Os Efeitos Da Violência Psicológica Sob A Óptica Da Obra São Bernardo De Graciliano Ramos

Autor: Vanessa Kelly Gonçalves do Nascimento – Acadêmica de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho- FSA. Email: [email protected]

Orientadora: Rosália Maria Mourão Carvalho – Professora da Disciplina de Direito e Literatura do Centro Universitário Santo Agostinho – FSA, Doutoranda em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Email: [email protected].

Resumo: No decorrer da apreciação da violência psicológica, examinamos que ela é uma prática recorrente há anos devido a uma sociedade patriarcal e totalmente machista que põe a mulher em posição inferior ao homem. E coincidentemente a obra de Graciliano Ramos, consideramos algumas preposições para desenvolver as implicações desse tipo de violência na vida e cotidiano das vítimas, abordando no presente artigo, as causas e uma possível solução para esse problema através do empoderamento feminino. Utilizamos autores como Simone de Beauvior e Michelle Perrot para embasar e defender a importância da atuação feminina na sociedade e confirmamos que apesar do espaço alcançado, a mulher ainda não tomou seu lugar de direito.

Palavras-chave: Violência psicológica, machismo, empoderamento.

 

Abstract: In the course of assessing psychological violence, we have examined that it has been a recurring practice for years due to a patriarchal and totally macho society that puts women in a lower position than men. And coincidentally the work of Graciliano Ramos, we consider some prepositions to develop the implications of this type of violence in the lives and daily lives of the victims, addressing in this article, the causes and a possible solution to this problem through female empowerment. We used authors such as Simone de Beauvior and Michelle Perrot to support and defend the importance of female performance in society and we confirm that despite the space achieved, women have not yet taken their rightful place.

Keywords: Psychological violence, machismo, empowerment.

 

Sumário: Introdução. 1. A importância da literatura para o Direito. 2. A relação da obra São Bernardo para as questões de direito. 3. A evolução histórica do papel da mulher.3.1. A mulher prendada, mulher para casar 3.2 A procriação: Função sagrada de gerar vidas. 3.3 A educação de servidão para a mulher. 4. Madalena X Paulo Honório: Da posse à violência. 5. O empoderamento feminino como forma de rompimento da situação de violência doméstica. 6. A mulher contemporânea e sua luta pela igualdade de gênero. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é algo que pode ser observado desde os tempos mais antigos. Ela é vista sobre vários aspectos diariamente, seja em âmbito doméstico ou nas relações de trabalho e se revela por meio de um contexto sociocultural através da discriminação. Assim sendo, as mulheres, sejam elas, brancas, pardas ou negras, de classe alta ou pobre, são as maiores vítimas dessa prática, pois desde os primórdios são perseguidas por serem vistas como vulneráveis e inferiores em todos os setores de sua vida.

Empregaremos o paralelo existente entre o Direito e a Literatura, para melhor compreender as disposições existentes sobre o assunto em questão e demonstrar que a literatura desempenha papel fundamental ao retratar, mesmo que às vezes de forma irreal questões que não são abordadas explicitamente na sociedade. Assim sendo, a contribuição que a análise literária pode vir a proporcionar para o universo jurídico é de suma importância, uma vez que leva a este um novo olhar interpretativo, em que a ficção dá lugar a realidade ao possibilitar que se faça uma reflexão sobre o modo como o ser humano se comporta e suas implicações dentro do Direito.

Utilizamos para o desenvolvimento desse trabalho a obra literária São Bernardo de Graciliano Ramos, um romance publicado pela primeira vez em 1934 em meio há diversos problemas sociais que marcaram o movimento modernista da literatura brasileira e que retrata exatamente um problema muito atual, que é a violência psicológica sofrida pelas mulheres, demonstrando como ela pode se projetar nas relações domésticas e qual o papel da mulher no casamento a época da obra.

A análise da obra proporciona uma abordagem sobre o que vem a ser a violência psicológica e como ela ocorre devido à relação de poder que o homem exerce nas relações pessoais, tornando possível uma reflexão sobre o modo como o universo jurídico e a literatura discorrem sobre o tema. Objetivamos apresentar uma breve análise sobre os efeitos da violência sofrida nas relações amorosas, que apesar de devastadores, não são fáceis de serem identificados, uma vez que o agressor convive com a vítima e comete o crime privando-a de sua autonomia e liberdade de pensamento, o que ocasiona feridas íntimas que não podem ser vistas e identificadas como as lesões físicas.

Deste modo, é de essencial importância a discussão sobre esse tema, pois buscamos assim informar mais sobre os tipos de violência psicológica, identificar como ela se apresenta e quais as possíveis saídas para evitar essa prática tão recorrente e pouco divulgada e denunciada no Brasil. O intuito do presente artigo é demonstrar para as vítimas dessa prática que ela, assim como a violência física, pode ser punida por meio da lei, e combatida por meio do empoderamento feminino.

O empoderamento feminino visa transformar a vida e as perspectivas das mulheres, não só vítimas de violência física ou psicológica, mas no contexto geral, buscando demonstrar que o maior inimigo da mulher é o sistema social em que ela é inserida e que a discriminação de gênero não é empreendida somente por homens, mas até pelas próprias mulheres que veem nas outras suas inimigas. ,

Assim, ambicionamos com o presente trabalho, ratificar que há uma saída para que as vítimas de violência psicológica possam ser realmente libertas da prisão que são os momentos com os agressores através da união feminina por meio do empoderamento feminino, que hoje se tornou uma arma infalível a fim de que a mulher não seja coagida, torturada, humilhada e se torne uma presa fácil para aqueles que a querem dominada.

 

1 A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA O DIREITO

Atualmente a literatura tem uma ligação interdisciplinar com o direito. Isso porque através dela, podemos compreender o que a sociedade sopesa sobre o direito e a justiça. A literatura nos proporciona uma visão mais rápida e objetiva sobre toda a verossimilhança que existe no direito, visto que a realidade brasileira encontra, muitas vezes, intimidade com a ficção existente nas obras literárias.

A literatura e o direito têm se relacionado intimamente. Seja na reprodução de conflitos entre as relações processuais, nas violações as normas ou até mesmo na percepção da sociedade sobre os operadores do direito, a literatura, em suas mais variadas formas, nos mostra que o direito deve abandonar suas antigas percepções e ir em direção a sua auto recriação.

O direito se utiliza da literatura para motivar a busca pela justiça, uma vez que aplicada ao direito a literatura é capaz de fazer com que os operadores do direito reflitam e analisem em relação aquilo que está sendo visto no âmbito jurídico. Assim sendo, as obras literárias são capazes de trazer a vivência daquilo que se passa para o leitor e proporcionar a este, muitas experiências.

Ademais é através dos textos literários que podemos analisar tudo aquilo que os juristas buscam para embasar o direito e uma vez que tanto o direito quanto a literatura demandam uma atuação na esfera interpretativa por meio de textos escritos, é possível esbarrar com grandes obras literárias capazes de desvendar algumas das questões existentes entre direito e justiça.

Por fim é necessário pontuar que, apesar de sua importância para o direito, a literatura ainda é pouco utilizada nas decisões judiciais brasileiras. Não obstante isso, verificamos que o que se busca ao utilizar a literatura não é a criação de um novo sistema jurídico, mas a inserção de uma nova visão a este pelas lentes poéticas. Como bem aduz Freitas (2002. p.22) “ter-se-ia que todo legislador e decisor judicial seriam poetas do mundo”.

A análise da obra São Bernardo nos proporciona uma visão sobre como a desigualdade de gênero se perpetra a época em que esta foi escrita e como a violência psicológica se projeta através da diminuição e da desvalorização da mulher ocasionando feridas íntimas que não podem ser vistas e identificadas como as lesões físicas. Portanto, com o presente trabalho objetivamos apresentar uma breve análise sobre os efeitos deste tipo de violência sofrida nas relações amorosas e demonstrar que apesar de que a discriminação é constante na vida das mulheres, não há mais espaço para a desigualdade de gênero.

 

2 A RELAÇÃO DA OBRA SÃO BERNARDO PARA AS QUESTÕES DE DIREITO

Na obra São Bernardo de Graciliano Ramos, podemos observar que Paulo Honório, desde o pedido de casamento, tenta coagir Madalena a aceitar seu pedido e a ser sua esposa, uma vez que este não buscava um casamento, mas um negócio que além de benefícios financeiros, lhes trouxesse um herdeiro. Paulo Honório fecha o cerco sobre dona Glória e a sobrinha, encurralando-as até que a resposta quanto ao casamento seja positiva. Enfim, ele obtém o seu intento e deixa clara sua postura de senhor irredutível, que sempre consegue o que quer com seu poder. E assim começa mais uma história de relacionamento abusivo, que retrata exatamente o que vivenciamos na vida real.

Após o casamento, as divergências entre Paulo Honório e Madalena começaram a despontar. Madalena moça a frente de sua época, chega a São Bernardo curiosa para saber do funcionamento do local e disposta a conhecer tudo e todos, indo contra todas as expectativas do marido, uma vez que este, dentro de seus pensamentos arcaicos, julga tal interesse como algo inapropriado para uma mulher. Vê-se neste ponto que desde sempre, a mulher era considerada alguém inferior e deveria obedecer a figura do marido em qualquer circunstância.

Paulo Honório, como forma de agradar Madalena, decide montar uma escola a fim de ver a mulher ocupada para que não se imergisse em seus assuntos, mas vendo quanto de seu dinheiro despendera para tal feito e não tendo como abater sua raiva em Madalena, desfere toda a sua raiva em Marciano, que é agredido com a desculpa de não alimentar bem o gado da fazenda. A raiva de Paulo Honório aumenta ainda mais ao saber que Madalena empreendeu cuidados ao vaqueiro e que com seu dinheiro, comprou medicamentos para sarar suas feridas. Nisto, podemos observar o controle econômico que este tinha em relação à mulher, pois como ela é dependente deste e não trabalha fora de casa, o marido se põe em uma posição de superioridade e se julga dono da mulher e da razão nas relações familiares, como hoje ainda acontece.

O ciúme de Paulo Honório chega ao ápice a partir de sua festa de dois anos de casamento, pois ao ver Madalena discutir política e questões sociais, ele se indaga se a esposa tem religião, uma vez que para ele a religião ao homem de nada serve, mas para ele mulher sem religião é capaz de tudo.

Assim, com seus ideais e sua posição de superioridade em relação aos empregados da fazenda, vendo a possibilidade de Madalena ter alguma forma de poder e com medo de perder sua autoridade, Paulo Honório começa a enxergá-la como algo nocivo aos seus interesses e resolve cometer hostilidades com aqueles funcionários que, de alguma forma, tentavam agradá-la. Assim a possível falta de religião e o interesse por política e assuntos sociais, levaram Paulo ao ciúme doentio, ao ponto de se perguntar da paternidade de seu próprio filho. Neste respeito fica implícito o autoritarismo na relação familiar, onde a mulher tinha que seguir padrões de decência e religiosidade, uma vez que, caso ela não tivesse tal comportamento, seria considerada uma aberração.

Por alguns momentos a desconfiança de Paulo Honório é tão clamorosa, que este pensa em agredir Madalena fisicamente, mas não consegue pôr os pensamentos em prática, pois nos seus lapsos de lucidez não acreditava que a esposa fosse capaz de trair sua confiança. Por alguns momentos, Paulo, por não admitir a originalidade de Madalena, se tortura com a deturpação de seus pensamentos e narra à resignação que ora sente com o delírio da traição da esposa:

Se eu tivesse uma prova de que Madalena era inocente, dar-lhe-ia uma vida como ela nem imaginava. Comprar-lhe-ia vestidos que nunca mais se acabariam cha­péus caros, dúzias de meias de seda. Seria atencioso, muito atencioso, e chamaria os melhores médicos da capital para curar-lhe a palidez e a magrém. Consentiria que ela oferecesse roupa às mulheres dos trabalhadores. (RAMOS, 2014, p. 176)

 

Podemos ver claramente que com tais pensamentos, Paulo Honório busca justificar o erro que ele mesmo criou e fantasiou em sua mente a despeito de Madalena, pois para ele, a esposa sempre foi culpada de tudo, ao mesmo tempo em que busca um motivo para redimi-la por seus pecados e dar-lhe boa vida.

A obsessão dos delírios de Paulo se agrava cada vez mais e ele acredita que Dona Glória, tia de Madalena, é cúmplice dela em suas traições, que os empregados da fazenda estão todos a acobertar a esposa com seus amantes e chega a ponto de desconfiar até das visitas do padre na fazenda. Em uma das muitas noites passadas em claro, Paulo Honório pensa ter ouvido passos e assobios e resolve armar-se e atirar com seu rifle, nisto a esposa acorda em pânico. Madalena nada tem a fazer a não ser desabafar em prantos. Podemos observar que essa é uma das práticas recorrentes nas relações conjugais atuais, uma vez que o ciúme doentio e a desconfiança na esposa são capazes de cegar o homem a ponto de ele pensar, no alto de seus delírios, que tudo e todos estão tramando contra ele. Assim, o homem procura ferir intimamente a mulher para que ela se sinta coagida e pressionada a ficar com ele.

Por fim, Paulo Honório encontra no pomar uma folha de prosa e descompensado vai ao encontro de Madalena acusando-a e esta apenas lê com naturalidade o conteúdo da folha. Indignado Paulo Honório se irrita com a tranquilidade da mulher que chora e culpa o marido pelo afastamento do casal, neste momento, pela primeira vez Madalena põe para fora aquilo que a mente e o coração sentiam há tempos. Paulo Honório pensa em desculpar-se, mas seu instinto de macho superior não o deixa. E assim é recorrente nas relações amorosas onde a mulher se sente reprimida por atos desmedidos de seus companheiros, são feridas, têm baixa autoestima e vivem apenas a mercê de um pedido de desculpas que nunca vem.

A violência psicológica tem efeitos devastadores. Assim Madalena, cansada de sofrer, de se sentir diminuída, violentada em não ser a mulher que seu marido esperou, pôs fim a própria vida. A maioria das vítimas da violência psicológica vê na morte a solução dos problemas, tudo isso porque nas palavras de Miller, (1999. p.54), “a mulher vítima do abuso emocional vive em constante estado de medo, do próximo passo que o homem dará, de baixar a guarda”. A vítima não pode sequer desfrutar de momentos tranquilos temendo o que o homem fará e quais meios ele usará para atingir sua paz.

Vislumbramos aqui os meios que Paulo Honório utilizou contra Madalena, tais como coação, controle econômico, ciúme desmedido, entre outros. Muitas vezes pergunta-se qual o motivo da mulher que é violentada psicologicamente ainda permanecer numa relação assim. A resposta encontra-se em a vítima não saber que está passando por isso, afinal os gestos dessa prática são imperceptíveis e só vêm a ser notados após serem mais frequentes.

No caso de Madalena, esta vivia em uma época das trevas para o gênero feminino, uma vez que o espaço da mulher na sociedade não existia e pelo fato dela ter suas opiniões, sua vontade de se expressar, bem como ser alguém sociável e humana, era vista como alguém anormal e que provavelmente se tornaria um maleficio a quem a rodeava, o que infelizmente a prejudicou infinitamente em sua relação com Paulo Honório e a fez tomar uma atitude desesperada e sem volta.

Desta maneira, a literatura nos mostra uma realidade bem atual e nos propõe uma infinidade de interpretações sobre o mundo jurídico. Nas palavras de Lênio Streck (2013, pág.227) “Faltam grandes narrativas no direito. A literatura pode humanizar o direito. Há vários modos de dizer as coisas.” O direito utiliza-se da literatura para compará-la com a realidade e assim poder prever as proposições pertencentes ao mundo jurídico. Isto posto, a literatura pode revolucionar o direito, porém, faz-se necessário uma maior utilização desta a fim de que a busca pela justiça, que é o que todos galgamos,  torne-se efetiva.

 

3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PAPEL DA MULHER

Em todos e tempos e processos civilizatórios a mulher é descrita e retratada sob a perspectiva do olhar masculino. Para que possamos vislumbrar o papel da mulher é necessário analisar os meios culturais, históricos e também sua atuação no mundo, para então perceber como sua identidade e seu lugar na sociedade foram constituídos.

No contexto atual, a mulher chefia empresas, tem direito ao voto, casa por amor, se divorcia pela ausência dele, mantém uma família e realiza uma infinidade de atividades sem que dependa da benção de um homem, Mas nem sempre isso foi assim, foi necessário percorrer um grande caminho, o de desmistificar e transformar todo um contexto histórico-cultural que sempre pregava a mulher como alguém incapaz.

A partir do século XIX a história procurou adequar o papel feminino em seus capítulos. Porém conforme Del Priore (1994. p.12) “ela tem dado a mulher espaço cuidadosamente demarcado pelas representações e ideais masculinos”. Assim, a função da mulher foi vista como a de uma coadjuvante, sempre devendo obediência a Deus, ao pai ou ao marido de acordo com os preceitos existentes.

Para entendermos como a mulher foi acorrentada ao sistema de poder masculino, traçaremos um paralelo demonstrando a estruturação do que significou realmente ser “mulher” dentro de um mundo patriarcal.

 

3.1 A MULHER PRENDADA, MULHER PARA

A mulher não podia ter domínio sobre si, sobre seu corpo, sobre seus sentimentos, tampouco sobre sua sexualidade. Michelle Perrot (2005.p.9) traduz o sentimento das mulheres quando afirma “bocas temadas, lábios cerrados, pálpebras baixas, as mulheres só podem chorar, deixar as lágrimas correrem como a água de uma inesgotável dor”. Á mulher não era permitida escolher seu próprio marido, uma vez que cabia ao seu pai negociar com quem lhe trouxesse maiores benefícios econômicos, não importando opiniões.

Para tanto, não eram todas as mulheres que serviriam para casar. A mulher preparava-se para bem servir ao marido aprendendo a cozinhar, bordar, costurar e nas classes mais abastadas ensinava-se música e poesia. Deveria ser prendada e também religiosa, pois como vemos na obra São Bernardo, Paulo Honório acreditava que para o homem a religião não era necessária, mas “Mulher sem religião é capaz de tudo.” (RAMOS, 2014, p. 155).

Em todos os tempos e lugares a igreja buscava restringir a sexualidade e a vida feminina combatendo os seus desejos e vinculando-a a figura de pecadora. Para ser uma mulher para casar “fora do espaço doméstico ou do leito, seriam mulheres com facilidades de costumes, associadas as mulheres submissas das raças dominadas” (DEL PRIORE, 1994. p.15). Assim, caso a mulher ousasse não seguir os padrões de vida e castidade impostos pela igreja, era excluída da sociedade ou trancafiada em um convento e passaria o resto da vida se martirizando por seus pecados.

O comércio conjugal era a sina das mulheres e esta tinha como função criar uma nova família e garantir o poderio econômico de sua família de origem. E faria isso porque era obrigada a negociar sua virgindade, que era a moeda de troca principal do negócio. Assim, a pureza da mulher deveria ser garantida a fim de que a subsistência do negócio fosse mantida.

Deste modo, limitando a liberdade da mulher em todos os aspectos e impondo a esta a responsabilidade de carregar a família nos ombros, ou de ser posta em um convento contra a sua vontade, esta estaria sob controle e estaria pronta para ser uma mulher prendada e perfeita para casar, devendo suportar até o fim de sua vida a submissão e obediência ao marido, visto que o casamento não era somente um acordo, mas algo abençoado pela mão de Deus.

 

3.2 A PROCRIAÇÃO: A FUNÇÃO SAGRADA DE GERAR VIDAS.

Após o sagrado matrimônio, o ápice da vida da mulher era o destino da maternidade. Ela só seria completa se desempenhasse com maestria seu papel de esposa e mãe honesta cumpridora dos preceitos morais e éticos impostos pela igreja e assim poderia desvencilhar-se do papel de pecadora gerando vidas.

De acordo com Macedo (2002. p.23) “o casamento não deveria ser realizado pelo estímulo da luxúria, mas pelo desejo da procriação”, pois a linhagem e o legado familiar deveriam ser mantidos. Na obra São Bernardo, Paulo Honório também vai em busca de Madalena intentando não um matrimônio, mas um herdeiro. E assim eram criadas as famílias, a esposa deveria deitar-se com o marido quando e onde este quisesse sem impor-lhe empecilhos, pois quanto maior a prole, maior seria o poder da família.

Então, a saúde da mulher passou a receber maior valor, afinal uma mulher doente não seria capaz de procriar. Del Priore (2004. p.82) relata que “o esforço da medicina em estudar o útero era proporcional ao mistério que a mulher representava como receptáculo de um depósito sagrado, que precisava frutificar”. Havia uma tentativa de desvendar os mistérios do corpo feminino. Se a mulher era um ser inferior, por que só ela poderia servir a reprodução? O fato deste desconhecimento sobre a anatomia feminina, mais uma vez fez da mulher vítima da desconfiança masculina.

A maternidade ora serviria de válvula de escape para um bom casamento, ora serviria para levar a mulher a um estado crítico. Isso porque enquanto casada, esta poderia ter quantos filhos lhe fosse permitido, porém nos casos em que a mulher seguia seus desejos e se tornava mãe solteira, o mundo voltava-se contra si. Dessa forma, mais uma vez a igreja se fez presente e criou a roda dos expostos, onde eram deixadas as crianças que não poderiam ser cuidadas sem que soubessem da identificação da mãe. As crianças eram abandonadas por diversos motivos, as de famílias pobres, para escapar de um destino de miséria. Já as de famílias abastadas, para escapar da vergonha de conceber um filho sem casar.

Desta forma, a forte repressão sofrida pela mulher e o fato de estar sobrecarregada tanto fisicamente, quanto psicologicamente dentro de seu ambiente doméstico e social, a levava ao sofrimento de muitos males e um deles era a loucura. Uma vez que o papel feminino era limitado aquele imposto pelas regras da época, se ela se desviasse daquilo que era proposto, era vista como insana. Podemos notar tal pensamento retornando a Obra São Bernardo, quando Madalena se interessa pelos negócios da fazendo e o marido a reprime, pois afinal, para ele, negócios são resolvidos apenas por homens.

Na obra São Bernardo visualizamos o desinteresse de Madalena e Paulo Honório pelo filho, aliás, pouco se fala sobre o destino do herdeiro da fazenda. Madalena, inconformada com a loucura desmedida do marido afasta-se do filho e se refugia em suas dores, já Paulo Honório, vê no filho um concorrente pelo amor e atenção da esposa.

Por fim, vale salientar que a prisão da mulher é o lar, pois “o mal-estar da dona-de-casa diante da litania do cotidiano, o peso das coisas materiais, o tédio da costura, das casas sempre em desordem, das crianças todo o tempo doentes” (PERROT, 2005.p 82) é o que faz da mulher uma escrava da família.

 

3.3 A EDUCAÇÃO DE SERVIDÃO DA MULHER

Como já colocado, a mulher é sempre educada para bem servir aos interesses masculinos e a ela cabia aprender somente aquilo que pudesse ser utilizado para seu bom desempenho na tarefa de ser dona de casa.

Na idade média, as mulheres camponesas, além dos afazeres domésticos, trabalhavam também na lavoura e desempenhavam inúmeros outros papeis como o de artesãs, na produção de cosméticos, sabão, pentes e artigos de luxo utilizadas na corte. Nesta época além da distinção entre homens e mulheres, existia também a grande diferença entre camponesas e mulheres da corte. De acordo com Macêdo (2002. p.32)

a estruturação da casa e das relações familiares lembra uma pequena Monarquia: a esposa do senhor, a dama, comporta-se como o marido em relação aos seus dependentes, tiranizando as domésticas e, no caso de ser sogra, menosprezando a nora.

 

Assim, as distinções sociais também tiveram sua parcela de culpa na educação da mulher apenas para servir a família e na discriminação desta, vez que seu poderio econômico era de suma importância para que fosse maltratada e obrigada a realizar tarefas por vezes humilhantes.

No Brasil, poucas eram as mulheres que podiam estudar, pois o que deveriam fazer de melhor era agradar seu marido. Porém após a instauração da República compreendeu-se a necessidade da educação para prosperar em busca do desenvolvimento e mais uma vez a igreja entra em ação buscando delinear que o homem e a religião permanecessem no poder.

Criou-se então um modelo de educação básica para homens e mulheres, compreendidos com leitura e escrita e o desenvolvimento das quatro operações matemáticas. Aos homens ensinava-se ainda oratória e geometria. Para as mulheres era ensinado costura e técnicas de bordado. Vale ressaltar que nas famílias abastadas, a mulher também aprendia a recitar poesias, piano e francês, e, eram preparadas para dar ordens às suas criadas e aquelas que lhes prestaria serviços.

De modo igual, a mulher sai do âmbito totalmente doméstico e se ilude com a ideia escolar que visa unicamente sua preparação para assumir um importante papel na sociedade: ser uma esposa cumpridora dos seus deveres dando apoio a vida social do marido e ser mãe formadora de cidadãos de bem.

 

4. MADALENA X PAULO HONÓRIO: DA POSSE À VIOLÊNCIA

Ao descrever Madalena e todas as formas de violência psicológica que ela sofreu ao longo de sua breve hospedagem pela vida, devemos enfatizar que à época em que a obra foi escrita, em 1934, nos remete a fase em que a literatura era muito utilizada para retratar problemas sociais.

Assim, Graciliano Ramos explorou, em São Bernardo, através do Personagem Paulo Honório, tudo aquilo que o homem capitalista seria capaz de fazer em prol do lucro, como podemos observar:

A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que me deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las. (RAMOS, 2014, p. 39)

 

Paulo Honório era movido pelo ímpeto da conquista, sempre se utilizou de meios escusos para deter para si tudo o que desejava e buscou inclusive um casamento como arranjo comercial. Com Madalena não foi diferente, afinal todo o entusiasmo que ele teve em tomar a fazenda para si, transferiu para a conquista da futura esposa. Paulo propõe que para atingir seus intentos poderia se utilizar até da violência, uma vez que ela justificava suas atitudes, com quem ousasse atravessar seu caminho.

A dominação e o sentimento de posse que Paulo Honório nutria por Madalena é fruto da cultura patriarcal tão disseminada em toda a história. Para Paulo, a mulher devia-lhe além de tudo obediência e como bem expõe Bourdieu (2012, p.17) “a divisão entre os sexos parece estar na ordem das coisas, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável”. Assim, seria natural que a mulher fosse subordinada aos desmandos do marido.

Ao procurar uma esposa Paulo Honório avaliava suas possíveis candidatas como se procurasse um bom animal para sua fazenda. Madalena devia ser propriedade dele e deveria ser sadia, uma vez que serviria ainda de instrumento procriatório, para lhe dar um herdeiro. A mulher deveria ver no casamento e suas consequências, seu único sonho realizável.

A sociedade contextualizada na obra enaltecia a mulher prendada que seguisse os preceitos religiosos e que tinha como ímpeto primordial os afazeres do lar. Porém Madalena fugia a essa regra, devido ser professora e possuir ideais libertários e de justiça. Ao propor casamento a Madalena, Paulo Honório admira-se da inteligência da esposa letrada e até a compara com os poucos relacionamentos que ora tivera, pois não sabia como conquistá-la:

Até então os meus sentimentos tinham sido simples, rudimentares, não havia razão para ocultá-los a criaturas como a Germana e a Rosa. A essas azunia-se a cantada sem rodeios, e elas não se admiravam, mas uma senhora que vem da escola normal é diferente. (RAMOS, 2014, p. 80)

 

Todavia, após o casamento, por vezes desdenhava da intelectualidade da esposa, pois se sentia inferiorizado, o que o fez começar a violentá-la psicologicamente. Paulo Honório veio de família pobre e só aprendeu a ler em decorrência de sua prisão, já Madalena era professora e tinha vários artigos publicados no jornal. Dessa forma, por se sentir ameaçado, adotou um comportamento que o levou a desgraça.

Paulo Honório começa a desgostar-se com Madalena ao perceber o interesse dela pelo andamento da fazenda e por suas intromissões em seus assuntos e conversas. Além do mais ela desdenha dos afazeres domésticos e não é religiosa. O descontentamento é ainda maior quando Madalena dá à luz ao tão sonhado herdeiro e não mantém por ele tanto apreço. E assim começam os pequenos gestos que levam Madalena ao desespero.

A violência psicológica é observada na obra por meio do ciúme doentio que Paulo Honório sente por Madalena após os dois primeiros anos de casamento. O narrador tenta de todas as formas “domesticá-la”, no entanto Madalena não aceita a rudez com que o esposo trata a todos os que o cercam e o marido vê isso como uma fraqueza dela, utilizando-se de agressões e desmandos para feri-la.

Assim, não podendo se utilizar da violência física com a esposa, ele resolve inferiorizá-la e diminuí-la através de pequenos gestos contra os empregados da fazenda a fim de atingi-la. Nas Palavras de Miller:

A rotina da mulher que sofre abuso psicológico é de constante medo, onde ela nunca sabe qual será o próximo passo do companheiro, se ele ao chegar à casa trará flores ou se irá, mais uma vez, afirmar sua condição de subordinada e “estúpida” – ainda que satisfaça todos os seus desejos, ele nunca estará satisfeito e sempre encontrará uma maneira de atacá-la quando chegar do trabalho. (MILLER, 1999, p. 53).

 

Assim também era a rotina de Madalena, que sofria diariamente com os insultos e com os amantes fantasiosos que o esposo lhes arranjava. Paulo Honório chega até a cogitar a violência contra a esposa “O meu desejo era pegar Madalena e dar-lhe pancada até no céu da boca.” (RAMOS, 2014, p. 163), mas desiste de tais pensamentos.

Diante da insanidade de Paulo Honório, Madalena se vê acuada e oprimida, consumando-se assim um severo dano em seu emocional e perturbando sua mente. A violência psicológica é descrita pela Lei Maria da Penha como qualquer comportamento que venha causar na mulher dano emocional, diminuição da autoestima ou que lese seu desenvolvimento. Não obstante isso pode dar-se de várias formas. Na obra citada a violência é consumada em vários aspectos, pois Paulo Honório emprega sempre meios vexatórios para magoar a esposa.

O narrador lesa a esposa ao rememorar que esta depende dele financeiramente, ao afirmar que esta escreve cartas de amor para outros homens e ao julgá-la adultera sem a mesma nunca ter o traído e é por isso que Madalena comete o ato desesperado de deixar esse mundo da maneira que o fez, pondo fim a própria vida.

A violência psicológica causa profunda mágoa, um sentimento de impotência e de desvalorização da mulher, onde esta até percebe que está em situação de violência, mas não enxerga os efeitos de tantos anos sendo coagida, massacrada. Em São Bernardo, Madalena não podia mais continuar a viver com o ciúme sem fundamento do marido e este ao achar que tem a prova da infidelidade da esposa pensa finalmente em matá-la, afinal se ela era infiel, ele tinha seus direitos, “matá-la era ação justa. Para que deixar viva mulher tão cheia de culpa? Quando ela morresse, eu lhe perdoaria os defeitos.” (RAMOS, 2014, p. 188).

Contudo, não restou tempo para Paulo matar a esposa ou para pedir-lhe perdão. A ignorância, o machismo e a violência psicológica, levaram-na de seus braços e a ele só restou o arrependimento e a solidão, uma vez que após o suicídio de Madalena, todas aquelas pessoas que estavam ao seu redor afastaram-se dele.

E assim, a história de Madalena nos remete a história de muitas outras que vemos diariamente. A intolerância do marido em aceitar que a esposa foge a regra dos ditames machistas e sua visão de que a mulher é sua propriedade, transformam a mente da mulher em um verdadeiro caos. A opressão da mulher é uma das maiores causas de suicídio, afinal ela não entende as atitudes do marido e se magoa para o resto da vida.

A percepção da violência psicológica é muito difícil de ser esclarecida, uma vez que este tipo de prática não deixa marcas visíveis. A maior parte das vítimas até percebe que viver enclausurada em nome do amor é errado, mas a maior parte delas prefere permanecer sofrendo a enxergar que há saída e tratamento adequado para se libertar, tanto do marido, quanto dos traumas que sofre.

Por fim, infelizmente a maioria das mulheres une o caos dos pensamentos e mágoas à depressão e percorre o caminho trilhado por Madalena, colocando um fim na história de dor e sofrimento vivenciado por anos.

 

5. O EMPODERAMENTO FEMININO COMO FORMA DE ROMPIMENTO DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

A violência psicológica se apresenta de forma sutil e é quase impossível seu diagnóstico de uma forma correta. A realidade das mulheres que passam por tais problemas é muito difícil, tendo em vista que após um trauma como esse, é improvável que ela queira se relacionar novamente. Tais mulheres precisam seguir em frente e esquecer o sofrimento que passaram e buscar um tratamento a fim de encontrar novamente sua felicidade. Outra dificuldade em buscar ajuda encontra-se na ineficiência das leis de proteção a mulher, uma vez que, a Lei Maria da Penha criada para proteger a mulher contra a prática de todos os tipos de violência é algo muito vulnerável. Nas palavras de Rebecca Solnit (2017, p.15):

Mesmo para se conseguir uma ordem de afastamento – uma ferramenta legal bastante nova – é exigida credibilidade para convencer os tribunais de que certo homem é uma ameaça e então conseguir que a polícia imponha essa ordem. E de qualquer maneira, muitas vezes a ordem de afastamento não funciona.

 

Assim, seguimos na luta por respeito à mulher e pela devida valorização da vida a fim de que o poder público enxergue a prática da violência psicológica, como um problema de saúde pública, afinal, as lesões se curam, se tratam, mas os ferimentos no ego, no psicológico da vítima de violência não-física, não cicatrizam e podem levar-lhe a morte. Um dos meios muito discutidos atualmente na mídia e redes sociais para fortalecer e unificar o psicológico feminino é o empoderamento.

A vítima de violência psicológica geralmente nunca toma uma atitude. Isso porque vive governada por seu companheiro de várias formas. Tal como Madalena era por Paulo Honório, milhares de mulheres se sujeitam a viver nessas relações por não ter coragem para enfrentar o fim de um relacionamento ou não ter a ideia do empoderamento feminino.

O empoderamento feminino é mais uma arma para coibir não somente a violência psicológica, mas todo e qualquer tipo de prática que vise agredir a mulher. Ele consiste em inculcar na mente das mulheres a ideia de poder, de que todas são capazes de vencer e enfrentar uma situação de violência. O empoderamento psicológico nada mais é do que a possibilidade das mulheres tomarem atitudes aptas a controlar suas vidas individualmente, percebendo sua capacidade de independência, autoconfiança e autoestima, buscando sempre de maneira crítica visualizar suas atitudes a fim de, com base no seu próprio querer, construir suas ideias e colocá-las em prática.

Se o empoderamento feminino existisse a época de Madalena, com certeza, ela o teria usado a seu favor, uma vez que ela buscava a todo custo sua liberdade de expressão e era considerada uma mulher bem a frente de seu tempo. Falar em empoderamento hoje é bem simples, visto que a mulher galgou por seu próprio espaço e conquistou vitórias inimagináveis, mas infelizmente nem todas as mulheres são realmente capazes de vestir a camisa do empoderamento e ir à luta.

A mulher sempre foi vista como sexo frágil, afinal o pensamento machista de que o homem sempre foi superior, mesmo com tantas comprovações de que a mulher é capaz de fazer o que bem entender e de salto alto, nunca deixa de existir, e é pelo medo de enfrentar a sociedade, ou de perder o casamento, que a maioria das mulheres acredita que deve ser perfeito e para sempre, que a violência psicológica se torna cada vez mais frequente, afinal a mulher é criada para ser vítima, para aceitar tudo o que seu companheiro lhe impõe sem reclamar.

Atualmente a mulher vem relatando sua insatisfação diante das relações domésticas em que vive. A época de Madalena e Paulo Honório, a mulher sequer poderia pensar em tomar alguma atitude ou reclamar do papel que o marido exercia. Nas relações modernas a mulher insistentemente busca colocar-se em pé de igualdade com os companheiros, seja nas relações familiares ou nas próprias atitudes destes em relação à postura da mulher com seu corpo e questionamentos acerca da vida sexual, e mesmo assim ainda sofre com a opressão causada por seus companheiros.

O empoderamento feminino foi criado para que todos os pensamentos retrógrados fiquem para trás, para que as mulheres possam se unir em prol delas mesmas e vislumbrarem que nada mais importa a não ser o seu bem-estar. Com o pensamento de empoderar-se, a mulher pode criar sua própria identidade, identidade esta que não está alicerçada em seu companheiro e esse é o maior desafio existente, afinal segundo Cortez e Souza (2008, p.178), com a mulher obtendo tais pensamentos e agindo por si própria seu companheiro tende a achar que perderá a posição de macho dominante, o que pode acarretar até a violência física deste contra sua companheira, tendo em vista que este buscará retomar seu poder a qualquer custo.

Nada mais ameaçador para um homem do que uma mulher independente, que corre atrás dos seus objetivos e que busca melhorias para si e para sua família. Do ponto de vista prático, o empoderamento feminino traria maiores benefícios ao homem, posto que, além de deixar de ser o único a prover o sustento da casa, este poderia figurar mais afetivamente na vida familiar. Não obstante, dar poder a companheira significa produzir conflitos na relação em virtude do homem se sentir diminuído, uma vez que para eles a mulher deve ter um papel de subordinação e de inferioridade e ao começar a conquista de seu próprio eu, esta se desvencilha de sua sombra. E é desse afastamento que surge mais dominação e sem perceber a mulher cai mais uma vez nas armadilhas da violência psicológica.

Assim sendo, com a mulher infringindo os limites do homem, este deve se reinventar e também procurar um espaço que lhe caiba a fim de reafirmar o poder de sua masculinidade e isso se dará da pior forma possível, tendo em vista que a mulher empoderada é uma ameaça ao modelo de família patriarcal. As mulheres nasceram e foram criadas para serem rivais, para competirem umas com as outras por aquele casamento dos sonhos e isso na verdade só mostra o quanto o machismo domina as relações.

Muitas vezes as mulheres mesmas se discriminam, se boicotam, silenciam em prol de um modelo de vida ao qual foram inseridas em que absorveram o velho discurso do ódio contra as de seu próprio gênero, fazendo com que cada vez mais as outras se permitam viver reféns de situações desastrosas como as de violência psicológica pelo simples fato de sofrer retaliação caso haja uma separação.

Ademais apesar de já terem acontecido muitos progressos, ainda falta espaço e interesse dos casais em discutir essas novas relações que estão se formando com o surgimento da nova mulher empoderada, visto que tal condição ainda é mal vista pela sociedade que determina e dita o que a mulher pode ser ou não. Contudo, o que se espera e deseja é que as mulheres, sempre oprimidas e massacradas pela sociedade, consigam alcançar juntas seu espaço através do empoderamento feminino, e que seus companheiros entendam que a violência psicológica, contra aquelas com quem ele divide um lar, além de cruel é devastadora.

Aquele velho ditado “a união faz a força”, nunca fez tanto sentido, afinal o empoderamento é algo que mostra o poder das mulheres que juntas podem derrubar um sistema que sempre buscou repudiar as atitudes de mulheres fortes, a fim de reprimi-las. É necessário que juntas às mulheres se permitam, tenham direitos, oportunidades iguais e que sejam respeitadas por seu valor. Os casos de violência psicológica sempre retratam essa hierarquia existente entre homem e mulher e isso precisa deixar de existir, afinal a nossa Carta Magna já instituiu que todos são iguais e que a mulher não mais é um objeto pertencente ao homem.

 

6. A MULHER CONTEMPORÂNEA E SUA LUTA PELA IGUALDADE DE GÊNERO

Não obstante o direito a igualdade ser uma prerrogativa expressamente prevista como direito fundamental a todos os cidadãos brasileiros, a discussão sobre a igualdade de gênero é algo que ganhou repercussão há pouco tempo, seja em indicadores científicos, psicológicos ou jurídicos.

No Brasil, com o advento das guerras ocorridas na metade do século XX e com a carência de mão de obra masculina, houve a possibilidade de a mulher ingressar no mercado de trabalho em busca de sua subsistência e de sua família. A mulher intentou, lutou e conquistou muitos direitos não só em âmbito nacional, mas a nível mundial com a implementação dos Objetivos de desenvolvimento do Milênio criado pela ONU, que visam objetivar a igualdade de gênero e o empoderamento feminino.

Para se falar em empoderamento e em luta pela igualdade de gênero é necessário falar sobre feminismo. O feminismo é sempre percebido como a luta das mulheres para se sobressair sobre os homens, mas isso é uma inverdade, afinal o feminismo busca empoderar a mulher e torná-la independente para que esta possa lutar pelo seu direito de igualdade seja, de salário, raça ou posição social e inculcar na sociedade que, assim como  a mulher é capaz de realizar o que o homem faz, este também é capaz de realizar os atos da mulher, inclusive no que tange aos afazeres domésticos.

A desigualdade da mulher em relação ao homem existe e é enraizada desde os primórdios pela cultura patriarcal tão disseminada no Brasil. Os relatos de insatisfação feminina nos empregos, nas relações amorosas e em todos os sentidos ecoa no mundo e é sentido cada vez mais devido a sua busca por espaço social, o que definitivamente está fora dos padrões do patriarcado.

Infelizmente essa quebra da estrutura patriarcal e a exclusão dos valores tradicionais existentes, coloca a mulher em uma posição de perigo, uma vez que a inovação é sempre vista como algo ruim e que o homem como superior na sociedade não se contenta em perder seu posto para uma mulher. Como brilhantemente expõem Saffioti e Almeida (1995, p.79)

 

os homens são socializados não apenas para se conduzirem como o galo de seu próprio terreiro, mas também para se expandirem pelos espaços tecidos por mãos femininas e, mais do que isto, para disputarem outros territórios com seus iguais.

 

Deste modo, o homem sente-se ameaçado pela posição que o gênero feminino tem tomado diante do inconformismo em ter que trabalhar na mesma função que este e ter menores salários, em ter que cuidar do lar e das crianças sozinha, mesmo trabalhando fora, em ter que te digam o que vestir e como agir.

A mulher contemporânea não quer mais se sujeitar ao poderio masculino e através do feminismo ela busca mostrar ao mundo que cansou de obedecer e procura agora se arriscar, rompendo seus limites em galgando a igualdade.

Tratar do empoderamento feminino é tratar da inclusão e exclusão das mulheres nas esferas públicas, políticas, econômicas e sociais e ponderar que sua atuação se faz necessária para que a desigualdade de gênero se dissipe. Vale salientar que para que isso ocorra, é necessário que a mulher conheça a fundo todos os aspectos que levaram a dominação masculina por meio do patriarcado, a justificar essa subordinação existente entre os sexos.

A sociedade busca reprimir a atuação da mulher em favor do poder masculino, poder este que se desenvolve pelas diferenças existentes entre os sexos fomentado pelos aspectos culturais, sociais e até biológicos que sempre foram impostos ao sexo feminino. Nas palavras de Beauvoir (1967, p.09):

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.

 

Assim sendo, à mulher não é oferecida outra escolha senão há de sujeitar-se ao poder masculino, que deveria ser descentralizado e incluir a mulher em seu lugar de direito, sem discriminação. No brasil, ser homem é motivo de prerrogativas e a maioria deles vê no feminismo uma ferramenta de libertinagem. Não obstante isso, o feminismo aliado ao empoderamento reflete a libertação feminina, sonhada há tempos e que tem como escopo não somente a inserção feminina em papéis políticos, mas que obstinam a simples ação de vestir uma roupa decotada sem ser subjugada por isso.

A cada geração que surge, a concepção de submissão da mulher está se dispersando, a ideia de ser a mulher ideal que busca apenas casar e constituir família caiu por terra e o que se observa é uma verdadeira revolução feminina para provar seu valor. Porém, apesar de não esmorecer, ser mulher, por si só é motivo de discriminação e violência.

A igualdade de gênero não é assunto para ser tratado somente por mulheres. Para que esse direito seja realmente efetivado, os homens devem ser chamados ao debate, afinal o feminismo não busca a soberania da mulher, apenas intenta condições e oportunidades iguais de vida, emprego e liberdade. Da mesma forma, o machismo tão disseminado e subentendido até pelas mulheres deve ser erradicado, pois somente com a participação da sociedade como um todo é que se pode difundir a ideia de que o lugar da mulher é onde ela quiser.

Faz-se necessário a inclusão de políticas públicas inclusivas, pois a lei é clara em garantir igualdade, mas sabemos que na prática o amparo e proteção à mulher são discutidos e impostos a elas com base no machismo, sem ao menos o entendimento dos homens sobre o que realmente a mulher necessita. A mulher cansou de ser submissa, de entregar sua vida e alma nas mãos daqueles que na maioria das vezes põem fim a sua própria vida.

 

CONCLUSÃO

Com o presente artigo, objetivamos demonstrar que a violência psicológica, tão recorrente nos dias atuais, age silenciosamente e busca atingir a mulher em seu interior de forma irreversível, como ocorreu com Madalena na obra São Bernardo de Graciliano Ramos.

Primeiramente, buscamos uma abordagem da importância da literatura para as questões de direito e de como esta retrata mesmo que de forma fantasiosa algo que ocorre na sociedade atual, fazendo um paralelo entre a lei e a violência doméstica demonstrada na obra.

Em seguida, demonstramos os diversos métodos de violência psicológica utilizados por Paulo Honório para atingir a esposa nas esferas psicológicas, econômicas e sociais. Pudemos então observar que o agressor se utiliza do fato de conhecê-la profundamente e de ter sobre ela algum domínio para inferir-lhe em seu ego e entrar em seu psicológico a fim de que esta se veja impotente e sem saída.

Contudo, exteriorizamos que o papel da mulher nas sociedades antigas era apenas de mera coadjuvante e que sua vida gerava apenas em torno de nascer, crescer, casar e procriar e que quando esta garantiu seu direito a educação, este era também voltado ao divino papel de desempenhar com louvor o papel de dona de casa.

Solidificamos também que à mulher foi e é necessária uma conduta de subordinação e dominação da presença masculina, sem que esta pudesse escolher seu destino. Asseveramos que o patriarcado em conjunto com o machismo, tiram da mulher seus direitos já assegurados na Constituição e lhe negam sua liberdade.

Por fim, apresentamos o empoderamento feminino e o feminismo como forma de solução para que as mulheres possam enxergar uma saída frente aos tipos de violência sofridos e se impor diante da discriminação de gênero que sofrem nos âmbitos sociais, econômicos e psicológicos.

Admitimos que a luta feminista já obteve várias conquistas e que apesar de todos os esforços feitos pelas ativistas a nível global, o espaço concedido para que a mulher atue de forma efetiva buscando seus interesses e defendendo seus ideais libertários e de igualdade é mínimo.

Assim, ainda há um longo caminho a ser percorrido, afinal o sistema machista e patriarcal não cairá da noite para o dia e a mulher, infelizmente, ainda vai sofrer muito em busca da tão sonhada igualdade.

 

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: a experiência vivida. 2ª ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967.

 

BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. Tradução Maria Helena Kuhner. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

 

CORTEZ, M. B.; SOUZA, L. Mulheres (in) subordinadas: o empoderamento feminino e suas repercussões nas ocorrências de violência conjugal. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010237722008000200006&lang=pt. Acesso em: 13 mar. 2019.

 

DEL PRIORE, Mary. A História das Mulheres no Brasil. 7ª ed. São Paulo: Contexto, 2004.

 

DEL PRIORE, Mary. A Mulher na História do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 1994.

 

FREITAS. Raquel Barradas de. Direito, Linguagem e Literatura: reflexões sobre o sentido e alcance das inter-relações. Breve estudo sobre dimensões de criatividade em Direito. Working Paper 6/02. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade Nova Lisboa, 2002.

 

MACEDO, José R. A Mulher na Idade Média. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2002.

 

MILLER, Mary Susan. Feridas Invisíveis: abuso não-físico contra mulheres. 1ª ed. São Paulo: Summus, 1999.

 

MORAIS, M. O; RODRIGUES, T. F. Empoderamento feminino como rompimento do ciclo de violência doméstica. Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 16, n. 1. p. 89-103. jan/jun. 2016. Disponível em http://www.cch.ufv.br/revista/pdfs/vol16/artigo6dvol16-1.pdf Acesso em 22 mar. 2019.

 

OLIVEIRA, C. N; PINTO. R. B; KÖPF.R.B. Entenda o que é violência psicológica: Agressão que não deixa marcas visíveis no corpo da vítima. Revista Visão Jurídica, 2017. Disponível em http://revistavisaojuridica.com.br/:Acesso em: 28 mar. 2019

 

PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros. Tradução Denise Bottmann. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

 

PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silêncios da História. Tradução: Viviane Ribeiro. Bauru, SP: Contexto, 2005.

 

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 98ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 272.

 

SAFFIOTTI, H.I.B; ALMEIDA, S.S. Violência de gênero: Poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995. p.218.

 

SOLNIT, Rebecca. Os homens explicam tudo para mim. Tradução: Isa Mara Lando. 1ª ed. São Paulo: Cultrix, 2017.

 

SOUZA, H. L; CASSAB, A.L. Feridas que não se curam: A violência psicológica cometida à mulher pelo companheiro. In: Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas, I, 2010, Londrina. Anais… Portal Universidade Estadual de Londrina. p.38-46.

 

STRECK, L.L. TRINDADE, A.K. Direito e Literatura: Da Realidade da Ficção à Ficção a Realidade. São Paulo: Atlas, 2013.

 

TEDESCHI, Losandro A. As Mulheres e a História: Uma Introdução Teórico Metodológica. Santa Maria, RS: Editora Palotti, 2012.

 

logo Âmbito Jurídico