O Contrato de Trabalho Intermitente e Suas Implicações

Ozeias Oliveira Miranda*

 

RESUMO: O contrato de trabalho intermitente é uma nova modalidade de contrato inserida pela Lei nº 13.467/2017, com o fito, segundo o legislador de formalizar os “bicos”. No entanto, essa nova modalidade trouxe implicações práticas, tanto para o empregado quanto para o empregador, no que tange a concretização desses novos dispositivos, pois rompeu com a lógica daquele trabalho contínuo e diário, para um novo tipo de contratação em que a principal característica é a descontinuidade na prestação de serviço. Dessa forma, o intuito do presente artigo é demonstrar o que é trabalho intermitente na legislação e suas consequências na relação trabalhista, desde a contratação até o rompimento do contrato.

Palavras-chave: Trabalho intermitente. Requisitos. Precarização do trabalho.

ABSTRACT: the intermittent work contract is a new modality of contract inserted by law n. 13467/2017, according to the legislator to formalize the “nozzles”. However, this new modality has practical implications, both for the employee and the employer, regarding the concretization of these new devices, since it broke with the logic of that continuous and daily work, for a new type of contracting in which the main characteristic is the discontinuity in the provision of service. Thus, the purpose of this article is to demonstrate what is intermittent work in legislation and its consequences in the labor relationship, from hiring to breaking the contract.Keywords: Intermittent work. Requirements. Precarization of work.

 

Sumário: Introdução 1 Trabalho na Constituição Federal 2 Requisitos da relação de emprego 3 Conceito, requisitos e formalidades do contrato de trabalho intermitente 4 Jornada de trabalho no contrato intermitente 5 Remuneração no trabalho intermitente 6 Férias no contrato intermitente 7 Rescisão do contrato intermitente. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Em tempos de crise econômica o governo sempre se mostra ativo, mesmo que essa ação seja de alguma forma prejudicial a alguma classe, no presente caso, a classe trabalhadora. Assim, visando a criação de novos postos de emprego, segundo seus idealizadores, foi aprovado diversos dispositivos conhecidos como a reforma trabalhista e com essa reforma a criação do contrato de trabalho intermitente.

Essa nova modalidade de contratação, como veremos no decorrer desse artigo, foi totalmente prejudicial ao trabalhador, que nem sequer saberá qual a sua remuneração, precarizando de forma desumana as relações trabalhistas.

Ademais, devido a desnecessária precipitação na aprovação da Lei, a mesma foi sancionada com várias lacunas, inclusive no contrato intermitente, provocando insegurança jurídica, dando azo a muitas interpretações.

Dessa forma, demonstraremos o que é o trabalho intermitente na legislação e suas consequências na relação trabalhista desde a contratação até o rompimento do contrato e quais as vantagens para o empregado (se é que tem) e para o empregador ao adotarem o contrato intermitente para regerem suas relações trabalhistas.

 

1 Trabalho na Constituição Federal

A Constituição Federal é farta no que diz respeito a dispositivos trabalhistas, começando pelo artigo primeiro, o qual eleva os valores sociais do trabalho a fundamento do Estado Democrático de Direito.

Seguindo folheando a nossa Carta Magna a mesma traz diversos direitos trabalhistas que já conhecemos, no seu art. 7º, por exemplo, tem previsto o seguro desemprego, FGTS, salário mínimo, 13º, salário família, etc.

Ademais, vale lembrar que o art. 170, caput, da Carta Maior expressa que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano, vejamos:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

VIII – busca do pleno emprego;”

Assim, qualquer mudança na legislação com justificativa de “progresso” que desvalorize o trabalho humano e sua dignidade, deve ser, a meu entender, considerado inconstitucional e expurgada do sistema jurídico, tendo como base o art. 170 da Constituição Federal.

 

2 Requisitos da relação de emprego

Segundo Sergio Pinto Martins (2013, p. 107/108), são requisitos do contrato de trabalho: (a) continuidade, (b) subordinação, (c) onerosidade, (d) pessoalidade, (e) alteridade.

Em síntese, continuidade é quando há um trato sucessivo na relação entre as partes, que perdura no tempo, tem duração. A continuidade é da relação jurídica, da prestação de serviços.

A subordinação o empregado exerce sua atividade com dependência ao empregador, por quem é dirigido. O empregado é, por conseguinte, um trabalhador subordinado, dirigido pelo empregador.

Em relação a onerosidade, o empregado recebe salário pelos serviços prestados ao empregador. O empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos serviços prestados.

No que tange a pessoalidade, o contrato de trabalho é intuitu personae, ou seja, realizado com certa e determinada pessoa. O contrato em relação ao trabalhador é infungível. Não pode o empregado fazer-se substituir por outra pessoa, sob pena de o vínculo formar-se com a última.

E por último, e não menos importante está o requisito da alteridade. De acordo o professor Martins, alteridade vem de alteritas, de alter, outro. É um trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador. O empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos. (MARTINS, 2013, p.108).

 

3 Conceito, requisitos e formalidades do contrato de trabalho intermitente

A princípio a previsão do trabalho intermitente se encontra no art. 443 da CLT, o qual expressa que “o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente”.

O conceito de trabalho intermitente está expresso no § 3º, do art. 443 da CLT, e é definido como contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Segundo o dicionário Ediouro da língua portuguesa, intermitente é o “que apresenta interrupções a intervalos regulares; descontínuo” (XIMENES, 2001, p. 541).

Conforme a Portaria nº 349 do Ministério do Trabalho, considera-se período de inatividade o intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços nos termos do § 1º do art. 452-A da CLT.

Durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho.

Ademais, no contrato de trabalho intermitente, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade.

Por força do art. 2º da Portaria nº 349 do MTE, o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não, é o que reza o art. 452-A, da CLT.

Conforme a Portaria n. 349 de 23 de maio de 2018 do Ministério do Trabalho, o contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e registrado na Carteira de Trabalho e Previdência Social, ainda que previsto em acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conterá a identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes; o valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, nem inferior àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; e o local e o prazo para o pagamento da remuneração.

Quanto a necessidade de forma escrita, coaduno com a ideia da magistrada doutora Eliana dos Santos Alves Nogueira, a qual relata que, quanto à necessidade da forma escrita para o contrato de trabalho intermitente, observa-se que tal exigência constitui requisito formal para sua validade, ou seja, onde o trabalhador não tenha firmado o contrato escrito com os requisitos legais, restará caracterizado contrato de trabalho standard, ou seja, contrato de trabalho subordinado por prazo indeterminado e a tempo pleno. (NOGUEIRA, 2017, p. 136).

Neste eito, a Portaria nº 349 do MTE esclarece que, é facultado às partes convencionar por meio do contrato de trabalho intermitente: locais de prestação de serviços; turnos para os quais o empregado será convocado para prestar serviços; e formas e instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviços.

Vale ressaltar, que o empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência (§ 1º, do art. 452-A, da CLT). Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa (§ 2º, do art. 452-A, da CLT). A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente (§ 3º, do art. 452-A, da CLT).

Assim, aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo (§ 4º, do art. 452-A, da CLT).

Uma das questões de maior problemática, segundo Eliana Santos (2017, p.136), está na previsão de multa a ser quitada pelo trabalhador caso o mesmo, tendo aceitado a proposta de trabalho, deixe de comparecer sem motivo justificado. Primeiro porque a lei não estabelece quais seriam as justificativas aceitáveis para o empregado deixar de comparecer ao trabalho. Podemos pensar, por analogia, nas hipóteses legais do art. 473 da CLT, mas, no entanto, nestes casos, tendo aceitado o empregado o chamado, estaria o empregador obrigado a pagar o salário respectivo, conforme dispõe a própria norma, por tratar-se de períodos de ausências justificadas.

 

4 Jornada de trabalho no contrato intermitente

Há lacunas na Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), que irá trazer problemas incalculáveis, uma delas é que o legislador não previu um limite máximo de tempo para o trabalhador ser novamente convocado para trabalhar e nem sua jornada quando for convocado.

Assim, a lei não estabelece períodos mínimos ou máximos de trabalho a cada chamado e, por isso, em tese, poderia o empregador efetuar o chamado sem qualquer limitação. O problema da mínima jornada está relacionado à remuneração mínima diária do trabalhador e, quanto ao máximo, à possibilidade de desvirtuação do contrato intermitente (caso o mesmo se estenda por grandes períodos temporais). (NOGUEIRA, 2017, p. 136).

Ou seja, quantas horas mínimas e máximas diárias o trabalhador terá que trabalhar a cada convocação? Não sabemos, a lei é omissa. No entanto, nossa bússola é a Constituição Federal e ela relata que a duração do trabalho normal não pode ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Dessa forma, ainda não conseguimos desvendar qual seria a jornada mínima do contrato intermitente a cada convocação, entretanto a jornada máxima não poderá ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, conforme art. 7º, XIII da Constituição Federal.

 

5 Remuneração no trabalho intermitente

A remuneração, assim como as demais verbas trabalhistas, conforme art. 452-A, § 6º, serão pagas no mesmo dia que o empregado trabalhou, isso mesmo!!! No meu entender, observando pela ótica dos empregadores, esse dispositivo trará uma burocracia enorme, pois além de calcular as horas trabalhadas ao final de cada expediente, terão que fazer o pagamento das seguintes parcelas: remuneração; férias proporcionais com acréscimo de um terço; décimo terceiro salário proporcional; repouso semanal remunerado; e adicionais legais. Ou seja, tem que está com um contador disponível a cada convocação.

Segundo, Mauricio Godinho (2017, p. 156), a precarização instigada por esse novo instituto é tão evidente que o pagamento das verbas é realizado no próprio dia da prestação de serviços. Dessa maneira, ao final do expediente, esse empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: remuneração; férias proporcionais com acréscimo de um terço; décimo terceiro salário proporcional; repouso semanal remunerado; adicionais legais (art. 452-A, § 6º, CLT). O recibo de pagamento “deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo” (art. 452-A, § 7º, CLT).

Segue o exímio doutrinador relatando que:

“O rol do § 6º do art. 452-A da CLT é, porém, meramente exemplificativo. Outras parcelas podem incidir em benefício desse trabalhador institucionalmente precarizado. Ilustrativamente, sendo noturno o trabalho prestado, caberá se respeitar a hora ficta e se realizar o pagamento da hora noturna (art. 7º, IX, CF; art. 73, caput e § 1º, CLT). Da mesma maneira, se o tipo de trabalho ou circunstância laborativa ensejar a incidência de qualquer outra regra jurídica ou dispositivo conexo, será devida a respectiva parcela (adicional de insalubridade; adicional de periculosidade; etc.). Evidentemente que também o Vale Transporte é devido a esse trabalhador, relativamente a todos os dias em que for convocado para o trabalho, haja ou não trabalho efetivo (art. 1º da Lei n. 7.418/1985, conforme redação promovida pela Lei n. 7.619/87). (DELGADO, 2017, p.157)”.

Por outro lado, no tocante ao pagamento da remuneração, embora o dispositivo legal mencione que o pagamento é devido ao final de cada período de prestação de serviços, tal disposição deve estar em consonância com o art. 459 da CLT, que estabelece que qualquer que seja a modalidade de trabalho, a periodicidade máxima é de 30 (trinta) dias, com pagamento até o quinto dia útil do mês subsequente quando fixado mensalmente. (NOGUEIRA, 2017, p.137).

No entanto, a melhor interpretação, a meu ver é, que a intenção do legislador é que seja feito o pagamento logo após a prestação do serviço e não mensal, como previsto no art. 459 da CLT, haja vista que esse dispositivo, prevê o período máximo de 1 mês para pagamento, ou seja, o que não pode é, ultrapassar 01 mês sem o pagamento da remuneração, e no trabalho intermitente não ultrapassa, haja vista que o dispositivo é enfático ao expressar que o pagamento é logo após o período de prestação de serviço, no mesmo dia (§ 6º, do art. 452-A, da CLT).

Entretanto, para atenuar com a polêmica de que a remuneração deve ser paga no mesmo dia ou não da prestação de serviço, o Ministério do trabalho editou a Portaria nº 349, a qual em seu art. 2º, § 2º, expressa que, na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento das parcelas a que se referem o § 6º do Art. 452-A da Consolidação das Leis do Trabalho não poderá ser estipulado por período superior a um mês, devendo ser pagas até o quinto dia útil do mês seguinte ao trabalhado, de acordo com o previsto no § 1º do art. 459 da C LT.

No entanto, nada fala sobre a hipótese da convocação não exceder um mês, pressupondo que, em tais circunstâncias o pagamento deve ser feito logo após a prestação de serviço.

Segundo Godinho (2017, p. 155) os novos preceitos jurídicos parecem querer criar um contrato de trabalho sem salário. Ou melhor: o salário poderá existir, ocasionalmente, se e quando o trabalhador for convocado para o trabalho, uma vez que ele terá o seu pagamento devido na estrita medida desse trabalho ocasional. Ou seja, o salário contratual será calculado em função da produção do trabalhador no respectivo mês, produção a ser estimada pelo número de horas em que se colocou, efetivamente, à disposição do empregador no ambiente de trabalho, segundo convocação feita por esse empregador.

Segue o doutrinador relatando que, não há dúvida que esse tipo de contratação poderá ter um efeito avassalador quanto ao rebaixamento do valor trabalho na economia e sociedade brasileiras. É que ostentando essa fórmula uma amplitude bastante extensa (vide a generalidade da regra constante do § 3º do art. 443 da CLT), ela tenderá a instigar os bons empregadores a precarizarem a sua estratégia de contratação trabalhista tão logo os concorrentes iniciarem esse tipo de prática. (DELGADO, 2017, p. 156).

Por fim, o empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.

 

6 Férias no contrato intermitente

Reza o § 9º do art. 452-A da CLT que “a cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador”. Ou seja, pela sistemática do contrato intermitente, o empregado poderá trabalhar para mais de um empregador, assim, caso ele trabalhe para mais de um empregador, as férias serão relativa à apenas um empregador o qual ele tem direito a usufruir férias. Em síntese, o trabalhador intermitente continuará trabalhando, mesmo nas férias, o que descaracteriza totalmente a finalidade das férias, que é o descanso.

Vejamos o exemplo, o empregado João trabalha em regime de contrato intermitente para a empresa A e B, 3 dias na semana trabalha para a empresa A (segunda, terça e quarta) e 2 dias na semana para empresa B (quinta e sexta). João adquiriu direito a férias na empresa B (a qual ele trabalha quinta e sexta), no entanto, ele continuará trabalhando na empresa A, nos dias de segunda a quarta. O que extraímos desse exemplo, é que João nem trabalhará a semana toda para complementar sua remuneração nem fruirá totalmente suas férias, pois terá que trabalhar de qualquer forma, não podendo nem planejar uma viagem, nem ter um descanso digno, o que retira totalmente a finalidade das férias, conforme já explanamos.

Ademais, temos mais uma celeuma relativo às férias, no que tange o pagamento das férias proporcionais, vejamos.

No tocante à previsão de pagamento das férias proporcionais acrescidas de 1/3 a cada período laborado, expresso no art. 452-A, § 6º, II, da CLT, resta evidente a inconstitucionalidade da norma. Isto porque, caso o pagamento das férias proporcionais acrescidas de 1/3 for efetuado a cada período laborado, corre-se o risco de criarmos a figura do gozo de férias anuais sem qualquer pagamento, o que é evidentemente inconstitucional, por violar frontalmente o disposto no art. 7°, XVII, da Constituição Federal de 1988. Observe-se que o § 9° do art. 452-A traz expressa previsão legal do direito ao gozo de férias anuais de 30 (trinta) dias, mas, no entanto, não existe gozo de férias sem a respectiva remuneração acrescida de 1/3 contemporâneos ao gozo, conforme se depreende da clareza da norma constitucional mencionada. (NOGUEIRA, 2017, p. 138).

Esse também é o pensamento de Maurício Godinho que leciona da seguinte forma:

“Aparentemente, imagina a literalidade da lei que as férias podem ser gozadas sem pagamento da remuneração e do terço constitucional – em manifesto descumprimento do disposto no art. 7º, XVII, da Constituição). Não sendo essa alternativa viável, do ponto jurídico (não há férias, no Direito brasileiro, sem remuneração e respectivo terço de acréscimo), tem-se que admitir que cabe, sim, o pagamento das férias de 30 dias, com o terço constitucional pertinente, assegurado o cálculo de seu montante pela média mensal dos salários nos meses componentes do período aquisitivo, respeito o piso do salário mínimo mensal. (DELGADO, 2017, p.157).”

Assim, em termos práticos, o que fazer em tal situação observando pela ótica do empregador, deve-se pagar as férias proporcionais e o terço constitucional no mesmo dia da prestação do serviço, conforme art. 452-A, § 6º, II? Ou pagar essas parcelas no momento do gozo das férias do empregado, observando seu montante pela média mensal dos salários nos meses componentes do período aquisitivo, respeitando o prescrito no art. 7º, XVII, da Constituição? E caso o empregador pague essas verbas conforme a primeira pergunta, será obrigado a pagar novamente quando o empregado for gozar as férias?

Entendo que, o art. 452–A, § 6º, deve ser declarado inconstitucional não somente na parte concernente as férias, mas em todo seu conjunto, por violar o princípio da proporcionalidade, ao burocratizar demasiadamente a relação de trabalho ao exigir do empregador que pague todas as verbas logo após a prestação do serviço, imagine, todo dia que o empregado prestar serviço, terá que entregar recibos discriminando os valores recebidos, observe no exemplo de João todo dia um recibo ou holeirite a ser recebido.

Por outro lado, a inconstitucionalidade ainda deve ser declarada, pois o empregador não pode pagar duas vezes pelas férias proporcionais, ou seja, pagar logo após a prestação de serviço e também quando o empregado for entrar de férias. Assim o art. 452-A, § 6º, II, deve ser declarado inconstitucional por violar o art. 7 º, XVII, da CF, para que o empregador pague somente quando o empregado for gozar das férias, e assim este tenha suas férias remuneradas.

Assim, com relação as férias ficaram muitas lacunas e perguntas, as quais ficarão no mundo jurídico provocando inseguranças jurídicas, até os Tribunais Superiores ou os legisladores se manifestarem a respeito.

Por fim, o empregado, mediante prévio acordo com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, nos termos dos §§ 1º e 3º do art. 134 da Consolidação das Leis do Trabalho.

 

7 Rescisão do contrato intermitente

Os dispositivos da reforma trabalhista que relatam sobre o trabalho intermitente, também são omissos quanto ao direito do empregado intermitente às verbas rescisórias. Para atenuar essa omissão foi editada a Medida Provisória nº 808 que trazia o rol das parcelas rescisórias devidas, expressas no art. 452-E, da CLT. Como é sabido, a vigência da supracitada medida provisória foi encerrada e consequentemente revogados todos os dispositivos trazidos por ela, deixando o assunto omisso novamente.

Mesmo os novos dispositivos nada terem falado sobre o assunto, a questão deve ser interpretada conforme o art. 477 da CLT, o qual relata que na extinção do contrato de trabalho além do empregador fazer as devidas anotações na CTPS, deverá pagar as verbas rescisórias no prazo legal.

Ademais, de acordo a Portaria nº 349/2018, as verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente. Demonstrando assim, que neste tipo de contratação há sim verbas rescisórias a serem pagas (art. 5º).

No cálculo da média a que se refere as verbas rescisórias, serão considerados apenas os meses durante os quais o empregado tenha recebido parcelas remuneratórias no intervalo dos últimos doze meses ou o período de vigência do contrato de trabalho intermitente, se este for inferior.

Dessa forma, as verbas rescisórias são devidas no contrato intermitente, porém com fórmulas jurídicas e matemáticas diferente da rescisão do contrato de trabalho por tempo indeterminado.

 

Conclusão

Restou demonstrado que o trabalho é algo tão indispensável na vida do ser humano que o legislador constituinte brasileiro o trouxe como fundamento do Estado Democrático de Direito.

Com efeito, a doutrina interpretando a legislação trabalhista ordinária trouxe os requisitos da relação de emprego, quais sejam: (a) continuidade, (b) subordinação, (c) onerosidade, (d) pessoalidade, (e) alteridade.

Assim, ao prevê o novo tipo de contrato de trabalho, chamado de intermitente, trouxe novos requisitos específicos como, descontinuidade, alternância de períodos e inatividade.

No entanto, deixou várias lacunas de ordem prática, conforme já explicitados acima, como por exemplo, não previu o limite mínimo e máximo da jornada de trabalho intermitente, o limite temporal sem convocação do empregado, e trouxe a polêmica que a remuneração e as demais verbas devem ser pagas no mesmo dia da prestação de serviço mesmo indo de encontro com o texto constitucional.

Vale ressaltar, que esse novo tipo de contrato é altamente prejudicial ao trabalhador, pois teremos a figura do empregado desempregado, ou seja, o cidadão tem a CTPS assinada, porém se o empregador não o convocar para trabalhar ele não receberá a remuneração, pois ele só perceberá de acordo as horas trabalhadas, o mês que não trabalhar não receberá, e o mês que trabalhar poucas horas, pouco também receberá.

É angustiante perceber que o trabalhador não terá sequer um planejamento prévio de suas finanças, pois não saberá quando vai ser convocado ao trabalho e quando vai ter salário.

Desta forma, acredito no bom senso dos Tribunais por meio das jurisprudências para interpretar as normas obedecendo os princípios trabalhistas (in dubio pro misero, proteção, etc) ao verificar as diversas lacunas e contradições existentes na reforma trabalhista, em especial o contrato intermitente, que nos traz muitas preocupações relativas ao trabalhador e expectativas negativas.

 

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 15 de outubro de 2018.

BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das

Leis do Trabalho. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.

br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 15 de outubro de 2018.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Gabinete do Ministro. Portaria nº 349, de 23 de maio de 2018. Estabelece regras voltadas à execução da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, no âmbito das competências normativas do Ministério do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 maio 2018. p. 92. Acesso em 15 de outubro de 2018.

DELGADO, Gabriela Neves; DELGADO, Mauricio Godinho. A Reforma Trabalhista no Brasil: Com os Comentários à Lei N. 13.467/2017. São Paulo; LTR, 2017.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 29.ed. São Paulo: Atlas, 2013.

NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. O contrato de trabalho intermitente na reforma trabalhista brasileira: contraponto com o modelo italiano. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 51, p. 127-148, 2017.

XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa. Edição revista e ampliada. São Paulo: Ediouro, 2001.

* Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Advogado. E-mail: [email protected].

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