Flexibilização e desemprego


O direito do Trabalho tem pôr fim a tutela dos trabalhadores e a consecução de uma igualdade substancial e prática para os sujeito envolvidos, trata-se de um ramo do Direito essencialmente ligado ao concreto (com formas de produção normativa, nomeadamente as convenções coletivas de trabalho marcadamente aderentes à realidade), do que resulta também um especial dinamismo. O direito do trabalho está bastante sujeito à instabilidade das flutuações da política. Nascido numa época de prosperidade econômica, caracterizada por certa estabilidade das relações jurídicas, concebeu-se a intervenção do Estado como um meio de elaborar um regulamento detalhado das condições de trabalho, a fim de forçar as partes a buscarem a solução dos seus conflitos. O resultado dessa intervenção é a característica básica da regulamentação das relações de trabalho. A heterorregulação, que provoca a rigidez da legislação.


As persistentes crises contemporâneas têm tido um impacto particularmente destrutivo sobre o emprego (gerando o desemprego em massa), pondo em causa o modelo tradicional do Direito do Trabalho, tal como foi sendo construído na sua época áurea , em particular nos anos sessenta . Esse modelo de Direito do Trabalho, assegurando um acréscimo de tutela dos trabalhadores, tem sido acusado de constituir fator de rigidez do mercado de emprego e da alta de custo de trabalho, e, nessa medida , de contribuir para o decréscimo dos níveis de emprego  e conseqüente estímulo ao desemprego.


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A realidade atual não é mais a mesma dos anos 60. O Brasil, não sendo a exceção perante a organização mundial, sofreu verdadeiras alterações no mercado de trabalho pós-guerra, e no nível de desemprego e desequilíbrio da economia, propiciando o aparecimento do mercado informal de trabalho que, em regra, é constituído pela força de trabalho dita excedente, em função da pequena oferta de empregos. Deve-se asseverar que dados estatísticos apontam um índice altíssimo da população economicamente ativa, que integra este setor produtivo. A que se levar em consideração a crise econômica dos anos 80, provocada pelo choque dos preços do petróleo que atingia uma gama de países na Europa, assim como no Brasil, provocou o surgimento de novas formas de contratação geradoras de relações de trabalho atípicas. Assim, o contrato por tempo determinado deixou de ser exceção, admitindo-se vários contratos intermitentes, de temporadas, contratos de formação, contratos de estágio, e antecipou aposentadorias.


É em virtude dessa realidade atuante do desemprego, em contraposição com a rigidez da legislação, que semeou-se na Europa um movimento de idéias, que no dia-a-dia angariava novos  pensadores, especialistas e principalmente os operadores do direito do trabalho , a flexibilização.


Apartir dessa idéias que as legislações tendam hoje para a flexibilização, admitindo-se com mais facilidade a mobilidade geográfica e profissional dos trabalhadores e a suspensão e a cessação dos contratos de trabalho.


Mas o que é flexibilização?


Para Arturo Hoyos, a flexibilização laboral se traduz pelo uso dos instrumentos jurídicos que permitam o ajustamento da produção, emprego e condições de trabalho à celeridade e permanência das flutuações econômicas, às inovações tecnológicas e outros elementos que requerem rápida adequação.


Segundo o jurista francês Jean Claude Javillier, a flexibilização é de proteção, de adaptação e de desregramento. A flexibilidade de proteção visa a uma combinação das normas heterônomas e autônomas em sentido favorável aos trabalhadores. A flexibilidade é de adaptação, através de disposições in pejus, como estratégia sindical em face das dificuldades ou da crise econômica, buscando preservar os interesses dos assalariados.


Segundo doutrinadores europeus como Giuseppe Pera (Itália) e Couturier (França), que sustentam que é indispensável conjugar o máximo de justiça social possível com a garantia de eficiência e do desenvolvimento econômico. Admitindo-se, na Europa, um direito do trabalho em crise ou de emergência.


Rosita Sidrim Nassar define flexibilização das normas trabalhistas como parte integrante do processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o direito laboral de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento. Significando que a flexibilização das normas trabalhistas não se exaure o traduz a totalidade do fenômeno da flexibilização este é bem mais abrangente, compreendendo estratégias políticas, econômicas e sociais e não apenas jurídicas, atuando através de procedimentos variados reunião de medidas.


Diz ainda que os instrumentos flexibilitatórios objetivam, exatamente, propiciar o rápido amoldamento do complexo normativo laboral às mudanças decorrentes de flutuações econômicas tecnológicas ou quaisquer outra alterações que requeiram imediata adequação da norma jurídica.


No ordenamento jurídico pátrio as medidas de caráter flexibilizante existentes são todavia incipientes esparsas e assistemáticas, for a inseridas na atual carta magna, não se instituíram sob a inspiração dos motivos , dos fundamentos que vem determinando sua adoção no direito estrangeiro, qual seja adequar o juslaboral às profundas transformações econômicas, tecnológicas, sociais e políticas do mundo contemporâneo, a qual já se faz sentir em nosso país.


A Constituição de 1988 adotou a tese da flexibilização, porém de forma tímida e sob tutela sindical (Artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, e Artigo 8º, inciso VI, da CB/88), por vezes delegando a participação de trabalhadores e empregadores em colegiados que tratem de interesses profissionais ou previdenciários, livres, para discussão e deliberação. Assim, assegura meios de permitir o trato das relações de trabalho em reuniões preliminares, evitando a rigidez das normas trabalhistas (Artigo 10 da CB/88). A CLT apresenta-se refratária à tentativa de flexibilidade.


Rosita Sidrim sugere pôr exemplo com tendência flexibilizadora, que a lei complementar não qualificasse como arbitrária a despedida fundada em razões econômicas ou tecnológicas, de caráter individual ou coletivo desde que evidenciados necessários à manutenção do equilíbrio econômico e financeiro da empresa e os tecnológicos seriam fundados na necessidade de restruturação da empresa com a implantação de inovações tecnológicas objetivadoras da melhoria das condições de trabalho e produtividade.


A que se asseverar que a tendência à flexibilização, com as devidas cautelas, não são justificadas apenas pelas causas econômicas e de desemprego, mas também pela introdução de novas tecnologias na empresa. Observa-se o campo da informática e da robotização, que provoca a passagem da era industrial para a pós-industrial, com a conseqüente expansão do setor terciário e podendo exigir a revisão de condições de trabalho, inclusive nas pequenas e microempresas que não podem utilizar tecnologia mais sofisticada e necessitam da flexibilização para assegurar a própria sobrevivência.


Segundo Amauri Mascaro Nascimento a flexibilização do direito do trabalho faria dele um mero apêndice da Economia e acabaria pôr transformar pôr completo a sua fisionomia originária. O direito do trabalho deixaria de ser uma defesa do homem contra a sua absorvição pelo processo econômico para ser unicamente um conjunto de normas destinadas à realização do progresso econômico mesmo que com sacrifícios insuportáveis dos trabalhadores.


A tese da flexibilização enfrenta, entre outros problemas, o da compatibilidade com o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, é de adaptação, através de disposições in pejus, como estratégia sindical em face das dificuldades ou da crise econômica, buscando preservar os interesses dos assalariados Verifica-se a partir da natureza cambiante da realidade econômica, onde uma norma pode ser socialmente aceitável num período de abastança, entretanto absolutamente prejudicial e nociva dentro  de uma sociedade com crise de emprego.


Enquanto ciência do direito o juslaboralismo é tendencialmente universal, pois ele não se restringe a fronteiras nacionais: alarga-se aos diversos espaços de idêntica cultura no Mercosul , pôr exemplo , a lei argentina “Lei Nacional de Emprego “(Lei n 24.013/91) seguindo a orientação de grande parte dos países ocidentais , ingressou num processo de flexibilização ou desregulamentação das normas laborais, essa tendência à desregulamentação gradual , visando superar a tradição estatal e paternalista pressupõe  uma modificação estrutural e política sensível no âmbito das organizações sindicais de ambos os países e certamente , também do Uruguai e Paraguai, sendo o afastamento do Estado ou redução de sua presença, mediante a gradual substituição da tutela estatal pela tutela sindical que passa a assumir uma responsabilidade de cunho social , político e econômico que lhe está assegurada inevitavelmente num mundo de economia globalizada , tecnológica e cibernética , mas também em crise de subemprego , desemprego e condições adversas.


Constatamos , no caso do Brasil que nos últimos três anos, o desemprego, acompanhado pela crescente flexibilização , discurso neoliberal, abertura econômica, precarização e informalização do emprego, tornou- se o mais grave drama nacional.


As estatísticas oficiais escondem uma brutal queima de empregos de qualidade na indústria e nos bancos – compensados parcialmente pela “geração” de empregos precários no comércio e nos serviços. Entretanto, de acordo com critérios mais adequados à realidade brasileira (PED), em julho de 1994, data da implantação do Real, a taxa de desemprego era de 14,5% (segundo dados do Seade / Dieese), correspondendo a 1,15 milhão de desempregados somente na Grande São Paulo. Passados quase três anos (maio/97), a taxa de desemprego é de 16% (Seade / Dieese), correspondendo a 1,387 milhão de desempregados nesta região. Se projetarmos essa taxa de desemprego (aberto e oculto) para todo o País, os desempregados somariam mais de 11,5 milhões, lançados à mais cruel exclusão social.


Porém, mesmo diante desta situação penso que o direito do trabalho brasileiro deve se adaptar ao novos tempos pois, persiste, há quase cinqüenta anos , marcado pelo forte intervencionismo estatal, refletindo o autoritarismo da época em que foi gerado, pomposo, complexo às vezes obscuro, preponderantemente constituído de normas de ordem pública, tem contribuído para o imobilismo empresarial e estímulo a especulação financeira, inclusive com a aplicação de capital estrangeiro. Este quadro torna-se obsoleto na medida que, atualmente, novas condições de vida , novos os desafios apresentados, novos problemas a enfrentar , com isso é impossível pretender que continue o Direito do Trabalho a desempenhar o mesmo papel, pôr mais eficiente que outrora se tenha apresentado, continuar com a mesma armadura protetora Estatal seria condená-lo a ineficácia. A legislação do trabalho tem que estar mais aberta à economia e às necessidades de adaptação conjuntural, assiste-se ao fim do sempre mais, isto é, da crença do progresso social ilimitado e sem recuos, pelo acréscimo de regalias para os trabalhadores. Na verdade a conjuntura tem forçado os trabalhadores a suportarem condições de trabalho menos favoráveis e – aqui e além- a verem retiradas conquistas que se pensava estarem solidamente implantadas. No fundo, é a lógica dos ciclos econômicos a repercutir os seus efeitos no funcionamento dos sistemas de proteção dos trabalhadores. Esse fenômeno corresponde a um novo espírito do Estado menos centralizado, mais abertos aos grupos naturais e mais preocupado com a eficácia e bem estar da comunidade como um todo e não apenas de uma parcela de privilegiados. Tenho assim, a firme convicção de que a flexibilização e o desemprego podem viver  em sincronia. É um problema de prioridade política, associada a opção por executar um conjunto de políticas e ações capazes de aliar a estabilidade com crescimento e inclusão social.



Informações Sobre o Autor

Mário Antônio Lobato de Paiva

Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista


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