Multi-parenting in the civil registry
Autor: Ana Carolina Faria Santos – [email protected], Acadêmica de Direito no Centro Universitário Una – Contagem, MG.
Orientador: Isabela Thebaldi, Mestre em Direito Privado, pesquisadora em Direito Privado e professora universitária.
Orientador: Wagner Felipe Macedo Vilaça – [email protected], Mestre em Direito pela UFMG e professor no Centro Universitário Una de Contagem
Resumo: O presente artigo apresentará uma discussão teórica sobre a multiparentalidade no registro civil, aludindo em relação ao novo molde de paternidade admissível no direito brasileiro. A multiparentalidade no registro civil é a possibilidade do indivíduo ter em seus registros o nome de pais socioafetivos. Serão elucidados os procedimentos exigidos para que ocorra o reconhecimento judicial, além da explicação sobre a suma importância do sentimento de afetividade familiar gerado entre as partes sendo o mesmo o principal elemento para a tomada de decisão em relação ao reconhecimento da paternidade socioafetiva. Outrossim será dissertado mais adiante sobre os efeitos advindos da multiparentalidade, tais como as responsabilidades familiares, sucessão e partilha de herança dos indivíduos envolvidos. Ademais e de forma conclusiva será elaborada uma breve análise explicativa sobre um caso real de multiparentalidade no registro civil de pessoa pública.
Palavras-chave: Família, afeto, multiparentalidade, registro civil.
Abstract: This paper presents a theoretical discussion about multi-parenting in the civil registry, alluding to the new model of paternity admissible in Brazilian law. Multi-parenting is the possibility of having the sociaffective parents’ names in the individual’s civil registers. The procedures required for judicial recognition will be elucidated, in addition to the explanation of the paramount importance of family affection feeling generated between the parties, which become the main element for decision-making to the recognition of socioaffective paternity. Furthermore, it will be discussed multi-parenting effects, such as family responsibilities, succession, and inheritance of the individuals involved. Finally, will be conducted a brief explanatory analysis of a real case of multi-parenting in the civil registry of a public person.
Keywords: Multi-parenting, family law, affection, civil registry.
Sumário: Introdução. 1. Princípios fundamentais do Direito de Família. 1.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 1.2. Princípio da afetividade. 1.3. Princípio da Paternidade Responsável e do Planejamento Familiar. 1.4. Princípio Convivência Familiar. 2. Filiação e Paternidade Conforme o Ordenamento Jurídico Brasileiro. 2.1. Conceito de Filiação e Paternidade. 3. Obrigações Familiares à Luz do Código Civil. 3.1. Das Obrigações Familiares Relativas à Filiação e Paternidade. 4. Multiparentalidade Em Caso Real de Pessoa Pública. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo sugere uma discussão teórica sobre o tema: A multiparentalidade no registro civil. Ainda que seja um assunto ignoto, a multiparentalidade vem se tornando cada vez mais costumeiro no cotidiano. Na prática essa dupla paternidade seria o indivíduo poder ter o nome de mais de um de pai ou de uma mãe em seu registro civil, desse modo não se trataria apenas de pais biológicos, mas também dos pais socioafetivo, além dos nomes dos avós.
Nessa pesquisa serão abordados os conceitos de família, de pais biológicos e socioafetivo, além da demonstração dos principais reflexos na vida das pessoas na situação envolvida. Serão realizadas análises da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, bem como um caso real prático (pessoa pública) onde houve comum acordo entre os pais biológicos, pai socioafetivo e a filha.
A dupla paternidade no registro civil teve como marco primordial a decisão proferido pelo STF: RE: 898.060/SC, onde um pai biológico teve como dever reconhecer judicialmente sua filha biológica, sendo assim devendo arcar as obrigações advindas do feito. Contudo outro indivíduo foi reconhecido judicialmente como pai socioafetivo, tendo seu nome incluso no registro civil. Não obstante a decisão do Supremo ter sido favorável para o reconhecimento da paternidade socioafetivo, os genitores não ficam desobrigados do cumprimento de suas obrigações familiares perante o filho, como por exemplo alimentos, educação, saúdes, e afins.
O reconhecimento da paternidade é um direito dos filhos, estando este previsto em Lei. Compreende-se por afeto o sentimento existente entre duas ou mais pessoas envolvidas em uma relação. O sentimento de afeto está tornando-se cada vez mais relevante no âmbito das relações jurídicas. A afetividade criada entre pais e filhos é direito de ambas as partes, e quando não há existe entende-se que o dano ali causado pode ser irreparável. Apesar da responsabilização civil que tem seu cumprimento por meio judiciais, a afetividade é de valor imensurável.
Diante disso e a partir desse novo modelo de família, percebe-se que de alguma forma o filho recebe esse afeto não só por partes dos genitores, mas também por parte dos pais socioafetivo, e por isso buscam pelo reconhecimento e inclusão dos mesmos no registro civil. Realizadas pesquisas e estudos serão apresentados neste artigo o conhecimento adquirido sobre a multiparentalidade no registro civil e seus efeitos, levando em consideração a relevância jurídica e social do assunto.
- PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Nas diferentes áreas jurídicas nota-se que para uma base construtiva de estudos e conceitos inicia-se a partir da análise dos princípios essenciais, ou seja a partir dos mesmo têm-se o direcionamento primordial para a construção de entendimentos específicos. Não obstante a isso o Direito de família possui os seus próprios princípios, além de alguns que são considerados essenciais em todos os ramos.
1.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
“Alicerce da ordem jurídica democrática, pode – se dizer que a dignidade vem retratar o conteúdo do imperativo Kantiano, segundo o qual o homem há que ser considerado como um fim em si mesmo, jamais como meio para obtenção de qualquer outra finalidade. (ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, 2010, p.69)”
O princípio da dignidade da pessoa humana, trata-se de um princípio fundamental em todo o âmbito jurídico. Entende-se que a significância de tal princípio dá-se pois a dignidade humana é supremo no ordenamento jurídico brasileiro e vem expressamente normatizado sobre sua proteção na Constituição Federal em seu artigo 1º,inciso III:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana;”
Compreendida tamanha significância, podemos dizer que na multiparentalidade esse princípio tem sua importância no que tange a proteção e sentimento dos envolvidos na relação em si. A proteção ao pais, aos filhos, aos valores ali erradicados, e que não podem ser violado.
1.2 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
O princípio da afetividade baseia-se na teoria de afeto e sentimento ainda em que não haja laços consanguíneos entre os indivíduos. Desse modo compreende-se que não haverá distinção entre filhos adotivos, ou filhos de relação socioafetivas. Baseia-se e prioriza-se o sentimento entre os membros. No artigo 227 da Constituição Federal elenca-se a não distinção entre os filhos, desse modo podemos citar o referente artigo para exemplificação da afetividade.
“Art. 227 § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Esse princípio é estabelecido no âmbito jurídico de forma que reconheça-se de forma judicial o sentimento de afeto entre as partes envolvidas em uma determinada relação.
1.3 PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL E DO PLANEJAMENTO FAMILIAR
O princípio da paternidade responsável e do planejamento familiar vem elencado na Constituição Federal e no Estatuto da criança e do adolescente, em tese a base desse princípio é sobre a responsabilidades dos pais em torno do planejamento familiar, proteção e a criação dos filhos para que ocorram da melhor forma.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado: § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”
Interpreta-se que a partir da formação da família os pais assumem a responsabilidade para com os filhos, ou seja mesmo que haja a dissolução da família ou em casos onde não tenha sido criado o denominado conceito de família, mas que tenha o vínculo afetivo criado e tenha filhos os pais se tornam totalmente responsáveis por todo os direitos necessários e essenciais dos filhos.
“Independente da convivência ou relacionamento dos pais, a eles cabe a responsabilidade pela criação e educação dos filhos, pois é inconcebível a ideia de que o divórcio ou término da relação dos genitores acarrete o fim da convivência entre os filhos e seus pais. (PEREIRA,2012, p.246)”
O jurista Rodrigo Pereira da Cunha aponta em sua doutrina exatamente sobre a questão da responsabilidade dos pais para com os filhos. Compreende-se de maneira geral o princípio da paternidade responsável e do planejamento familiar é a base para organização da formação familiar gerada, sem serem analisadas circunstâncias alheias.
1.4 PRINCÍPIO DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR
O princípio da convivência familiar tem como base o direito de todos os membros da família conviverem com harmonia e afetividade, o mesmo está devidamente expresso no ordenamento jurídico, no artigo 1589 do Código Civil.
“Art. 1589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente. (Incluído pela Lei nº 12.398, de 2011)”
Conclui-se que de forma simplificado o referente princípio protege o direito dos pais e dos filhos de conviverem juntos, mesmo em caso onde os genitores ou socioafetivos não encontram-se em uma relação afetiva matrimonial.
- FILIAÇÃO E PATERNIDADE CONFORME O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.1. CONCEITO DE FILIAÇÃO E PATERNIDADE
Conceitualiza-se por filiação a relação havida entre descendentes e ascendentes de primeiro grau, ou aqueles agregados em consequência sucessória e familiar. De acordo com o dicionário de língua portuguesa o significado de filiação seria: “1 Ato ou efeito de filiar.; 2 Vínculo que une uma pessoa a seu pai ou a sua mãe.; 3 Designação dos pais de alguém.”
Já o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves denomina filiação como: “(…) relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado (29). Todas as regras sobre parentesco consanguíneo estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos (Carlos Roberto Gonçalves, 2017, p. 408).”
Com o passar do tempo surgiram na sociedade novos modelos de família, desse modo e consequentemente alguns conceitos pré-existentes também sofreram algumas alterações. No Código Civil de 1916 fazia-se uma distinção entre os filhos concebidos dentro e fora do casamento, contudo essa distinção findou-se com a Constituição Federal de 1988. Observa-se que no artigo 277 § 6º da Constituição, bem como no artigo 1596 do Código Civil de 2002, estabelece-se que todos os filhos deverão ser tratados de maneira igualitária:
“Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
As relações de parentescos foram ampliadas, podendo ser naturais ou civis. A relação natural, seria aquela criada por laços consanguíneos, ou seja oriundas de hereditariedade genética. As relações civis são formadas através reprodução, adoção ou reprodução heteróloga assistida. Tais denominações são estabelecidas no art. 1.593 do Código Civil: “Art. 1593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.”
Dentre as inúmeras modalidades de filiação, encontra-se a filiação socioafetiva, ou seja, aquela em que não decorre de laços sanguíneos e biológicos, mas sim através das relações criadas a partir do amor e do afeto gerados entre pais e filho. A pessoa a qual é tratada diante da sociedade e é judicialmente reconhecida como filho, passa a gozar de todos os direitos que os filhos biológicos possuem, não havendo qualquer diferenciação entre os mesmos.
Sob o mesmo ponto de vista, o doutrinador Cleyson de Moraes Mello, conceitua a filiação socioafetiva da seguinte forma:
“A paternidade socioafetiva é fruto da relação parental de filiação pelos laços afetivos que se podem estabelecer entre pessoas que, entre e socialmente se apresentam e se comportam como pai (mãe) e filho (a). (Cleyson de Moraes Melo, p. 290).”
Observa-se que nas relações de família é mais considerável o afeto criado entre as partes. Salienta-se que a consanguinidade apesar de indício relevante, não é requisito obrigatório para que haja um laço, nesse molde então é que inicia-se às relações socioafetivas no âmbito familiar. O afeto é o sentimento gerado espontaneamente entre as pessoas. Com o decorrer do tempo, a afetividade foi tendo reconhecimento no meio jurídico, até mesmo para tomada de decisões especificamente no Direito de Família.
“No entanto, a afetividade, é hoje para o Direito de Família um elemento de suma importância, capaz de gerar efeitos jurídicos, a partir do momento que é externado objetivamente pelos atos de criar, educar e assistir. (Maria Goreth Macedo Valadares, 2016, p. 63)”
Esse reconhecimento da filiação socioafetiva não necessita que o indivíduo seja maior de 18 anos, basta que haja a concordância por parte de todos os envolvidos, ou seja pais biológicos, pai/mãe socioafetivos e filho. O reconhecimento ocorrerá por meio extrajudicial, os envolvidos comparecerão ao Cartório de Registro Civil e expressarão suas vontades para tal ato, no momento do reconhecimento todos deverão está com os seguintes documentos: carteira de identidade e certidão de Nascimento da pessoa reconhecida, além disso será preenchido um termo específico. A mãe biológica assinará o termo e em casos onde o filho tem uma idade igual ou superior á 12 anos o mesmo também assinará o documento. Um requisito essencial para que seja validada o pedido é que o pai/mãe socioafetivos tenha mais de 18 anos.
“Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação;”
Ressalta-se que poderá haver a inclusão do pai socioafetivos no Registro Civil, no entanto se possuírem a vontade de alteração do nome do filho para caso de inclusão de sobrenome, por exemplo, só será possível através de ação judicial.
Assim em que houver o reconhecimento do indivíduo como filho socioafetivos, o sujeito passará a ter todos os direitos de um filho biológico, havendo então obrigações e deveres para ambas as partes, sem qualquer distinção.
3 OBRIGAÇÕES FAMILIARES À LUZ DO CÓDIGO CIVIL
3.1 DAS OBRIGAÇÕES FAMILIARES RELATIVAS À FILIAÇÃO E PATERNIDADE
A partir do momento em que ocorre o reconhecimento de filiação socioafetiva, as obrigações passam a existir para as partes envolvidas na relação. O filho passará a ter todos os direitos previstos em Lei e com o passar do tempo também arcará com as obrigações em relação ao pai/mãe. Como já ressaltado não haverá a distinção entre filhos biológicos e afetivos, do mesmo modo não haverá diferença entre pais biológicos e afetivo.
As responsabilidades dos pais biológicos se estenderão ao pai/mãe socioafetivo, contudo essa extensão não extingue qualquer responsabilidade dos genitores, todos terão iguais direitos e deveres, e uma vez descumpridas poderão ser requeridas seu cumprimento por meio judicial. Assim que ocorre o reconhecimento da paternidade, tornara-se irrevogável tal ato, salvo em casos de vício de vontade, fraude ou simulação, bem como expresso no artigo 10º § 1º do Provimento 63 do CNJ.
“§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação; (CNJ; Provimento nº 63/2017)”
Em toda a relação deverão ser observadas os interesses do filho, ou seja o que será levado em consideração é o melhor para o indivíduo, sem que seja pautado as prioridades dos pais, vez que como ressaltado todos serão iguais. No ano de 2016 uma decisão do STF deu início ao procedimento de reconhecimento de filiação e paternidade socioafetivos, nela o relator Villas Bôas Cueva explicou seu ponto de vista sobre o reconhecimento do pai socioafetivos.
“Não há mais falar em uma hierarquia que prioriza a paternidade biológica em detrimento da socioafetividade ou vice-versa. Ao revés, tais vínculos podem coexistir com idêntico status jurídico no ordenamento desde que seja do interesse do filho.”
Um dos direitos que o filho oriundo do reconhecimento passará a ter é direito a sucessão hereditária dos bens do pai/mãe socioafetivo.
A sucessão acontece a partir do momento do falecimento do indivíduo que possuía bens e herdeiros para qual serão transferidos após partilha e inventário. Os herdeiros distinguem-se em legítimos, necessários, testamentários e legatários. Os herdeiros necessários são aqueles que ocupam a primeira linha sucessória na partilha da herança, sendo eles: descendentes, ascendentes e cônjuges. Além disso contarão com a parte legítima dos bens, quer dizer então que por Lei é resguardado a eles 50% dos bens do de cujus. Os herdeiros legítimos são aqueles que também terão direito a herança, mas apenas em caso onde não haja herdeiros necessários, nessa modalidade serão: descendentes, ascendentes, cônjuges, irmãos, tios e parentes de grau mais distante, porém respeitando a ordem testamentária. A observação que deverá ser feita é que o herdeiro necessário sempre será legítimo, mas nem sempre um herdeiro legítimo será também herdeiro necessário.
Após o ato de reconhecimento de filiação o indivíduo passará a ser herdeiro legítimo e necessário do pai, ou seja, ocupará lugar na primeira linha sucessória. Desse modo o filho ali reconhecido terá por direito uma quota parte dos bens após o falecimento do pai socioafetivo.
Destaca-se que o filho ainda continuará com seu direito à herança por partes dos pais biológicos.
Exemplo: Ana filha de Luciana com João, é reconhecida judicialmente por Marcos como sua filha socioafetiva. Em decorrência de um acidente no ano de 2018 Marcos falece, deixando uma casa na cidade de Dores do indaiá. Um ano após o ocorrido João faleceu em consequência de uma doença, deixando de bens um automóvel e duas lojas de alugueis na cidade de Contagem. Ana terá direito em qual herança?
De acordo com o artigo 1.845 do Código civil, Ana por ser filha biológica de João receberá a sua parte da herança por ser sua herdeira legítima e necessária, consoante a isso ela também receberá a parte da herança do de cujus Marcos, pois com reconhecimento judicial Ana tornou-se sua filha.
O código civil indica em seus artigos que a herança caberá a ascendentes, sendo assim se porventura houver o falecimento do filho e possuindo pais vivos, os mesmos serão seus herdeiros, sem que haja a exclusão de alguma parte. Isso quer dizer que assim como o filho terá direito a herança do pai socioafetivo, de forma igualitária o mesmo também terá direito a herança do filho reconhecido pela afetividade.
“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. (Código Civil Brasileiro – 2002)”
A obrigação que passará a ser de responsabilidade do pai socioafetivo também é o dever de cuidado. No âmbito do direito de família, esse dever de cuidado seria o zelo dos pais com os filhos, ou de forma âmbito os deveres dentro da relação familiar. A constituição federal elenca-se em seu artigo 229 que os pais têm o dever de cuidado, desse modo deverão assistir, criar e educar os filhos menores, assim como traz expresso juntamente na mesma redação que os filhos maiores terão como obrigação o dever de amparar os pais na velhice em caso de enfermidade ou carência. Entende-se que esses deveres de cuidados havido entre as partes, são os elementos essenciais para os indivíduos que se encontra na situação de pai e filho.
Como não há diferenciação entre pais biológicos e socioafetivo, essas obrigações passarão a ser de igual valor para todos e aquele que em razão não justificada deixar de cumprir com suas responsabilidades poderão sofrer sanções judiciais, para que haja o cumprimento das mesmas.
“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (Constituição Federal da República Federativa do Brasil, 1988)”
Além das obrigações do artigo 229, há também aquelas especificadas no artigo 227 da Carta Magna. Brevemente explicando, esses serão os deveres de cuidado para que a criança ou adolescente tenha condição de vida digna, visando alguns direitos fundamentais e essenciais para desenvolvimento pessoal, intelectual e em sociedade. Apesar de ser deveres dos pais e da família, esse artigo elenca ainda outros responsáveis, sendo o Estado e a sociedade.
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição Federal da República Federativa do Brasil, 1988).”
O reconhecimento da filiação socioafetiva se concretiza pelo afeto criado entre indivíduos e a vontade para que além do tratamento de amor, haja também o reconhecimento judicial, ou seja que conste em registro civil o nome do pai socioafetivo.
Sendo assim, compreende-se que o afeto é um requisito essencial para tal conduta, pois tal sentimento não há uma maneira de ser ”cobrado”. Desse modo quando há esse reconhecimento voluntário pelas partes, subentende-se que os cumprimentos das obrigações familiares ali existentes serão cumpridos de forma espontânea, sem que tenha a necessidade da intervenção judicial.
Portanto enfatiza-se que após reconhecida filiação e paternidade socioafetiva a mesma se tornará irrevogável, o que quer dizer que caso tenha qualquer descumprimento de deveres e obrigações legais perante o poder familiar ali existente, a parte prejudicada poderá utilizar de meios judiciais para que haja o cumprimento.
É de fundamental a importância compreender que o vínculo familiar não se desfaz, sendo assim os descendentes e ascendentes terão o dever de cuidado uns com os outros, abrangendo inclusive os pais e filhos socioafetivos, ou seja, as obrigações familiares serão para todos.
4 MULTIPARENTALIDADE EM CASO REAL DE PESSOA PÚBLICA
A cantora brasileira Kelly Key, esposa do empresário Mico Freitas, é mãe de três filhos, sendo dois frutos de seu casamento e Suzana filha de Kelly Key com o cantor Latino. A família juntamente com o pai biológico decidiram de forma consensual sobre o reconhecimento de paternidade e inclusão do nome de Mico Freitas no registro civil de Suzana.
Em virtude do acontecimento muito foram os comentários e publicações sobre o caso, contudo Kelly Key e Mico Freitas disponibilizaram um vídeo no canal oficial da cantora, esclarecendo todo o ocorrido. Kelly Key relatou que a escolha partiu de Suzana e que tudo ocorreu de forma amigável, esclareceram ainda que o nome do pai biológico não foi retirado dos documentos da filha. A cantora explicou ainda que por ter tido o consentimento de todas as partes envolvidas, a tramitação ocorreu de forma célere.O casal está junto há alguns anos, constituíram uma família, e foi com esse vínculo que surgiu a afetividade paterna entre Mico e Suzana.
O empresário relatou no citado vídeo, que Suzana agora possui seu sobrenome “Freitas”, e que o referido reconhecimento além de tudo gratificante para ambos, uma vez que o amor e afeto entre os dois já os faziam ter o sentimento de pai e filha. O empresário ainda relata sobre o sentimento de felicidade ao saber da vontade da jovem para que houvesse esse reconhecimento de paternidade socioafetiva.
“Sou o pai da Suzana desde que ela tem 1 ano, na festa de 2 anos eu já estava presente. Então de 1 ano e alguma coisa até agora, que vai fazer 18, eu acho que é a coisa mais justa. Por mais que seja minha filha, ela acaba tendo meu nome, isso é muito gratificante. E acima de tudo saber que ela quer esse nome, é uma coisa que durante os 17 anos você fez a sua parte e a sua filha se sente sua filha.Também em termos de viagens, todo mundo no documento era Freitas, ela não, no hotel era família Freitas, e ela não. Ela sempre colocou nas redes sociais, mas ela não era Freitas. Era uma coisa que era importante para ela, que ia se sentir bem, e estou aqui para fazer as coisas que façam com que minha filha se sinta bem”
O casal ainda comentou sobre a importância da tomada de decisão para o presente reconhecimento e inclusão do socioafetivo no registro civil. Entretanto apesar de compreender-se que o afeto existentes entre as partes é imensurável para que haja valência judicial é necessário que as partes busquem por meios legais oficialização da relação.
Vale ressaltar que a paternidade socioafetiva não anula as obrigações da biológica, e ambas possuem os mesmo direitos e deveres, além disso destaca-se que não haverá a exclusão do nome do pai biológico do registro, apenas a inclusão do pai socioafetivo.
CONCLUSÃO
Ao epílogo deste artigo conclui-se que o direito de família está em constante evolução, e como forma de justificar a referenda afirmativa dar-se-á o reconhecimento do sentimento da afetividade como fator considerável para criação de laços e relações familiares conjuntamente com a possibilidade de inclusão de pais socioafetivos no registro civil.
Com base nos estudos e pesquisas realizados, percebeu-se que não haverá diferenciação entre os filhos biológicos e socioafetivos, outrossim e de maneira igualitária não haverá distinção entre os pais. Dessarte que os laços podem se formar em excepcionalidade da consanguinidade, e que a recognição do novo modelo de família é de extrema relevância para os indivíduos, assim como para a sociedade.
De maneira findada e conclusiva, compreende-se que o direito é uma área da ciência não estritamente conservadora, e sendo assim mesmo que não haja elencados nos dispositivos legais sobre a multiparentalidade no registro civil, os entendimentos jurisprudenciais os doutrinadores já reconhecem o devido instituto como entendimento favorável.
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 6. São Paulo: Saraiva jur, 2017.
KEY, Kelly. Paternidade Socioafetiva é Coisa Séria. Youtube, 30 Ago. 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K-aHfHlh5HY>. Acesso em: 05 abr. 2020.
MELLO, Cleyson de Moraes. Direito Civil – Famílias. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2017.
MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/ >. Acesso em: 10 abr. 2020.
STJ. RECURSO ESPECIAL: RE: 898.060 SC. Relator: Ministro Luiz Fux. DJ: 15/03/2016. STF, 2016. Disponivel em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13431919>. Acesso em: 04 abr. 2020.
VALADARES, Maria Goreth Macedo. Multiparentalidade e as Novas Relações Parentais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris Direito, 2016.