O equilíbrio necessário para que a liberdade de expressão coexista com outros direitos

Resumo: Muitas vezes há colisão entre os direitos fundamentais que são assegurados aos indivíduos. Principalmente em relação à liberdade de expressão. Deve-se valer do bom senso e encontrar um equilíbrio para a coexistência desses direitos.[1]


Palavras-chave: direitos, liberdade, racismo


Abstract: Often there is a collision between the fundamental rights guaranteed to individuals, especially when it involves freedom of expression. It should be worth of common sense and find a balance for the coexistence of these rights.


Keywords: rights, liberty, racism


Sumário: 1. Conceito de liberdade de expressão. 2. Casos de abuso da liberdade de expressão e respectivas sentenças. 3. Conclusão.


1 INTRODUÇÃO


Liberdade de expressão é o direito de todo e qualquer indivíduo de manifestar seu pensamento, opinião, atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sem censura, como assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal. É direito da personalidade, inalienável, irrenunciável, intransmissível e irrevogável, essencial para que se concretize o princípio da dignidade humana. É uma forma de proteger a sociedade de opressões. É elemento fundamental das sociedades democráticas, que têm na igualdade e na liberdade seus pilares.


Contudo, não se pode valer da liberdade de expressão e ficar no anonimato.


Muitas vezes, quando esse direito é usado de forma inconseqüente, pode ocasionar desconforto e/ou revolta por parte daquele que venha a sentir ofendido. Tal fato pode ser evidenciado nos casos de racismo.


Racismo é a supervalorização de uma etnia em relação à outra. Aquela considerada inferior é vítima de ofensas e discriminação. É muitas vezes disfarçado. Muito embora sempre se associe o racismo com o preconceito perpetrado ao negro, ele engloba a todas as etnias.


No Brasil a sociedade se diz não racista, porém existem inúmeros casos registrados contra nordestinos, índios e negros, por exemplo. 


Um impasse com o qual comumente se depara é no tocante à liberdade de expressão configurar-se como racismo. Diante disso, é importante conseguir definir qual deles tem maior peso na esfera judicial. 


Tal definição se faz necessária para que não ocorram condenações indevidas, constrangimentos desnecessários e dúvidas quanto à aplicabilidade da lei.


2. DESENVOLVIMENTO
Liberdade de expressão é elemento básico de qualquer sociedade democrática, e é fundamental determinar a importância da mesma nas sociedades modernas, pois quando esta é suprimida, a democracia deixa de existir e a censura e opressão tomam seu lugar. Democracia é elemento característico de povos livres, já a censura, típica de governos tirânicos e ditatoriais.


John Rawls observa que, ao longo da história do pensamento democrático, o foco esteve em conseguir não a liberdade no geral, mas certas liberdades específicas encontradas em manifestos e na Declaração de Direitos. Rawls identifica certas “liberdades básicas”: liberdade política (direito ao voto e a um cargo público), liberdades de pensamento, consciência, expressão, associação, reunião, profissão, direito de ir e vir; proteção contra agressão física, opressão psicológica, apreensão e detenção arbitrárias; direito à propriedade.


Estas são as mais importantes, nas quais todos os seres humanos têm um interesse fundamental. O primeiro princípio de justiça social de Rawls exige que cada cidadão tenha suas liberdades básicas justas garantidas” (RAWLS, 2009 apud SMITH, 1971/1999).


Para o cronista Castro, A. (2011), todos têm liberdade para falar o que quiser, porém, precisam responder legalmente por suas palavras, principalmente nos casos em que houver calúnia, injúria, e/ou difamação. O presente exposto é evidente no artigo 5º da Constituição Federal que diz ser vedado o anonimato. Ou seja, não se pode proferir algo que venha a ofender a outrem e depois renegar o que foi falado. Deve-se arcar sempre com as conseqüências daquilo que é dito e saber ouvir o que o outro tem a dizer por lhe ser garantido o direito de resposta.


Como árduo defensor da liberdade de expressão, afirma:


“[…] a proibição prévia de certos conteúdos e objetos, e a tipificação legal de um insulto específico como pior que outros, me parecem aberrações jurídicas e filosóficas que não deveriam existir na lei.


O Estado não pode definir previamente quais opiniões são legítimas de se ter, quais livros são legítimos de publicar. Eu não delego esse direito ao Estado. Não permito. É odioso. Quem é o Estado pra decidir isso por mim?


Conteúdos racistas e nazistas são odiosos e desagradáveis — mas a essência da liberdade de expressão é aprender a conviver com conteúdos odiosos ou desagradáveis. O que para mim é bom-senso auto-evidente pode ser o conteúdo odioso e desagradável de outra pessoa. Mas ninguém tem o direito de não ser ofendido.”


A sociedade tende a influenciar muito as mudanças de conceito. A Igreja Católica por muito tempo controlou a vida dos indivíduos; era ela quem ditava as regras e aqueles que não as obedeciam eram perseguidos, como evidenciado na Inquisição, na qual os hereges eram condenados à forca e à fogueira. Pode-se analisar também, freqüentemente, o poder de manipulação exercido pelas classes altas sobre as inferiores, estas oprimidas e alienadas, feitas de massa de manobra. Base dos estamentos e classes sociais, mão de obra explorada e pouco ou nada remunerada. Sempre houve filósofos e idealistas que tentavam mudar essa realidade, mas como eram poucos, eram silenciados. Finalmente, com o Renascimento, o homem passou a ser colocado como o centro, e não mais Deus. Houve uma inversão de valores. O até então vigente teocentrismo foi substituído pelo antropocentrismo. As artes, ciências e invenções se desenvolveram, porém, logo a Igreja voltou a dominar, já que assim era mais interessante, uma vez que os mandos e desmandos dos reis podiam ser misticamente justificados e portanto prontamente acatados. Diante disso surgiram os teóricos do absolutismo, defensores da existência de um soberano com poderes divinos, a quem tudo era lícito. Deste modo, percebe-se que sempre houve uma alternância de dominação por parte da Igreja, até que na Idade Moderna, a razão voltou a dominar. Este período foi marcado pelo Iluminismo, movimento filosófico que lutava pela valorização da razão, como meio de se atingir a felicidade. Era a saída das trevas para a luz do conhecimento. Nessa época foram muito incentivadas as ciências humanas e exatas. A sociedade passou a ser mais questionadora, e teve ânsia por liberdade, igualdade e fraternidade. Esse movimento serviu de inspiração à Revolução Francesa, pautada nesses três ideais (CASTRO, F., 2007).


Atualmente vive-se a era do politicamente correto e do (falso) moralismo. Há uma preocupação em não discriminar a outrem, respeitar as diferenças, exigir uma efetivação da igualdade assegurada pela Constituição, mesmo que isso não seja algo que parta do real interesse do cidadão e sim para que ele esteja incluído nessa tendência. Embora ainda exista sim, preconceito e discriminação, estes se apresentam cada vez mais disfarçados. Devido à revolução tecnológica e a globalização, tudo fica muito evidente: É acesso fácil à informação, redes sociais onde se comenta de tudo, uma maior aproximação das pessoas. Isso acarreta grande impacto na vida dos indivíduos, até mesmo no que concerne às decisões judiciais, pois a população, apoiada pela mídia, exerce pressão em busca de respostas e resultados. Lançam mão da liberdade de expressão e reivindicam seus direitos, criticam políticos corruptos, dentre outras manifestações. Até mesmo o governo tem-se mostrado cada vez mais assistencialista e paternalista, numa tentativa de reparar injustiças. É o que se evidencia nos programas de cotas raciais e sociais em universidades, auxílio às famílias de baixa renda e implantação de Programas de Saúde da Família (LAKATOS; MARCONI, 2009).


Nota-se, entretanto, que em certos casos a liberdade de expressão, tão enaltecida, é colocada em dúvida por ser entendida como ofensa por alguns. Pode estar contida sutilmente em uma letra de música, em um comercial de televisão, em uma declaração em redes sociais e até mesmo em veículos de informação sérios.


Como exemplo, há o caso de preconceito contra sergipanos e cuiabanos, feito pelo jornalista Diogo Mainardi.  Em sua coluna na revista Veja e no famoso programa do canal GNT, Manhattan Connection, o colunista fez uma série de comentários “ofensivos” envolvendo o Sergipe, os nordestinos e Cuiabá. A polêmica começou quando ele referiu-se ao então presidente da Petrobrás, José Eduardo Dutra: “[…] não tem passado empresarial. Fez carreira como sindicalista da CUT e senador do PT pelo estado de Sergipe. Não sei o que é pior”; ao comentar, em 2005, do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva “Quer dizer, uma semana ele concede a exploração de madeira, na semana seguinte, ele cria a reserva florestal grande como Amazonas, Sergipe, sei lá eu… por essas bandas de onde eles vêm”; e ao dizer que ele próprio foi “a notícia mais excitante de Cuiabá nos últimos 20 anos” e que mesmo que o pagassem, ele não colocaria os pés na capital do Mato Grosso. O juiz Ricardo Mandarino, responsável por sentenciar o caso, concordou que existiam indícios de preconceito e desrespeito, mas que isso não causou dano moral à população do estado e da cidade. Ele defendeu que a liberdade de expressão é um dos mais importantes fundamentos da democracia e, apesar de ser trabalhoso, deve-se exercitá-la. Também disse preferir tolerar pequenas ofensas a limitar a liberdade (JUIZ… 2007).


Casos como esse, envolvendo veículos de informação sérios (jornal/revistas), são muito polêmicos, pois estes deveriam possuir conteúdo imparcial, visando informar o receptor; porém, existem os casos vinculados ao meio humorístico, que apresentam mesma repercussão, presentes em programas de televisão, charges, músicas, anedotas, stand up comedy, dentre outros. 


Um fato bastante atual envolve os humoristas Danilo Gentili e Rafael Bastos, do programa CQC, da rede Bandeirantes. Danilo satirizou em sua página na rede social Twitter, judeus, desculpando-se, posteriormente, com o presidente da Confederação Israelita do Brasil. Rafael Bastos satirizou vítimas de estupro, em uma de suas apresentações de Stand Up Comedy. A Secretaria de Política para Mulheres condenou o humor de Bastos. Ambos foram muito criticados pelo conteúdo preconceituoso de suas manifestações (HENRIQUE JUNIOR, 2011).


Em abril de 2011, foi ao ar no programa humorístico Comédia MTV, pelo canal MTV Brasil, o quadro Casa dos Autistas, paródia do antigo programa de Silvio Santos, Casa dos Artistas. A piada sobre a doença causou muita discussão, e o comediante foi repreendido pelos espectadores através de diversas redes socias, levando-o não somente a se desculpar, como também a se prontificar a ajudar em campanhas que auxiliam os portadores do autismo


Quando a censura passou vigorar, como na proibição de sátira a candidatos às eleições, em programas de rádio ou TV, humoristas e a população em geral saíram às ruas em protesto. A justificativa da censura baseia-se na  Lei Eleitoral nº 9.504 de 1997: é vetado aos programas de emissoras de rádio e TV “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido político ou coligação” (Art. 45, II).  Lei esta muito contestada. O logotipo usado pelos manifestantes era um palhaço com a boca tapada por uma rolha, criado pelo cartunista que foi processado por ter satirizado a atual Presidente da República, a até então candidata, Dilma Rousseff. A bandeira levantada pelos manifestantes em defesa da liberdade no humor a políticos era pautada na Constituição Federal e na democracia, na qual, segundo Porchat (2010), “informar e criticar não somente é um direito, mas também um dever”. A relação entre humor e política é bastante antiga, remonta as apresentações de teatro na Grécia, nas quais políticos eram ironizados. No Brasil, onde o candidato eleito com maior número de votos é um palhaço, é no mínimo incoerente censurar a sátira aos candidatos. Ao ver sua legitimidade ameaçada, o Estado optou por censurar os humoristas, desprezando a liberdade de expressão que por direito, deveria existir. Nos Estados Unidos, país reconhecidamente democrático, programas de TV com críticas e sátiras aos candidatos são enaltecidos e prestigiados até mesmo pelos candidatos (SALATIEL, 2010).


Um caso antigo que também gerou grande discussão foi o que envolveu a música “Veja os Cabelos Dela”, de autoria do cantor e atual deputado federal de São Paulo, Francisco Everardo de Oliveira, conhecido como Tiririca.


“Veja os cabelos dela
Tiririca


Alô, gente, aqui quem fala é o Tiririca


Eu também estou na onda do Axé Music
Quero ver os meus colegas dançando
Veja, veja, veja os cabelos dela!
Parece bombril de arear panela
Quando ela passa, me chama atenção
Mas seus cabelos não têm jeito, não
A sua catinga quase me desmaiou
Olha, eu não agüento o seu grande fedor
Veja, veja os cabelos dela!
Parece bombril de arear panela
Eu já mandei ela se lavar
Mas ela teimou e não quis me escutar
Essa nega fede! Fede de lascar
Bicha fedorenta, fede mais que um gambá
Veja, veja, veja os cabelos dela
Como é que é? A galera toda aí
Com as mãozinhas pra cima
Veja, veja, os cabelos dela
Bonito, bonito!
Aí, morena, você, garotona
Veja, veja, veja os cabelos dela”.


Os discos contendo a música foram apreendidos e sua reprodução, em veículos de comunicação com o rádio e a televisão, foi proibida; Tiririca foi acusado de racismo no âmbito penal, sendo inocentado.  A gravadora Sony Music, no âmbito civil, condenada a pagar indenização de trezentos mil reais. Para o juiz George Marmelstein Lima, a indenização paga foi abusiva uma vez que, sendo a liberdade de expressão tão enfaticamente assegurada pela constituição, é incoerente um valor tão alto ser cobrado pela interpretação de racismo advir da mesma, até porque, a ofensa contida na música não é considerada grave.


Segundo Lima (2009):


“Não há dúvida de que o humor costuma criar estereótipos. Brinca-se com a inteligência dos portugueses, a desonestidade dos advogados, a ganância dos judeus, a malemolência dos baianos, a virilidade dos gaúchos e assim por diante. Não tenho certeza sobre os limites desse tipo de brincadeira. Mas punir criminalmente seja quais forem as circunstâncias, uma pessoa que fez uma piada politicamente incorreta é uma distância muito grande. Prefiro achar que apenas os abusos extremos merecem uma resposta penal.”


O racismo é considerado crime inafiançável e imprescritível desde 1988 e o indivíduo que o cometer está sujeito à pena de reclusão (SZKLAROWSKY, 1997).Embora no meio jurídico brasileiro o humor racista ou politicamente incorreto se mostre cada vez mais em pauta, é na maioria dos casos, inocentado das acusações de racismo por não ser considerado sério, grave ou evidente. Nesses casos o direito a liberdade de expressão é privilegiado (CORRÊA, 2008).


A liberdade de expressão é um princípio básico da democracia. O indivíduo pode dispor livremente de opiniões e a imprensa também se encontra livre para veicular informação à população (DAHL, 2001)


Tendo em vista a alegação dada pelo magistrado que julgou o caso de que o objetivo da música era apenas o de fazer humor, pode-se dizer que no caso Tiririca caberia os mesmos argumentos da sentença perpetrada por Mandarino no caso Diogo Mainardi, onde houve prevalência da liberdade de expressão (LIMA, 2009).


A liberdade e a individualidade são essenciais à vida humana. Não existe democracia sem liberdade (MILL, 2009 apud SMITH, 1869).  Sendo o Brasil um país democrático, a inocentação de Tiririca deveu-se à valorização dada a esse direito. A liberdade de expressão foi colocada acima de qualquer outro conceito, protegendo-o, livrando-o da condenação por crime de racismo.


Porém, deve-se tomar muito cuidado quando o que é manifestado, lesa a outrem. O Princípio da Ofensa, proposto por Feinberg, diz que para se evitar ofensas graves é necessário que haja certas proibições e limitações. Portanto, quando da aplicação do princípio da ofensa, é importante que magistrados e legisladores ponderem a gravidade da ofensa com a aceitabilidade da conduta ofensiva. O que determina a razoabilidade da conduta ofensiva é sua importância para o indivíduo que a proferiu e para a sociedade em geral, pela disponibilidade de locais menos ofensivos e se a ofensa é proferida propositalmente ou se poderia ser evitada (FEINBERG, 2009 apud SMITH, 1980).


Sendo Ordem Jurídica o complexo de regras, órgãos e instituições cuja finalidade é gerar a estabilidade e organização da sociedade, e a coexistência dessa Ordem com a liberdade de expressão, possível apenas quando a liberdade concedida não interfira e nem afete o direito das pessoas, torna-se complicada uma análise desse caso. É importante ressaltar que se trata de uma música que era cantada em escolas, para crianças. Estas crianças chegavam a suas casas e as proferiam. O teor da música foi entendido por muitas pessoas como racista e ofensivo às mulheres negras, sobretudo as mães dos que aprendiam a música nas escolas. É necessário que exista um equilíbrio; no caso, a liberdade de expressão prevaleceu. Devido ao fato de a música não ser tipicamente racista ou ofensiva, e sim detentora de extremo mau-gosto, justifica-se a prevalência de um direito em relação a outro.  (REALE, 2009).


Estabelecendo-se um paralelo entre os direitos fundamentais que devem ser analisados, sob a ótica do artista e da mulher, deparamo-nos com o que pode vir a ser chamado de contraditório, daí a importância de se atentar para razoabilidade.


Tiririca está assegurado pelos incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição Federal que dizem: art. 5º, IV, C.F.: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e art.5º, IX, C.F.: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Sob a ótica da mulher que se sente ofendida com o teor da música, conta com o respaldo da Lei Maria da Penha, que protege as mulheres de certas discriminações e humilhações que possam vir a ocorrer-lhes, bem como é amparada pelo artigo 1º da lei 7.716, na qual “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor”. Em suma, Tiririca está resguardado pelo direito à liberdade de expressão e a mulher pelo direito à liberdade individual. Ambos direitos fundamentais que podem perfeitamente coexistir desde que haja boa vontade das partes.


Se, hipoteticamente, a gravadora Sony Music ingressasse com recurso extraordinário perante o STF, questionando a violação ao direito à liberdade de expressão, os membros do grupo, caso ministros do STF, indefeririam o recurso analisando a razoabilidade do fato ocorrido. A música, muito embora não seja de fato racista, é de extremo mau gosto e dá margem para interpretações racistas e para que pessoas se sintam ofendidas. A gravadora poderia ter-se privado da veiculação da mesma, mas não o fez.  Assumiu, portanto as conseqüências de seus atos, devendo então responder civilmente por eles, mediante pagamento de indenização. Porém, é de comum acordo do grupo que o valor indenizatório cobrado foi bastante abusivo, desnecessário em vista da real gravidade da ação. A proibição da veiculação da música e uma indenização mais branda já seriam suficientes.  O que está em pauta, não é a liberdade de expressão ou direitos individuais, e sim o bom senso, para que uma coexistência pacifica seja possível, gerando frutos benéficos para todas as partes envolvidas nas relações pessoais, uma vez que, o homem, animal essencialmente gregário depende da convivência com seu semelhante para plena satisfação de suas necessidades e anseios.  (GONÇALVES, 2010).


Para que se tenha uma boa recepção de criticas referente a certo tipo de pensamento – seja ele com conotação étnica, religiosa, política -, nada mais justo que dizê-lo com bom senso, primando pela razoabilidade.


A questão do direito de resposta é tão importante quanto à liberdade de expressão, uma vez que mostra a igualdade do ser humano, devendo ser usada sempre que se fizer necessário. É esse direito que possibilita a reparação de injustiças e também que vozes oprimidas sejam ouvidas para que cesse as opressões a elas perpetradas.


Quando perguntado se o humor deve ter limites, sabiamente o cartunista Laerte respondeu:


“Não, não tem que ter limites. O que a gente tem que ter também é uma crítica ilimitada. O humor tem que ser solto como qualquer linguagem humana tem que ser solta e livre, o que a gente tem é que ter o direito de exercer o poder da crítica sobre isso permanentemente. Então você dizer que uma piada é racista, ou sexista, e argumentar nessa direção, não é censurá-la, é exercer seu direito de crítica.”


3. CONCLUSÃO


A liberdade de expressão é fundamental para que exista de fato uma sociedade democrática, e esta deve ser sempre valorizada.


Assim como na maioria das sentenças judiciais envolvendo a liberdade de expressão e casos de racismo, a visão do grupo a respeito da sentença envolvendo o caso do humorista Tiririca é a mesma da perpetrada pelo juiz Mandarino no caso Diogo Mainardi. Prefere-se a tolerância a pequenas ofensas a ter de colocar uma censura na liberdade. Apesar de a canção possuir conteúdo de gosto duvidoso, ainda assim ela expressa a opinião do comediante sobre uma única mulher, e não de toda uma raça. Ao utilizar os pronomes no singular, “essa”, “dela”, “ela”, o artista restringe o seu modo de pensar. Concordo que o músico possa ter composto a música para sua mulher – como garantido por ele – de forma a fazer uma brincadeira (mesmo que de mau gosto).


Sempre que houver colisão de direitos fundamentais, deve-se lançar mão do princípio da harmonização ou da concordância prática, no qual a solução adotada pelo processo da hermenêutica deve otimizar a realização dos direitos sem acarretar negação de nenhum. 


É importante que seja feita uma análise das múltiplas interpretações que algo expressado pode conter, sendo imprescindível a imparcialidade no julgamento, pois não necessariamente o que foi manifestado configura-se como crime de racismo. Entretanto, os integrantes acreditam que a liberdade de expressão deve valer-se do bom senso, também chamado de razoabilidade, para evitar possíveis polêmicas, ofensas, discussões, danos morais e condenações.


 


Referências:

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Nota:

[1] Este artigo foi orientado pela Profª Danielle Cristina de Souza.


Informações Sobre o Autor

Maísa Rezende Pires

Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS


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