Resumo: A repercussão geral é um requisito específico de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Reconhecendo a sua existência num determinado RE, não está o STF adstrito ao leading case deliberado pela repercussão, podendo o julgamento ocorrer noutro recurso de semelhante controvérsia.
O Recurso Extraordinário (RE) é aquele direcionado ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão de Tribunal proferida em única ou última instância e que ofende a Constituição Federal de 1988, especificamente quando o decisum contrariar dispositivos constitucionais; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da constituição, e julgar válida lei local contestada em face de lei federal, nos termos do artigo 102, III, da Constituição da República.
É um recurso excepcional e pode ser interposto por qualquer pessoa. É o STF no controle difuso de constitucionalidade.
Para que o RE seja aceito para julgamento é necessário o prequestionamento da matéria, ou seja, deve a mesma já ter sido analisada pelos órgãos julgadores das instâncias inferiores (Súmulas 282 e 356 do STF). Impende destacar ainda que a Corte Suprema não pode discutir neste recurso a matéria fática/probatória, mas tão somente questões de direito, conforme disposto na Súmula 279/STF.
Mas não é o prequestionamento o único requisito de admissibilidade que o STF deve analisar antes de julgar o mérito recursal. Há os requisitos genéricos (aplicados a todos os recursos, como por exemplo, legitimidade e interesse para recorrer; o RE seja útil, necessário e adequado; expôr os fundamentos que ensejaram a irresignação; ser tempestivo; recolher o preparo) e os específicos deste recurso (prequestionamento e repercussão geral). Convém destacar que a análise dos requisitos de admissibilidade se dá em duas oportunidades, qual seja, o primeiro no Tribunal de origem que proferiu a decisão recorrida e o segundo no próprio Supremo Tribunal Federal.
Quanto ao último requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário (repercussão geral), a Emenda Constitucional 45/2004 introduziu-o no sistema jurídico brasileiro, acrescendo-o no artigo 102, § 3º da CF/88.
Referido instituto da repercussão geral foi regulamentado pela Lei n.º 11.418/06 que acrescentou artigos ao Código de Processo Civil – artigos 543-A e 543-B (inclusive tentando conceituar a repercussão geral, apesar da amplitude do conceito posto) e alterou o Regimento Interno do STF.
A repercussão geral possibilita que o STF analise as questões que realmente possuem relevância jurídica, política, social ou econômica que ultrapassam os meros interesses individuais da causa, fazendo com que diminuam os processos enviados àquela Corte.
Ademais, e talvez seja esta a principal finalidade do instituto, a interpretação constitucional dada pelo STF ao caso concreto repercutirá nos casos idênticos sobre a mesma questão, fazendo com que haja uniformização da interpretação, pois a decisão proferida será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores.
Assim, a atividade jurisdicional torna-se mais racional e uniforme, prestigiando, inclusive, a segurança jurídica, a celeridade processual e a eficiência, já que os demais órgãos do Poder Judiciário ficam vinculados ao decisum do Recurso Extraordinário com repercussão geral em demandas sobre idêntica controvérsia, percebendo-se, com isso, que houve uma abstrativização no julgamento da repercussão geral nestes recursos.
Entretanto, a dúvida diz respeito ao fato de estar ou não o STF adstrito ao leading case em que houve a deliberação pela repercussão geral no julgamento do mérito deliberada em recurso extraordinário.
A Corte Suprema não está adstrito ao leading case dos autos da repercussão geral, fato este, inclusive, já ocorrido no STF em algumas ocasiões, como bem observa Luciano Felício Fuck:
“A controvérsia constitucional não precisa ser decidida no mesmo recurso em que foi apreciada a existência de repercussão geral. No caso de homologação de desistência (RE 567.948/RS, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 08.05.2008) ou de acordo (RE 568.396/RS, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 23.05.2008), a Corte seleciona outro recurso representativo para dirimir a controvérsia constitucional”. (FUCK, 2010)
Destarte, dentre algumas ocorrências desse jaez, cito, por exemplo, o RE 567.801/MG em que nestes autos foi examinada a repercussão geral, porém o mérito foi julgado no RE 500.171/GO.
Vejamos a ementa dos julgados acima referidos, respectivamente:
“Taxa de matrícula. Cobrança. Universidade pública de ensino superior. Existência de repercussão geral. Decisão: o Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencidos os Ministros Carlos Britto, Celso de Mello, Cezar Peluso e Cármen Lúcia” (STF – Repercussão Geral em Recurso Extraordinário 567.801-6/Minas Gerais – Relator Ministro Menezes Direito – Tribunal Pleno – 06.03.2008).
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ESTABELECIMENTO OFICIAL. COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA. INADMISSIBILIDADE. EXAÇÃO JULGADA INCONSTITUCIONAL.
I – A cobrança de matrícula como requisito para que o estudante possa cursar universidade federal viola o art. 206, IV da Constituição.
II – Embora configure ato burocrático, a matrícula constitui formalidade essencial para que o aluno tenha acesso à educação superior.
III – As disposições normativas que integram a Seção I, do Capítulo III, do Título VIII, da Carta Magna devem ser interpretadas à dos princípios explicitados no art. 205, que configuram o núcleo axiológico que norteia o sistema de ensino brasileiro.” (STF – Recurso Extraordinário 500.171-7/Goiás – Relator Ministro Ricardo Lewandowski – Tribunal Pleno – 13.08.2008)
Não obstante, o STF pode até mesmo mudar um posicionamento sobre determinada questão posta a sua apreciação através do fenômeno da mutação constitucional, onde o texto legal permanece inalterado, mas o sentido e a interpretação daquela regra são modificados. Neste prisma, observa-se também a figura do amicus curiae e as audiências públicas, institutos estes que ajudam firmar um posicionamento mais concreto e certeiro nas decisões advindas do Supremo.
Assim, fazendo-se um comparativo entre as possibilidades acima que inevitavelmente servem para o aprimoramento, aperfeiçoamento e justiça das decisões da Corte Suprema frente as mudanças constantes da sociedade e da evolução das formas e critérios de interpretação, abrindo-a à sociedade e conferindo-lhe direito de participação democrática, nada mais crível que se possa permitir que num caso concreto seja decidido pela existência da repercussão geral, mas que o mérito e a solução da controvérsia seja julgado noutro processo sobre idêntica questão, se a dinâmica dos fatos assim possibilitar.
Se o fenômeno da mutação constitucional (para alguns poder constituinte difuso), o amicus curiae e as audiências públicas são transformações grandiosas e necessárias permitidas pelo ordenamento jurídico, então não há como negar permissão ao STF para que julgue o mérito de um determinado caso concreto diferente daquele em que houve a deliberação pela repercussão geral, quando idênticas as controvérsias. Quem pode o mais, pode o menos, sem desprezar, por óbvio, a importância ímpar deste último.
A controvérsia não precisa ser decidida no mesmo recurso em que foi apreciada a existência da repercussão geral, inclusive podendo até mesmo extravasar os fatos da lide selecionada. Ora, se até os fatos podem extravasar a lide, com mais propriedade ainda pode-se concluir que o julgamento do mérito da controvérsia pode se dar em causa diversa daquela deliberada pela repercussão geral, principalmente se as questões forem idênticas ou muito semelhantes. De mais a mais, a Corte Suprema não estará ignorando o recurso com repercussão geral e sim julgando a mesma matéria, a mesma controvérsia, porém em outro recurso extraordinário semelhante.
Assim, o STF enquanto guardião da Constituição Federal e seu intérprete máximo, pode se valer de meios úteis, necessários, importantes e democráticos que o auxiliam na interpretação e compreensão das normas constitucionais, como é o caso do amicus curiae, das audiências públicas e das mutações constitucionais, todas fornecendo subsídios para a modernização, clareza e justiça das decisões da Corte Suprema. No mesmo sentido, pela repercussão geral o STF analisa questões de relevância jurídica possibilitando a segurança, a celeridade processual, dentre outros, daí o motivo de não ficar adstrito ao leading case em que houve a deliberação pela repercussão geral, podendo o mérito ser apreciado e julgado em outro caso semelhante.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Bacchi Corrêa da Costa
Advogado. Pós-graduando lato sensu em direito público e pós-graduando em ciências penais.