Flávia Budal Guenther[1]
Resumo: Trata-se de estudo voltado a analisar a discriminação por recusa de adaptação razoável, seus fundamentos jurídicos bem como a interpretação adequada do dever de acomodação razoável – decorrente do reconhecimento do direito fundamental à inclusão, que impõe o tratamento diferenciado das particularidades e necessidades dos trabalhadores – no contexto constitucional brasileiro. A partir desse cenário teórico, pretende-se apontar as possibilidades de aplicação do direito fundamental à adaptação razoável, previsto inicialmente na legislação em favor das pessoas com deficiência, sob a perspectiva da historicidade dos direitos fundamentais, também a outros grupos atingidos por políticas e práticas empresariais aparentemente neutras que geram efeitos discriminatórios, a fim de assegurar a igualdade de oportunidades no contexto da relação de trabalho a todos os indivíduos.
Palavras-chave: discriminação, isonomia, adaptação razoável, dignidade e historicidade.
Abstract: This is a study aimed at analyzing discrimination for refusing reasonable accommodation, its legal bases as well as the proper interpretation of the duty of reasonable accommodation – resulting from the recognition of the fundamental right to inclusion, which imposes different treatment of workers particularities and needs – in the Brazilian constitutional context. From this theoretical scenario, it is intended to point out the possibilities of applying the fundamental right to reasonable accommodation, initially provided in legislation in favor of people with disabilities, from the perspective of the historicity of fundamental rights, also to other groups affected by business policies and practices apparently neutral that generate discriminatory effects in order to ensure equal opportunities in the context of the employment relationship for all individuals.
Keywords: discrimination, isonomy, reasonable accommodation, dignity and historicity.
Sumário: Introdução. 1. Discriminação e isonomia. 2. Discriminação e recusa de adaptação razoável do meio ambiente do trabalho. 3. Adaptação razoável e historicidade dos direitos fundamentais. Considerações Finais. Referências.
Introdução
A concretização de um ambiente de trabalho que garanta a isonomia de acesso, de oportunidades e de tratamento aos indivíduos, respeitadas as suas diferenças e particularidades, é questão tortuosa no universo do Direito do Trabalho. Demanda, nessa perspectiva, interpretação à luz do princípio da proporcionalidade e da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, considerada a dignidade da pessoa humana e a sua efetivação como fim máximo a ser alcançado, de modo a assegurar um patamar mínimo de civilidade às pessoas inseridas no contexto da relação de trabalho.
Nessa perspectiva, destaca-se o dever de inclusão e integração das pessoas com deficiência, cuja recusa de adaptações razoáveis é expressamente prevista na legislação como hipótese de discriminação ilícita, conforme art. 2 da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada na forma do art. 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988 e internalizada por meio do Decreto n. 6.494/2009, integrando o bloco de constitucionalidade brasileiro, e art. 4º, §1º, da Lei n. 13.146/2015.
Contudo, outras peculiaridades dos indivíduos parecem demandar adaptações razoáveis por parte dos empregadores, a exemplo de aspectos concernentes à liberdade religiosa, a encargos parentais dos trabalhadores e a questões relacionadas à identidade de gênero. Isso porque, sob a perspectiva do atributo da historicidade dos direitos fundamentais, há reconhecer-se a existência de um direito fundamental à adaptação razoável fundado no direito de qualquer indivíduo de não ser discriminado, o que se coaduna com a cláusula de abertura dos direitos fundamentais (art. 5º, §2º, da Constituição de 1988) e com a máxima efetividade e concretização da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB).
- Discriminação e isonomia
A discriminação representa uma das questões mais tormentosas do Direito e, especialmente, do Direito do Trabalho, assumindo diversas formas e modalidades na sociedade moderna. Representa a discriminação a antítese da igualdade, pois “marginaliza e impede o acesso de certo grupo aos benefícios da vida em sociedade e, principalmente, aos centros de poder dessa mesma comunidade” (JAKUTIS, 2006, p. 24).
No âmbito da comunidade internacional, a eliminação da discriminação em matéria de emprego é tida pela Organização Internacional do Trabalho como direito fundamental no trabalho, ou core obligation (art. 2, “d”, da Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998), vinculando todos os Membros da Organização, ainda que não ratifiquem as convenções que a regulamentam. No mesmo sentido, o art. 7º, c, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, assegura “Igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade”. E, ainda, o art. 1º da Declaração Sociolaboral do Mercosul, que prevê a todo trabalhador a garantia de “igualdade efetiva de direitos, tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção ou exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual, idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou qualquer outra condição social ou familiar, em conformidade com as disposições legais vigentes”, comprometendo-se os Estados Partes a “realizar ações destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos em situação desvantajosa no mercado de trabalho”.
Na ordem jurídica interna, a Constituição de 1988 veda qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV, e art. 5º, XLI), inaugurando um sistema de proteções jurídicas vedatórias de qualquer conduta discriminatória no âmbito da relação de trabalho (art. 7º, XXX, XXXI e XXXII). E a legislação infraconstitucional também prevê expressa proibição de discriminação no âmbito laboral, na forma do art. 1º da Lei 9.029/1995, sendo certo que os fatores de discrimen contemplados na lei, do ponto de vista do Direito do Trabalho, são meramente exemplificativos, tendo em conta a proibição da “adoção de qualquer prática discriminatória ou limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção”, contemplando expressamente a norma a previsão “entre outros” motivos.
A discriminação tradicionalmente foi concebida de forma direta, na adoção de prática intencional e consciente discriminatória, resultando prejuízo ou desvantagem a um determinado grupo vulnerável. No entanto, na maioria das vezes, as práticas discriminatórias não se revelam explicitamente, o que ensejou a formulação de um novo conceito de discriminação, sem a necessidade de que seja verificado o propósito de discriminar, mas que ainda sim produz efeitos indesejados.
Verifica-se, pois, haver discriminação com fundamento nos efeitos desproporcionalmente prejudiciais que uma prática ou norma aparentemente neutra gera a um grupo mais vulnerárel, cujas peculiaridades físicas, psíquicas ou modo de viver diferem da generalidade de pessoas, ou seja, discriminação indireta, articulada a partir da doutrina do impacto desproporcional.
Destaca-se, nesse sentido, a previsão do conceito de discriminação no art. 1º, 1, da Convenção 111 da OIT:
- Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende:
- a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
- b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.
A discriminação pode ocorrer, ainda, de forma inconsciente, pois nem sempre tem raízes racionais, bastando que, com a conduta comissiva ou omissiva, haja reprodução ou perpetuação da ideia de uma cidadania de segunda classe (JAKUTIS, 2006, pp-31-33).
Firmino Alves Lima, com base nas peculiaridades e circunstâncias que envolvem a relação de trabalho, propõe um conceito para a discriminação neste campo:
[…] há discriminação nas relações de trabalho quando um ato ou comportamento do empregador, ocorrido antes, durante e depois da relação de trabalho, implica uma distinção, exclusão, restrição ou preferência, baseado em uma característica pessoal ou social, sem motivo razoável e justificável, que tenha por resultado a quebra do igual tratamento e a destruição, o comprometimento, o impedimento, o reconhecimento ou o usufruto de direitos e vantagens trabalhistas asseguradas, bem como direitos fundamentais de qualquer natureza, ainda que não vinculados ou integrantes da relação de trabalho. (LIMA, 2006, p. 135)
No contexto de se pretender superar a discriminação indireta, desenvolve-se a ideia de discriminação positiva, mecanismo de atuação estatal ou de entes privados cujo intuito é corrigir desigualdades históricas e atuais, na qual se encontram inseridos a ação afirmativa e o direito à acomodação razoável. E isso ocorre em razão da evolução do conceito de igualdade, princípio ético-jurídico consolidado na passagem do Estado Liberal ao Social, direito de natureza fundamental, que integra o conteúdo essencial da ideia de democracia.
Nessa perspectiva, a Constituição de 1988 alude, logo em seu preâmbulo, à igualdade como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, garantindo a igualdade de todos, sem distinção (art. 5º, caput). Ela estabelece como objetivo fundamental a promoção do bem de todos (art. 3º, III) e define que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, conforme os ditames da justiça social, devendo ser observados os princípios da redução das desigualdades sociais e da busca do pleno emprego (art. 170). Impõe, a um só tempo, a proibição de privilégios, distinções e discriminações injustas e, também, a necessidade de serem diferenciadas situações não assemelhadas, garantindo o tratamento igual entre as pessoas, respeitadas as suas diferenças.
O princípio da igualdade é, pois, um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais e condensa uma riqueza de conteúdo semântico. Na definição do sentido da igualdade, Canotilho passa pelo “princípio da universalidade”, ou seja, um postulado da universalização; pela “igualdade material através da lei”, na busca por uma igualdade relacional, o que denota a necessidade de tratamento assimétrico em determinadas situações; para avançar para a ideia de “igualdade justa”, de modo a justificar o tratamento igualitário ou assimétrico. Desse modo, entende haver “violação arbitrária da igualdade jurídica” quando o tratamento não se basear em: a) “fundamento sério”; b) “não tiver um sentido legítimo”; e c) “estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”. (CANOTILHO, 1996, pp. 562-565)
A doutrina classicamente subdivide a igualdade em duas dimensões: a proibição de discriminação indevida, denominada vedação da discriminação negativa, e o dever de favorecer aqueles que se encontram em situações de indevida desvantagem social, tidos como vulneráveis, para obtenção da igualdade efetiva, denominada discriminação positiva ou ação afirmativa. Recentemente, fala-se também em igualdade por meio do reconhecimento de identidades próprias, distintas dos agrupamentos hegemônicos, de modo que a concretização da igualdade traz como consequência um dever de inclusão (RAMOS, 2018, pp. 605-606).
E esse dever de inclusão impõe o tratamento diferenciado para a obtenção da igualdade material. E para que a diferenciação de tratamento não implique violação da isonomia, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que “as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quanto existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferidas, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição” (MELLO, 2013, p. 17).
Assim, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais” (MELLO, 2013, p. 35).
Para Alexy, o dever de tratamento igual é obrigatório quando não houver uma razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual; contudo, havendo razão suficiente para o dever de um tratamento desigual, então esse é igualmente obrigatório (ALEXY, 2015, pp. 408-411).
Diferencia-se, pois, o princípio da não discriminação como “matriz geral vedatória de tratamento diferenciado à pessoa em virtude de fato injustamente desqualificante” (DELGADO, 2013, p. 44), da diretriz da isonomia, mais ampla e imprecisa, cujo comando igualizador visa assegurar um patamar mínimo de civilidade entre as pessoas.
Nos domínios do vínculo empregatício, caracterizado pela intensa subordinação jurídica, todo ato de discriminação desqualificante impede a concretização de direitos trabalhistas fundamentais (MELLO, 2015, p. 258). Por outro lado, o dever de tratamento isonômico e, portanto, de inclusão, se impõe, da mesma forma, como limite ao exercício do poder empregatício. Isso se fundamenta na dimensão objetiva dos direitos fundamentais e, por consequência, na eficácia direta e imediata desses direitos nas relações entre os particulares, conforme art. 5º, §1º, da Constituição de 1988[2].
Assim, a concretização da isonomia nos domínios do contrato de trabalho demanda a adoção pelos empregadores de uma conduta de acordo com as garantias fundamentais do trabalhador não só na contratação, mas na efetiva inclusão e integração de pessoas com diferentes peculiaridades nesse contexto. Fala-se, nesse sentido, em acessibilidade ao emprego, a qual se deve pautar em uma cultura de diversidade, inclusão, respeito e empatia.
Cabe ao empregador, pois, remover barreiras culturais, tecnológicas, arquitetônicas, comunicacionais e, principalmente, atitudinais, e adaptar razoavelmente o ambiente de trabalho, a fim de assegurar igualdade de oportunidades a todos os indivíduos.
- Discriminação e recusa de adaptação razoável do meio ambiente do trabalho
As teorias da discriminação indireta e da igualdade como reconhecimento – na busca da construção de uma sociedade que prestigie e reconheça a diversidade – conferem fundamento jurídico ao direito à adaptação razoável. Isso porque se passou a verificar que a aplicação de normas e práticas empresariais projetadas indistintamente a todos os trabalhadores, ainda que concebidas em consonância com o dever de neutralidade que deve reger a conduta do empregador, podem afetar negativamente determinados indivíduos ou grupos de trabalhadores, apresentando, pois, resultados discriminatórios.
O dever de adaptação razoável surge no campo da discriminação religiosa, no âmbito da relação de trabalho, como um “mecanismo garantidor da prevalência ou da realização material da igualdade no ambiente laboral, na medida em que procura obviar os efeitos discriminatórios que práticas empresariais facialmente neutras provocam ou podem provocar em indivíduos pertencentes a grupos minoritários que apresentam necessidades especiais de acomodação no ambiente de trabalho” (RANGEL, 2013, p. 1105).
O conteúdo mínimo desse direito de acomodação[3] deve ser entendido como a prerrogativa dada a determinadas pessoas ou grupos constitucionalmente protegidos “de, em certas situações, não se sujeitarem às mesmas estruturas, deveres ou condições impostas à generalidade das pessoas e grupos em uma sociedade” (CORBO, 2018, p. 203).
Wallace Corbo sustenta a existência de três características principais ao direito à adaptação razoável: a adjudicabilidade, consistente na percepção de que a acomodação consiste em direito subjetivo que, se violado, permite ao titular satisfazer judicialmente sua pretensão; a eficácia vertical e horizontal do direito, sendo exigível em face tanto do Poder Público quanto de particulares; e a relatividade, permitindo sua concretização, como direito fundamental, em diferentes graus (CORBO, 2018, pp. 218-219).
Essa relatividade do direito à acomodação razoável ganha conteúdo específico no conceito adotado pela Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada na forma do art. 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988:
“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; (art. 2).
Não se trata, pois, do direito à acomodação razoável a um direito à máxima acomodação possível, mas um direito à acomodação razoável, estando implícita uma relação de razoabilidade e proporcionalidade no conceito a indicar que os ajustes (ou adaptações) necessários e adequados para cada caso concreto, segundo a necessidade individual de cada trabalhador, não podem gerar “ônus desproporcional ou indevido”.
A definição do significado de uma adaptação “razoável”, em contraposição a uma adaptação “não razoável”, é identificada por Letícia Martel no direito comparado sob dois principais diferentes entendimentos.
Nos Estados Unidos, Letícia Martel aponta que a Suprema Corte adotou postura restritiva, separando os termos razoável, qualificativo de acomodação, da locução “ônus indevido”, que seria objeto de análise apenas se o empregador não estivesse apto a oferecer qualquer acomodação que repute razoável. Assim, o dever de acomodar é limitado pelo critério da razoabilidade, podendo ser reputada não razoável independentemente da prova do ônus indevido, este interpretado mediante um teste de minimis, ou seja, a existência de qualquer custo além do mínimo sobre aquele que tem o dever de acomodar seria suficiente para afastar o direito à adaptação razoável (MARTEL, 2011, p. 94).
De outro lado, explica Letícia Martel,
No Canadá, a construção do conceito de acomodação razoável nasceu entrelaçada ao transplante da doutrina estadunidense do impacto adverso. Reconhecido o impacto adverso, haverá o dever de acomodar razoavelmente, salvo se houve um ônus indevido comprovado por quem detém o dever. (p. 98)
A Corte canadense, nesse sentido, concebe o vocábulo razoável ligado à acomodação como dependente da prova de ônus indevido, reconhecendo um dever de acomodar razoavelmente até o limite do ônus indevido, à luz do exame de proporcionalidade; estabelece que os fatores na aferição do ônus indevido no ambiente de trabalho devem ser analisados à luz do caso concreto; e que o leque de sujeitos passivos do dever de acomodar é amplo, abrangendo sindicatos e condomínios residenciais, por exemplo (MARTEL, 2011, p. 98-99).
No que tange aos parâmetros para a análise jurídica do dever de adaptação razoável e do conceito de ônus desproporcional ou indevido, Ricardo Raemy Rangel propõe que a interpretação juridicamente consistente parte do pressuposto de que razoável e ônus indevido compõem um binômio, a serem analisados conjuntamente, em consonância com a doutrina e jurisprudência canadense sobre o instituto. Nesse sentido,
[…] razoáveis seriam todas as possíveis adaptações que se encontrem circunscritas aos limites delineados pelo custo ou ônus excessivo ou indevido; pois a única justificativa disponibilizada ao empregador para a não realização da acomodação reside exatamente na demonstração do excesso ou da desproporcionalidade dos custos/ônus que teria que suportar caso tivesse que realizar o ajuste. (RANGEL, 2013, p. 1107)
Rangel afirma caber ao empregador comprovar, no que tange ao dever de adaptação razoável, que adota prática não discriminatória objetivando a consecução de um fim legítimo, amparada em fundamento racional; que empreendeu esforço real de acomodação razoável, levando em conta as legítimas necessidades das pessoas envolvidas; e que a acomodação não foi implementada em razão do ônus ou custo indevido (José Woehrling apud Ricardo Ramy Rangel, 2013, p. 1107).
A mensuração do ônus indevido, de outro lado, foi indicada por meio de um conjunto de parâmetros a serem aferidos no caso concreto em litígio apreciado pela Suprema Corte do Canada em “Central Alberta Dairy Pool c. Comission des Droits de la Personne de l´Alberta”, a saber:o porte econômico do empregador, o custo financeiro, o desrespeito a uma convenção coletiva, problemas morais no ambiente de trabalho decorrentes do tratamento diverso deferido a alguns empregados e a necessidade de mudança dos efetivos da empresa e de suas instalações. Ademais, restou assinalado que custos adicionais devem ser observados na avaliação quando a acomodação pretendida tiver implicações com questões de saúde e segurança no trabalho, e que outros fatores poderão ser considerados na ponderação com o direito à não discriminação do trabalhador diante do caso concreto (RANGEL, 2013, pp. 1108-1109).
No contexto constitucional brasileiro, a interpretação adequada do dever de adaptação razoável nos moldes do binômio razoabilidade-ônus indevido aponta para a necessidade de adaptação eficaz, mediante o emprego dos mais diversos mecanismos, incluindo técnicas, tecnologias, revisões de procedimentos, exceções no horário e local de trabalho, dentre outros, com vistas a acomodar, com o mínimo de segregação e estigma possível, o grupo vulnerável, até o limite do ônus indevido, à luz do exame de proporcionalidade. Há, pois, direito fundamental à acomodação razoável, decorrente do direito de não ser discriminado (MARTEL, 2011, pp. 104-106).
De outro lado, o ônus indevido representa a defesa que permite ao sujeito passivo eximir-se de acomodar, a ser apreciado casuisticamente, em uma ponderação entre custos e benefícios, que não se exaurem na questão econômico-financeira. Se a finalidade que se busca alcançar mediante a acomodação não é por ela alcançada, o ônus é indevido; por outro lado, há ressaltar que os benefícios da acomodação não alcançam um único indivíduo, mas toda a coletividade, gerando ganhos, inclusive, de marketing e de responsabilidade social perante a coletividade, os quais hão de ser considerados (MARTEL, 2011, p. 107).
Poder-se-ia, ademais, em análise analógica do instituto, sustentar-se que o direito à adaptação razoável representa a concretização do mínimo existencial concernente ao direito a não discriminação no contexto do contrato de trabalho, que decorre da colisão entre a máxima efetividade buscada na concretização do direito à igualdade neste espaço e a reserva do possível, pois não se pode cobrar do empregador aquilo que é faticamente irrealizável. Nesta perspectiva, cabe ao empregador efetivar as acomodações necessárias a assegurar um patamar mínimo de civilidade entre os trabalhadores, o que impõe um dever de inclusão, ou seja, de tratamento diferenciado para a obtenção da igualdade material de oportunidades desses trabalhadores.
Há ressaltar, ainda, que todo o processo de análise de adaptação razoável deve ser permeado por um dever de cooperação entre os partícipes da discriminação indireta, de modo que ambas as partes devem estar dispostas a apresentar soluções para a superação da situação. Deve-se encorajar, pois, a apresentação de sugestões de adaptações, de modo que sejam identificadas as alternativas mais razoáveis, entendidas como aquelas mais adequadas à promoção da igualdade com a menor onerosidade possível (CORBO, 2018, p. 223).
No âmbito das relações trabalhistas, outras peculiaridades dos indivíduos, para além da hipótese legalmente prevista concernente às pessoas com deficiência, parecem demandar adaptações razoáveis por parte dos empregadores, a exemplo de aspectos concernentes a liberdade religiosa, para os quais a teoria foi originariamente concebida, a encargos parentais dos trabalhadores e a questões relacionadas à identidade de gênero, cujos fundamentos jurídicos passam, pois, a ser analisados.
- Adaptação razoável e historicidade dos direitos fundamentais
O reconhecimento da existência de um direito fundamental à adaptação razoável fundado no direito de qualquer indivíduo de não ser discriminado decorre de um novo paradigma dos direitos fundamentais e humanos – aqui tidos ambos os termos como sinônimos – fundado na cláusula de abertura dos direitos humanos e na interpretação jurídica “pautada pela força expansiva do princípio da dignidade humana e dos direitos humanos” (PIOVESAN, 2018, p. 197).
Isso porque a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB) deve ser entendida como o fundamento da República, ou seja, o mais importante deles, verdadeiro vetor axiológico do ordenamento jurídico, de modo que a interpretação e aplicação das normas e dos deveres que dela decorrem devem considerar como fim máximo a sua necessária concretização.
Nesse sentido, os direitos fundamentais devem ser entendidos sob a perspectiva da historicidade, pois não nascem de uma só vez, sendo pensados e criados historicamente, concernentes, pois, ao ser humano em determinado tempo e lugar, historicamente localizado.
Explica Norberto Bobbio:
[…] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. […] enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação. (BOBBIO, 1992, pp. 5 e 32)
Mauricio Godinho Delgado e Gabriel Neves Delgado, acerca da historicidade dos direitos humanos, ensinam:
Enquanto padrão de humanidade e de reinvindicação de ordem moral, eles se encontram em permanente processo de construção e reconstrução, surgindo no curso histórico mediante processo cumulativo e qualitativo e não por meio de evolução linear. É que os Direitos Humanos integram uma mesma realidade dinâmica, podendo e devendo ser compreendidos em múltiplas dimensões, respeitados os seus movimentos dialéticos. (DELGADO, 2018, p. 225)
Joaquin Herrera Flores propõe que os direitos humanos, mais que direitos propriamente ditos, são o resultado de uma luta constante que os seres humanos colocam em prática para garantir o acesso aos bens necessários para uma vida digna. Ademais, porque os seres humanos se encontram imersos em processos hierárquicos e desiguais de acesso aos bens, visam a garantir de forma igualitária e não hierarquizada a dignidade humana como fim material, com a criação de condições materiais concretas que permitam uma satisfação digna (FLORES, 2009, pp. 32-37).
Nessa perspectiva, a historicidade, atributo dos direitos fundamentais, é marcada por três momentos distintos: a conscientização da existência desses direitos; a positivação deles no ordenamento jurídico constitucional; e, finalmente, a efetivação dos direitos, ou seja, a sua concretização no plano social (DELGADO, 2018, p. 224).
O direito à adaptação razoável, direito fundamental previsto na legislação inicialmente em favor das pessoas com deficiência, concerne, pois, sob a perspectiva da historicidade, também a outros grupos atingidos por políticas e práticas empresariais aparentemente neutras que geram efeitos discriminatórios, com fundamento nas teorias da discriminação indireta e da igualdade como reconhecimento, criando pretensões a prestações exigíveis de seus empregadores face à dimensão subjetiva desses direitos.
Cabe destacar que o termo “acomodação razoável” originou-se a fim de combater a discriminação religiosa no mercado de trabalho, quando da aprovação do Equal Employment Opportunity Act de 1972, nos Estados Unidos. Passou-se a exigir do empregador prova de que não estaria apto a acomodar razoavelmente as práticas religiosas de seus empregados sem um ônus indevido (MARTEL, 2011, p. 92). Isso porque a existência de uma regra geral quanto à fixação de dias e horários de trabalho ou de vestimentas para o exercício da profissão podem violar a liberdade de culto e a proteção à manifestação individual de certas crenças religiosas. Nestas circunstâncias, a discriminação individualmente sofrida por cada trabalhador é suficiente para comprovar a violação ao princípio da igualdade e da não discriminação (CORBO, 2018, p. 228), impondo, pois, mecanismos de acomodação das particularidades dos trabalhadores, adequadas e necessárias para assegurar-lhes igualdade de oportunidades.
Da mesma forma, trabalhadores com encargos parentais demandam adaptações razoáveis no tocante à execução do contrato de trabalho, com fundamento na proibição da chamada “discriminação por associação familiar”. Nesse sentido, destaca-se a necessidade de os locais de trabalho se adaptarem às mudanças das realidades das famílias, removendo as barreiras à prestação do trabalho por esses indivíduos.
Cabe ressaltar, nesse sentido, as previsões contidas na Convenção 156 da OIT, a qual, muito embora não tenha sido ainda ratificada pelo Brasil, serve de fonte subsidiária do direito do trabalho, na forma do art. 8º, da CLT. Destaca-se da referida Convenção:
Art. 4º. Com vista ao estabelecimento de uma efetiva igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores, serão tomadas todas as medidas compatíveis com as condições e as responsabilidades nacionais para:
- a) dar condições a trabalhadores com encargos de família de exercer seu direito à livre escolha de emprego e
- b) levar em consideração suas necessidades nos termos e condições de emprego e de seguridade social.
Art. 7º. Serão tomadas todas as medidas compatíveis com as condições e as possibilidades nacionais, inclusive medidas no campo da orientação e de treinamento profissionais, para dar condições aos trabalhadores com encargos de família de se integrarem e permanecerem integrados na força de trabalho, assim como nela reingressar após ausência imposta por esses encargos.
A questão foi enfrentada em parecer da Comissão de Direitos Humanos de Ontario, Canadá, intitulado “the coast of caring”:
Pessoas numa relação do tipo parental têm direito a igual tratamento no local de trabalho. Os empregadores não podem discriminar a contratação, promoção, formação, benefícios, condições laborais ou o término do contrato porque uma pessoa está a cuidar de um membro da família.
Pessoas que são prestadoras de cuidados podem ser erroneamente consideradas menos competentes, comprometidas ou ambiciosas do que outras pessoas – muitas vezes devido a estereótipos de gênero – e podem ser-lhes negadas promoções, oportunidades de aprendizagem e reconhecimento. Onde quer que as estruturas do local de trabalho, regras, procedimentos ou cultura excluam ou coloquem em desvantagem prestadores de cuidados, os empregadores têm a obrigação legal de considerar mudanças para satisfazer essas necessidades. A isto chama-se “dever de acomodação”
Alguns exemplos de acomodação são:
- Oferecer horários flexíveis.
- Permitir que todos os empregados tirem licença para cuidar de familiares idosos, doentes ou que tenham uma deficiência.
- Permitir acordos laborais alternativos.
Criar um local de trabalho flexível e inclusivo beneficia todos os empregados e ajuda os empregadores a contratar, manter e conseguir o melhor desempenho possível dos trabalhadores. (ONTARIO HUMAN RIGHTS COMMISSION)
No Brasil, verifica-se que a Lei 13.257/2015 inseriu no art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho o inciso X, autorizando ao empregado faltar por até 2 dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira, e, no inciso XI, a autorização para faltar por 1 dia por ano para acompanhar filho de até 6 anos em consulta médica, o que vai ao encontro da necessidade de se adaptar, com razoabilidade, a prestação de serviços às particularidades que envolvem os trabalhadores com encargos parentais. Outras acomodações, ademais, poderão ser consideradas necessárias, individual e casuisticamente, cabendo ao empregador desenvolver políticas e procedimentos de acomodação.
Há destacar, nesse sentido, que a reprovabilidade da conduta do empregador no tocante à recusa da adaptação razoável demanda uma análise da ilicitude à luz da historicidade do direito fundamental a essa acomodação. No caso da discriminação baseada na condição familiar do trabalhador, essa análise deve contemplar, ainda, a ideia de interesse público vertido na sucessividade das gerações, e de que é dever da família, da sociedade e do Estado resguardar e amparar os interesses das crianças e dos idosos (artigos 227 e 230, CRFB).
Por fim, há destacar a necessidade de adaptação razoável também em relação a questões relacionadas à identidade de gênero, como no caso, por exemplo, do banheiro a ser utilizado por uma pessoa transgênero. O tema é polêmico e se encontra pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal[4]. A melhor solução – à luz do princípio da proporcionalidade, do reconhecimento da identidade de gênero aos transexuais e da tutela do seu direito à igual consideração e respeito, corolário natural do princípio da dignidade em sua dimensão de atribuição de valor intrínseco a todo e qualquer ser humano – parece apontar para a optatividade, pela pessoa transgênero, quanto ao banheiro ou vestuário a ser utilizado. Nesse sentido, cabe ao empregador promover adaptações razoáveis, tais como providenciar medidas como a implementação de portas ou boxes nos chuveiros e divisórias nos vestiários e banheiros a fim de preservar a intimidade de todos os empregados, ou mesmo criar banheiros e vestiários mistos, a serem utilizados por todos os trabalhadores.
Destaca-se que no dia 12 de dezembro de 2018, foi acrescentado o art. 5º-A à Portaria n. 7/2018 do Ministério Público da União, que dispõe sobre o uso do nome social pelas pessoas transgêneras usuárias de serviços, membros servidores, estagiários e terceirizados no âmbito do MPU, com a seguinte redação: “Art. 5º-A: É garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito no âmbito do Ministério Público da União”. Embora a medida seja destinada à Administração Pública e esteja restrita ao Ministério Público da União, sinaliza uma postura estatal frente ao tema.
Em todos os casos, a adaptação razoável deve envolver também a promoção, pelo empregador, de palestras e campanhas educacionais dirigidas a todos os empregados, abordando os benefícios de um meio ambiente de trabalho plural, inclusivo e diversificado, de modo a romper preconceitos e eliminar barreiras, sobretudo, atitudinais.
Há destacar que a assimetria entre as partes envolvidas no contexto da relação de trabalho impõe uma desvalorização da autonomia privada do empregador no que tange à possibilidade de recusa da adaptação razoável pretendida pelo trabalhador.
Daniel Sarmento explica:
[…] um dos fatores primordiais que deve ser considerado nas questões envolvendo a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é a existência e o grau da desigualdade fática entre os envolvidos. Em outras palavras, quanto maior for a desigualdade, mais intensa será a proteção ao direito fundamental em jogo, e menor a tutela da autonomia privada. (SARMENTO, 2010, p. 303)
Portanto, a desigualdade material entre as partes da relação de trabalho justifica a ampliação da proteção de direitos fundamentais em detrimento da autonomia privada do empregador na condução da atividade empresarial, impondo-lhe o tratamento diferenciado a determinados grupos de indivíduos em condição de vulnerabilidade, garantida a correlação lógica entre a peculiaridade diferencial de cada indivíduo e a desigualdade de tratamento em razão dela conferida, na busca da concretização de um ambiente de trabalho isonômico.
Também a função social do contrato (art. 421 e art. 2.035, parágrafo único, ambos do Código Civil) fundamenta o dever de acomodação razoável, tendo em conta a mitigação ou relativização da autonomia da vontade das partes contratantes, que deve atender aos interesses da pessoa humana e a realidade social que as circunda.
Explica Mauricio Godinho Delgado:
A submissão da propriedade à sua função socioambiental, ao mesmo tempo que afirma o regime da livre-iniciativa, enquadra-o, rigorosamente, em leito de práticas e destinações afirmatórias do ser humano e dos valores sociais e ambientais. (DELGADO, 2013, p. 37)
Trata-se da concretização dos princípios da valorização do trabalho e da justiça social, afirmados pela Constituição de 1988 (art. 1º, IV, e art. 170, caput), submetendo a propriedade e os contratos ao cumprimento da sua função social e impondo, a um só tempo, a proteção dos vulneráveis contratuais, a proteção da dignidade humana e a proteção dos direitos difusos e coletivos.
No mais, a boa-fé contratual igualmente fundamenta a imposição ao empregador de um dever de adaptação razoável para além da hipótese legalmente já prevista relativa às pessoas com deficiência. A boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil) está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta que embasam o dever de adaptação razoável pela imposição de um geral dever de cuidado em relação ao trabalhador, de respeito, de colaboração e de cooperação, de modo que a quebra desses deveres gera violação positiva do contrato e, por consequência, responsabilidade civil (TARTUCE, 2016, p. 625).
Considerações Finais
A concretização de um ambiente de trabalho isonômico que prestigie a inclusão e a diversidade depende, em grande medida, do rompimento de preconceitos e barreiras, principalmente, atitudinais. É preciso considerar as diferenças e particularidades das pessoas na forma com que se relacionam a fim de se construir um ambiente de trabalho acessível, cuja acessibilidade deve abranger aspectos físicos, programáticos, comunicacionais e atitudinais.
A mudança de postura e a derrubada de preconceitos são o ponto de partida para a efetiva inclusão das diferenças, com a promoção do bem todos, sem discriminação, conforme preceitua a Constituição de 1988.
Nessa perspectiva, o direito fundamental à adaptação razoável é aplicável não só às pessoas com deficiência, mas indistintamente a todos os trabalhadores, com fundamento na teoria da discriminação indireta e da igualdade como reconhecimento. O dever de inclusão de todos os trabalhadores e a promoção da acessibilidade no emprego, na busca da construção de uma sociedade que prestigie e reconheça a diversidade, impõe o tratamento diferenciado para a obtenção de um ambiente de trabalho isonômico, tendo em conta a premissa de que não se pode aceitar a continuidade de situações fáticas desiguais que imponham a perpetuação de exclusão de determinados grupos mais vulneráveis da vida em sociedade.
E a possibilidade de ampliação da aplicação desse direito no ambiente laboral a outros grupos de indivíduos igualmente atingidos por discriminação indireta tem por fundamentos a historicidade dos direitos humanos, a função social do contrato e a boa-fé contratual, o que, em suma, implica considerar a dignidade da pessoa humana como vetor axiológico do ordenamento jurídico.
Ao final, a efetivação do dever de inclusão certamente resultará em um ambiente de trabalho mais plural e diversificado, em benefício dos trabalhadores e da própria atividade empresarial.
Referências
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[1] Graduada em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Analista Judiciária no TRT12.
[2] Nesse sentido, o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 158.215 e no RE 161.243, e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva 18/2003.
[3] Muito embora a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência traga o termo “adaptação”, no direito norte-americano, onde originado, o termo utilizado é “acomodação”, ou reasonable accommodation, de modo que este artigo trata ambos como sinônimos.
[4] Tese com repercussão geral (RE n. 845779).