Sumário: 1. Intróito. Antecedentes. Necessidade da negociação extrajudicial. 2. Aspectos polêmicos da Lei que instituiu as Comissões de Conciliação Prévia. Inconstitucionalidades argüidas. 3. Conclusão. 4. Notas.
1. Intróito. Antecedentes. Necessidade da negociação coletiva
A Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, alterando a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), instituiu e regulamentou as chamadas “Comissões de Conciliação Prévia”, das quais passaremos, agora, a tecer algumas considerações.
A busca pela negociação trabalhista extrajudicial, como meio de alcançar-se a tão propagada “paz social”, fim inerente a todos os ramos do Direito, inclusive o Trabalhista, talvez encontre origem, ao menos em termos de textos escritos e ideais consolidados, na Recomendação nº 94, de 1952, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), conforme bem informa o Min. João Oreste Dalazen1 que prescrevia, àquela época, a criação de organismos de consulta e colaboração entre empregadores e trabalhadores, no âmbito da empresa, para prevenir ou conciliar as respectivas controvérsias, excluindo de suas atribuições apenas as questões compreendidas no campo da negociação coletiva, por se tratarem estas de competência dos Sindicatos.
Além do mecanismo antes mencionado, outro, mais recente, veio a demonstrar, pela letra das orientações da OIT, o reflexo da necessidade de se criarem meios de solução de dissídios e controvérsias trabalhistas por meio da negociação extrajudicial. Assim, a OIT, através da Convenção 154/81, estabeleceu como princípios o reconhecimento mútuo da representatividade, a aceitação da legitimação e o reconhecimento da predisposição das partes de estabelecer um processo de comunicação fundado no diálogo franco, leal e objetivo, orientado para o fim de se conciliar.
Verifica-se, portanto, tratar-se a negociação extrajudicial, visando acordos trabalhistas, tema de preocupação mundial, devendo, de igual modo, também ser estudado e sistematizado aqui no Brasil, sempre, contudo, atentando-se para a realidade social de cada pedaço de nossa nação, a fim de que não reste inócua a letra da lei, de maneira a restar ainda mais desacreditada a justiça perante a opinião pública.
Retornando-se ao tema, observou-se que o embrião teórico, o fundamento jurídico, da Lei nº 9.958/00, foram as orientações providenciadas pela OIT. Desta feita, passemos então agora a analisar alguns aspectos controvertidos da Lei das Comissões de Conciliação Prévia.
2. Aspectos polêmicos da lei que instituiu as comissões de conciliação prévia. Inconstitucionalidades argüidas
O primeiro aspecto respeita ao caráter paritário que devem ter as comissões e a limitação de suas atribuições. Significa dizer que, independentemente de situarem-se tais comissões no âmbito das empresas (aí entendidas como elementos empregadores) ou dos sindicatos (exegese do modificado art. 625-A, caput, da CLT), deverão seus componentes representar, em número igual, os interesses dos empregadores e dos empregados. A única limitação é conferida quanto ao número de constituintes destas comissões, quando estas situarem-se nas empresas, requerendo a lei que observe-se o número mínimo de 2 (dois) componentes e máximo de 10 (dez), sendo uma metade composta de representantes do empregador e a outra eleita pelos empregados. A lei conferiu aos sindicatos a liberdade de constituírem as comissões em seu âmbito (Art. 625-C). As atribuições, no entanto, de tais comissões, ficarão restringidas à solução de conflitos individuais do trabalho, sendo ainda prerrogativa dos sindicatos a negociação dos conflitos coletivos.
Quanto à presença do sindicato nas negociações coletivas e individuais trabalhistas, é bom aqui transcrever-se o teor do art. 8º, III, da CF: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” – grifamos. Com fundamento nesse direito, parte da doutrina, e alguns setores da sociedade (estes por meio de ADIns, conforme ver-se-á mais adiante), têm alegado a inconstitucionalidade do art. 625-B (modificado) da CLT, pois que neste artigo está prevista a negociação individual, no âmbito da empresa, sem a participação do sindicato. Umberto Eco2 já dizia que “um texto, depois de ter sido separado do seu emissor e das circunstâncias concretas da sua emissão, flutua no vácuo de um espaço infinito de interpretações possíveis”, de forma que, na esteira desse pensamento, explicam-se as mais sortidas formas de se encararem as leis. O que não se pode admitir, contudo, é, ante a expressa previsão constitucional, a interpretação que leva ao disparate de restringir-se a eficácia da Lex Maior. Fincar vigas em tais terrenos é fadar na insegurança. Deste modo, somos pela inconstitucionalidade deste art. 625-B da CLT, pois que se encontra em afronta aos ditames constitucionais, ainda mais em se tratando da realidade social vivida pelo trabalhador brasileiro, em sua grande maioria desconhecedora da legislação trabalhista e temente da situação de desemprego que assola o país, de modo que o medo e a falta de preparo intelectual podem levá-lo a firmar, perante as CCP empresariais, pela falta de um sindicato que os fortaleça e os oriente, acordos esdrúxulos e que só beneficiem seus patrões.
O segundo aspecto a ser destacado é relativo à redação dada ao art. 625-D3 da CLT. Alguns juristas e profissionais do Direito vêm levantando o argumento de que trata-se o comando ali transcrito de mandamento inconstitucional, por ferir o disposto no art. 5º, XXXV, da CF (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), vez que obriga, tanto ao empregado, como ao empregador, a submeterem-se às CCP ou aos Núcleos Intersindicais de Conciliação4, nas localidades onde existirem, antes de qualquer tentativa de busca do Judiciário.
Sustenta Ives Gandra da Silva Martins Filho5 que “a pretensa inconstitucionalidade, vislumbrada por alguns, na obrigatoriedade da passagem prévia da demanda perante a comissão de conciliação, não tem qualquer procedência. As comissões de conciliação prévia não constituem óbice ao acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, na medida em que são apenas instância prévia conciliatória, em que a comissão deve dar resposta à demanda em 10 dias (CLT, art. 625-F), o que, de forma alguma, representa óbice ao acesso ao Judiciário”. Relembra este mesmo jurista que o STF entendeu constitucional questão análoga da submissão do postulante de benefício, a comunicar ao INSS a ocorrência de acidente, antes de ir à postulação judicial6.
Para os que entendem a matéria inconstitucional, o principal argumento, além da quebra do princípio da inafastabilidade de jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), repousa na ampliação do comando expresso no art. 114, § 1º,7 da Constituição da República, aos dissídios individuais. Neste sentido é a opinião de Vicente José Malheiros da Fonseca8, juiz-presidente do TRT da 8ª Região, pois, para ele, “…a condição, agora estendida aos dissídios individuais, por força de lei ordinária, sugere uma ampliação não prevista pela Lei Fundamental, daí a inconstitucionalidade denunciada”.
É batalha jurídica que atrai interesses por parte de todos os envolvidos (empresários, sindicatos, juízes e advogados), sendo, atualmente, inclusive, matéria discutida no Supremo Tribunal Federal, por intermédio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nºs 2237-7, 2160-5, 2148-6 e 2139-79, estando todas no aguardo de decisão concessiva ou não de liminar suspensiva, a ser julgada pelo Min. Octavio Gallotti.
Nosso posicionamento é, em que pesem as doutas opiniões em contrário, mais uma vez, pela inconstitucionalidade do dispositivo suso mencionado, inobstante parte dos estudiosos até defender que, na verdade, a imposição deve ser tratada como que um requisito de procedibilidade da ação, tal como os previstos no Código de Processo Civil, devendo os processos em que não se constatar a comprovação de busca da instância de conciliação pelo reclamante, ser julgados extintos sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, VI).
3. Conclusão
Encerra-se por aqui, nestas breves linhas expostas, o presente trabalho, sendo de nossa ciência que, de maneira alguma, foi ainda esgotado o tema ora proposto, tão novo ainda em nosso cenário jurídico, de forma que, em vista da realidade social brasileira, esperam-se estudos mais aprofundados acerca da negociação individual no âmbito das Comissões de Conciliação Prévia, para que, continuamente, e de maneira eficaz, aperfeiçoem-se institutos que busquem o desafogamento da máquina judiciária, sem olvidarem-se os responsáveis por tal mister, contudo, da realidade do trabalhador no país em que vivemos, devendo-se sim, deste modo, nos dizeres de Calamandrei10, distribuir-se o “pão da legalidade”, mas desde que esta legalidade seja justa e constitucional.
NOTAS
(1) “Dissídio Individual e Conciliação Extrajudicial” – artigo capturado na internet, no site do TRT da 9ª Região.
(2) “Les Limites de L´Interprétation”, 1992, p. 8.
(3) Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.
(4) Encontram-se funcionando, atualmente, no Brasil, os Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista de Maringá, no Paraná, em Minas Gerais, nas cidades de Patos e Patrocínio.
(5) “A Justiça do Trabalho do ano 2000: As Leis 9.756/1998, 9.957 e 9.958/2000, a Emenda Constitucional 24/1999 e a Reforma do Judiciário” – artigo publicado na Revista Jurídica Virtual (nº 8 – janeiro/2000) da Presidência da República (www.planalto.gov.br).
(6) RE 144.840-SP, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 02/04/96, informativo nº 25 do STF.
(7) CF, art. 114, § 1º. Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
(8) “Comissões de Conciliação Prévia” – artigo capturado na internet, no site do TRT da 8ª Região.
(9) Interpostas, respectivamente, pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL, Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE e os Partidos Políticos PC do B, PSB, PT e PDT.
(10) “El Nuevo Processo Civil y La Ciência Jurídica”, in “Los Estudios de Derecho Procesal En Italia”, citado por Marcelo Navarro R. Dantas em “Mandado de Segurança Coletivo: Legitimação Ativa”, Saraiva, 2000.
Informações Sobre o Autor
Felipe Luiz Machado Barros
Juiz de Direito em Florânia/RN
Mestrando em Direito Constitucional – UFRN
Membro do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e do IHJ (Instituto de Hermenêutica Jurídica)