O Tribunal de Contas da União e o controle de constitucionalidade: uma releitura da Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Resumo: O presente artigo tem por objetivo propor uma releitura da Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Referida regra sumular, aprovada em dezembro de 1963, sob a vigência da Constituição de 1946, dispõe que o Tribunal de Contas, no desempenho de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público. Sem embargo, a validade jurídico-constitucional do mencionado verbete diante da Constituição de 1988 tem sido posta em xeque por julgados mais recentes da Suprema Corte brasileira. Capitaneadas pelo entendimento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, tais decisões têm afastado a aplicação da citada súmula ao principal fundamento de que o contexto constitucional no qual foi editada diverge substancialmente do atual, sobretudo no que concerne à evolução ocorrida no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. Procurou-se, pois, por meio deste estudo, verificar se a súmula em comento se coaduna ou não com o ordenamento constitucional instaurado com a Constituição de 1988, a fim de concluir pela conveniência de sua manutenção ou pela necessidade de seu cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, em atenção ao princípio da segurança jurídica.

Palavras-chave: Constituição de 1988; Tribunal de Contas da União; Controle de Constitucionalidade; Supremo Tribunal Federal; Súmula nº 347.

Abstract: This article aims to propose a reinterpretation of Precedent nº 347 of the Brazilian Supreme Court as viewed by the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil. Such Precedent, approved in December 1963, under the 1946 Constitution, provides that Court of Accounts, in the performance of its duties, can assess the constitutionality of laws and acts of the government. Nevertheless, the legal and constitutional validity of the mentioned Precedent before the 1988 Constitution has been called into question by more recent trial of the Brazilian Supreme Court. Captained by understanding of the Minister Gilmar Ferreira Mendes, these decisions have removed the application of that precedent by the main ground that the constitutional context in which it was issued differs significantly from the current, especially with regard to developments in the Brazilian system of control of constitutionality. Therefore, it was attempted, through this study, to determine whether the analyzed Precedent is compatible or not with the constitutional order established with the 1988 Constitution, in order to conclude by the convenience of its maintenance or the need for its cancellation by the Brazilian Supreme Court, in compliance to the principle of legal certainty.

Keywords: Constitution of 1988; Federal Court of Accounts; Control of Constitutionality; Brazilian Supreme Court; Precedent nº 347.

Sumário: Introdução. 1. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 2. O Tribunal de Contas da União na Constituição de 1988. 3. O controle de constitucionalidade realizado pelo Tribunal de Contas da União. Considerações finais. Referências.

Introdução

A relevância do tema em análise ganhou destaque expressivo no julgamento do Mandado de Segurança nº 25.888 MC/DF,[1] em cujo bojo foi prolatada decisão monocrática para deferir o pedido liminar da impetrante, a fim de suspender os efeitos da decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão n° 39/2006) no processo TC n° 008.210/2004-7 (Relatório de Auditoria).

No caso, a impetrante se insurgiu contra ato do Tribunal de Contas da União (TCU), consubstanciado em decisão que determinou à empresa e seus gestores que se abstivessem de aplicar o Regulamento de Procedimento Licitatório Simplificado, aprovado pelo Decreto n° 2.745, de 24 de agosto de 1998, do Presidente da República. Contra essa decisão, a impetrante interpôs recurso de reexame, alegando, entre outros fundamentos, que seus procedimentos de contratação não estariam regulados pela Lei n° 8.666/93, mas sim pelo Regulamento de Procedimento Licitatório Simplificado aprovado pelo Decreto n° 2.745/98, o qual tem assento legal no art. 67 da Lei n° 9.478/97.

O TCU negou provimento ao pedido de reexame, aduzindo, entre outros fundamentos, que, em decisão anterior, já havia declarado a inconstitucionalidade do art. 67 da Lei n° 9.478/97 e do Decreto n° 2.745/98, determinando que a PETROBRÁS observasse os ditames da Lei n° 8.666/93. Na ocasião, também referiu que, segundo a Súmula nº 347 do Supremo, o Tribunal de Contas estaria autorizado a apreciar a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. Ulteriormente, o Plenário da Corte de Contas desacolheu os embargos de declaração manejados pela empresa estatal, e reafirmou que, “embora não possua a dita competência em abstrato, pode o TCU declarar a inconstitucionalidade, em concreto, de atos normativos e demais atos do poder público”.[2]

Em seu mandamus, a impetrante veiculou como um de seus principais argumentos o fato de que o Tribunal de Contas da União não possui competência para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Aduziu que a Súmula nº 347 do STF foi editada em 1963, tendo como base o art. 77 da Constituição de 1946, já revogado há muito tempo.

E sobre a questão o Ministro Relator meditou expressamente, ao consignar o seguinte, in verbis:

“Não me impressiona o teor da Súmula n° 347 desta Corte, segundo o qual "o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público". A referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional n° 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional.” [3]

Nessa contextura, verifica-se que a decisão monocrática proferida no Mandado de Segurança nº 25.888 lança novas luzes interpretativas sobre a possibilidade de o Tribunal de Contas da União apreciar, ou não, a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público.

Deveras, a viradela jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a questão é realidade bem factível, haja vista que, em outros quatro Mandados de Segurança que versavam sobre matéria idêntica, foram deferidos os respectivos pedidos liminares para suspender os efeitos da decisão do Tribunal de Contas da União. Nessas outras quatro impetrações, os Relatores adotaram como razão de decidir os fundamentos articulados pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes no Mandado de Segurança nº 25.888.

Nesse quadrante, diante de cinco decisões monocráticas que revelam uma postura de repensamento da validade da Súmula nº 347 em face da Constituição de 1988, não se pode mais assertar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é uníssona acerca da competência do Tribunal de Contas da União para deliberar sobre a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público, ainda que o verbete sumular não tenha sido, até o presente momento, formalmente cancelado.

Com efeito, a preocupação manifestada pelos Ministros sobre a compatibilidade da Súmula nº 347 com a Carta Política de 1988 assume singular importância, tendo em conta que, por mais louvável que seja a ideia de um controle de constitucionalidade que reforce a eficiência no controle externo da Administração Pública, também não se pode admitir uma subversão da harmonia e da racionalidade do sistema de controle de constitucionalidade arquitetado pela Constituição Federal de 1988.

Por conseguinte, procurar-se-á verificar se a Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal guarda consonância com a ordem constitucional estabelecida pela Constituição de 1988.

1 O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro

O sistema de controle de constitucionalidade no Direito brasileiro pode ser examinado em verdadeira linha evolutiva.

A primeira Constituição brasileira (Constituição Imperial de 1824) não contemplava nenhum sistema de controle de constitucionalidade, mormente porque outorgada sob a égide da absoluta soberania do Parlamento. Sob a influência histórica do direito francês e do direito inglês, somente o Poder Legislativo estava apto a saber o verdadeiro sentido da norma, de modo que a sua atuação não poderia ser restringida por qualquer regra.

Todavia, segundo Clève, não foi apenas o dogma absoluto da soberania do Parlamento que obstou o desenvolvimento do controle de constitucionalidade no Império. De acordo com o ilustre jurista, o Imperador, detentor do chamado Poder Moderador, ao velar pela independência, pelo equilíbrio e pela harmonia entre os demais Poderes, exerceu o mister constitucional de solução dos conflitos que os envolvia, a inviabilizar a fiscalização de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.[4] Assim, além do dogma da soberania do Parlamento, vê-se que a existência de um Poder Moderador, conjugada com a influência do direito público inglês e francês sobre os juristas brasileiros, também justifica a ausência de um modelo de controle jurisdicional de constitucionalidade no Império.

Já na Constituição de 1891, que estabeleceu o regime republicano no Brasil, a realidade era outra. A influência do direito norte-americano sobre os jurisprudentes da época, notadamente sob a figura de Rui Barbosa, foi peremptória para a introdução do controle difuso de constitucionalidade no ordenamento pátrio, modelo que subsiste até os dias atuais.

Assim, pode-se dizer que, no Brasil, o sistema de controle judicial de constitucionalidade teve início com a Constituição de 1891, a qual contemplava apenas o modelo difuso de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis e dos atos normativos, isto é, a questão da constitucionalidade da lei era apreciada de forma incidental em um caso concreto, figurando a alegação de inconstitucionalidade como mera causa petendi processual, a ser resolvida prejudicialmente ao mérito da lide.

De seu turno, a Constituição de 1934, mantendo o sistema de controle concreto, inovou ao instituir a ação direta de inconstitucionalidade interventiva e a cláusula de reserva de plenário (regra da full bench), além de atribuir ao Senado Federal a competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional por decisão definitiva.[5]

A Constituição de 1937, elaborada sob a regência da ditadura militar, representou um autêntico retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade.[6] Em que pese tenha mantido inalterado o modelo de controle pela via difusa, foi estatuída a possibilidade de o Presidente da República influir nas decisões judiciais que declarassem a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo.

Isso porque, nos termos do art. 96, parágrafo único, daquela Constituição, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, fosse necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderia o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento. Se o órgão legiferante confirmasse, por dois terços de votos dos seus membros, em cada uma das Câmaras, a validade da lei questionada, ficava sem efeito a decisão do Tribunal. Consoante Mendes, Coelho e Branco, o mecanismo não passava de uma típica modalidade de revisão constitucional, porquanto “a lei confirmada passa a ter, na verdade, a força de uma emenda à Constituição”.[7]

Por sua vez, a Constituição de 1946, resultado de um processo de reconstitucionalização e redemocratização do Estado brasileiro, recupera a tradição do controle judicial de constitucionalidade no ordenamento pátrio. Dentre as diversas novidades inseridas no texto constitucional de 1946 – dentre as quais se cita, ad exemplificandum tantum, a apreciação dos recursos ordinários constitucionais e dos recursos extraordinários pelo Supremo Tribunal Federal –, sobressai a instauração do controle abstrato de constitucionalidade no Direito brasileiro, por meio da Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, a qual instituiu, ao lado da representação interventiva, a ação direta de inconstitucionalidade, de competência originária do Supremo Tribunal Federal.

Cumpre ressaltar que, na ordem constitucional iniciada pela Constituição de 1946, o monopólio da ação direta de inconstitucionalidade era exercido pelo Procurador-Geral da República, único legitimado pelo sistema constitucional para propor a referida ação. Convém acentuar, ainda, que a Emenda Constitucional nº 16/1965 facultou ao legislador ordinário a possibilidade de estabelecer, perante o Tribunal de Justiça, processo de controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato municipal colidente com a Constituição do Estado.

A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969, mantiveram intato o controle judicial de constitucionalidade, nos mesmos moldes do modelo híbrido implementado em 1965. Afora a ampliação das hipóteses de representação interventiva e a não incorporação da disposição da EC nº 16/1965 que permitia a instituição de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato municipal em âmbito estadual, a Constituição de 1967/69 não trouxe maiores inovações no que diz respeito ao controle de constitucionalidade.

As alterações mais significativas no sistema de controle judicial de constitucionalidade foram implementadas por intermédio da Constituição de 1988, sobretudo no que tange à fiscalização normativa abstrata, com a instituição de novos instrumentos destinados exclusivamente à defesa da regularidade da ordem constitucional.

Com relação ao controle abstrato na esfera federal, houve significante ampliação da legitimação ativa para a deflagração do processo objetivo perante o Supremo Tribunal Federal, pondo-se termo ao monopólio da ação direta pelo Procurador-Geral da República (art. 103 da Constituição de 1988 e art. 2º da Lei nº 9.868/99). Outra relevante inovação concerne à introdução de mecanismos de controle de inconstitucionalidade por omissão, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, § 2º da Constituição de 1988 e art. 12-H, e respectivos parágrafos, da Lei nº 9.868/99), que desempenha a fiscalização do vício omissivo in abstracto, e o mandado de injunção (art. 5º, LXXI, da Constituição de 1988), que exerce o controle da omissão inconstitucional in concreto.

Ainda, estabeleceu-se a possibilidade de os Estados instituírem a representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição de legitimação ativa a um único órgão (art. 125, § 2º, da Constituição de 1988), além de se prever a possibilidade de criação da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, parágrafo único, da Constituição de 1988, e Lei nº 9.882/99), como instrumento típico do modelo concentrado de controle. Outrossim, a Emenda Constitucional nº 03/1993 instituiu a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, sendo que, mais tarde, sobreveio a Emenda Constitucional nº 45/2004, para igualar esta ação à ação direta de inconstitucionalidade, apenas no que concerne à legitimação ativa e ao efeito vinculante.

Nesse norte, diante do considerável alargamento da competência originária do Supremo Tribunal Federal para o exercício do controle concentrado da inconstitucionalidade por ação e por omissão, bem como a ampliação da legitimação ativa para a propositura das ações de fiscalização abstrata perante a Suprema Corte, verifica-se que a Constituição de 1988 fortaleceu a via principal de controle, a indicar uma possível mudança de paradigma no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. Nesse sentido é o escólio de Mendes, in expressis verbis:

“A Constituição de 1988 conferiu ênfase não mais ao sistema concreto, mas ao modelo abstrato, uma vez que praticamente todas as controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, constituem elemento explicativo de tal tendência.” [8]

Observa-se, pois, que a convivência entre os modelos abstrato e concreto no controle de constitucionalidade brasileiro acarreta sérias dificuldades de administração do sistema. Enquanto a via difusa traz incerteza ao Direito, ao permitir múltiplas interpretações da Constituição pelos distintos órgãos judiciários, a via concentrada tem por finalidade primacial conferir segurança e previsibilidade aos intérpretes da Constituição e aos jurisdicionados, por concentrar em um único órgão a função de aferição de compatibilidade das leis com a Constituição, evitando a pulverização do exercício da jurisdição constitucional.

É consabido a Constituição brasileira de 1988 adota um modelo combinado de controle jurisdicional de constitucionalidade, por nele coexistirem elementos do sistema norte-americano (difuso ou concreto) e do sistema austríaco (concentrado ou abstrato).

Também se sabe que, no Brasil, o sistema jurisdicional de controle é exercido, via de regra, de forma repressiva, ou posterior, uma vez que recai sobre norma já integrada ao ordenamento positivo. Todavia, é pertinente lembrar que a Constituição autoriza, em duas hipóteses, o exercício do controle repressivo pelo Poder Legislativo (art. 49, V, e art. 62, da Constituição de 1988).

Destarte, tem-se que, em suma, a Constituição de 1988 estabelece que a constitucionalidade de leis ou atos normativos vigentes é controlada pelo Poder Judiciário (sistema jurisdicional de controle), em uma peculiar conjugação dos modelos difuso e concentrado. Significa dizer que a jurisdição constitucional concentrada é exercida exclusivamente por um órgão (no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal) e a jurisdição constitucional difusa, por todos os órgãos que integram a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, inclusive pelo Supremo. Pode-se asserir, ainda, como já referido anteriormente, que também há exercício de jurisdição constitucional concentrada pelos Tribunais de Justiça dos Estados, mediante representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º, da Constituição de 1988).

Nada obstante, segundo adverte Mendes, “se continuamos a ter um modelo misto de controle de constitucionalidade, a ênfase passou a residir não mais no sistema difuso, mas no de perfil concentrado”.[9] Segundo o publicista, a Constituição de 1988 modificou radicalmente o sistema de controle que anteriormente vigorava, no qual a fiscalização direta ainda era algo ocasional e esporádico, com alta prevalência do sistema difuso de controle.

Fatores como a ampliação da legitimação para a propositura da ação direta, a instituição da ação declaratória de constitucionalidade e da arguição de descumprimento de preceito fundamental e a criação de mecanismos de controle da inconstitucionalidade por omissão deram maior realce ao controle abstrato, em detrimento do concreto, porquanto possibilitaram que todas as questões constitucionais relevantes fossem submetidas ao Supremo Tribunal Federal pela via principal. Mendes, Coelho e Branco pontificam, inclusive, que o desígnio do constituinte foi “reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente”.[10]

Nesse compasso, nota-se que a inegável expansão do controle concentrado de constitucionalidade na Constituição de 1988, operada pelo poder constituinte originário e incrementada pelo derivado reformador, veio a reduzir o significado e o alcance do controle concreto no sistema jurídico brasileiro, evidenciando crescente predominância de um modelo sobre o outro.

2 O Tribunal de Contas da União na Constituição de 1988

Densa controvérsia doutrinária começa a exsurgir quando se indaga a propósito da natureza jurídica do Tribunal de Contas da União e da sua posição orgânica na estrutura constitucional do Estado brasileiro.

Há doutrina de renome que sustenta a natureza jurisdicional do órgão, a despeito de sua ausência no rol do art. 92 da Constituição de 1988. Seabra Fagundes já anotava, inclusive, que as decisões tomadas pelo Tribunal de Contas da União – porque revestidas de jurisdicionalidade – eram definitivas, sendo insuscetíveis de qualquer reapreciação pelo Poder Judiciário.[11]

Porém, para Tavares, o Tribunal de Contas da União se situa, organicamente, como órgão auxiliar do Poder Legislativo federal, cuja estrutura integra na ordem constitucional vigente. Observa o eminente constitucionalista, in verbis:

Os tribunais de contas foram considerados, pela Constituição brasileira de 1.988, órgãos auxiliares do Poder Legislativo quando no exercício do controle externo. Organicamente, portanto, atrelam-se à estrutura do Congresso Nacional.

Sua natureza jurídica é a de órgão administrativo, técnico, de controle e auxiliar, nessa matéria, do Poder Legislativo. Isso, contudo, em nada deslegitima ou desautoriza sua atuação, tendo em vista que o essencial, em tema de fiscalização, é preservar a separação do fiscalizador em relação aos órgãos de execução material a serem fiscalizados, particularmente em relação à Administração Pública.

De outra parte, a caracterização como órgão auxiliar do Parlamento deixa clara sua diferenciação deste, não estando, portanto, autorizada uma atuação política do Tribunal de Contas. Assim, embora não se possa caracterizá-lo como órgão com “autonomia funcional e institucional”, tal qual ocorre em outros países, como na Argentina, já que está integrado inegavelmente ao Poder Legislativo, ainda assim há de se concluir que suas decisões não podem ser tomadas nem são passíveis de revisão por motivos de conveniência ou oportunidade.[12]

Sem embargo, tudo indica que a doutrina publicista majoritária encaminha-se no sentido de que o Tribunal de Contas da União consiste em órgão autônomo, independente, de matriz constitucional e com funções institucionais próprias, não pertencente a quaisquer dos Poderes da República. Britto, profundo estudioso do tema, discorre com propriedade sobre a autonomia institucional do Tribunal de Contas da União no sistema constitucional brasileiro, in litteris:

“…além de não ser órgão do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas da União não é órgão auxiliar do Parlamento Nacional, naquele sentido de inferioridade hierárquica ou subalternidade funcional. Como salta à evidência, é preciso medir com a trena da Constituição a estatura de certos órgãos públicos para se saber até que ponto eles se põem como instituições autônomas e o fato é que o TCU desfruta desse altaneiro status normativo da autonomia. Donde o acréscimo de ideia que estou a fazer: quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle externo “com o auxílio do Tribunal de Contas da União” (art. 71), tenho como certo que está a falar de “auxílio” do mesmo modo como a Constituição fala do Ministério Público perante o Poder Judiciário. (…)

As proposições se encaixam. Não sendo órgão do Poder Legislativo, nenhum Tribunal de Contas opera no campo da subalterna auxiliaridade. Tanto assim que parte das competências que a Magna Lei confere ao Tribunal de Contas da União nem passa pelo crivo do Congresso Nacional ou de qualquer das Casas Legislativas Federais (bastando citar os incisos III, VI e IX do art. 71). O TCU se posta é como órgão da pessoa jurídica União, diretamente, sem pertencer a nenhum dos três Poderes Federais. Exatamente como sucede com o Ministério Público, na legenda do art. 128 da Constituição, incisos I e II.[13]

Essa também tem sido a inteligência albergada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, conforme se infere do seguinte excerto no julgamento da ADI nº 1.140-5, pelo Tribunal Pleno:

“Não são, entretanto, as Cortes de Contas órgãos subordinados ou dependentes do Poder Legislativo, tendo em vista que dispõem de autonomia administrativa e financeira, nos termos do art. 73, caput, da Constituição Federal, que lhes confere as atribuições previstas em seu art. 96, relativas ao Poder Judiciário.” [14]

Ainda, vale gizar que, de acordo com a doutrina majoritária, não se pode atribuir o predicado de definitividade às decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União, tendo em vista a consagração do princípio da inafastabilidade da jurisdição pela Constituição de 1988 (art. 5º, XXXV), bem como o fato de que o TCU não exerce função jurisdicional propriamente dita. Aliás, com distinta lucidez, Cretella Júnior alerta para a equivocidade de que se imbuem os termos utilizados pela Constituição de 1988 no disciplinamento das competências e da estrutura do TCU – como, e.g., 'jurisdição em todo o território nacional', no art. 73 –, explicitando que simples nominalismos não são suficientes para alterar a natureza substancial das coisas.[15]

O emprego de terminologia imprópria pelo poder constituinte originário não significa equiparação do TCU aos Tribunais Judiciários, e tampouco o desempenho de atividade jurisdicional por aquela Corte de Contas. Na lúcida observação de Monteiro, in verbis:

A natureza dúbia da terminologia "Tribunal" de Contas é uma das responsáveis pela defesa da função jurisdicional das Cortes. Também se revela inadequado o uso, no texto constitucional, de termos inerentes à função jurisdicional, como "julgar", "julgamento" e "jurisdição", que, juntamente com a previsão, aos membros das Cortes de Contas, de garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimento semelhantes aos membros da magistratura, leva a crer que tais órgãos realmente exercem função jurisdicional.

Dentre os aspectos apontados, o emprego do verbo "julgar" e de vocábulos similares é, sem sombra de dúvidas, uma das mais expressivas deficiências técnicas presentes na Constituição, pois induz ao erro de se imaginar que foram empregados no mesmo sentido que possuem no âmbito do Direito Processual, o que é uma falácia. (…)

No contexto das Cortes de Contas, julgar as contas significa examiná-las, verificar se estão certas ou erradas. Dessa análise resulta a emissão de um parecer que apresenta extremo valor técnico, mas que não se revela um provimento definitivo, ou seja, não possui a hierarquia de uma sentença judiciária. A função exercida é puramente matemática, contábil, nada mais.[16]

Nessa medida, entende a doutrina dominante que, por não exercer função judicante, as decisões do Tribunal de Contas da União são de natureza puramente administrativa e técnica e, embora possam se tornar imutáveis administrativamente, não assumem definitividade que possa ser oposta ao Poder Judiciário, a não ser em questões que, por sua maior especificidade técnica, sejam de competência privativa da Corte de Contas e escapem ao exame judicial de legalidade e juridicidade.[17]

Feitas essas breves considerações, e ressalvando que a natureza jurídica do TCU é matéria tormentosa e polêmica, depreende-se que o Tribunal de Contas da União, na Constituição de 1988, pode ser definido como um órgão constitucional autônomo, administrativa e financeiramente independente, não pertencente à estrutura dos três Poderes da República (nem subordinado a quaisquer deles), com perfil e competências institucionais próprias e suficientemente regradas pelo texto constitucional.

Note-se, de outro lado, que a Constituição de 1988 ampliou significativamente o espectro de competências do Tribunal de Contas da União no controle externo da Administração Pública federal. As competências da Corte de Contas vêm listadas no artigo 71 da Lei Fundamental de 1988, com disciplina complementar da respectiva Lei Orgânica (Lei nº 8.443/92) e do Regimento Interno do Tribunal.

No entanto, da simples leitura do art. 71 da Constituição de 1988, não se vislumbra a outorga de competência ao Tribunal de Contas da União para apreciar a constitucionalidade de leis ou atos normativos do Poder Público.

A propósito, o falecimento de competência ao TCU para o exercício do controle abstrato de normas é reconhecido pelo próprio órgão, visto que, do contrário, a usurpação de competência privativa do Supremo Tribunal Federal seria flagrante.[18] Todavia, o Tribunal, no exercício de suas funções, vem reiteradamente realizando o controle concreto de constitucionalidade, com especial amparo na Súmula nº 347 do Supremo.

Faz-se mister perquirir, porém, se a ordem constitucional inaugurada com a Constituição de 1988 – notadamente o sistema de controle de constitucionalidade nela arquitetado – permite que o Tribunal de Contas da União exerça o controle pela via difusa.

3 O controle de constitucionalidade realizado pelo Tribunal de Contas da União

Desde logo se consigne que a doutrina e a jurisprudência brasileiras puseram fim a uma antiga discussão sobre a existência de distinção técnica entre afastar a aplicação de uma lei reputada inconstitucional e declarar a sua inconstitucionalidade. A controvérsia foi sepultada de vez com a edição da Súmula Vinculante nº 10 pelo Supremo Tribunal Federal,[19] que consagrou a tese da inexistência de diferença entre uma coisa e outra.

A ementa abaixo transcrita bem elucida a postura jurisprudencial do Supremo sobre o tema, ad litteris et verbis:

“Controle difuso de constitucionalidade de norma jurídica. Art. 97 da Constituição Federal. – A declaração de inconstitucionalidade de norma jurídica ‘incidenter tantum’, e, portanto, por meio do controle difuso de constitucionalidade, é o pressuposto para o Juiz, ou o Tribunal, no caso concreto, afastar a aplicação da norma tida como inconstitucional. Por isso, não se pode pretender, como o faz o acórdão recorrido, que não há declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica "incidenter tantum" quando o acórdão não a declara inconstitucional, mas afasta a sua aplicação, porque tida como inconstitucional. Ora, em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no artigo 97 da Constituição, o Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da maioria absoluta dos membros de um ou de outro. No caso, não se observou esse dispositivo constitucional. Recurso extraordinário conhecido e provido.” [20]     (Grifo nosso)

Não obstante, o punctum pruriens da questão reside em saber se órgãos desvestidos de natureza jurisdicional – tal como o TCU – podem negar aplicação a leis ou atos normativos considerados inconstitucionais, pois, assim procedendo, tais instituições estão a declarar, no caso concreto, a inconstitucionalidade de leis e atos do Poder Público, de modo a desfazer a presunção de constitucionalidade que lhes é inerente.

Quer dizer, a se admitir a hipótese de que, no sistema de controle de constitucionalidade estabelecido pela Constituição de 1988, órgãos despojados de atribuições judiciárias possam afastar a aplicação de leis inconstitucionais, forçoso se torna reconhecer, então, que mesmo a Administração Pública, organicamente considerada, poderia recusar-se a aplicar lei formalmente emanada do órgão legislativo competente, a despeito do princípio da estrita legalidade que vincula toda a sua atividade. Nessa ordem de raciocínio, considerando que afastar a aplicação de lei inconstitucional nada mais é do que declarar a sua inconstitucionalidade in concreto, o controle seria, pois, difuso não só para o Poder Judiciário, mas sim para todos os órgãos constitucionais que integram a estrutura organizativa do Estado brasileiro, que poderiam deixar de aplicar a lei ao fundamento de contrariedade à Constituição.

Com efeito, antes do advento da Constituição de 1988, havia grande aceitação doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de a Administração Pública deixar de cumprir, no âmbito de suas competências, lei ou ato normativo que entendesse inconstitucional. E tal se justificava porque o juízo de constitucionalidade da lei não era compreendido como monopólio do Poder Judiciário, ainda quando fosse reservada a este a palavra final sobre a constitucionalidade da norma. Outra justificativa apontada pela doutrina era o fato de que a legitimação ativa para a deflagração do controle abstrato de normas era exclusiva do Procurador-Geral da República.[21]

Contudo, tais justificativas parecem ter perdido a sua consistência com a promulgação da Constituição de 1988, que ampliou significativamente a legitimação para a instauração do controle direto de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. A legitimação dos Chefes dos Poderes Executivos federal e estadual (art. 103, incisos I e V, respectivamente), bem como a possibilidade de controle abstrato de lei municipal (art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882/99), indicam eventual viragem do sistema quanto à possibilidade de órgãos não-jurisdicionais se furtarem à aplicação da lei sob o argumento de inconstitucionalidade.

Embora tímida a respeito da matéria, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido o não-cumprimento, pela Administração Pública, de leis que considere inconstitucionais, como se verifica de excerto colhido no julgamento da ADI-MC 221, in verbis:

“O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade –, podem tão-só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais.” [22]     (Grifo nosso)

No entanto, conforme alhures assentado, verifica-se forte tendência do ordenamento constitucional em promover a concentração do exame de constitucionalidade das leis e dos atos normativos no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Para a consecução desse desiderato, o constituinte reforçou o sistema de controle abstrato de normas mediante a instituição de diversos instrumentos de defesa da ordem jurídica objetiva, e ampliou o rol de sujeitos, órgãos e entidades legitimados à utilização desses instrumentos, de forma a construir uma verdadeira via principal para a impugnação de ações e omissões estatais que não se compatibilizem com a Constituição da República.

Nesse sentido, é irrefragável que o sistema constitucional vigente dispõe de uma ampla via para a impugnação direta de leis e atos normativos contrários à Constituição, com a legitimação de representantes das mais diversas esferas do Poder para provocar o exercício da jurisdição constitucional concentrada perante o Supremo Tribunal Federal. Diante dessa contextura, quer parecer que não remanesce válida, na ordem constitucional instaurada pela Carta de 1988, a proposição de que órgãos não-jurisdicionais possam afastar a aplicação de lei reputada inconstitucional – em nítido exercício de controle concreto de constitucionalidade –, mormente em vista de que o controle a posteriori de constitucionalidade é prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário, ressalvadas as exceções expressamente previstas no texto constitucional.

De outra banda, é oportuno relembrar que a Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal foi aprovada na Sessão Plenária de 13 de dezembro de 1963, sob a égide da Constituição de 1946.

Seu leading case foi o Recurso em Mandado de Segurança nº 8.372, do Ceará. O caso versava, em síntese, sobre negativa de registro, pelo Tribunal de Contas do Ceará, ao ato de aposentadoria do recorrente, egresso da carreira de Delegado de Polícia. Irresignado, o recorrente impetrou mandado de segurança perante o Tribunal de Justiça do Ceará, o qual lhe foi denegado por voto de desempate, a ensejar a interposição de recurso ordinário perante o Supremo. A fundamentação esposada pelo então Ministro Relator para negar provimento ao recurso foi bem concisa, razão pela qual se faz oportuna a sua transcrição literal:

Nego provimento ao recurso. Considerada sem efeito a lei que servira de fundamento ao ato da aposentação do recorrente, não poderia ser feito o registro por falta de supedâneo jurídico. A meu ver, o acórdão bem decidiu a espécie, mas não posso deixar de lhe opor um reparo de ordem doutrinária, pois não quero ficar vinculado a uma tese que tenho constantemente repelido.

Entendeu o julgado que o Tribunal de Contas não podia declarar a inconstitucionalidade da lei. Na realidade, essa declaração escapa à competência específica dos Tribunais de Contas.

Mas há que distinguir entre declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos poderes do Estado.

Feita essa ressalva, nego provimento ao recurso.” [23] (Grifo nosso)

Conforme se infere do excerto transcrito, o próprio Ministro Relator reconhecia que a declaração de inconstitucionalidade não se compreendia nas competências específicas dos Tribunais de Contas. Como visto, o Ministro perfilhava a tese segundo a qual há distinção entre não aplicação de leis inconstitucionais e a declaração de sua inconstitucionalidade, o que autorizaria os Tribunais de Contas a negar aplicação às leis ou atos normativos que reputasse contrários à Constituição, ao fundamento de que a isso estavam obrigados todos os órgãos estatais.

Ou seja, o fundamento central sobre o qual se ancorou o principal precedente que originou a Súmula nº 347 foi o da existência de diferença entre afastar a aplicação de leis inconstitucionais e declarar a sua inconstitucionalidade. No entanto, conforme já demonstrado, essa distinção se encontra atualmente superada pela jurisprudência e doutrina majoritárias, que não vislumbram qualquer distinção de ordem prática entre uma coisa e outra.

Com o advento da Súmula Vinculante nº 10, o Supremo Tribunal Federal soterrou a controvérsia no sentido da inexistência de distinção técnica entre afastar a incidência de norma inconstitucional e declarar a sua inconstitucionalidade, uma vez que decisões de órgãos fracionários de Tribunais que afastam a incidência de lei ou ato normativo do Poder Público, ainda quando não declarem explicitamente a sua inconstitucionalidade, infringem a regra do artigo 97 da Constituição de 1988. Quer dizer, ao afastar a aplicação de uma lei considerada inconstitucional, à luz de um caso concreto, é insofismável que o órgão estatal – seja qual for a sua natureza – está a exercer um controle incidental de constitucionalidade.

De outro lado, verifica-se que, quando da aprovação da Súmula nº 347 pelo Supremo, a ordem constitucional então vigente ainda não contemplava o sistema de controle abstrato de normas, que só foi surgir no ordenamento com a Emenda nº 16/1965. Assim, no contexto que então vigorava, reconhecia-se apenas a existência do controle concreto de constitucionalidade, e seu exercício ainda não era compreendido como monopólio do Poder Judiciário.

Diante dessas considerações, verifica-se que o contexto constitucional em que aprovado o verbete da Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal, decorrente da Constituição de 1946, revela-se bastante diferente do atual, instaurado pela Constituição de 1988. Naquele, era estreme de dúvidas o fato de que órgãos não-jurisdicionais – notadamente o TCU – poderiam afastar a incidência de normas consideradas inconstitucionais, ao fundamento de que a recusa à aplicação de lei inconstitucional não se confundia com a declaração de sua inconstitucionalidade. No contexto atual, não se vislumbra distinção entre uma coisa e outra, sedimentando doutrina e jurisprudência dominantes a tese de que “exerce o controle incidental de constitucionalidade o juiz ou tribunal que afasta a aplicação da norma, em face da inconstitucionalidade, mesmo sem a declaração ou reconhecimento expresso na decisão”.[24]

Ainda, no contexto em que aprovada a Súmula nº 347, não havia no Direito Posto o sistema de controle concentrado de constitucionalidade, e a noção de que o controle difuso cabia exclusivamente ao Poder Judiciário não era questão pacífica na doutrina e na jurisprudência. No contexto da Constituição de 1988, a realidade é bem diversa, porquanto nele coexistem elementos do modelo abstrato e do modelo concreto, verificando-se pujante tendência moderna de concentração da apreciação, em tese, de todas as controvérsias constitucionais relevantes perante o Supremo Tribunal Federal, a ensejar a prevalência da via principal de controle sobre a via de exceção. Ademais, como visto, na Constituição de 1988, o controle repressivo ou posterior é, via de regra, exercido em caráter de exclusividade pelo Poder Judiciário, ressalvadas as hipóteses em que o próprio texto constitucional admite o controle a posteriori por parte de outros órgãos estatais (como, v.g., nos artigos 49, V, e 62, da Constituição de 1988).

Nesse quadrante, é ilativo que a contextura constitucional em que foi aprovada a Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal difere diametralmente da conjuntura constitucional atual, sobretudo no que respeita à transformação ocorrida no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade desde dezembro de 1963, a colocar em dúvida a validade do mencionado verbete sumular em face da Constituição de 1988. Na bem lançada observação de Dutra, ad litteris et verbis:

Cumpre salientar que o referido verbete foi estabelecido em sessão plenária de 13/12/1963, e publicado no DJ de Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal – Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 151, tendo como referência legislativa o art. 77, da Constituição Federal de 1946.

Contudo, o referido artigo 77 não compreendia todas as competências que hoje contém o art. 71, bem como não continha disposição expressa, como a do inciso IX, que demonstra ser a atuação do referido TCU de mera observância da ordem legal, e não de questionamento da mesma.

Além do que, a reserva de Plenário não existia, a aplicação imediata, bem como a efetividade dos direitos e garantias fundamentais não era assegurada, e o momento histórico era completamente diferente do atual.

Não há como se sustentar a validade do referido verbete na ordem constitucional vigente.” [25]

Com efeito, de 1963 até a vigência da Constituição de 1988, variadas e significantes foram as transformações ocorridas no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. Não só esse sistema sofreu mudanças substanciais, como também a organização do Estado brasileiro, a sua estrutura federativa, o desenvolvimento do regime democrático e a proteção dos direitos fundamentais do cidadão.

É cediço que uma nova ordem constitucional pode operar modificações de matizes multifárias em um determinado corpo social. Algumas podem ser bastante radicais, provocando autêntica reviravolta no sistema jurídico e no contexto político-institucional do País; outras vêm a lume apenas para corrigir imperfeições da organização jus-política pretérita, sem delir as suas estruturas fundamentais.

A Constituição de 1988, comparativamente à Constituição de 1946 (sob cuja regência foi editada a Súmula nº 347 do Supremo), estabeleceu alterações profundas no sistema de controle de constitucionalidade, a saber: o alargamento da legitimação para a propositura da representação de inconstitucionalidade, a instituição da ação declaratória de constitucionalidade, o controle de constitucionalidade das omissões legislativas, a criação da arguição de descumprimento de preceito fundamental (possibilitando um controle abstrato da recepção constitucional e do direito municipal em face da Constituição Federal) e a sistematização de técnicas específicas de decisão em sede de controle concentrado (como, e.g., a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e a interpretação conforme a Constituição).

Tais mudanças indicam o estabelecimento de um novo paradigma no exercício da fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. Representam verdadeira evolução no controle de constitucionalidade brasileiro, o qual, embora complexo, mune-se cada vez mais de instrumentos específicos de salvaguarda do sistema jurídico objetivo contra atos e omissões estatais com ele incompatíveis. Daí porque a preocupação manifestada pelo legislador constituinte com o desenvolvimento de um processo de controle direto das normas inconstitucionais, voltado exclusivamente à defesa da ordem jurídica objetiva, a evidenciar uma prevalência do modelo abstrato sobre o modelo difuso quando se cuida de verificar a conformidade de leis ou atos normativos com a Constituição Federal.

Nesse compasso, não se pode provocar o engessamento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, manietando-a a um entendimento consolidado em tempos prístinos, e cristalizado sob um contexto constitucional bastante distinto do atual. Nessa linha de considerações é que se põe em xeque a subsistência da Súmula nº 347 do Supremo em face da Constituição de 1988, uma vez que os fundamentos jurídicos que lhe deram origem não mais se sustentam no ordenamento constitucional estabelecido pela Constituição de 1988. Nesse sentido são as atiladas ponderações do Ministro Gilmar Mendes, verbatim:

“…é preciso levar em conta que o texto constitucional de 1988 introduziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade. Em escritos doutrinários, tenho enfatizado que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988.” [26]  (Grifo nosso)

A essa luz, na ordem instaurada pela Constituição de 1988, não se revelam razoáveis os argumentos formulados a favor da possibilidade de órgãos não-jurisdicionais exercerem controle concreto de constitucionalidade. Diante da significativa ampliação dos entes e órgãos legitimados a deflagrarem o processo de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, parece que o constituinte pretendeu concentrar o exame de todas as controvérsias constitucionais relevantes no órgão de cúpula do Poder Judiciário, incumbido de guardar a Constituição e de dar a última palavra acerca de sua interpretação. Com isso, não houve, por certo, supressão alguma do controle difuso de constitucionalidade, mas tão somente uma redução de seu significado para o sistema de controle que atualmente medra no Brasil, cada vez mais preocupado com a proteção – célere e eficaz – da ordem jurídica total.

Outrossim, não mais subsiste no contexto constitucional atual a diferenciação entre o afastamento da aplicação de lei inconstitucional e a sua declaração de inconstitucionalidade, feita pelo Ministro Relator do RMS nº 8.372 para concluir pela possibilidade de os Tribunais de Contas apreciarem a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. Como assentado alhures, doutrina e jurisprudência modernas entendem que o órgão que nega aplicação a lei ou ato normativo, ao fundamento de sua inconstitucionalidade, está, precisamente, realizando verdadeiro controle incidental de constitucionalidade. E, na ordem constitucional inaugurada pela Constituição de 1988, o controle incidental de constitucionalidade é de competência exclusiva do Poder Judiciário, isto é, somente órgãos que integrem o Poder Judiciário é que podem exercer o controle de constitucionalidade à luz de um caso concreto. As exceções, quando existentes, devem vir expressas no próprio texto constitucional. Segundo Dutra, in litteris:

“…competência para o exercício do controle de constitucionalidade é uma prerrogativa do Poder Judiciário. Esta afirmativa está respaldada pela própria razão de ser do controle de constitucionalidade, isto porque o referido controle faz parte do mecanismo dos checks and balances que norteiam a estrutura de separação de funções, acolhida por nossa Carta Constitucional, em seu art. 2º.(…)

Frise-se que exceções às funções típicas dos Poderes instituídos pela Magna Carta devem ser expressas no texto da mesma, não sendo possível incluí-las através de interpretações ampliativas, já que se trata de matéria cuja interpretação deve ser feita, sempre, de modo restritivo.

Por conseguinte, dúvidas não podem existir quanto à exclusividade do Poder Judiciário em exercer o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, não sendo viável tal exercício por parte de Tribunal de Contas, que não é órgão do referido poder. [27] (Grifo nosso)

Quer dizer, o exercício de controle incidental de constitucionalidade por órgão não-jurisdicional, por ser exceção à regra geral, deve constar de forma expressa no texto da Constituição de 1988, como efetivamente é feito em relação ao controle exercido pelo Congresso Nacional sobre os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V), bem como sobre as medidas provisórias adotadas pelo Presidente da República (art. 62). No entanto, não se vislumbra no texto constitucional de 1988 a outorga de competência ao Tribunal de Contas da União para emitir juízo de constitucionalidade sobre as leis e os atos normativos do Poder Público.

Com efeito, se o sistema constitucional instaurado pela Constituição de 1988 permite que todo e qualquer órgão do Estado questione a compatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição Federal, em patente exercício do controle incidental de constitucionalidade, ter-se-ia, então, que o princípio de presunção de constitucionalidade das leis teria a sua importância e a sua aplicabilidade significativamente reduzidas, uma vez que quaisquer dos Poderes e órgãos constituídos poderiam, sob o fundamento de inconstitucionalidade, subtrair-se da aplicação de lei formal vigente, o que comprometeria a indenidade de princípios distintamente importantes para o Estado de Direito, como a segurança jurídica e a estrita legalidade.

Assim, a evolução do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade – com clara intensificação do controle abstrato de normas –, o monopólio exclusivo do Poder Judiciário no exercício do controle repressivo de constitucionalidade (com as exceções expressas do texto constitucional), e a ausência de atribuição, pela Constituição de 1988, de competência ao Tribunal de Contas da União para exercer controle de constitucionalidade, são fatores que infirmam expressivamente a validade da Súmula nº 347 na ordem constitucional estabelecida pela Constituição de 1988, sugerindo a revisão do seu verbete pela atual composição do Supremo Tribunal Federal.

Considerações finais

Por todo o exposto, pode-se coligir que o Tribunal de Contas da União posiciona-se de forma bastante peculiar na estrutura organizativa do Estado brasileiro. Não integra nenhum dos três Poderes da República – tampouco se acha subordinado a algum deles –, constituindo-se em órgão constitucional autônomo, com independência administrativa e financeira, dotado de competências institucionais específicas e exclusivas, e de competências que exerce como órgão auxiliar do Congresso Nacional no controle externo da Administração Pública (auxiliaridade que não se confunde com subalternidade).

Por não exercer função jurisdicional, suas decisões não assumem definitividade que possa ser oposta à apreciação do Poder Judiciário, à exceção daquelas questões que, por sua maior particularidade técnica, não guardem relação qualquer com os aspectos de legalidade e de juridicidade, sempre sindicáveis pelo Poder Judiciário.

De outra banda, verifica-se que a Constituição de 1988 não defere competência ao Tribunal de Contas da União para apreciar a constitucionalidade de leis ou atos normativos do Poder Público, e da lógica sistêmica do modelo de controle de constitucionalidade construído pela Carta Política de 1988 não se infere o contrário.

Isto é, diante de um sistema de controle de constitucionalidade que combina elementos do modelo austríaco e do modelo norte-americano, com progressiva tendência de preponderância daquele sobre este, não se afigura razoável que órgãos desprovidos de natureza jurisdicional possam avocar competência tipicamente judiciária para emitir juízo de adequabilidade entre atos normativos primários e a Lei Fundamental, em manifesta subversão da unidade racional que o sistema busca emprestar à fiscalização de constitucionalidade das leis.

Conquanto interessante, e mesmo louvável, a tese de que o controle de constitucionalidade exercido pelo Tribunal de Contas da União só vem a fortalecer a fiscalização da gestão dos recursos públicos, não se pode esquecer que o controle de constitucionalidade brasileiro deve ser entendido como um sistema dotado de unidade, racionalidade e logicidade, a despeito das complexidades que lhe cingem.

Nessa esteira, deflui da estrutura lógica desse sistema que a presunção de constitucionalidade das leis e dos atos normativos vigentes só pode ser desfeita por órgãos constitucionalmente incumbidos de realizar esse tipo de controle. Com efeito, na ordem constitucional iniciada pela Constituição de 1988, o controle de constitucionalidade que recai sobre normas já integradas ao sistema de direito positivo é de competência privativa do Poder Judiciário, e órgãos estatais diversos só poderão realizar atipicamente tal controle se o texto constitucional assim autorizar expressamente. Contudo, ao Tribunal de Contas da União não é atribuída tal competência.

Ora, não quer parecer que o sistema de controle de constitucionalidade arquitetado pela Constituição de 1988 faculte o exercício do controle pela via incidental a órgãos despidos de natureza jurisdicional, porquanto isso significaria a própria desvalorização do relevante instituto do controle de constitucionalidade, cujo exercício poderia se dar ao livre talante de quaisquer órgãos estatais de envergadura constitucional, muitos dos quais, como se sabe, carecentes do necessário conhecimento técnico-jurídico para examinar a consonância de lei ou ato normativo com a Constituição.

Outrossim, o princípio de presunção de constitucionalidade das leis, de singular relevância para a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, só pode ser elidido por órgãos que detenham competência constitucional expressa para dizer se a lei ou o ato normativo questionado se coaduna ou não com a Constituição.

Com efeito, a se admitir que órgãos constitucionais despojados de funções jurisdicionais se neguem a aplicar lei formal válida, ao fundamento de sua inconstitucionalidade (o que nada mais é do que realizar controle concreto de constitucionalidade), estar-se-ia compactuando com verdadeira instabilidade do sistema normativo vigente, porque a qualquer momento as leis em vigor (ou os atos nelas escorados) poderiam ter a sua constitucionalidade controvertida por órgãos alheios à estrutura do Poder Judiciário. Com isso, princípios fundamentais como segurança jurídica e estrita legalidade, essenciais ao conceito de Estado de Direito, resultariam visivelmente malferidos.

De igual sorte, ao se entender pela possibilidade de que órgãos não-jurisdicionais exercitem o controle difuso de constitucionalidade, à míngua de norma constitucional que expressamente outorgue tal competência, condescende-se com a ocorrência de lídimo tumulto institucional, uma vez que a competência privativa do Poder Judiciário para declarar a inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos seria constantemente usurpada por órgãos estatais estranhos a sua estrutura, sem que o sistema constitucional disponha de suporte normativo que permita concluir pela possibilidade de tal prática. Em última análise, haveria sério comprometimento da lógica fundante do sistema de controle de constitucionalidade desenhado pela Constituição Federal de 1988, e evidente perturbação da harmonia e da racionalidade da distribuição constitucional de competências entre os órgãos estatais.

Sob essa perspectiva, não há como conceber o exercício do controle de constitucionalidade pelo Tribunal de Contas da União, que não desempenha atividade jurisdicional e não é destinatário de competência constitucional atípica para, no exercício de suas funções, declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos. O que vincula a sua atividade é a observância da estrita legalidade, dos preceitos legais vigentes, e não a aferição de incompatibilidade vertical dos mesmos com a Constituição.

De outro ângulo, vale enfatizar que a intensificação da via principal de controle de constitucionalidade pela Constituição de 1988 – com a significante ampliação dos legitimados a provocar o controle abstrato de normas junto ao Supremo Tribunal Federal, bem ainda a instituição de diversos mecanismos de controle concentrado – enceta novo paradigma no sistema brasileiro de fiscalização de constitucionalidade, reduzindo sobremodo o significado e a amplitude do controle difuso.

Efetivamente, a instituição e o desenvolvimento de uma via exclusivamente voltada ao controle direto da constitucionalidade de leis e atos normativos, acionável com a celeridade, a eficiência e a presteza de um processo objetivo específico, infenso às regras tradicionais do processo civil comum, bem como a ampla legitimação conferida a órgãos e entidades para dar início a esse processo de fiscalização abstrata, são fatores que derruem com a assertiva de que órgãos não-jurisdicionais podem exercer o controle incidental de constitucionalidade, visto que o exercício dessa modalidade de controle até mesmo por órgãos jurisdicionais vem perdendo o seu sentido diante da intensa medrança e prevalência do controle concentrado de constitucionalidade no sistema constitucional inaugurado com a Constituição de 1988.

Por fim, é válido repisar que o próprio Ministro Relator do RMS nº 8.372 – principal precedente que deu origem à Súmula nº 347 – reconhecia que a declaração de inconstitucionalidade não se inseria nas competências específicas dos Tribunais de Contas. Entendeu que os Tribunais de Contas podiam apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público ao fundamento de que apenas afastavam a sua aplicação por considerá-los inconstitucionais, o que, a seu sentir, era diferente de declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Contudo, verifica-se que esse fundamento, que serviu de ratio decidendi e conduziu à edição da súmula em comento, encontra-se atualmente suplantado, sobretudo pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não visualiza distinção alguma entre uma coisa e outra.

Assim é que o Tribunal de Contas da União, ao afastar a aplicação de uma lei sob fundamento de inconstitucionalidade, está, em verdade, a declarar formalmente a sua inconstitucionalidade no caso concreto submetido ao seu exame, o que não consoa com o sistema de controle de constitucionalidade estabelecido pela Constituição de 1988, que cometeu tal atribuição exclusivamente aos órgãos do Poder Judiciário, ressalvadas as exceções expressamente contidas no texto constitucional.

Por conseguinte, veio em bom tempo a preocupação manifestada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes – e compartilhada pelos demais Ministros que deferiram as liminares em writs idênticos ao MS nº 25.888 – acerca da necessidade de se reapreciar a subsistência da Súmula nº 347 em face da ordem constitucional estabelecida pela Constituição de 1988.

De fato, a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos por órgão que a tanto não se acha legitimado pelo sistema constitucional provoca grave insegurança jurídica aos destinatários das normas positivas, além de ocasionar indesejável inconstância no sistema normativo e tumultuar a harmonia e a racionalidade vislumbrada pelo legislador constituinte de 1988 quando da distribuição de competências entre os distintos órgãos de Estado.

Frente a essas considerações, evidencia-se que o verbete da Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal não se compatibiliza com a ordem constitucional entabulada com a Constituição de 1988, tanto assim que a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não tem lançado mão de sua aplicação, mas sim questionado a sua validez em face da Constituição de 1988. Sem embargo, fato é que o Tribunal de Contas da União ainda utiliza a mencionada regra sumular como fundamento para o exercício do controle concreto de constitucionalidade.

Em razão disso, para o fim de expungir, de vez, dúvidas e incertezas dos administrados quanto à legitimação constitucional do Tribunal de Contas da União para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, revela-se de bom alvitre o cancelamento formal do verbete pela atual composição do Supremo Tribunal Federal, de modo a preservar princípios elevados como segurança jurídica, estrita legalidade e força normativa da Constituição.

 

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MENDES, Gilmar Ferreira. O controle concentrado de constitucionalidade na Constituição de 1988: breve evolução histórica. Revista Espaço Jurídico, Joaçaba, v. 11, n. 2, p. 506-521, jul./dez. 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira. O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. In: MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.
MONTEIRO, Marília Soares de Avelar. A natureza jurídica dos julgamentos proferidos pelos Tribunais de Contas no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1699, 25 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10981>. Acesso em: 08 jan. 2012.
POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Controle da constitucionalidade das leis, 2. ed., rev. e ampl. de acordo com a Constituição de 05 de outubro de 1988, 8. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 34. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 67, de 22.12.2010. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
 
Notas:
 
[1]    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 25.888, do Distrito Federal, Brasília, DF, 22 de março de 2006. Decisão Monocrática. Impetrante: Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes. Diário da Justiça, Brasília, DF, 29 mar. 2006, pp. 00011.

[2]    BRASIL. Tribunal de Contas da União. Embargos de Declaração em Pedido de Reexame. TC n° 008.210/2004-7. Acórdão 0039/06 – Plenário. Brasília, DF, 25 de janeiro de 2006. Recorrente: Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS. Relator: Min. Benjamin Zymler. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 01 fev. 2006.

[3]    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 25.888, do Distrito Federal, Brasília, DF, 22 de março de 2006. Decisão Monocrática. Impetrante: Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes. Diário da Justiça, Brasília, DF, 29 mar. 2006, pp. 00011.

[4]    CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 63-64.

[5]    LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 157.

[6]    MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1088.

[7]    MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1088.

[8]    MENDES, Gilmar Ferreira. O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. In: MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 310.

[9]    MENDES, Gilmar Ferreira. O controle concentrado de constitucionalidade na Constituição de 1988: breve evolução histórica. Revista Espaço Jurídico, Joaçaba, v. 11, n. 2, p. 506-521, jul./dez. 2010, p. 520.

[10]  MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1104. Também sinalizam para a tendência brasileira de intensificação da jurisdição constitucional concentrada: TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 268; CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 91; CARVALHO, Kildare Gonçalves. Controle de constitucionalidade: aspectos contemporâneos. In: Estudos de direito constitucional – homenagem ao professor Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 155.

[11]  FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, 4. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1967, p. 141-142. Cf., no mesmo sentido: FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de contas do Brasil: jurisdição e competência, 1. ed., 2. tir. Belo Horizonte, Fórum, 2003, p. 138-139.

[12]  TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1060-1061. Em sentido idêntico: LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 447; TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 134.   

[13]  BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 9, dezembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 08 jan. 2012. Na mesma direção, v.g.: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 719-720; MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 140; CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Curso de direito administrativo, 10. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1936, p. 15; CASTRO NUNES, José de. Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1943, p. 25; GUERRA, Evandro Martins. Os controles externo e interno da administração pública e os tribunais de contas. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 62.

[14]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.140, de Roraima, Brasília, DF, 03 de fevereiro de 2003. Tribunal Pleno. Requerente: Procurador-Geral da República. Requeridos: Governador do Estado de Roraima e Assembleia Legislativa do Estado de Roraima. Relator: Min. Sydney Sanches. Diário da Justiça, Brasília, DF, 26 set. 2003, pp. 00004.

[15]  CRETELLA JÚNIOR, José. Natureza das decisões do Tribunal de Contas. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 77, v. 631, p. 14-23, maio 1988, p. 16.

[16]  MONTEIRO, Marília Soares de Avelar. A natureza jurídica dos julgamentos proferidos pelos Tribunais de Contas no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1699, 25 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10981>. Acesso em: 08 jan. 2012. Também repelem a natureza jurisdicional das funções exercidas pelo Tribunal de Contas da União, v.g.: BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 9, dezembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 08 jan. 2012;  MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 140.

[17]  Nesse sentido, v.g.: MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 142-143; GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime jurídico dos tribunais de contas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 182; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 34. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 67, de 22.12.2010. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 760.

[18]  Vide, por exemplo: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Denúncia. TC 017.252/2002-0. Acórdão 1.388/2003 – Plenário. Órgão: Controladoria-Geral da União. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Brasília, DF, 24 de setembro de 2003. Diário Oficial da União, DF, 26 set. 2006.   

[19]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n° 10. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 1, 27 jun. 2008.

[20]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 179.170, do Ceará, Brasília, DF, 09 de junho de 1998. Primeira Turma. Recorrente: União Federal. Requeridos: M Dias Banco S/A Comércio e Indústria. Relator: Min. Moreira Alves. Diário da Justiça, Brasília, DF, 30 out. 1998, pp. 00015. No terreno doutrinário, mostra-se oportuna a lição exarada por POLETTI, in litteris: “Inexiste diferença ontológica entre declaração de inconstitucionalidade e sentença, onde não se aplicou lei formalmente válida por entendê-la inconstitucional seu prolator. A diferença é de eficácia, quanto aos efeitos, daquela decisão dos tribunais e daqueloutra pelos juízes singulares ou pelo Supremo Tribunal Federal”. POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Controle da constitucionalidade das leis, 2. ed., rev. e ampl. de acordo com a Constituição de 05 de outubro de 1988, 8. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 198.

[21]  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 173.

[22]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 221, do Distrito Federal, Brasília, DF, 29 de março de 1990. Tribunal Pleno. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerido: Presidente da República. Relator: Min. Moreira Alves. Diário da Justiça, Brasília, DF, 22 out. 1993, pp. 22251. Verifica-se, contudo, que o próprio Ministro Relator ressalva que o ampliamento da legitimação ativa na ação direta tem tornado dubitável a subsistência, no sistema constitucional atual, da possibilidade de órgãos não-jurisdicionais deixarem de aplicar leis que tenham por inconstitucionais. Sem embargo, fato é que ainda não existe uma postura jurisprudencial firme sobre o tema, ou que pelo menos possa se apresentar como predominante.

[23]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança nº 8372, do Ceará, Brasília, DF, 11 de dezembro de 1961. Tribunal Pleno. Recorrente: José Maria Catunda. Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Relator: Min. Pedro Chaves. Diário da Justiça, Brasília, DF, 26 abr. 1962.

[24]  ALMEIDA, Vânia Hack de. Controle de constitucionalidade, 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005, p. 53.

[25]  DUTRA, Micaela Dominguez. O Tribunal de Contas e o verbete nº 347 da súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Observatório da jurisdição constitucional, Brasília, ano 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.idp.org.br/index.php?op=stub&id=9&sc_1=60>. Acesso em: 24 jan. 2012.

[26]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 25.888, do Distrito Federal, Brasília, DF, 22 de março de 2006. Decisão Monocrática. Impetrante: Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes. Diário da Justiça, Brasília, DF, 29 mar. 2006, pp. 00011.

[27]  DUTRA, Micaela Dominguez. O Tribunal de Contas e o verbete nº 347 da súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Observatório da jurisdição constitucional, Brasília, ano 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.idp.org.br/index.php?op=stub&id=9&sc_1=60>. Acesso em: 24 jan. 2012.


Informações Sobre o Autor

Gabriel Machado Nidejelski

Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Advogado


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