetição de processos fundados no mesmo tema.

Por abranger as dimensões relacionadas às minorias e grupos vulneráveis, como por exemplo, os idosos, crianças, indígenas, portadores de necessidades especiais e ainda, questões relativas ao meio ambiente equilibrado, às relações de consumo e a probidade administrativa, os direitos coletivos são de suma importância para a consecução da Dignidade Humana em seu aspecto mais sublime – a Dignidade Coletiva.

Por fim, forçoso reconhecer a procedência e relevância da tese desenvolvida pelo professor Gregório Assagra de Almeida de que a dicotomia atual não é mais Direito Público e Direito Privado e sim Direito Individual e Direito Coletivo.

 

Referências
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio direito público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: Comentários por Artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 2. ed. São Paulo: RT, 2005.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimentos cautelares e especiais: antecipação de tutela, jurisdição voluntária e ações coletivas e constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A proteção jurídica dos interesses coletivos. Temas de direito processual. Terceira série, São Paulo: Saraiva, 1984.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor: com exercícios. 2ª ed. rev. modif. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
WATANABE, Kazuo. et all. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 8. ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2004.
 
Notas:
[1] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio direito público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 178-184

[2] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor: com exercícios. 2ª ed. rev. modif. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 65/67

[3] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Obra citada p. 285

[4] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Obra citada. p. 452

[5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A proteção jurídica dos interesses coletivos: temas de direito processual. Terceira série, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 184.

[6] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 53.

[7] MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimentos cautelares e especiais: antecipação de tutela, jurisdição voluntária e ações coletivas e constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 355

[8] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 77-78.

[9] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 76.

[10] WATANABE, Kazuo. et all. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 8. ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 629.

[11] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: Comentários por Artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 31.

[12] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Obra citada. p. 385

[13] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Obra citada.


Informações Sobre os Autores

Grasielly de Oliveira Spínola

Advogada. Mestranda em Proteção dos Direitos Fundamentais

Lílian Nássara Miranda Chequer

Advogada. Professora da Universidade de Itaúna. Especialista em Psicopedagogia e Interdisciplinaridade. Mestranda em Direito pela Universidade de Itaúna


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