A crise do emprego e a desestruturação das relações de trabalho

1. Introdução

As demandas trabalhistas brasileiras sofreram, no decorrer das duas últimas décadas, uma sensível alteração, ou como muitos autores preferem, uma sensível desestruturação. Balizadas pelo fenômeno da economia global e pela incrível incapacidade de avaliação e de tomada de decisões pelo setor público, a abordagem teórica e prática das relações de trabalho vem se transformando em verdadeiro pesadelo para a sociedade. Não obstante às tendências externas, tem-se verificado no cenário nacional uma indefinição eterna de quando serão tomadas determinadas medidas, essenciais para a amenização dos reflexos negativos dessas mudanças. Medidas urgentes como as reformas fiscal e tributária são colocadas de lado, deixando o processo de mudanças ainda mais à deriva.

Atualmente, a reavaliação da estrutura trabalhista passa de forma obrigatória, pela eliminação do vínculo existente entre empregado e empregador. O elemento hiposuficiente desse processo – o empregado – que durante anos lutou por uma série de conquistas, como a limitação da jornada de trabalho, horas-extras, adicionais, etc, luta agora pela manutenção de seu emprego, tendo que abrir mão dos direitos já conquistados, direitos que nessa altura se tornaram secundários.

2. Relações de trabalho: do capital produtivo ao capital financeiro

Na antigüidade o trabalho não era encarado da forma como é em nossa  sociedade moderna. A sociedade grega do século V a. C, por exemplo, não o valorizava e em Roma, o trabalho era considerado um instrumento de tortura1.

A sociedade medieval também não aceitava o trabalho de forma positiva, os nobres não deviam trabalhar. Foi com a revolução industrial e de forma mais contundente no mundo pós-guerra, que o desenvolvimento industrial passou a moldar os conceitos sobre o trabalho. Evidenciou-se com as obras de grandes pensadores como Adam Smith e Keynes o elemento trabalho como essencial ao homem enquanto ser livre. Mesmo com restrições ao trabalho alienante, que foi posto em prática pelo capitalismo, Marx afirma que o trabalho é propriedade fundamental do homem.

As relações produtivas nos últimos vinte anos (pelo menos) se deslocaram da atividade industrial para o chamado mercado financeiro ou mercado de capitais. A relação disso com a falta de empregos é direta e reflete a preferência daqueles que possuem o capital, em investir seus lucros nas bolsas de valores ao invés de aplicar em meios de produção. Até mesmo o governo tem incentivado trabalhadores a investir seus ganhos nesses mercados, exemplo disso é a recente campanha publicitária promovida pelo Governo Federal, no sentido de que trabalhadores comprem ações da Petrobras com o dinheiro de seus Fundos de Garantia por tempo de serviço. Hoje os detentores do capital estão cada vez mais dispostos a produzir dinheiro com dinheiro, sem produzir nenhum tipo de mercadoria.

Prova do já exposto é que o cenário econômico adota como padrão de medida o comportamento das bolsas de valores, no entanto, esse padrão não tem sido um instrumento adequado para se medir a distribuição dos postos de emprego e, muito menos, o aumento ou diminuição do número de empregos. Na realidade o trabalhador como simples mortal que é, não tem a mínima idéia de como o chamado mercado de capitais pode influenciar na sua vida, por mais que os meios de comunicação tentem esclarecer o assunto. Parece óbvio que a economia vem criando uma espécie de vida própria, paralela às reais necessidades do trabalhador e servindo somente ao movimento de acumulação do capital.

3. Desemprego e neo-sindicalismo

O desemprego não é a única causa, mas sem sombra de dúvida, é o principal responsável pela sensível modificação das relações de trabalho que estamos presenciando. Márcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da UNICAMP, afirma:

“é importante chamar a atenção para o fato de que o desemprego é um fenômeno relativamente recente nos países desenvolvidos, e as causas estão associadas a vários itens. Não apenas a renovação tecnológica, mas se associam fundamentalmente ao crescimento econômico bastante reduzido desses países nos últimos vinte anos.” 2

O fenômeno do desemprego atinge agora não só os países ditos “em desenvolvimento”, mas também os países de primeiro mundo que durante muito tempo desconheceram o problema. A busca de soluções passa então a importar a todos pois o desemprego já não é somente um problema distante, de nações subdesenvolvidas. O fato é que, até o momento, nem mesmo os países desenvolvidos conseguiram definir políticas eficazes de combate ao desemprego.

Inúmeras são as alternativas apresentadas, mas elas devem variar de acordo com as características de cada país, ou seja, existem causas diferentes que irão resultar em remédios diferentes. A tendência, no entanto, nos leva a crer que o desenvolvimento industrial e tecnológico é antagônico a criação de novos empregos. Isso se dá porque a saúde das empresas está vinculada diretamente a redução de custos, e esta por sua vez, passa pela automação e flexibilização do trabalho, chegando ao ponto de ameaçar as conquistas trabalhistas alcançadas pelos trabalhadores ao custo de um longo período de lutas.

Mais do que nunca cabe ao Estado buscar alternativas. Não há outra organização que possa fazer isso. A luta pelo aumento do emprego ou pela simples manutenção dos direitos trabalhistas se transformou em tarefa impraticável para organizações não governamentais. Talvez a única instituição que poderia ter se tornado eficiente para isso seriam os sindicatos, mas a complexidade da economia de mercado e o desvirtuamento das funções sindicais não o permitiram. Os sindicatos hoje amargam uma situação de grande inoperância. No transcorrer de sua existência verificaram uma drástica modificação de suas atividades que variaram da esperança de uma revolução operária ao quase peleguismo em que hoje se encontram. Como afirma José Cândido Filho:

“Os sindicatos funcionam portanto, não como organizações de luta do proletariado, mas como instituições filantrópicas, assistenciais, visando a promoção social”3

Paul Singer alerta que os sindicatos devem organizar todos os trabalhadores, inclusive os desempregados. Não há mais espaço para o sindicalismo da forma como se apresenta, pois os sindicalizados são hoje uma minoria de trabalhadores privilegiados. O mesmo autor complementa dizendo que os sindicatos devem se empenhar a fundo na geração de renda, deixando de existir apenas para os trabalhadores que tem emprego. Esse é o chamado neo-sindicalismo que deve se apresentar de forma mais ampla ao cidadão, abarcando não só os que tem emprego, mas também os que não tem, de forma a conseguir melhor mensurar a realidade dos fatos e saber como essa realidade se apresenta.

4. Considerações finais

As mudanças nas relações de trabalho estão obrigando o mundo a reorganizar seus conceitos em prol de uma sociedade mais justa. Os aspectos catalisadores das mudanças não tem, no entanto, somente aspectos ruins. A consolidação dos institutos democráticos e até mesmo o compartilhamento de problemas comuns, existentes tanto nas pequenas quanto nas grandes economias irão obrigar a uma melhor distribuição de capital.

O que nos preocupa no momento é a inabilidade das pessoas em detectar os problemas e, principalmente, o ritmo acelerado das mudanças que estamos presenciando. Talvez o primeiro seja conseqüência do segundo e/ou vice-versa. O fato é que necessitamos de entidades capazes de detectar esses problemas e indicar as soluções.

Cabe, porém, salientar que essas soluções tendem, com a globalização, a serem responsabilidade de organismos supranacionais, pois as relações de mercado invariavelmente assumem contornos de negociação internacional em nossos dias.

As ameaças que se apresentam ao homem constituem a mola mestra da evolução, mesmo que isso signifique revolução. Os sindicatos necessitam encarar essas ameaças de forma criativa, como bem afirma Giovanni Alioti:

“não é fácil, portanto, para os sindicatos, construir uma resposta estratégica ao desemprego, ao mal estar social, as diversidades presentes no universo dos trabalhos. A única coisa certa é que as respostas para este desafio não podem ser tradicionais” 4

Da mesma forma as nações em geral e o Brasil em particular, terão de encarar a nova organização produtiva em face de novos ângulos, de forma a dar uma resposta condizente as aspirações da massa trabalhadora.

Bibliografia

CATARINO, José Martins. Compêndio de direito do trabalho. São Paulo. São Paulo: Saraiva,1981.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

FILHO, José Cândido. O movimento operário: sindicato e partido. Petrópolis, RJ: Vozes, 1982.

SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. 3º ed. SP: Contexto, 1999.

SINGER, Paul. A crise das relações de trabalho. In: CARVALHO NETO, A. M. NABUCO, M. R (orgs.) Relações de trabalho contemporâneas. IRT, PUC/Minas, 1999.

POCHMANN, Márcio. O mundo do trabalho em mudança. In: CARVALHO NETO, A. M. NABUCO, M. R (orgs.) Relações de trabalho contemporâneas. IRT, PUC/Minas, 1999.

ENRIQUEZ, Eugene. Perda do trabalho, perda da identidade. In: CARVALHO NETO, A. M. NABUCO, M. R (orgs.) Relações de trabalho contemporâneas. IRT, PUC/Minas, 1999.

Notas

1 Eugene Enriquez, Conferência proferida durante o seminário “Trabalho e Existência”, em 13/11/97, promovido pelo IRT – Instituto de Relações do Trabalho –  e o Instituto Jacques Maritain da PUC Minas.

2 Márcio Pochmann, O Mundo do Trabalho em Mudança, In: NABUCO, M.R, NETO, A.C (orgs.), Relações de Trabalho Contemporâneas

3 José Cândido Filho, O Movimento Operário: Sindicato e Partido, 1982

4 Giovanni Alioti, Sindicalismo Internacional: dilemas e propostas, 1998.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Fábio Behrend Silveira

 

 

Sinnédria dos Santos Dias

 

 


 

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