Desmistificando a Adoção: Uma Análise Investigativa de seus Desdobramentos

Demystifying Adoption: An Investigative Analysis of its Consequences

Fernanda Cristina de Sousa[1]

Yohana Rayssa Konoski de Araujo [2]

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Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves[3]

Resumo: O presente trabalho buscou analisar o instituto da adoção, por meio de uma visão desmistificada, observando os demais métodos alternativos à concepção que, por muitas vezes, são preferíveis em face do primeiro, proporcionando um estudo extensivo, almejando a conscientização dos cidadãos.

Palavras-chave: Adoção. Concepção. Filiação. Conscientização.

 

Abstract: The present study sought to analyze the adoption institute, through a demystified view, observing the other alternative methods to the conception that, are often, preferable in face of the first, providing an extensive study, aiming at the citizens’ awareness.

Keywords: Adoption. Conception. Affiliation. Awareness.

 

Sumário: Introdução. 1. Da Filiação. 2. Da Adoção. 2.1. Conceito. 2.2. Origem e evolução. 2.3. Do processo e procedimento. 2.4. Parâmetro atual da adoção. 2.5. Adoção à brasileira: um crime ou um ato de humanidade? . 3. Da Reprodução Assistida. 3.1. Conceito. 3.2 Origem e evolução (legislação aplicável). 3.3 Parâmetro atual. 4. Da Paternidade Socioafetiva. 5. Da Vulnerabilidade do Instituto da Adoção. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Desde a infância, demonstra-se intrínseco ao indivíduo a idealização da felicidade plena alcançada pelo ciclo da vida. Não é em vão que, nos contos de fadas e até mesmo nas novelas, as histórias terminam com o clássico “casaram-se, tiveram vários filhos e viveram felizes para sempre”.

Em virtude disso, é possível refletir acerca daquilo que está enraizado na sociedade brasileira. Não é difícil observar que desde a existência humana há um ciclo estabelecido para a vida dos indivíduos – tanto pela perspectiva biológica, como também pela perspectiva social e idealizadora – o homem nasce, casa, reproduz e então, é feliz para sempre – ao menos é o que se acredita.

O presente estudo destina-se a tratar os desdobramentos de uma dessas fases estabelecidas no ciclo da vida do ser humano que, apesar da aparência simplista, carrega consigo desafios e discussões, a reprodução humana.

Por intermédio de uma observação histórica, verifica-se que a reprodução, em grande parte, apresenta-se como forma de garantia da perpetuação do sangue, isto é, haveriam descendentes para dar continuidade ao legado de seus ancestrais.

Entretanto, do ponto de vista biológico, a reprodução engloba muitos fatores internos e externos que ocasionam controvérsias e desafios, como exemplo, uma situação de infertilidade. Deste modo, denota-se necessária a busca por uma solução para as famílias que almejam a perpetuidade, todavia, enfrentam dificuldades no processo de reprodução natural.

Em comparação, na antiguidade, como não havia possibilidade de se reproduzir de formas diferenciadas como existem na atualidade, o único método alternativo para que houvesse descendentes quando se era estéril, era a adoção.

A adoção, ao longo da história, foi tratada de diversas maneiras, reconhecida por algumas civilizações, chegou a ser legitimada em certos lugares, mas em outros não. No Brasil, com o atual Código Civil e com a Carta Magna de 1988, a adoção é instituto reconhecido e legitimado, sendo os filhos adotados equiparados em igualdade aos filhos gerados.

Por outro lado, com o avanço tecnológico, afere-se que a adoção não é mais o único método alternativo para àqueles impossibilitados à reprodução natural. Atualmente, em razão dos avanços científicos, o acesso aos métodos de reprodução assistida tomou grande proporção. É possível realizar o procedimento quase por completo, por meio da internet.

Ademais, diante dos novos formatos familiares admitidos juridicamente, especificamente na Resolução 175 de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, a busca pela reprodução acarreta em uma demanda por soluções alternativas à reprodução pelo método natural.

Hodiernamente, observa-se que os métodos alternativos a concepção, ao contrário do que ocorria anteriormente, não é utilizado somente por aqueles que se encontram impossibilitados ao método natural, mas também, por pura e simples decisão dos indivíduos, que por qualquer outro motivo, deseja adotar outros métodos, que não o biológico.

O presente escrito destina-se a observar os desdobramentos e a evolução dos métodos alternativos a concepção, buscando realizar alguns enfrentamentos, como quais são os fatores que influenciam os métodos alternativos de concepção, origem e evolução destes, as legislações aplicáveis e a eficácia desses institutos diante do atual parâmetro brasileiro.

Por fim, pretende-se ainda desmistificar o instituto da adoção que, pelo presente estudo é visto com maior vulnerabilidade em relação aos demais métodos alternativos à concepção, de modo que, por meio dessa desmistificação, o referido instituto obtenha a importância devida com a finalidade da conscientização.

 

  1. DA FILIAÇÃO

A palavra filho tem origem do latim filius, que significa indivíduo em relação aos pais, descendente.

É incisivo utilizar-se do termo “descendente” até os dias atuais para tratar dos filhos, de modo que tal expressão funciona perfeitamente para uma observação pela ótica jurídica.

Filiação pode resumir-se tão puramente como “relação jurídica que liga o filho a seus pais” (GONÇALVES, 2020). E, assim, é possível observar que nos conceitos e significados mencionados não há nenhuma observação detalhada tratando da origem dessa descendência.

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É notório que ao longo da história, a origem da descendência dos filhos era de extrema importância, divergindo ao longo do tempo e, por longo período, admitida com ressalvas, como ocorreu no Brasil, no Código Civil anterior.

O Código Civil de 1916 realizava uma diferenciação entre os filhos legítimos e ilegítimos, de modo que, os primeiros eram aqueles advindos de uma relação de “justas núpcias” e, os segundos, aqueles originários de uma relação sexual em que não havia a constituição do matrimônio.

Ainda concernente aos filhos ilegítimos, havia outras subclassificações no Código Civil de 1916, entretanto, no Código atual, seguindo o disposto no que determina a Magna Carta, o tratamento para com os filhos dá-se de forma igualitária, não havendo qualquer distinção daqueles havidos dentro do matrimônio com aqueles que não foram nascidos nesta condição, por exemplo.

Assim, o Código Civil de 2002 e a Constituição Federal de 1988 consagraram o tratamento igualitário entre os filhos, proporcionando equidade nos direitos, inclusive, sucessórios.

 

  1. DA ADOÇÃO

2.1 Conceito

Segundo Pontes de Miranda (2000), adoção é o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade.

Contudo, demonstra-se complexo encontrar uma definição para a adoção, pois trata-se de uma experiência pessoal, podendo ser entendida de forma diversa por cada ente envolvido. Ademais, autores consagrados defendem a ideia de que não há que se falar em um conceito preciso de adoção, mas sim em sentimentos que norteiam uma relação desencadeada em torno desse instituto.

Desta forma, não há exatidão quanto ao conceito da adoção, porém, atualmente, o conceito apresentado por doutrinadores, como Pablo Stolze (2020), demonstra com maior sensibilidade, para além de uma visão restrita ao negócio jurídico, entendendo, portanto, que, adoção é

Como um ato jurídico em sentido estrito, de natureza complexa, excepcional, irrevogável e personalíssimo, que firma a relação paterna ou materno-filial com o adotando, em perspectiva constitucional isonômica em face da filiação biológica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020).

 

Ante ao exposto, verifica-se a complexidade apresentada pelo instituto da adoção, inclusive no que concerne a sua conceituação, devido aos desdobramentos e efeitos que pode oferecer para aqueles que participam dessa relação.

 

2.2 Da origem e evolução

Desde o início das civilizações, verifica-se a existência de registro da adoção, como na Bíblia, no Código de Hamurabi e ainda, no Código de Manu.

Ainda que com tratamento e motivações divergentes, a adoção fazia-se presente nas civilizações desde cedo, como alternativa para aqueles que não podiam reproduzir pelo método natural. Na obra Cidade Antiga, Fustel de Coulanges (2009) atribui a Cícero o discurso de que “adotar é pedir a religião e à lei o que não se conseguiu obter da natureza”.

Divergindo do entendimento de Cícero, o Código de Manu previa a adoção como meio de zelar pela perpetuidade da religião doméstica, pela continuidade das oferendas fúnebres e salvação do lar. Diante disso, era permitida somente para aquele que não tivesse filhos (COULANGES, 2009).

Posteriormente, no direito romano houve a regularização e disciplina do instituto da adoção, ocasionando incisiva expansão deste. Entretanto, com o direito canônico, durante a Idade Média, sofreu um abalo, visto que a família cristã pautava-se no matrimônio e, somente em 1804, com o Código de Napoleão, o instituto foi novamente colocado em uso (GONÇALVES, 2020).

Interligado aos princípios romanos, em 1916, o Código Civil também tratava da adoção como objetivo perpetuação familiar. Assim, o instituto era regulamento no referido Diploma Legal, mas apresentava algumas peculiaridades, como por exemplo, o procedimento da adoção por meio de escritura pública e até mesmo, a distinção quanto aos filhos havidos naturalmente, da relação matrimonial.

Enfim, em 2002, com a promulgação do Código Civil, o legislador inovou em tratar de forma isonômica os filhos gerados e os filhos adotivos, contribuindo para o fortalecimento do instituto e prezando pelo bem-estar do menor.

Ademais, há ainda previsão em Carta Magna, no artigo 227, parágrafo sexto, que garante constitucionalmente a igualdade entre os filhos havidos ou não de relação matrimonial ou por adoção (CF/88) e, também, previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente, que desde 1990 trouxe regulamentações para o instituto, sendo complementado em 2009 com a Lei Nacional da Adoção que exaltou ainda mais as garantias e os direitos relativos a adoção (Lei n° 12.010/2009).

 

2.3 Do processo e do procedimento

As regras da adoção são disciplinadas pela Lei n° 12.010, de 3 de agosto de 2009, que regulamente e disciplina acerca do seu processo, bem como, cria um cadastro nacional para que ocorra o controle e a ligação devida entre candidatos a adotantes e a adotados.

O processo de adoção inicia-se na Vara da Infância e da Juventude, por meio da candidatura de adotantes. Posteriormente, há uma análise dos documentos apresentados pelo candidato, bem como, avaliações internas e externas e, ainda, participação em programas de preparação para a adoção. Logo, quando houver habilitação, o adotante passa a integrar o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento e, de acordo com o perfil selecionado, busca candidatos a adoção compatíveis. Em sendo encontrados, inicia-se o estágio de convivência e, no seu fim será proferida uma sentença pelo juiz competente, com a consequente expedição de um mandado ao oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais para que seja oficializada a adoção. Em sendo assim, desse momento em diante, o adotado passa a obter todos os direitos relativos a filiação (CNJ).

Vale ressaltar que, o processo judicial da adoção tem prazo máximo de conclusão de 120 (cento e vinte) dias, conforme estabelece o artigo 47, parágrafo 10 do Estatuto da Criança e do Adolescente, podendo ser prorrogado, por única vez, mediante decisão fundamentada do juiz.

 

2.4 Parâmetro atual da adoção

Atualmente, o Cadastro Nacional de Adoção conta com um total de 9.337 (nove mil e trezentos e trinta e sete) crianças e/ou adolescentes cadastradas, sendo que, 4.698 (quatro mil e seiscentos e noventa e oito) estão disponíveis para a adoção.

Em contrapartida, existem 42.462 (quarenta e dois mil e quatrocentos e sessenta e dois) pretendentes disponíveis para a adoção. Ou seja, existem quase 9 (nove) pretendentes disponíveis para cada criança e/ou adolescente disponível para adoção.

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Dentre os pretendentes disponíveis no Cadastro, 18.29% aceitam crianças até 3 (três) anos de idade, perfazendo a maior porcentagem relativa a faixa etária. Em seguida, a somatória da maior porcentagem apresentada é relativa a crianças com até 6 (seis) anos de idade, de modo que, a partir dos 7 (sete) até os 16 (dezesseis) anos, a porcentagem de aceitação, declina para apenas 0.07%, perfazendo o menor número de aceitação da faixa etária.

Concernente a pretensão pelo sexo da criança, 64,76% dos pretendentes, são indiferentes em relação ao sexo da criança. E, relativo a adoção de crianças com ou sem irmãos, 62.71% dos cadastrados não aceitam adotar irmãos.

Já quanto as crianças disponíveis para adoção, a maior porcentagem relativa a faixa etária é de 14.54% para as crianças de 16 (dezesseis) anos e, a menor taxa é a de crianças com menos de 1 ano, totalizando 0.21%. Ou seja, há muitos pretendentes para crianças de até 7 (sete) anos de idade, sem irmãos, que são o menor número de crianças existentes no sistema de adoção. Desta idade para frente, há muitas crianças, mas poucos adotantes.

Por fim, quanto a aceitação de crianças com ou sem doenças (como HIV, deficiência física ou mental, etc), 61% dos pretendentes disponíveis, 42.462 (quarenta e dois mil e quatrocentos e sessenta e dois) pessoas, somente aceitam crianças sem doenças.

 

2.5. Adoção à brasileira: um crime ou um ato de humanidade?

Com a aprovação da Lei da Adoção em 2009, aqueles que anseiam adotar infantes no Brasil devem estar cadastrados no Cadastro Nacional de Adoção e, por meio desse cadastro, ocorrerá todo o procedimento da adoção pelas vias legais.

Entretanto, desde o século passado, quando não haviam regulamentações específicas acerca da adoção, esta, ocorria de maneira completamente informal. Na maioria das vezes, a família biológica apenas entregava a criança para outra família que, registrava a criança como se filho biológico fosse.

Atualmente, a adoção pelo meio informal, ou seja, com simples entrega da criança para a família adotante e registro como se filho biológico fosse, é considerada ilegal diante das normas jurídicas vigentes.

Assim, esse ato considerado ilegal pelo ordenamento jurídico, por meio do qual a família biológica entrega a criança à família adotante que registra a criança como se tivesse nascido em seu seio familiar, é chamada popularmente de “adoção à brasileira”.

No ordenamento jurídico brasileiro, a ilegalidade da adoção à brasileira é prevista no artigo 242 do Código Penal, tendo como pena, reclusão de dois a seis anos.

Acredita-se que a adoção à brasileira, pode de alguma maneira contribuir para injustiças em famílias mais pobres que verdadeiramente não anseiam a doação dos filhos, mas que por pressão exterior são condicionadas a tal e, ainda, pode resultar em um acobertamento para as situações de tráfico e venda de crianças (SENADO).

Há muita discussão acerca da adoção à brasileira, pois, alguns defendem que se trata de ato ilegal, de modo que pode entregar a criança para famílias despreparadas e, assim, ocasionar prejuízos ao infante. Em contrapartida, alguns acreditam que a adoção à brasileira pode gerar benefícios diante do burocrático e extenso processo de adoção que muitas vezes dificulta o acesso das crianças as famílias, de modo que, por meio da adoção à brasileira, a criança seria acolhida por uma família com maior presteza.

Importa observar que o que serve como “pano de fundo” para toda essa discussão é o melhor interesse da criança e, por isso, considerando que muitas vezes, crianças são abandonadas e atingem a maioridade sem terem sido adotadas, a adoção à brasileira apresenta-se também como um ato de nobreza, em que o indivíduo, ao registrar filho alheio como se seu fosse, acaba por apresentar uma esperança de vida e trazer uma chance que pode ser única na vida daquela criança.

Afere-se que, tamanha a admissão da tese de que a adoção à brasileira pode, apesar de sua ilegalidade, ser vista como um ato nobre que, o próprio legislador, no parágrafo único do artigo 242 do Código Penal, dispõe acerca da possibilidade de o juiz dispensar a pena.

Isto posto, diante dos parâmetros atuais da adoção e, considerando a morosidade dos processos de adoção que resulta muitas vezes em elevado número de crianças a espera de uma família, tratar da adoção à brasileira como ato de humanidade, faz-se completamente compreensível, ainda que haja previsão da ilegalidade desse instituto.

 

  1. DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

3.1 Conceito

Uma das principais questões da vida humana é a sua origem e definição. A infertilidade demonstra-se como causa de diversos abalos na vida de muitos casais, sendo psicológicos, sociais, etc.

Ante essa infertilidade, origina-se a busca por métodos para neutralizar este óbice. Assim, desde 1978 e, principalmente, a partir 1992 com o avanço da injeção intracitoplasmática de espermatozoides pelo mundo a reprodução assistida obteve proporções inimagináveis. O potencial aparentemente ilimitado deste método de concepção discorre em imbróglios no âmbito médico e social, de modo que, torna-se necessária reflexão quanto a este tema.

A reprodução assistida, então, pode ser entendida como os tratamentos que incluem a manutenção em laboratório, de alguma fase do processo de fecundação, utilizando gametas femininos e masculinos, bem como os embriões (MOURA, 2009).

Contudo, este tema está relacionado para além de uma solução para a impossibilidade de procriação, visto que, permeia entre as discussões quanto à bioética, na mesma linha, de quais seriam os limites ao avanço de ciência e sua intervenção na vida do ser humano (CORRÊA; LOYOLA, 2005).

 

3.2 Origem e evolução (legislação aplicável)

Na mitologia Greco-romana, é possível verificar determinada relação com o que atualmente é denominado Reprodução Assistida. No mito de Minerva, deusa das artes, comércio e detentora de sabedoria, afirmar-se que esta haveria nascido da cabeça de Júpiter (equivalente a Zeus, na mitologia grega). E, posteriormente, a esposa deste, diante do evento ocorrido, objetiva ter um filho sem a intervenção de seu esposo ou qualquer homem, e por meio de um pedido a deusa Flora, nasceu Marte, o deus da guerra (MOURA, 2009).

Acredita-se que o primeiro método de Reprodução Assistida utilizado tenha sido uma Inseminação Artificial realizada em equinos, por volta do ano de 1332 (um mil, trezentos e trinta e dois). Todavia, o primeiro registro médico data de 1779 (um mil, setecentos e setenta e nove), em que o fisiologista italiano Lazzaro Spalanzani demonstrou a possibilidade de reprodução sem o contato, por meio da inseminação artificial com material biológico de cães.

Inicialmente utilizadas em animais, as técnicas de Reprodução Assistida logo se demonstraram como alternativa para as impossibilidades de concepção, aprimorando as pesquisas quanto ao tema para os humanos. Diante disto, em 1978, em Oldham, na Inglaterra, nasceu o primeiro bebê originário de uma fertilização in vitro. No Brasil, o mesmo evento ocorreu em 1984. (MOURA, 2009)

Desde então, a medicina aprimorou-se ainda mais quanto ao tema, podendo ser realizadas diversas técnicas, conforme decisão das partes envolvidas. A Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina dispõe e regulamenta a aplicação dos métodos de Reprodução Assistida, citando o objetivo destes como a resolução de problemas quanto à reprodução humana. Contudo, possibilita, ainda, a realização deste independentemente de infertilidade ou outra impossibilidade.

Ademais, afirma obrigatório o consentimento livre e esclarecido de todos os envolvidos no procedimento. E permite a reprodução assistida post-mortem, desde que houvesse prévia autorização do falecido, em conformidade com o disposto no art. 1597, III do Código Civil de 2002.

Outrossim, a Lei 11.105 de 2005 prevê a fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados, sendo estes entendidos como “toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas” (BRASIL. LEI N 11.105/ 2005), sendo exemplo a célula germinal humana. Há, ainda, em tramitação, projetos de lei que dispõe, especificamente, sobre a Reprodução Assistida.

 

3.3 Parâmetro atual

De acordo com relatório divulgado pelo Sistema Nacional de Produção de Embriões, enviado para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em 2018, o número total de fertilizações in vitro foi de 43.098 (quarenta e três mil e noventa e oito), representando um avanço de 18% em relação ao ano anterior. Sendo também verificado um aumento de 13% no número de embriões congelados neste período.

Diante disto, demonstra-se uma grande busca pelas técnicas de Reprodução Assistida, fato que está ligado a aspecto moral e social, qual seja, conforme citado de início, a perpetuação do ser e o ideal de filiação, com o objetivo de atenuar os dados advindos da infertilidade ou impossibilidade de concepção por outro motivo.

Enfim, importa ressaltar a não diferenciação, para fins civis e sucessórios, dos filhos originários de Reprodução Assistida, quanto aos que são gerados pela reprodução natural. Como se disse anteriormente, por força do disposto na Constituição Federal de 1988, art. 227 § 6º, não pode haver qualquer discriminação quanto a forma de constituição da filiação, tendo esta igualdade de direitos a partir do momento em que é constituída essa condição, seja de forma natural, artificial, adotiva ou socioafetiva, o que se tratará a seguir.

 

  1. DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito civil vem sofrendo grandes mutações voltadas a personalização do mesmo em detrimento da proteção as relações patrimoniais que existia na codificação de 1916, sendo a área que sofreu maiores mudanças a do direito de família.

Há muito tempo, doutrinadores como Paulo Lobo (2004)[4] e o atual Ministro do STF, Luiz Edson Fachin (2008)[5], vem tratando da repersonalização das relações familiares, discutindo em especial, a socioafetividade, cunhando um conceito, desde àquela época, de posse de estado de filho. Acerca da mesma, afirma-se que:

 

Dentre as posições existentes nos “estados de família”, uma delas é a posição de “estado de filho”, que é ocupado por quem está na linha reta, descendente, em primeiro grau. O estado de filho pode decorrer de um fato (nascimento) ou de um ato jurídico (adoção), possuindo como características a indivisibilidade, a indisponibilidade, a imprescritibilidade e a sua aquisição mediante posse. A prova do estado de filiação ocorre através do registro de nascimento ou pela situação de fato, em razão da aparência. O estado de filho é indivisível, pois cada pessoa possui o seu e não pode possuir mais de um, sendo oponível erga omnes. Ele é indisponível, pois está fora do comércio. É irrenunciável, porque possui atributos pessoais, sendo um reflexo da personalidade. É também imprescritível, pois pode o filho a qualquer tempo, reclamar o seu estado. Ainda, o estado de filho pode ser suscetível de posse por outra pessoa, que não é filho biológico ou adotivo, mas está ocupando esta posição na família de forma íntima, pública e duradoura e, aos olhos da sociedade, esta relação fática de pai e filho cria uma reputação e passa a ser aceita como se fosse verdadeira, em razão do afeto existente entre ambos que se chamam de pai e filho (grifou-se / SALOMÃO).

 

Em dias atuais, finalmente o legislador tem enxergado a paternidade e/ou maternidade para muito além da relação estritamente biológica, possibilitando uma visão mais ampla e delicada para as relações, ressaltando a importância da afetividade.

Por meio de tal ideal, pretende o legislador deixar claro a questão da desbiologização da paternidade, que como restou demonstrado, é muito mais do que ser apenas genitor(a), posto que ser pai ou mãe tem muito mais a ver com afeto, do que qualquer outra coisa. Como já asseverava o Ministro Luiz Edson Fachin (2008):

 

Muito antes do progresso técnico que permitiu a inseminação artificial heteróloga a paternidade/maternidade jurídica já podia ser determinada com base em critério fundado no afeto, como nos casos de adoção. O afeto é valor jurídico que se vincula ao livre desenvolvimento da personalidade e, portanto, à dignidade da pessoa humana. (…)

Parece inequívoco que, contemporaneamente, o elemento socioafetivo se apresenta como o de maior relevância na análise das questões atinentes ao direito de família, pelo que sua repercussão nas relações atinentes à filiação é consequência natural, verdadeiro corolário lógico de uma nova racionalidade que coloca a dignidade da pessoa humana como centro das preocupações do direito civil.

 

Em respeito às mudanças ocorridas na sociedade e, acompanhando a evolução dos relacionamentos intrafamiliares, o Conselho Nacional de Justiça, por meio do provimento 63 de 2017, reconheceu a paternidade socioafetiva, possibilitando o reconhecimento voluntário da paternidade/maternidade, mediante requerimento junto ao Registro Civil de pessoas naturais. Decisão mais do que justa, posto que, como outrora exposto, tais mudanças começaram a ser necessárias desde que se iniciou uma revolução jurídica no ordenamento pátrio com a repersonalização do direito civil.

Por fim, ressalta-se que o reconhecimento da paternidade socioafetiva será irrevogável, somente admitindo revogação por via judicial e, ainda, se, o pretenso filho possuir mais de 12 (doze) anos, é necessário o consentimento do mesmo.

 

  1. DA VULNERABILIDADE DO INSTITUTO DA ADOÇÃO

Necessita-se observar se a legislação aplicável ao instituto da adoção é eficaz e eficiente. A eficácia é possível ser verificada no momento em que o procedimento estabelecido em lei, para concretização da adoção é realizado.

Por outro lado, a eficiência deve ser verificada pelos dados apresentados e pelos efeitos produzidos pela adoção. Assim, ao analisar os parâmetros atuais do Cadastro Nacional de Adoção é possível constatar a discrepância existente, podendo então gerar questionamentos relativos a plena eficiência da regulamentação desse instituto.

Além disso, quando observados os efeitos gerados para as crianças que ficam anos nas filas de espera e muitas vezes saem por atingir a maioridade sem a obtenção de uma família, averigua-se mais uma vez, a ineficiência das regulamentações da adoção.

Importa salientar que, conforme afirma Luiz Schettini Filho (2017), “toda adoção carrega em si uma forma de abandono” e, por isso, os efeitos da adoção também devem ser observados por esse viés.

Assim, quando uma criança deixa o orfanato porque atingiu a maioridade sem ter sido adotada e, não porque foi pura e simplesmente escolhida por uma família, o ato de abandono, mais uma vez, faz-se presente.

As dores sentidas durante um processo de adoção traduzem perfeitamente os efeitos desse instituto, de modo que atinge aos candidatos a adotantes, adotados e aos terceiros que participam dessa relação (SCHETTINI FILHO, 2017).

Ante o exposto, observa-se a extrema necessidade apresentada acerca da conscientização dos cidadãos para a importância e todos os desdobramentos inerentes a adoção, de modo que, pequenas atitudes demonstram-se efetivas na conta final das filas de espera para adoção, visto que, de acordo com o parâmetro atual dos dados constantes no Cadastro Nacional da Adoção verifica-se a representação de todo o preconceito existente na sociedade que reflete diretamente nesses dados, ocasionando também prejuízo a crianças e adolescentes.

Faz-se necessário, portanto, que se façam campanhas acerca do tema que possam denunciar e modificar situações de preconceito geradas no seio social, que possam efetivamente mudar estes dados, posto que os mesmos representam, como outrora dito, uma história de abandono da sociedade e do Estado para com aqueles que não são escolhidos.

Por fim, ressalta-se a necessidade da desmistificação da adoção, já que se trata de instituto sublime, que traz esperança para a vida de muitas pessoas, tanto adotante quanto adotado. Como diz a poesia de autor desconhecido:

 

Não habitou meu ventre, mas mergulhou nas entranhas da minha alma. Não foi plasmado do meu sangue, mas alimenta-se no néctar de meus sonhos. Não é fruto de minha hereditariedade, mas molda-se no valor de meu caráter.

Se não nasceu de mim, certamente nasceu para mim.

 

Por isso, tão necessária faz-se a discussão para que, os cidadãos tomem conhecimento e por meio deste, abdique dos preconceitos intrínsecos relativos ao instituto, resultando assim, na diminuição das filas de espera da adoção.

 

CONCLUSÃO

Ante o exposto, verificou-se que ao longo da história, os métodos alternativos à concepção foram buscados por diversos motivos. Inicialmente, devido adoção ser o único método alternativo, ocorria apenas em casos excepcionais, em que não era possível de forma alguma conceber o filho pelo método natural.

Com o avanço tecnológico, surgiram os métodos de reprodução assistida, que trouxeram uma nova possibilidade para aqueles que também não poderiam gerar pelo método natural. Ainda, dentre os métodos de reprodução assistida, houve a possibilidade de gerar um filho com o próprio sangue.

Conseguinte, analisando os referidos institutos, foi possível averiguar a vulnerabilidade da adoção frente a reprodução assistida, principalmente pelas dores geradas em face do procedimento de adoção.

Ao analisar os parâmetros da adoção, considerando os números de adotantes e os números de adotados, demonstram-se surpreendentes os resultados. Contudo, é possível verificar que a “conta” não fecha entre adotantes e adotados, devido ao perfil de crianças exigido pelos adotantes e os perfis de crianças disponíveis para adoção.

Além disso, investigou-se que ainda é possível verificar a presença da adoção à brasileira, que, atualmente é tratada como crime pela legislação brasileira, mas que jurisprudencialmente e socialmente, vem sendo entendida como um ato de humanidade.

Por fim, verifica-se a necessidade de conscientização popular acerca da adoção, devido às dores sofridas por todos os envolvidos nesse processo, bem como, pela esperança e garantia de um futuro digno e justo para os infantes disponíveis à adoção.

 

REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo C. B. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática da monografia para os cursos de direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 de março de 2020.

 

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BRASIL. Lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916. Insituti o Código Civil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: < planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm >. Acesso em: 10 de março de 2020.

 

BRASIL. Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre a adoção. Diário Oficial da União. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm Acesso em: 10 de março de 2020.

 

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 10 de março de 2020.

 

BRASIL. Lei n. 11.105 de 24 de março de 2005. Estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB e dá outras providências. Diário Oficial da União – Brasília, DF.

 

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[1] Acadêmica do 7º período do curso de Direito do Centro Universitário Cidade Verde – UniFCV. Email: [email protected]. Participante do Projeto de Iniciação Científica – PIIC, intitulado: Desmistificando a adoção: uma análise investigativa de seus desdobramentos sob Orientação da Prof. Ms. Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2005) e Professora da graduação e pós graduação do Centro Universitário Cidade Verde – UniFCV.

[2] Acadêmica do 7º período do curso de Direito do Centro Universitário Cidade Verde – UniFCV. Email: [email protected]. Participante do Projeto de Iniciação Científica – PIIC, intitulado: Desmistificando a adoção: uma análise investigativa de seus desdobramentos sob Orientação da Prof. Ms. Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2005) e Professora da graduação e pós graduação do Centro Universitário Cidade Verde – UniFCV.

[3] Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2005) e Professora da graduação e pós graduação do Centro Universitário Cidade Verde – UniFCV. Email: [email protected]. Orientadora do Projeto de Iniciação Científica – PIIC, intitulado: Desmistificando a adoção: uma análise investigativa de seus desdobramentos.

[4] Em 2004, Paulo Lobo no artigo “Princípio Jurídico da afetividade na filiação”, escreveu: “A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou mãe e seus filhos. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, que a experiência constitucional brasileira consagrou, de 1824 até 1988. A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as relações familiares contemporâneas. Essa virada de Copérnico foi bem apreendida por Orlando Gomes: “O que há de novo é a tendência para fazer da affectio a ratio única do casamento” . Não somente do casamento, mas de todas as entidades familiares e das relações de filiação” (LOBO, 2004).

[5] Em 2008, o Ministro Luiz Edson Fachin, em sua obra “Questões de Direito Civil Contemporâneo”, apresenta também fundamentos a essa repersonalização que vem acontecendo no direito ao dizer: “Hoje, também, a paternidade pode ser determinada a partir do leitmotiv do Direito de Família contemporâneo. Esse leitmotiv, todavia, é, hoje, outro: não mais o vínculo matrimonial, mas, sim, o dado afetivo. (…) O critério socioafetivo é, reconhecidamente, modo de estabelecimento de paternidade. Ao mesmo tempo em que a presunção pater is est deixa de ser dogma, como já escrevemos, o dado socioafetivo passa a ser um dos elementos de maior relevância para a determinação da paternidade/maternidade” (FACHIN, 2008).

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