Resumo: Com os recorrentes casos de violência doméstica no Brasil, fez-se necessário a criação de uma norma, cujo objetivo seria a coerção do agressor através do uso da força estatal, a Lei Maria da Penha surgiu então para dar essa resposta à sociedade que muito ansiava. Tal norma tem o objetivo precípuo de proporcionar instrumentos para coibir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, garantindo-lhe sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial, a conhecida violência de gênero. O presente estudo foi concebido por meio do método dialético-argumentativo que através da exposição de argumentos e contra-argumentos fundamentados, analisou-se a eficácia da Lei Maria da Penha no combate à violência doméstica e familiar, buscando-se explanar de maneira clara e objetiva os pontos principais da norma, escorando-se em pesquisas bibliográficas que fundamentarão as ideias abarcadas no trabalho. Ao final conclui-se que a norma demonstra eficácia e competência, porém não sendo bem aplicada, gera impunidade e isso não é deficiência da Lei, e sim dificuldades em executá-la. Assim, cabe aos órgãos competentes executar adequadamente a Lei que ampara a mulher, vítima da violência doméstica. [1]
Palavras-chave: Violência Doméstica e Familiar, Lei Maria da Penha, Aplicabilidade da Norma.
Abstract: With the applicants domestic violence cases in Brazil, it was necessary to the creation of a standard, whose goal would be the coercion of the offender through the use of force within the Maria da Penha Law appeared then to give this response to the society that very anxious. This standard has the main objective to provide instruments to deter, prevent and eradicate domestic and family violence against women, assuring him that their physical integrity, psychological, sexual, moral and patrimonial, the well-known gender violence. The present study was designed by means of the dialectical method-argumentative that through exposure of arguments and counter-arguments based, we assessed the effectiveness of the Maria da Penha Law in combating domestic and family violence, seeking to explain clearly and objectively the main points of the standard, propping yourself in research that shall base the ideas covered at work. At the end it was concluded that the standard demonstrates efficacy and competence, but not being well applied, generates impunity and this is not a deficiency in the law, but difficulties in executing it. Thus, it is up to the competent bodies adequately perform the Law that bolsters the woman, victim of domestic violence.
Keywords: domestic and family violence, the law Maria da Penha, applicability of the standard.
Sumário: 1 Introdução; 2 A Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha); 2.1Conceito de Violência Doméstica; 3 Das Medidas Protetivas; 4 Direitos Humanos e a Lei Maria da Penha; 4.1 Princípios; 4.2 Da Igualdade; 4.3 Do Juiz Natural; 4.4 Da Dignidade da Pessoa Humana;5 Da (In) Eficácia da norma; 6 Considerações finais; 7 Referências.
1 INTRODUÇÃO
Devido à gravidade e a alta incidência da violência contra as mulheres no Brasil, fez-se necessária à elaboração de uma política estatal especializada, que enseja, para seu efetivo cumprimento, a integração entre a norma e as políticas públicas.
A Lei Maria da Penha incorporou o avanço legislativo internacional e se transformou no principal instrumento legal de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher no Brasil, tornando efetivo o dispositivo constitucional que impõe ao Estado assegurar a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações (artigo 226, § 8º, da Constituição da República Federativa Brasileira).
Tais mecanismos acabam por ferir alguns dos princípios fundamentais da Constituição da República Federativa Brasileira, dentre eles, os Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o da Igualdade, levando o Estado a criar normas que assegurassem a mulher e coibissem a violência.
A norma em vigor promoveu grandes avanços nos procedimentos de acesso à Justiça, trazendo transparência ao fenômeno da violência doméstica e provocando acalorados debates sobre a violência de gênero que atualmente afeta grande parte da sociedade e ainda hoje são recorrentes.
Muito se questiona a respeito da eficácia da Lei Maria da Penha, no âmbito de sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro, haja vista as constantes notícias por meio da mídia relativas a diversos casos de agressões e quando muitos deles chegam até morte.
Para tanto, o objetivo do presente trabalho é verificar se existe plenitude na aplicação da Lei n. 11.340/2006 no que tange à violência doméstica e familiar, examinar a eficácia almejada por tal norma no cenário brasileiro contemporâneo, bem como esclarecer os desafios e as dificuldades de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro em busca de um bem comum social.
2 A LEI Nº 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA)
Com o intuito de coibir, prevenir a violência doméstica e resgatar a cidadania feminina, bem como regular a situação das mulheres que viviam em condições de vulnerabilidade, aplicando sanções que fossem eficientes ao combate da violência doméstica, em 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
Segundo Dias (2015, p.22)
“Essa é a história de Maria da Penha igual a de tantas outras vítimas da violência doméstica deste país. A repercussão foi de tal ordem que o Centro pela justiça e o Direito Internacional – CEJIL juntamente com o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.”
Sabe-se que esta norma foi recebida com desdém e desconfiança, uma vez que a tendência da sociedade em geral era criticar o Estado que estava intervindo demasiadamente em questões familiaresde natureza íntimas. Diante de tais situações a Comissão Internacional de Direitos Humanos solicitou informações acerca de casos e buscava-se uma possível resposta, no entanto, devido a inércia do país diante da situação a Organização dos Estados Americanos se posicionou frente à violência doméstica.
Ainda afirma a autora (2015, p.22) sobre o tema
“Apesar de, por quatro vezes, a Comissão te solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu nenhuma resposta. Em 2001 o Brasil foi condenado internacionalmente. O Relatório n. 54 da OEA, além de impor pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares, em favor de Maria da Penha, responsabilizou o Estado por negligência e omissão frente à violência doméstica, recomendando várias medidas, entre elas simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual.”
Desde o início dúvidas, erros e imprecisões foram apontadas como inconstitucional, tudo isso porque existia uma banalização da violência doméstica no Brasil. A Lei Maria da Penha representa um dos mais relevantes avanços legislativos desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, pois significa o reconhecimento da violência contra as mulheres como violação dos direitos humanos. O fenômeno, longe de ser inédito, era considerado, culturalmente, até então, um problema da esfera privada.
A especificidade da violência contra a mulher, instituída pela Lei Maria da Penha, constitui mecanismo essencial ao enfrentamento de todas as formas de opressões e agressões sofridas pelas mulheres no Brasil, e definiu violência doméstica e familiar como qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Os diversos tipos de violência contra a mulher ocorrem, predominantemente, no contexto de relações domésticas, familiares e afetivas e não se restringem a determinada classe social, idade, região, estado civil, escolaridade e orientação sexual.
Entre as principais inovações da referida Lei, enfatiza-se a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; a proibição da aplicação de penas pecuniárias aos agressores; a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência; e o caráter híbrido das ações, que podem ser penais ou não penais e para assegurar os direitos previstos na legislação, que não se restringe à maior punição dos agressores, porque estabelece medidas de caráter cível, trabalhista, assistencial e psicossocial, faz-se necessária a articulação entre os Poderes da República, o investimento em estruturas adequadas para o atendimento da demanda e a formação de profissionais especializados para atuar em casos de natureza complexa e multidisciplinar.
Após diversos descasos frente à execução da norma, o Congresso propôs mudanças na Lei, tratava o Projeto de Lei Complementar n. 7/2016, que propõe sobre o direito da vítima de violência doméstica de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino, e dá outras providências. A principal justificativa para o projeto repousava-se em uma crítica a omissão e lentidão do Poder Judiciário no que concerne ao deferimento de medidas visassem proteger as mulheres.
Para além das questões legais relacionadas ao projeto de Lei, é importante que se diga que não adianta conferir às autoridades polícias a prerrogativa de atendimento policial e pericial especializado, os problemas concernentes a violência de gênero no país e a ineficácia da Lei Maria da Penha nos últimos anos estão intimamente relacionados aos cortes cada vez maiores das verbas destinadas às políticas públicas de combate a violência contra mulher.
O Superior Tribunal de Justiça se posicionou acerca da norma alterando a forma de aplicação, o entendimento é do ministro Jorge Mussi, fundamentando-se na Lei Maria da Penha para julgar conflito negativo de competência (quando uma vara cível atribui a outra a responsabilidade de fazer o julgamento) entre dois juízos de Direito mineiros, a decisão publicada em 05 de agosto de 2009 deixa clara a não necessidade de ser cônjuge ou companheiro.
“Decisão da Terceira Seção do STJ: Não é necessário coabitação para caracterização da violência doméstica contra a mulher. O namoro evidencia uma relação íntima de afeto que independe de coabitação. Portanto, agressões e ameaças de namorado contra a namorada mesmo que o relacionamento tenha terminado que ocorram em decorrência dele caracterizam violência doméstica. O entendimento é do ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fundamentando-se na Lei Maria da Penha para julgar conflito negativo de competência (quando uma vara cível atribui a outra a responsabilidade de fazer o julgamento) entre dois juízos de Direito mineiros. Segundo os autos, o denunciado teria ameaçado sua ex-namorada, com quem teria vivido durante 24 anos, e seu atual namorado. O juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, então processante do caso, declinou da competência, alegando que os fatos não ocorreram no âmbito familiar e doméstico, pois o relacionamento das partes já tinha acabado, não se enquadrando, assim, na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).O juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete, por sua vez, sustentou que os fatos narrados nos autos decorreram da relação de namoro entre réu e vítima. Afirmou, ainda, que a Lei Maria da Penha tem efetiva aplicação nos casos de relacionamentos amorosos já encerrados, uma vez que a lei não exige coabitação. Diante disso, entrou com conflito de competência no STJ, solicitando reconhecimento da competência do juízo da Direito da 1ª Vara Criminal para o processamento da ação. Ao decidir, o ministro Jorge Mussi ressaltou que de fato existiu um relacionamento entre réu e vítima durante 24 anos, não tendo o acusado aparentemente se conformado com o rompimento da relação, passando a ameaçar a ex-namorada. Assim, caracteriza-se o nexo causal entre a conduta agressiva do ex-namorado e a relação de intimidade que havia entre ambos. O ministro destacou que a hipótese em questão se amolda perfeitamente à Lei Maria da Penha, uma vez que está caracterizada a relação íntima de afeto entre as partes, ainda que apenas como namorados, pois o dispositivo legal não exige coabitação para configuração da violência doméstica contra a mulher. O relator conheceu do conflito e declarou a competência do juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete para processar e julgar a ação.”
Sendo modificados alguns parâmetros da Lei, ainda decidiu o STJ que são proibidas as ações de violência doméstica e familiar contra a mulher no âmbito dos juizados especiais e ainda declarou que a norma não ofende o Princípio da Igualdade.
2.1 CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Diversos são os conceitos sobre violência doméstica. O artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 define o que caracteriza violência contra a mulher.
“Art. 5° Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.
Para que ocorra de fato à exposição à violência se faz obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar, ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
De modo expresso, está ressalvado que não há necessidade de que vítima e agressor vivam sob o mesmo teto para a configuração de violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida mantenham, ou já tenham mantido, um vínculo de natureza familiar.
Seguindo o conceito de violência doméstica, o artigo 7° da Lei n. 11.340/2006 aborda as formas de violência e apresenta um rol exemplificativos dos tipos de cada uma delas.
“Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
Czpski,(apud Fraga, 2008, p.29) aborda o tema especificando que:
“[…]toda violência pressupõe agressividade, mas nem toda agressividade pressupõe violência, dessa forma as atividades humanas mesmo que tenham pulsão ou fujam da inércia ou sejam reações proativas, agressivas ou não, não podem ser fundadas ou canalizadas para a violência, e a humanidade não pode moldar seu comportamento ou determinar seu modo de vida baseado na violência, a fim de evitar a degradação das relações sociais estabelecidas entre os seres humanos […]”.
Assim, pode-se dizer que a violência doméstica é aquela em que ocorre no seio do convívio familiar, não sendo apenas reconhecida como violência a agressão física, mas sim, todo e qualquer tipo de violência, seja ela física, moral ou psicológica ou patrimonial contra a mulher.
3 DAS MEDIDAS PROTETIVAS
Para que se possa avaliar a eficácia ou não das medidas protetivas, necessário se faz conhecer quais são, como funcionam e como são estabelecidas, porque em muitos casos elas se tornam ineficazes.
Dias (2015, p.138) afirma que, […] Tentar deter o agressor bem como garantir segurança pessoal e patrimonial à vítima e sua prole agora não são encargos somente da polícia. Passou a ser dever também do juiz e do Ministério Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente.
A vítima pode levar o conhecimento das agressões sofridas à autoridade policial ou membro do Ministério Público solicitando medidas protetivas de urgência que serão decretadas pelo juiz, podendo, a depender do caso, ser decretada a prisão preventiva do agressor a ser analisado as circunstância de cada caso concreto.
A vítima poderá pedir as providências necessárias à justiça, a fim de garantir a sua proteção por meio da autoridade policial, e o delegado de polícia deverá encaminhar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, o expediente referente ao pedido, juntamente com os documentos necessários à prova, para que este seja conhecido e decidido pelo juiz.
A Lei n. 11.340/2006 traz um rol de medidas que são as chamadas medidas protetivas de urgência entre os artigos 22 ao 24, nas quais existem tanto as que obrigam ao agressor a segui-las quanto as de proteção da vítima.
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV – determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo”.
Em relação às medidas, nota-se que o passo inicial ao constatar a violência doméstica é que o juiz poderá desde logo aplicar as medidas de proteção em favor da vítima.
Antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, as causas de agressão e violência doméstica eram tratadas no âmbito dos Juizados Especiais e as sanções aplicadas ao agressor eram pagamento de cestas básicas e prestação de serviços à comunidade. Com isso, o agressor voltava para residência do casal com a sensação de impunidade reincidindo aos atos de violência por ter a convicção de que não seria penalizado. Não havia sequer o afastamento do agressor da vítima e do convívio do lar.
Atualmente, cabe à polícia, e ao Poder Judiciário tomar providências cabíveis para inibir o agressor, tanto que agora a própria vítima pode requerer tais medidas ao juiz para garantia de sua proteção. Isso ocorre a partir do registro da ocorrência a autoridade policial que deverá encaminhar o pedido no prazo de 48 (quarenta e oito) horas ao Juiz.
Contudo, ainda em relação ao afastamento do agressor e das medidas de proteção, embora estabelecidas pelo juiz a própria vítima acaba se retratando, fazendo com que as medidas sejam revogadas e consequentemente ineficazes.
Sobre o assunto, elucida Mendes (2016, p.190), […] de toda forma, as medidas surgem como instrumento tanto de proteção contra atos violentos, como de preservação de direitos da vítima, principalmente relacionada à esfera de sua liberdade, compreendida no sentido de liberdade positiva.
Nota-se que o papel do Estado em solucionar os litígios e buscar soluções aos casos na maioria das vezes é insuficiente para a solução dos problemas, neste caso, a retratação da vítima acaba fazendo com que o algoz volte a cometer os mesmos atos ilícitos com a sensação de impunidade.
Existem também as penas restritivas de direito que limitam o agressor, tais como, a proibição de frequentar bares ou casas de prostituição, permanecer aos sábados e domingos por período de 05 (cinco) horas diárias em casa ou albergado entre outras, e as que limitam o agressor a se aproximar da vítima a determinada distância.
As medidas protetivas tem o condão de coibir, punir, erradicar as agressões domesticas e familiar contra a mulher, porém, ainda se faz insuficiente para dar um basta no índice de violência que vem crescendo a cada dia.
4 DIREITOS HUMANOS E A LEI N ° 11.340/2006
Os Direitos humanos são frutos de uma construção histórica que se deu ao longo dos tempos visando garantir aos homens, direitos básicos e ao mesmo tempo limitar o poder Estatal, podendo se afirmar, que é o conjunto de direitos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais) indissociáveis que asseguram uma esfera de integridade e garantem a dignidade da pessoa humana, pode-se afirmar que a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher (1979, CEDAW[2]), ratificou essa garantia dada às mulheres, conforme assevera o artigo 1º.
“Para fins da presente Convenção, a expressão discriminação contra a mulher significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais base nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.
Souza (2007, p.41 e 42) afirma que os Direitos Humanos têm relação intrínseca com a norma em tela.
“Embora possa soar estranho reafirmar, em relação à mulher, a existência de Direitos Humanos, consagrados através de diversos Tratados e Convenções Internacionais ratificados e internalizados ao Sistema Jurídico Brasileiro (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificado em 1994 e CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, ratificada em 1995, e igualmente inserida no âmbito da CRFB, particularmente em seu artigo 1º, inciso III, que dispõe que a nossa Republica tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. […].”
Não obstante a dignidade da pessoa humana, que é objeto principal e, fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, expresso em seu artigo 1°, teve a expressão cunhada com o objetivo de certificar que todo homem ou mulher fosse considerado humano pelo simples fato de ser humano (universalidade e inerência), a dignidade da pessoa humana é também chamada pela doutrina de piso mínimo vital, ou seja, compreende tudo aquilo que é essencial para o desenvolvimento do homem é não apenas a sua sobrevivência.
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]
III – a dignidade da pessoa humana”
Alguns doutrinadores costumam visualizar os direitos humanos de forma desdobrada, divididas em gerações: a primeira geração é o direito à liberdade; a segunda igualdade e a terceira e última à solidariedade também chamada de fraternidade. Todas elas visam garantir que o ser humano seja livre, tratado de forma digna.
A violência contra a mulher é uma afronta aos direitos humanos. Criminosa a omissão estatal que, sob o manto da deturpada noção de inviabilidade do espaço privado, tem chancelado as mais cruéis e veladas formas de violência dos direitos humanos
Indubitavelmente os direitos humanos são necessários e indispensáveis para uma vida digna e sua proteção tem sido preocupação da grande maioria dos países, que se esforçam para inseri-los em sua ordem constitucional, sob a roupagem dos direitos fundamentais; ele é um dispositivo essencial para a efetividade da Lei n. 11.340/2006.
4.1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Por força das referidas Convenções, o Brasil assumiu o dever de adotar leis e implementar políticas públicas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.
Na contramão a tantos avanços históricos, logo no início de sua vigência, todavia, foi proferida lamentável decisão pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, o recurso nº. 2007.023422-4, apresentado pelo Ministério Público Estadual contra decisão do juiz de Itaporã/MS, o qual reconheceu a inconstitucionalidade da Lei n. 11.340/06 foi julgado pela 2ª Turma Criminal do TJ/MS, que manteve a decisão de primeira instância que, em um retrocesso também histórico, declarando a inconstitucionalidade da norma.
O argumento central é o de que a lei desrespeita os objetivos da República Federativa do Brasil, pois fere o princípio da igualdade, violando o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres.
“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – RECURSO MINISTERIAL – PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE – DECISÃO MANTIDA – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – IMPROVIDO”. (TJ-MS – RSE: 23422 MS 2007.023422-4, Relator: Des. Romero Osme Dias Lopes, Data de Julgamento: 26/09/2007, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 24/10/2007)
O texto constitucional transcende a chamada igualdade formal, tradicionalmente reduzida à fórmula todos são iguais perante a lei, para consolidar a exigência ética da igualdade material, a igualdade sendo um processo em construção, ou uma busca constitucionalmente demandada. Tanto é assim que a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, por exemplo, no seu artigo 7°, XX, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos.
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […]
XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei […]”
Se, para a concepção formal de igualdade, ela é vista como um pressuposto, um dado e um ponto de partida abstrato, para a concepção material de igualdade, é tomada por um resultado ao qual se pretende chegar, sendo o ponto de partida a visibilidade às diferenças. Isto é, essencial mostra-se distinguir a diferença e a desigualdade. A ótica material objetiva construir e afirmar a igualdade com respeito à diversidade e, assim sendo, o reconhecimento de identidades e o direito à diferença é que conduzirão a uma plataforma emancipatória e igualitária.
Rothenburg (2008, p.79,), conceitua igualdade baseando-se em Aristóteles de maneira simplificada
“Igualdade como direito, como uma determinação jurídica, talvez não consiga ser satisfatoriamente conceituada em termos teóricos. Além disso, sua aplicação, às vezes, é complexa na solução de casos concretos. Ainda assim, trata-se de uma das mais importantes normas jurídicas e requer esforço dos intérpretes para uma aplicação indispensável aplicação adequada. A igualdade exige de quem a defina uma tomada de posição política, ideológica […].”
Existe uma desigualdade estrutural de poder entre homens e mulheres e grande vulnerabilidade social das últimas, muito especialmente na esfera privada de suas vidas. Daí a aceitação do novo paradigma que, indo além dos princípios éticos universais, abarque também princípios compensatórios das várias vulnerabilidades sociais.
Viana e Andrade (2007, p.11-16) estabelecem que: a relação de desigualdade entre o homem e a mulher – realidade milenar que sempre colocou a mulher em situação de inferioridade, impondo-lhe obediência e submissão. […]
Neste contexto, a norma, ao enfrentar a violência que de forma desproporcional acomete tantas mulheres, é instrumento de concretização da igualdade material entre homens e mulheres, conferindo efetividade à vontade constitucional, inspirada em princípios éticos compensatórios. Pois a CRFB[3] dispõe do dever do Estado de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (artigo 226, parágrafo 8°).
4.2 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
Com relação à competência do juízo ensinam GRINOVER, CINTRA e DINAMARCO (1999, p. 240).
“[…]que é aquela fixada entre varas especializadas, estabelecidas em conformidade com o interesse público. Assim, em princípio, o sistema jurídico-processual não admite mudanças nos critérios que determinarem essa competência, principalmente pela vontade das partes, uma vez que se trata de competência absoluta, a qual não pode jamais ser modificada”.
O princípio do Juiz Natural está consagrado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, nos incisos XXXVII e LIII, bem como nos artigos 8º. e 10º. da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção; […]
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;”
Se há juízo competente para julgar causas que envolvam violência doméstica e familiar, outro não será competente, independente de potencial ofensivo dos crimes cometidos, ressalvadas as competências do Tribunal do Júri e a hierárquica, pois estabelecido um juízo especializado para cuidar de matéria específica, resta fixada a competência absoluta, improrrogável por tratar de interesse público, e não privado.
4.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade humana está fixado no artigo 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil.
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]
III – a dignidade da pessoa humana;”
A proclamação do valor inerente à pessoa humana apresenta como consequência lógica, a afirmação dos direitos fundamentais de cada homem. O núcleo essencial dos referidos direitos é a dignidade da pessoa humana, a fonte jurídica positiva dos direitos fundamentais, que dá sentido valor, e a concordância aos direitos fundamentais o valor que busca a realização de tais direitos.
Souza (2007, p.43) em sua obra comenta acerca do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Lei n. 11.340/2006
“Este artigo 3º estabelece Direitos que são consagrados na CRFB, mas agora aparecem relacionados a uma norma específica em favor da mulher, tendo o legislador, adotado uma relação bastante próxima àquela que o constituinte inseriu no artigo 227 da CRFB, em favor da criança e do adolescente. Mas, de qualquer sorte é como se tivesse expressado reiterado que a Mulher deve ser respeitada em sua dignidade humana e que cabe ao Poder Público e a sociedade zelar por esse respeito.”
Marco (2002) relata alguns dados, que sem dúvida são impressionantes, como pode ser observado (online)
“A violência contra a mulher é um assunto que precisa ser tratado com seriedade. Pois, trata-se de um fenômeno generalizado que não distingue raça, classe social ou religião. Recente estudo constatou que de cada cinco mulheres que faltam ao trabalho, uma o faz por violência doméstica. Em 1994 constatou-se que, de cada cem mulheres que morrem nesta situação, setenta morrem por causas advindas de violência doméstica. A principal causa de lesões contra as mulheres de 15 a 45 anos são agressões por parte de seus parceiros. Em 1998, constatou-se que, de 66,3 % dos acusados em homicídios contra mulheres eram seus próprios parceiros.”
Pode-se afirmar que o princípio em tela foi um dos responsáveis pela criação da norma. Deste modo, no intuito de garantir direitos e punir desmandos, nasceu a Lei Maria da Penha.
5 DA (IN) EFICÁCIA DA NORMA
A norma em tela é reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, que resultou de uma luta histórica dos movimentos feministas e de mulheres por uma legislação contra a impunidade no cenário nacional de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Tal norma representou uma verdadeira guinada na história da impunidade. Por meio dela, vidas que seriam perdidas passaram a ser preservadas; mulheres em situação de violência ganharam direito e proteção; fortaleceu-se a autonomia das mulheres. Com isso, a lei cria meios de atendimento humanizado às mulheres, agrega valores de direitos humanos à política pública e contribui para educar toda a sociedade.
O Senado em uma de suas manifestações acerca da norma em tela, promoveu a criação de uma cartilha, com dados, estatísticas e conceitos. A cartilha Lei Maria da Penha (2015, p.7) elucida que:
“Apesar de a Lei ter se tornado popular, a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil ainda persiste e retira de forma inaceitável o direito humano fundamental de viver sem violência. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), organizados pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) , apontam que o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial dos países com mais crimes praticados contra as mulheres. A pesquisa mostrou que, por ano, ocorrem em torno de 4,5 homicídios para cada 100 mil mulheres”.
Um dos primeiros limites que se observa no enfrentamento à violência de gênero é a falta de informação e a subnotificação dos casos. Não existe um sistema nacional que quantifique e qualifique os dados relativos à violência contra a mulher, apenas 12 (doze) estados mais o Distrito Federal possuem informações a respeito do número de condenações relacionados à Lei Maria da Penha, sendo que somente o estado de Sergipe possui informações desde 2006, ano em que a Lei foi promulgada. Embora tenha apoio significativo de toda a sociedade, sua implementação trouxe à tona muitas resistências, que conviviam com a aceitação da violência doméstica como crime de menor poder ofensivo e reforçavam as relações de dominação do sistema patriarcal.
Dias (2015, p.194) aborda as mudanças políticas e administrativas necessárias que ocorreram após a criação da norma:
“Em agosto de 2007, foi lançado o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, acordo federativo entre governo federal, os governos dos estados e dos municípios para o planejamento de ações que visem à consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da implementação de políticas integradas em todo território nacional. Está prevista a criação de Centros de Referência, Casas-Abrigo, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEM, Defensorias da Mulher e Centros de Educação e Reabilitação do Agressor.
Outra importante arma no combate à violência e à impunidade foi a criação, pela Secretaria de Políticas para as mulheres, em abril de 2006, da Central de Atendimento à Mulher. Este serviço funciona 24 (vinte e quatro) horas por dia, todos os dias da semana.”
Em uma manifestação histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a flagrante desigualdade ainda existente entre homens e mulheres, e declarou a constitucionalidade do artigo 41, que afasta a possibilidade do Juizado Criminal tratar o assunto, através do HC 106.212/MS:
“VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 – ALCANCE. O preceito do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099/95 – CONSTITUCIONALIDADE. Ante a opção político-normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8º, ambos da Constituição Federal, surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099/95 – mediante o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 – no processo-crime a revelar violência contra a mulher.” (STF – HC: 106212 MS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 24/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-112 DIVULG 10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011)
Contudo, a efetivação desta Lei e da sua aplicação ainda tem muitos passos a seguir, que poderá se dar por meio do trabalho articulado entre as diversas áreas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em suas três esferas de atuação.
De acordo com Pesquisa realizada pelo IPEA[4] em 2015 que avalia a efetividade da Lei Maria da Penha, um dos efeitos foi a diminuição na taxa de feminicídio
“Apesar de a Lei Maria Penha não ter como foco o homicídio de mulheres, a pesquisa partiu do pressuposto de que a violência doméstica ocorre em ciclos, onde muitas vezes há um acirramento no grau de agressividade envolvida, que, eventualmente, redunda (muitas vezes de forma inesperada) na morte do cônjuge, por isso seria razoável imaginar que a lei, ao fazer cessar ciclos de agressões intrafamiliares, gere também um efeito de segunda ordem para fazer diminuir os homicídios ocasionados por questões domésticas e de gênero, defendem os autores.
Os resultados indicam que a LMP fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências, o que implica dizer que a LMP foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país. Os autores ressaltam, no entanto, que a efetividade não se deu de maneira uniforme no país, por causa dos diferentes graus de institucionalização dos serviços protetivos às vítimas de violência doméstica. Para mais informações sobre a distribuição de serviços protetivos à mulher no território nacional, consulte o segundo estudo divulgado nesta quarta-feira, a Nota Técnica – A institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil.”
Os benefícios alcançados pelas mulheres com a Lei Maria da Penha são inúmeros, além de criar mecanismo judicial específico os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres com competência cível e criminal; inovou com uma série de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica; reforçou a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público e da rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência doméstica e familiar; previu uma série de medidas de caráter social, preventivo, protetivo e repressivo; definiu as diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, tais como: implementação de redes de serviços interinstitucionais, promoção de estudos e estatísticas, avaliação dos resultados, implementação de centros de atendimento multidisciplinar, delegacias especializadas, casas de abrigo e realização de campanhas educativas, capacitação permanente dos integrantes dos órgãos envolvidos na questão, celebração de convênios e parcerias e a inclusão de conteúdos de equidade de gênero nos currículos escolares.
Em suma, a Lei Maria da Penha, reconhece a obrigação do Estado em garantir a segurança das mulheres nos espaços público e privado ao definir as linhas de uma política de prevenção e atenção no enfrentamento da violência contra a mulher, bem como delimita o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e inverte a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade a fim de privilegiar as mulheres e dotá-las de maior cidadania e conscientização dos reconhecidos recursos para agir e se posicionar, no âmbito familiar e social, garantindo sua emancipação e autonomia.
No entanto, a cada ano, mais de um milhão de mulheres ainda são vítimas de violência doméstica no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Jungbuth (2016, p. 17) destaca o motivo da Ineficácia
“[…] a resposta penal desacompanhada de programas voltados ao rompimento da violência e proteção da vítima, na grande maioria dos casos, é de pouca eficácia. Não se observam lacunas na Lei, mas sim a falta de implementação das condições necessárias para a proteção das mulheres em situação de risco. Outro ponto que contribui para a ineficácia da legislação em comento é a falta de rotina dos operadores do direito, no enfretamento à violência doméstica […]”
As medidas protetivas estabelecidas pelo juiz em face da vítima de violência doméstica, muitas vezes toma um curso diferente do esperado, pois são ineficazes para solucionar os problemas emergentes nos casos.
Acontece que na maioria das vezes o problema está na própria vítima quando resolve se retratar e reatar com o agressor, com isso tornado as medidas sem eficácia alguma. Nem sempre é o judiciário o responsável pela não eficácia das medidas, isso porque quando a própria vítima resolve por bem se retratar da representação consequentemente as medidas de proteção são revogadas pela autoridade que estabeleceu no caso o Juiz.
Não se trata apenas de estabelecer o afastamento do agressor da vítima deveria haver uma fiscalização para saber se elas estão sendo cumpridas, pois como já é sabido, muitas vezes o agressor ameaça para que a queixa seja retirada e com isso a vítima acaba por se retratar da representação fazendo com que tais medidas de proteção sejam revogadas ficando o agressor livre para praticar outros delitos.
O problema central não é a ineficácia da Lei em si, mas a sua aplicação se esbarra fundamentalmente na realidade que ao longo desses 10 (dez) anos o combate à violência contra a mulher não foi prioridade dos governos, que deixaram de criar mecanismos para acelerar a efetividade da Lei.
Um dos principais elementos que evidência o descaso com a vida das milhares de brasileiras é o baixo orçamento destinado para políticas públicas especificas de enfrentamento a violência contra a mulher. Programas como botão pânico, patrulha Maria da Penha, Disque 180, Mulher viver sem violência e a própria aplicação da Lei Maria da Penha em sua integralidade fica extremamente prejudicada sem orçamento financeiro que dê condições para que essas medidas saiam do papel e atinjam as mulheres.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Maria da Penha representa um importante avanço histórico, político e sobretudo legislativo, em vigor, tal norma possibilitou inúmeros atendimentos a casos de violência que existiam mas não eram conhecidos ou comentados.
Com o seu surgimento pode-se observar uma maior segurança às mulheres, visando punir rigorosamente o agressor, vez que, a pena máxima foi elevada, não sendo permitida a aplicação da Lei 9.099/95( Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Foi visando inibir condutas violentas praticadas pelo agressor, que a Lei Maria da Pena elencou medidas de proteção, sendo possível a aplicação da prisão preventiva, espécie de prisão cautelar, desde que comprovado os indícios de autoria e materialidade. As medidas protetivas servem justamente para proteger a vítima, mas isso não vem ocorrendo, uma vez que, elas não estão sendo usadas como manda a norma.
Foi a partir daí que a sua eficácia passou a ser questionada, vez que, a sua aplicação nos casos de violência doméstica vem gerando revolta na sociedade, mediante a impunidade dos sistemas policiais e jurídicos.
É notável que parte das mulheres venceram o medo, e começaram agir com maior frequência nas delegacias apropriadas, buscando ajuda, porém as medidas de proteção não estão sendo aplicadas como determina a Lei.
Pode-se observar através dos posicionamentos de diversos doutrinadores que a Lei Maria da Penha por dar diretrizes à proteção da vítima e a punição do agressor, é eficaz, porém verificam-se falhas na sua aplicabilidade, vez que o poder público conjuntamente com o Judiciário e em especial o Executivo, não criam mecanismos de proteção às vítimas como casas de abrigo em que elas possam ser assistidas por profissionais capacitados para uma possível reabilitação ao convívio social e enquanto o Judiciário aplica a lei, o poder público não consegue agilidade na ação policial para atender as ocorrências, dando proteção à mulher, vítima da violência doméstica. Desse modo, a norma demonstra eficácia e competência, porém não sendo bem aplicada, gera impunidade e isso não é deficiência da Lei, e sim dificuldades em executá-la. Assim, cabe aos órgãos competentes executar adequadamente a Lei que ampara a mulher, vítima da violência doméstica.
Informações Sobre o Autor
Geandya Thayse Ferreira
Acadêmica do curso de Direito na Faculdade Católica do Tocantins