Arbitragem no Direito do Trabalho e a Constituição Federal de 1988

No berço da civilização, o Direito era considerado uma manifestação divina, revelada pelos religiosos, não possuindo o Estado o monopólio da jurisdição. O Direito Romano na sua origem tinha lastro na defesa privada, onde o próprio titular do direito subjetivo investia esforços materiais para a satisfação das suas pretensões[1].


Extinta a vingança privada, pela própria repugnância que o homem passou a externar a partir de determinado momento da história, o Estado reservou para si a competência para dirimir os conflitos sociais. No Brasil, reputa-se crime “fazer justiça com as próprias mãos” (CP, art. 345). Cabe, assim, ao Estado, no exercício da jurisdição, dirimir os conflitos juridicamente relevantes.


Certo é que, todavia, há casos em que o próprio Direito permite a utilização da própria força, da autotutela. À guisa de exemplo, pode-se citar: o direito de retenção (CC, arts. 516, 772, 1.199, 1.279, etc); o “desforço imediato” (CC, art. 502); o direito de cortar raízes e ramos de árvores limítrofes (CC, art. 558), a legítima defesa e estado de necessidade (CP, arts. 24 e 25; CC, art. 160); a auto-executoriedade do ato administrativo; a prisão em flagrante (CPP, art. 301)[2][2]. Tem-se, ainda, a execução extrajudicial a que se refere o Decreto-lei 70/66, assim como a decorrente de débito garantido com a alienação fiduciária, etc.


Tais casos, como é de ver, são exceções em nosso Direito, eis porque vêm arrolados pela própria lei. A regra, como resultou da própria evolução do convívio social humano, é que a os conflitos hão de ser solucionados pelo Poder Judiciário.


Mas, a própria lei estatal estabelece, em rol taxativo, os meios de composição extra-estatal, isto é, os meios substitutivos da jurisdição (autocomposição). São eles a conciliação (que ganhou especial impulso com a Lei 9.099/95, além do próprio CPC, art. 331, com redação dada pela Lei 8.952/94, e da CLT), a transação (já prevista, há muito, no CC, arts. 1.025 a 1.036) e a arbitragem (recentemente revigorada em nosso sistema pela Lei 9.307/96).


Pelo limite temático ao qual o presente trabalho se propõe, cingir-se-á à análise da arbitragem, como (im)possível meio de solução da lide trabalhista.


No Brasil, a arbitragem é regulada, atualmente, pela Lei 9.307/96. Estabelece ela, logo no seu dispositivo inaugural:


Art. 1o. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.


O próprio art. 2o do mesmo diploma exclui a arbitragem como meio de solução de direitos de ordem pública.


Art. 2o §1o. Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública


A preocupação do legislador, no que tange ao não-cabimento da arbitragem em matéria de direitos indisponíveis foi de tal monta, que, no intuito de evitar conflitos de competência sobre uma eventual questão prejudicial de mérito, dispôs a Lei da Arbitragem:


Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.


Parágrafo único. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem.


Pois bem, este é o ponto de partida para a divergência, dentre os juristas, acerca da possibilidade da utilização do instituto da arbitragem como meio de solução dos litígios trabalhistas individuais, já que os direitos laborais são tidos como indisponíveis.


Basicamente, a origem de toda a controvérsia parece residir no fato de a sentença arbitral encerrar a tão almejada (ou, às vezes, evitada) coisa julgada material. De modo que, solucionado o conflito através do árbitro, não cabe a impugnação do mérito da sentença arbitral. Aí, o recurso ao Judiciário só cabe nos casos de nulidade da sentença arbitral. Vejamos o que diz a Lei 9.307/96:


Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.


Art. 32. É nula a sentença arbitral se:


I – for nulo o compromisso;


II – emanou de quem não podia ser árbitro;


III – não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;


IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;


V – não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;


VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;


VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e


VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.


Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.


Alguns autores negam, por absoluto, a constitucionalidade da via arbitral, nos moldes em que figurada pela Lei 9.307/96, fundamentando-se na garantia constitucional de pleno acesso à justiça[3][3].


Outros, mais especificamente em matéria trabalhista, apegando-se ao texto constitucional (art. 114), vêm como possível a arbitragem tão-só das lides de caráter coletivo.


Outros, ainda, investidos numa linha mais liberal, entendem pelo cabimento da arbitragem inclusive nas lides individuais trabalhistas, fundamentando-se na flexibilização dos direitos trabalhistas no plano individual, incentivada pelos projetos de autoria do Executivo Federal, de reestruturação da legislação laboral.


Certo é que, poucos não são os entendimentos que os direitos elencados na Constituição Federal vigente (art. 7o) são indisponíveis, sendo, por conseguinte, não passíveis de renúncia, ex vi do direito ao salário mínimo, ao FGTS, às férias, 13o, dentre outros.


Além de ser considerado direito indisponível (sendo irrelevante aqui a discussão acerca da sua natureza, se pública ou privada), é de se ressaltar que os direitos trabalhistas gozam de especial proteção do Estado. Eis porque vieram arrolados, em título próprio, na Constituição Federal, no bojo “Dos Princípios Fundamentais” e “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.


Título I – Dos Princípios Fundamentais


Art. 1o. A República Federativa do Brasil … tem como fundamentos:


………………………………..


IV – os valores sociais do trabalho


Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais


Capítulo II – Dos Direitos Sociais


Art. 7o. São direitos dos trabalhadores (…)


A respeito, recentemente se pronunciou o Supremo Tribunal Federal :


EMENTA (…). Aos acordos e convenções coletivos de trabalho, assim com às sentenças normativas, não é lícito estabelecer limitações a direito constitucional dos trabalhadores, que nem à lei se permite[4][4].


É evidente que a própria Constituição contempla a possibilidade de disponibilidade de alguns direitos trabalhistas, tal como a fixação do salário, da jornada de trabalho, ambos flexíveis mediante acordo ou convenção coletiva. Diz-nos a Carta Magna:


Art. 7o. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


………………..


VI – irredutibilidade de salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;


………………..


XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;


XIV – jornada de seis hora para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva


 Surge, então, a questão, hoje muito debatida: é a arbitragem um meio legal para solução de lides trabalhistas?


 Viu-se que o direito material trabalhista é indisponível. É norma de direito privado[5][5], mas de ordem pública. Daí é que surgem os princípios consagrados no Direito do Trabalho, a exemplo do princípio da proteção ao trabalhador, princípio da irrenunciabilidade, princípio da imperatividade das normas jurídicas, etc.


É certo que a Carta da República não desprivilegiou a arbitragem como meio de solução das lides trabalhistas, mas, por questões de ordem pública, limitou o seu campo de atuação. Vejamos:


Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.


§1o. Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.


§2o. Recusando-se qualquer das partes á negociação ou arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção do trabalho.


A CF só admite a arbitragem do Direito do Trabalho nas questões coletivas. É o que diz o texto. Mas, poder-se-ia interpretar a Constituição extensivamente, para que a arbitragem pudesse abarcar os litígios individuais trabalhistas?


A boa técnica leva à conclusão negativa. Isto porque a Carta da República, na distribuição da jurisdição trabalhista, referiu-se à arbitragem como meio de solução das lides coletivas. Não tratou da individual. Ora, se o constituinte teve o cuidado de explicitar a lide coletiva, não cabe a interpretação extensiva, para fazer possível a arbitragem nos litígios individuais.


Se a CF/88 quisesse vislumbrar a arbitragem nas lides individuais trabalhistas, teria feito expressamente, assim como o fez em relação às coletivas. Caso contrário, nenhum serventia teria a ressalva constitucional, relativamente aos conflitos coletivos. E, não se pode admitir que a lei contenha palavras inúteis, despropositadas, sobretudo a lei constitucional[6][6].


Mas, certo é que não há dispositivo legal expresso e preciso que exclua a arbitragem como meio de solução da lide individual trabalhistas, investindo-se os exegetas em pugnarem pelo cabimento ou incabimento com alicerces na interpretação sistemática do ordenamento jurídico.


No direito comparado, o cabimento da arbitragem na solução da lide trabalhista individual não é uníssona; pelo contrário, por demais divergente. Na Espanha, a Ley de Arbitraje (Lei 36, de 5 de dezembro de 1988) determina:


Art. 2o:


1. 


2. Ficam excluídos do âmbito de aplicação da presente lei as arbitragens trabalhistas.


Já na Colômbia, a regra é inversa, permitindo-se ampla utilização da arbitragem do Direito do Trabalho, seja individual, seja coletivo. É o que dispõe o Decreto 1.818, de 1998, que dispõe sobre a Arbitragem:


Art. 172. Arbitramento voluntário. Os patrões e trabalhadores poderão estipular que as controvérsias que surjam entre eles por razões de suas relações de trabalho sejam dirimidas por árbitros (art. 130 do Código de Procedimento Trabalhista)


Art. 173. Cláusula compromissória. A cláusula compromissória deverá ser sempre escrita, seja no contrato individual, no contrato sindical, na convenção coletiva, ou em qualquer outro documento feito posteriormente (art. 131 do Código de Procedimento do Trabalhista).


 Já na Itália, a sistemática é semelhante à brasileira, permitindo-se a arbitragem somente do Direito Coletivo do Trabalho. Com efeito, o ordenamento italiano não simpatiza com a arbitragem no direito individual, reconhecendo-a somente quando haja previsão expressa em acordo coletivo de trabalho, e, ainda assim, determinando a recorribilidade à justiça estatal, por não emprestar o efeito da coisa julgada[7][7].


Pelo descabimento da arbitragem nos litígios individuais do trabalho, julgou o TRT da 5a Região:


Acórdão 2.733/01


Recurso Ordinário 61.01.99.1534-50


Arbitragem. Conflitos trabalhistas. É inadmissível a instituição da arbitragem para dirimir questões trabalhistas, salvo aquelas gizadas em conflitos coletivos.


Ademais, investindo-se no historicismo da vedação da arbitragem como meio de solução de direitos indisponíveis, vamos nos deparar com sutil alteração da sistemática brasileira.


É que, como visto, o art. 1o da Lei 9.307/96 veda, indiscutivelmente, a arbitragem em meios de direitos indisponíveis. Não foi à toa o emprego da expressão “indisponível”. Veja-se que era o art. 1.072 do Código de Processo Civil que contemplava a arbitragem antes da Lei 9.307/96. Eis a sua redação, hoje revogada:


Art. 1.072. As pessoas capazes de contratar poderão louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros que lhes resolvam as pendências judiciais ou extrajudiciais de qualquer valor, concernentes a direitos patrimoniais, sobre os quais a lei admita transação.


A Lei 9.037/96, regulando a arbitragem, revogou esse dispositivo expressamente e, passou a autorizá-la nos seguintes termos:


Art. 1o. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.


Antes, a lei falava em “direitos patrimoniais, sobre os quais a lei admita transação”. Hoje, diferentemente, fala em “direitos indisponíveis”. A alteração é sutil e, normalmente, passa despercebida pelo leitor desavisado.


Isso porque, há direitos disponíveis sobre os quais a lei admite a transação. Um exemplo típico é o próprio direito trabalhista. Com efeito, não se nega a sua indisponibilidade (de regra), em que pese poder ser objeto de transação e, mais, sob a chancela judicial, fazendo, inclusive, coisa julgada material, obstando nova discussão em juízo, salvo, unicamente, sob os autorizativos da ação rescisória ou da querela nullitatis.


Frise-se que os Juízes em geral designam uma audiência nominada de “audiência de conciliação”, buscando o acordo entre as partes. E, a própria CLT tacha de nulo o processo onde não fora proposta a conciliação.


Mas, hoje, não mais diz a lei “direitos patrimoniais, sobre os quais a lei admita transação”, donde poderia se admitir a arbitragem no direito trabalhista; mas sim em “direitos indisponíveis”, nos quais se insere os direitos laborais.


Octávio Bueno Magano, antes mesmo da edição da Lei 9.307/96, na época em que ainda vigia o art. 1.072, já defendia a edição de ato legislativo como meio de desimpedir-se a arbitragem trabalhista. De certa forma, defendia a liberal tese do cabimento da arbitragem no direito individual do trabalho, mas, por via reflexa, há que se concluir que entendia o autor não caber a arbitragem trabalhistas nos moldes da legislação então em vigor.


Acentue-se que, hoje, a legislação aplicável – Lei 9.307/96 – é mais rigorosa, como dito, não havendo norma legal expressa que autoriza a arbitragem trabalhista nos litígios individuais, ao contrário, proibindo-a.


Situação semelhante se dá com o direito a alimentos. Com efeito, é direito indisponível, assim como o é a maioria dos direitos concernentes à família. Mas, mesmo sendo indisponível, é passível de transação, assim como de conciliação e, sempre sob a chancela judicial. O que não pode haver, entretanto, é a sua renúncia, já que indisponível.


Outro exemplo que nos cabe citar é relativamente ao Direito Penal. É indisponível por natureza. Mas, mesmo assim, cabe transação, nos moldes da Lei 9.099/95.


Isso tudo nos faz demonstrar que não se pode confundir “disponibilidade” com “possibilidade de transação”, ou “conciliação”. Vimos diversos exemplo onde cabe transação, mas é o direito dito indisponível, tal qual o direito trabalhista.


Malgrado, o art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – aquece mais ainda o debate, ao preconizar:


Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões da autoridade competente


Este mesmo dispositivo é também alvo de controvérsias, no que tange à sua interpretação, tendo-se em conta a nova Lei de Arbitragem. Muitos, a exemplo da autoriza voz de Carlos Alberto Carmona[8][8] dele se utilizam para fundamentar a plena possibilidade da arbitragem como meio de solução das lides trabalhistas; outros sob manto da expressão “em tudo quanto não contravenham às disposições de proteção ao trabalho”, deduzem  justamente o contrário.


Frise-se, aqui, o já citado art. 114 da Constituição Federal que, ao permitir a arbitragem somente das lides trabalhistas de caráter coletivo, inelutavelmente demonstra proteção ao direito individual do trabalho.


O tema, controvertido, escapole aos limites do Direito do Trabalho, gerando reflexos no direito público. A guisa de ilustração, vejamos os problemas relativos ao FGTS do trabalhador que teve a sua lide resolvida por árbitros, e não pelo Judiciário.


Como se sabe, o FGTS é “patrimônio do trabalhador”. É um Fundo de caráter público, gerido pela União Federal e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal[9][9]. É por seu caráter eminentemente público que a Lei 8.036/90 prevê que as deliberações normativas relativas ao FGTS são de competência de um Conselho Curador.


A lei federal regulamentadora (Lei 8.036/90), ao prever as estritas hipóteses de movimentação do FGTS, reflete disposição legal de direito público.


É por tratar-se de direito público o FGTS que o STJ entende caber os julgamentos relativos àquele Fundo à 1a Seção (Seção de Direito Público), que, por disposição expressa do Regimento Interno daquele Pretório, art. 9o, XI, tem competência para apreciar as matérias de direito público[10][10]


CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FGTS. Direito público. – A relação jurídica entre o titular da conta vinculada do FGTS e a administração de Fundo é de direito público. – Conflito suscitado perante a eg. Corte Especial” (Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Dec. 27/05/1998)


Tratando-se de direito público, é por demais evidente que não pode ser livremente disposto pelas partes. Aí, há de se seguir, estritamente, a lei. É, assim, o FGTS, um direito, por excelência, indisponível, por parte do trabalhador. Na verdade, sobre os valores desse Fundo sequer cabe conciliação, seja no que tange ao valor em si, seja no que tange à sua movimentação.


As hipóteses de saque do FGTS vêm elencadas no art. 20 da Lei 8.036/90. Entre as diversas situações fáticas e jurídicas, temos a “despedida sem justa causa”, previsto no inciso I, com redação data pela Medida Provisória 2.075/01:


Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:


I – despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força maior


A lei é taxativa. Deve ocorrer a despedida sem justa causa, no caso do inciso I, para que o trabalhador possa sacar seu FGTS.


Havendo dispensa do empregado sem justa causa, deve isso constar no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho. Aí, independentemente de dirimir-se os litígios trabalhistas em juízo, preenchido está o requisito para movimentação do FGTS.


Mas, por vezes, quando da dissolução do vínculo trabalhista, não há qualquer manifestação acerca da natureza do distrato. E, para que se permita a movimentação do FGTS, há de ter certeza (não cabendo presunção), com prova documental, que houve a “despedida sem justa causa”, tendo em vista disposição expressa da Lei 8.036/90, art. 20, I.


Como a movimentação do FGTS compõe a coletânea do direito público, não se pode investir em “juízo de plausibilidade”, de presunção. Necessita-se de certeza incontestável de que o vínculo laboral foi extinto por vontade injustificada do empregador. Caso contrário, não se pode permitir o saque do FGTS.


Se a declaração de “dispensa sem justa causa” não surge, espontaneamente do empregador, compete ao Juiz de Direito do Trabalho emití-la; e, somente o Juiz do Trabalho, mediante sentença.


Não tem o árbitro competência para declarar a “dispensa sem justa causa”, tendo em vista que a Constituição Federal não lhe outorgou jurisdição para solução das lides individuais trabalhistas, mas somente das coletivas.


Ora, se o árbitro não tem poderes para dirimir a lide trabalhista individual, não tem, por conseguinte poderes para decidir sobre a questão prévia prejudicial, no caso, declaração da “dispensa sem justa causa”.


Qualquer manifestação arbitral nesse sentido é nula, ou melhor, inexistente.


Como se vê, é por demais controvertido o tema, havendo vozes em sentidos contrários. O presente trabalho reflete, com efeito, o pensamento do autor, sem, entretanto, excluir, por evidente, a possibilidade de novas reflexões que certamente virão com futuras especulações jurídicas, em âmbito doutrinário e jurisprudencial.


Notas:

[1] SILVA, Ovídio A. Baptista, GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 60-61.


[2] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pelegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13a ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 29.


[3] CF/88. Art. 5o, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”


[4] Recurso Extraordinário 234.186/SP. Rel. Min. Sepúlveda Pertence.


[5] Não convergem os autores neste aspecto, entendendo alguns ser o direito do trabalho participante da coletânea do direito público. Mas é posição minoritária. Outrossim, há de se frisar que a teoria que entre nós vigora, na dicotomia direito público versus direito privado é a teoria dos sujeitos da relação, e não a teoria do interesse.


[6] Nesse sentido, Antônio Humberto de Souza Júnior, em artigo publicado na Revista Genesys.


[7] Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo, p. 49.


[8] Carmona, op. cit.


[9] Lei 8.036/90. Art. 4º A gestão da aplicação do FGTS será efetuada pelo Ministério da Ação Social, cabendo à Caixa Econômica Federal (CEF) o papel de agente operador.


[10] Precedentes: CC 2.538/CE; CC 21.237/MG e diversos outros.


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Iure Pedroza Menezes


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